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A pequena frase - "Por que não tenta escrever?" - envolvia-me como fizera desde o
início, num atoleiro de irremediável confusão. Eu queria encantar, mas não escravizar;
queria uma vida mais ampla, mais rica, mas não à custa dos outros; eu queria libertar
a imaginação de todos os homens imediatamente, porque sem o apoio do mundo
inteiro, sem um mundo imaginativamente unificado, a liberdade da imaginação se
torna um vício. Eu não tinha respeito por escrever per se, assim como não o tinha por
Deus per se. Ninguém, nenhum princípio, nenhuma idéia tem validez por si mesma. O
que é válido é somente aquele tanto - de tudo, Deus incluído - que é realizado por
todos os homens em comum. As pessoas sempre se preocupam com o destino do
gênio. Eu nunca me preocupei pelo gênio: o gênio toma conta do gênio num homem.
Minha preocupação se voltou para o joão-ninguém, para o homem que se perde na
confusão, o homem que é tão comum, tão ordinário, que sua presença nem chega a
ser notada. Um gênio não inspira outro. Todos os gênios são sanguessugas, por assim
dizer. Nutrem-se da mesma fonte - o sangue da vida. A coisa mais importante para um
gênio é se fazer inútil, ser absorvido pelo fluxo comum, tornar-se um peixe novo e não
uma aberração da natureza. O único benefício, refleti, que o ato de escrever podia me
oferecer era eliminar as diferenças que me separavam do próximo. Definitivamente
não queria me tornar o artista, no sentido de me tornar algo estranho, algo à parte e
fora da corrente da vida.