Você está na página 1de 47

FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO

GROSSO

MICHELLY NASCIMENTO BARRETO MEDEIROS

A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO BRASIL E SUA ADOÇÃO COMO


FUNDAMENTO NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CUIABÁ
2017
MICHELLY NASCIMENTO BARRETO MEDEIROS

A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO BRASIL E SUA ADOÇÃO COMO


FUNDAMENTO NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada ao Curso de


Especialização Lato Sensu em Direito
Constitucional e Administrativo da Fundação
Escola Superior do Ministério Público de Mato
Grosso, em convênio com a Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Especialista em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

CUIABÁ
2017
4

MICHELLY NASCIMENTO BARRETO MEDEIROS

A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO BRASIL E SUA ADOÇÃO COMO


FUNDAMENTO NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada ao Curso de


Especialização Lato Sensu em Direito
Constitucional e Administrativo da Fundação
Escola Superior do Ministério Público de Mato
Grosso, em convênio com a Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Especialista em Direito.

Aprovada pelos membros com menção ___________


(____________________________________________).

____________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

FESMP-MT

_______________________________________
Diretor Geral: Professor Mestre Joelson de Campos Maciel

FESMP-MT
Data de aprovação ____/____/______
MEDEIROS, MICHELLY NASCIMENTO BARRETO. A ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO NO BRASIL E SUA ADOÇÃO COMO FUNDAMENTO NAS DECISÕES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 2017. Nº 47f. Monografia Especialização em
Direito Constitucional e Administrativo – Fundação Escola Superior do Ministério
Público de Mato Grosso e Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio
Grande do Sul.

RESUMO
A necessidade de interpretação das normas jurídicas e a medição de seus efeitos de
forma interdisciplinar está cada vez mais evidente. A complexidade das relações
sociais e o envolvimento de questões no âmbito de direito, que vão muito além da
esfera jurídica, são inegáveis. Reconhecer e encarar a realidade dos dias atuais torna-
se necessário. Afinal, todos os atos e fatos jurídicos produzem efeitos significativos
em outras esferas da sociedade - não raro e frequentemente – as decisões judiciais
não só produzem efeitos, de imediato, econômicos, seja nas finanças do Estado ou
mesmo no âmbito privado, mas também possuem padrões de efetividade e
assertividade que podem ser medidos e ponderados numericamente. Esses
resultados não podem ser ignorados pelo direito. É nesse sentido que a utilização de
parâmetros e instrumentais econômicos apresenta-se como possibilidade viável e
basilar ao Direito, não servindo apenas para medir os resultados econômicos e
financeiros das decisões judiciais, embora sejam igualmente relevantes; porém, seu
escopo consequencialista possibilita avaliar toda e qualquer realidade, a fim de se
obter o melhor resultado possível para às demandas do direito.

Palavras-chaves: Direito, Economia, Eficiência, Justiça.


MEDEIROS, MICHELLY NASCIMENTO BARRETO. A ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO NO BRASIL E SUA ADOÇÃO COMO FUNDAMENTO NAS DECISÕES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2017. Nº 47f. Monografia Especialização em
Direito Constitucional e Administrativo – Fundação Escola Superior do Ministério
Público de Mato Grosso e Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio
Grande do Sul.

ABSTRACT

The need for interpretation of legal norms and the measurement of their effects in an
interdisciplinary way is increasingly evident. The complexity of social relations and the
involvement of legal issues, which go far beyond the legal sphere, are undeniable.
Recognizing and facing the reality of the present day becomes necessary. After all, all
legal acts and facts produce significant effects in other spheres of society - often and
often - judicial decisions not only produce immediate economic effects, either in state
finances or privately, but also have patterns of effectiveness and assertiveness that
can be measured and weighted numerically. These results can not be ignored by law.
It is in this sense that the use of economic parameters and instrumentalities presents
itself as a viable and basic possibility to the Law, not only serving to measure the
economic and financial results of judicial decisions, although they are equally relevant;
but its consequentialist scope makes it possible to evaluate every reality in order to
obtain the best possible result for the demands of the law.

Keywords: Law, Economics, Efficiency, Justice.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................8

1. PROPOSTA DA ANÁLISE ECONOMICA DO DIREITO ....................................................... 10


1.1 O QUE É ECONOMIA: UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA NA MODERNIDADE .......... 10
1.2 O DIREITO E O CONFLITO DE JUSTIÇA ............................................................................ 12
1.3 DIREITO E ECONOMIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL ........................................................... 14
1.4 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO................................................................................... 18

2. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PRINCIPAIS TEÓRICOS .................................................... 21


2.1 ESCASSEZ E ESCOLHA ....................................................................................................... 21
2.2 MAXIMIZAÇÃO RACIONAL ................................................................................................... 23
2.3 FALHAS DE MERCADO ......................................................................................................... 24
2.4 EFICIÊNCIA ECONÔMICA..................................................................................................... 25
2.4.1 Eficiência De Pareto .............................................................................................. 25
2.4.2 Kaldo-Hicks (Compensação Potencial) ............................................................... 27
2.5 TEOREMA DE COASE ........................................................................................................... 28
2.6 TEORIA DOS JOGOS............................................................................................................. 29
2.7 DILEMA DOS PRISIONEIROS .............................................................................................. 30

3. ANÁLISE ECONÔMICA NO BRASIL ..................................................................................... 32


3.1 A APLICAÇÃO DA AED NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA.......................................... 34
3.2 FUNDAMENTOS DA AED NAS DECISÕES DO STF .........................................................35

CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 42

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 45
8

INTRODUÇÃO

É pouco comum no campo do Direito profissionais que consideram em sua


atuação aspectos externos ao seu objeto principal, sobretudo os de natureza
econômica. Não obstante a natural interferência do Direito nas relações econômicas
e a complexidade crescente das relações sociais, o Direito e Economia ainda parecem
incomunicáveis para a maior parte dos juristas.
A proposta de estudo em conjunto entre Direito e Economia ganhou força a
partir do século XX, com origem no Direito norte-americano, especificamente na
escola de Chicago em meados de 1961. Alguns estudiosos, baseando-se em
preceitos fundamentais da econômica moderna propostos por nomes como Adam
Smith, Beccaria, Bellamy e Jeremy Bentham, dentre outros, propuseram um estudo
interdisciplinar das duas áreas do conhecimento, qual seja, Direito e Economia.
Denominada Law and Economics no país de origem e conhecida no Brasil como
“Direito e Economia” ou “Análise Econômica do Direito”, suas premissas suscitam
opiniões diversas, não sendo, nem de longe, unanimidade entre os juristas. Com uma
proposta de enxergar o Direito forma interdisciplinar e aliado à Economia e à Filosofia,
é possível vislumbrar a utilização de parâmetros que não os propriamente do Direito
que podem ser aliados para a promoção de uma justiça inclusiva e solidária.
Fundamentalmente, a Análise Econômica do Direito propõe respostas para
perguntas essenciais. Quais os prováveis efeitos das decisões judiciais? A solução
proposta atingirá seu objetivo principal? Qual a melhor forma de decidir a fim de que
haja o menor prejuízo e o melhor alcance possível? Essas são algumas das
proposituras às quais a corrente de estudo se propõe a responder. Entretanto, apesar
de bastante disseminado e aplicado no Direito norte-americano, a Law and Economic
ainda causa desconforto em muitos juristas brasileiros. Embora o sistema jurídico
americano, baseado no Cammon Law, favoreça a aplicação da Análise Econômica do
Direito (AED), existem propostas para a aplicação em sistemas distintos, como o Civil
Law, adotado pelo Brasil. A despeito de todo desenvolvimento na América do Norte,
no cenário jurídico brasileiro, há restrição severa em sua abordagem de forma
enfática.
Destaca-se ser evidente que os pressupostos fundamentais das duas
disciplinas são completamente distintos. O Direito ocupa-se em específico de
promover justiça. Para a Economia, o desígnio fundamental é a eficiência. A utilização
9

de ferramentas e metodologias da Ciência Econômica têm se mostrado útil. É


imperioso destacar que o Direito possui influências sob os aspectos econômicos, da
mesma maneira que a economia interfere, invariavelmente, nas questões de Direito.
Deste modo, aliar interesses distintos e objetivos que, a priori, parecem distantes, é o
problema que a Análise Econômica do Direito propõe resolver.
Esta pode ser definida como uma ciência que estuda a aplicação da teoria
microeconômica neoclássica no exame das principais instituições e sistemas jurídico
de forma conjunta. Em outras palavras, a proposta da Economia associada ao Direito
nada mais é do que um caminho alternativo e eficiente para os problemas jurídicos
antigos, não sendo a única via, mas um caminho de ponderação que traz luz nova a
problemas antigos e recorrentes do Direito.
Historicamente, a aproximação das duas ciências é bastante natural e
perceptível à medida que os desafios são apresentados. Cumpre dizer que a Análise
Econômica do Direito tem crescido e conquistado adeptos no Brasil. Em parte, porque
é inegável a correlação entre o Direito e Economia e suas influências recíprocas. Em
outro aspecto, porque o Direito tem buscado maior eficiência e assertividade nas
decisões de sua competência, avaliando, efetivamente, os resultados alcançados em
sua atuação, por meio do legislativo, do judiciário e até mesmo nas políticas públicas
adotadas pelo executivo. Em outras palavras, a Análise Econômica do Direito repensa
o Direito e busca soluções para as controvérsias jurídicas mediante premissas usadas
pelos economistas.
Diante das colocações apresentadas, busca-se no presente trabalho
demonstrar o panorama de surgimento da Análise Econômica do Direito e seu
desenvolvimento, especialmente no Brasil. Inicia-se o estudo com a conceituação de
Direito e Economia, além de demonstrar a viabilidade de estudo em conjunto entre as
disciplinas. Em um segundo momento, abordar-se-ão aspectos introdutórios da
Ciência Econômica, quais sejam, conceitos de escolha, escassez, maximização
racional, eficiência, além de modelos e sistemas econômicos. Por fim, são
apresentadas considerações a respeito da evolução da disciplina no Brasil, sendo
feitas avaliações acerca da utilização de conceitos e de instrumentais econômicos
pelo judiciário, sobretudo, no Supremo Tribunal Federal.
10

1. PROPOSTA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

A análise econômica do Direito possui algumas características próprias que a


distingue de outras teorias jurídicas. A rejeição da ideia de um Direito como disciplina
autônoma e independente das realidades sociais é uma delas. É razão desse
fundamento o conceito de que o Direito não subsiste em si mesmo. Com efeito, a
utilização de métodos das demais ciências sociais na realidade jurídica exsurge como
uma possibilidade viável e instigante.
A despeito das distintas concepções de teorias econômicas e jurídicas, é
necessário superar algumas diferenças. Entender que as disciplinas possuem retalhes
metodológicos distintos; contudo, com objetos e problemáticas comuns aos dois
campos de estudo, é um desafio. É fato que, independente da área do conhecimento,
enxergar a realidade sob as diversas perspectivas não é uma tarefa fácil.
Além das diferenças óbvias de linguagem e instrumentais, o Direito e a
Economia possuem tipos de problemas diferentes. Enxergam o mundo sob aspectos
distintos e propõem soluções diferentes à sociedade. As premissas são
completamente distintas umas das outras. No entanto, considerar o Direito e
Economia como incomunicáveis acarreta perda na capacidade analítica de problemas
comuns. A análise puramente econômica do Direito não é suficiente. De igual maneira,
o Direito é suprimido quando ignora a eficiência em sua atuação. Portanto, é
necessário reconhecer as esferas de atuação, as limitações e a utilidade de cada uma
delas à sociedade.

1.1 O QUE É ECONOMIA: UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA NA


MODERNIDADE

Embora existam diversas definições, o conceito de Economia como ciência, de


forma completa e concisa, é um desafio desde os mais antigos pensadores da
Economia, a exemplo de Adam Smith. Pode-se dizer, assim, que em sua fase
moderna, a Economia está associada ao estudo do processo de tomada de decisões
11

dos agentes racionais. Na definição de Alfred Marshall 1 a “Economia é o estudo do


homem dirigindo sua vida cotidiana”. A contrário censo, é muito comum a associação
imediata de economia a métodos quantitativos, índices econômicos, dinheiro, juro,
empregos e problemas complexos que envolvem muitos números, frações, gráficos e
análises financeiras.
Sob a perspectiva moderna, a Economia se preocupa com problemas para
além dos tradicionalmente atribuídos a ela. Qualquer relação ou processo que envolva
escolhas, nas suas mais esferas, são passíveis de análise por um método econômico.
É notório que a Economia tem se preocupado com aspectos que vão muito além de
fórmulas e números ininteligíveis aos profissionais de outras áreas. Em outras
palavras, toda forma de manifestação e comportamento humano que demande
tomada de decisões faz parte do arcabouço de estudo da Ciência Econômica.
Nesse diapasão, a abordagem econômica é antes de tudo um método de
pesquisa sobre o comportamento humano. Nas palavras de Carlos Águedo Nagel
Paiva e André Moreira Cunha2:
A Economia estuda a alocação de recursos escassos (dinheiro,
capacidade de trabalho, energia, etc.) entre fins alternativos (lazer,
segurança, sucesso, etc.) por parte dos proprietários de recursos que
buscam obter o máximo benefício por unidade de dispêndio.

Deste modo, a Ciência Econômica, a qual é associada comumente a preços e


mercados, já não reflete de forma fidedigna o conceito atualmente aplicável. Conforme
assevera Marco Antônio Vasconcellos e Manuel Enrique Garcia3:
Economia é a ciência social que estuda como o indivíduo e a
sociedade decidem (escolhem) empregar recursos produtivos
escassos na produção de bens e serviços, de como a distribuí-los
entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as
necessidades humanas.

A Ciência Econômica se concentra no estudo do agente racional que busca a


maximização dos resultados com menor uso possível dos recursos sendo, portanto, o
comportamento racional maximizador do agente é o objeto de estudo da Ciência

1
MARSHAL, Alfred. apud ALBUQUERQUE, Marcos C. C. Introdução à Teoria Econômica. São
Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1974. Pag. 1
2
PAIVA, Carlos Á. N; Cunha, André M. Noções de economia. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2008. Pag. 15
3
VASCONCELLOS, M. A. S; GARCIA, E. M. Fundamentos de Economia. São Paulo: Saraiva, 2008.
Pag. 10
12

Econômica. Nesse sentido, a Economia propõe métodos para compreender o


comportamento humano frente à escassez dos recursos.
Dito isso, cumpre ressaltar que a Economia, antes de tudo, investiga aspectos
da atividade humana que se refletem nas mais diversas áreas do conhecimento, tal
qual Ciência Política, Sociologia, Antropologia e até mesmo o Direito. Nesse sentido,
ampliando a concepção da Ciência Econômica, é possível dizer que todo
comportamento e atividade humana são passíveis de análise sob a ótica econômica.

1.2 O DIREITO E O CONFLITO DE JUSTIÇA

O Direito pode ser visto sob diferentes perspectivas. É comum a prevalência de


teorias que o sugerem como um conjunto de regras que estruturam a vida do homem
em sociedade, que contemplam uma série de princípios, normas e leis. Contudo, não
raro, sustenta-se a ideia de que a principal forma de manifestação do Direito é,
justamente, a norma positivada – a lei. Talvez porque a maneira mais corriqueira de
materialização seja mediante a norma escrita, ou ainda, decorrência do sistema
jurídico baseado no Civil Law, que tem como escopo fundamental o direito positivado.
Cumpre dizer, porém, que a ideia de Direito como sinônimo de norma é
demasiadamente reducionista. Ainda que a norma jurídica esteja fundamentada em
diversos valores sociais e princípios universais, o Direito não é e não pode ser
estritamente lei pura. Nesse sentido, assevera Roberto Lyra Filho4:
[...] se o direito é reduzido à pura legalidade, já apresenta a dominação
ilegítima, por força desta mesma suposta identidade; e este “Direito”
passa, então das normas estatais, castrado, morto e embalsamado,
para o necrotério duma pseudociência, que os juristas conservadores,
não à toa, chamam de dogmática. Uma Ciência verdadeira, entretanto,
não pode se fundar em “dogmas” que divinizam as normas do Estado
[...].

O Direito positivo não é o trunfo maior da sociedade. De igual maneira, qualquer


definição restritiva de Direito é em parte, insuficiente, em parte, reducionista. Alguns
aspectos fundamentais devem ser considerados quando da tentativa de definir o
Direito. Partindo de seu pressuposto intrínseco, o baluarte do Direito é a promoção da

4
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. Tatuapé: editora brasiliense s.a. Pág. 10 – 11.
13

justiça, seja mediante lei ou princípios. Na perspectiva de Bernardo Montalvão, a


justiça é o valor mais elevado do Direito, sendo ela irredutível.5
Não obstante a lei, é indiscutível que seu desígnio final é a Justiça. Sob esse
ponto de vista, não é correto dizer que Direito e Justiça sejam conceitualmente a
mesma coisa, mas sim que o Direito-norma está sujeito e condicionado ao atingimento
de um fim último, qual seja, a justiça.
É comum a reflexão sobre os aspectos que envolvem a justiça e o
comportamento humano que os representam. É necessário ater-se a
questionamentos básicos nessa digressão: o que é justiça? Quando se atinge a
justiça? Existe uma justiça comum? A justiça pode ser injusta? O que é um
comportamento justo?
É difícil imaginar qualquer indivíduo racional que não tenha a justiça como um
valor social e pessoal. Há individualmente uma necessidade de auferi-la e isso se
deve ao fato de que, embora seja diferente para cada indivíduo, a justiça é o anelo de
esperança6 que sustenta a vida em sociedade. É justamente na tentativa de
conciliação desses valores humanos que o Direito se ocupa. É na conciliação dos
múltiplos fatores e nos princípios da justiça que o operador do Direito deve se ater. A
esse respeito, escreveu Paulo Hamilton7:
A experiência jurídica mostra que em casos concretos surgem valores
antagônicos, como a intimidade e a liberdade de expressão. Pois bem,
surge aí o conflito entre dois direitos fundamentais, que devem ser
conciliados por intermédio do valor justiça.

Esse conflito se dá porque os aspectos valorativos do Direito não são


absolutos. Eles se relacionam de forma dinâmica e, nessa oscilação, produzem
conflitos que devem ser solucionados. Em particular, o Direito tem como escopo
principal a promoção da justiça e, nesse exercício, realiza a ponderação de valores
sociais, para que prevaleçam aqueles que, de certo modo, tornam a sociedade como
um todo, mais justa e igualitária.
A definição de justiça é outro grande problema historicamente conflitoso entre
intelectuais. A despeito das diversas acepções, a justiça não pode ser definida. Não
há, necessariamente, um limite para o seu exercício. Ela é variável, versátil e se

5
MONTALVÃO, Bernardo. Resolução nº 75 do CNJ: descomplicando a Filosofia do Direito. Salvador:
Ed. JusPodivm, 2016 Pag. 18
6
CUNHA, Paulo Ferreira da. Filosofia Jurídica Prática. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2009. Pág. 61
7
SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton. Teoria do Direito. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 335
14

adequa às necessidades do agente e da sociedade. Nas lições de Aristóteles, a justiça


é a forma perfeita de excelência moral8:
[...] justiça é, portanto, uma virtude completa, porém não em absoluto
e sim em relação ao nosso próximo. Por isso a justiça é muitas vezes
considerada a maior das virtudes, e "nem Vésper, nem a estrela-
d’alva" são tão admiráveis; e proverbialmente, "na justiça estão
compreendidas todas as virtudes". E ela é a virtude completa no pleno
sentido do termo, por ser o exercício atual da virtude completa. É
completa porque aquele que a possui pode exercer sua virtude não só
sobre si mesmo, mas também sobre o seu próximo, já que muitos
homens são capazes de exercer virtude em seus assuntos privados,
porém não em suas relações com os outros.

Em outros termos, na perspectiva Aristotélica, a justiça é a virtude de “dar a


cada um aquilo que é seu”. No mundo moderno, a aptidão de promoção da justiça,
nos termos amplos, é do Estado - a justiça é ele quem o faz. Todos podem,
individualmente, escolher agir com justiça ou desprezá-la, conforme a conveniência.
O Estado, no entanto, tem o dever de promovê-la e, nesse intento, tem o poder-dever
de impor sanções a todo comportamento humano que se distancie daquilo que se
considera justo.
Posto isso, é cediço afirmar que a justiça é um conceito fundamental, irredutível,
da ética, da filosofia social e jurídica, devendo ser norteador de todo comportamento
humano em relação ao outro9. É verdade que a definição social de conceitos
individuais de justiça e a conciliação dos interesses pessoas e coletivos, é um desafio
dantesco para o Direito e à sociedade moderna; contudo, compete aos juristas e aos
operadores do Direito buscá-la incansavelmente.

1.3 DIREITO E ECONOMIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Sob a perspectiva apresentada, ficou evidente que o Direito e a Economia são


ciências distintas; porém, necessariamente interligadas. No atual contexto de
globalização, é difícil imaginar um fato ou ato jurídico que não produza efeitos na
esfera econômica. Da mesma forma, o Direito é ligeiramente sensível às variações

8
ARISTÓTELES. A Ética a Nicômano. Trad. De Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova
Cultural, 1991. Pag. 98-99.
9
MONTALVÃO, Bernardo. Resolução nº 75 do CNJ: descomplicando a Filosofia do Direito. Salvador:
Ed. JusPodivm, 2016 Pag. 19
15

econômicas. Enquanto a Economia se concentra em estudar o ser humano, suas


escolhas e as consequências decorrentes de seu comportamento. A Ciência Jurídica
analisa o comportamento humano a fim de regulá-lo, considerando valores e
princípios sociais do contexto no qual está inserido. A reciprocidade das duas áreas
do conhecimento – Direito e Economia – faz emergir a proposta de estudo
interdisciplinar como um método de intepretação no fenômeno jurídico. A Análise
Econômica do Direito se propõe a estudar o Direito a partir elementos da Economia,
conforme Prof. Oksandro Gonçalves e Felipe Tadeu10:
[...] um método de interpretação do fenômeno jurídico no qual são
utilizadas as metodologias criadas na ciência social econômica,
especialmente com a incorporação dos elementos valor, utilidade e
eficiência. Esse método está baseado em dois enfoques: na análise
positiva do Direito, relativo aos efeitos econômicos que ocorrem com
um determinado enquadramento jurídico, e na análise normativa do
Direito, que determina qual enquadramento jurídico deve ser criado a
fim de se atingir a maior eficiência econômica.

Nas palavras de Fábio Nusdeo, Direito e Economia são “um todo indiviso, uma
espécie de verso e reverso da mesma moeda, sendo difícil até que ponto o Direito
determina a Economia, ou, pelo contrário, esta influi sobre aquele”11 É importante
ressaltar que, embora evidente a necessidade de estudo em conjunto, a proposta
pode ser um tanto quanto perigosa. Incorrer no erro de considerar os preceitos
econômicos de forma absoluta ao Direito é demasiadamente prejudicial, da mesma
forma que rejeitar a relevância da economia para a Ciência Jurídica e seu arcabouço
é nocivo à própria justiça, conforme salienta Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau,
“reconhecer o perigo de recorrer às ciências sociais não quer dizer renunciar a elas”. 12
Diante dos impasses e percalços que o estudo conjunto entre Direito e
Economia enfrenta, o maior deles está na ideia reducionista de justiça à eficiência.
Não há como sustentar uma ideia de Direito que se resume a eficiência. Considerá-lo
assim seria demasiadamente prejudicial à sociedade. Não é possível reduzir justiça a
eficiência, nesse sentido, podem haver normas, políticas públicas e decisões

10
MORETTINI, Felipe Tadeu Ribeiro; GONÇALVES, Oksandro Osvidal. Análise econômica do controle
judicial dos contratos de concessão e sua importância para o desenvolvimento. Revista de Informação
Legislativa. Brasília, ano 51, nº 203. Jul/Set. 2014 Disponível em: <
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/507400/RIL203.pdf?sequence=1#page=74 >
acesso em 8 Set. 2017.
11
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. Pag. 30
12
MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito. Tradução
Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015. Pag. 7
16

eficientes sob o ponto de vista econômico, porém, injustas. A despeito dos riscos,
Richard Posner, um dos precursores da proposta de análise econômica do Direito,
exemplifica a importância e relação entre elas13:
Para muitos estudantes de filosofia moral, Direito e Economia parecem
coisas incompatíveis. Mas não são. A teoria dos direitos de propriedade
é um importante ramo da teoria microeconômica moderna. Tanto para
a ciência jurídica quanto para a Economia, um direito de propriedade é
um direito de excluir todas as outras pessoas do uso de algum recurso
escasso. Um direito dessa espécie é absoluto dentro de seu domínio
(detalhe importante ao qual voltarei em breve), no sentido de que aquele
que careça de um determinado bem sobre o qual pessoa tenha direito
de propriedade não poderá tirar esse direito dela recorrendo ao bem-
estar da sociedade. Estabelecer os direitos de propriedade como
absolutos, mas condicionados aos custos de transação e subordinados
à meta da maximização da riqueza, significa conferir-lhes um status
inferior ao que muitos ‘teóricos dos direitos’ lhes conferem. Embora os
direitos de propriedade, do ponto de vista econômico, sejam absolutos
e incluam tanto a pessoa humana quanto os bens não humanos (eu
tenho, dentro de limites amplos, o direito absoluto de decidir para quem
trabalhar ou com quem me casar), não são transcendentes nem têm em
si mesmos seu próprio fim; e geralmente operam apenas em cenários
de baixos custos de transação. Não obstante, o termo se lhe aplica em
um sentido perfeitamente legítimo, a menos que se considere que a
ideia de direitos exclua aqueles que, embora absolutos, sejam
instrumento de alguma finalidade externa à proteção dos direitos como
tais.

Isso posto, cumpre dizer que não são raras situações em que se reconhece que
a justiça necessita fazer uso dos preceitos econômicos de eficiência para a sua
atuação, afinal, é consensual que o desperdício é propriamente ineficiente e
necessariamente injusto. De igual modo, considerar apenas conceitos econômicos na
busca pela justiça é inconsequente e sem eficácia jurídica. Acreditar que o estudo
conjunto entre Direito e Economia trará respostas terminantes a dilemas jurídicos
antigos é demasiadamente presunçoso, nesse sentido Bruno Salama:14
Uma parcela considerável dos estudantes, profissionais e
pesquisadores do Direito que tenham qualquer nível de familiaridade
com o Direito e Economia acredita que a disciplina se proponha a dar
respostas definitivas para dilemas normativos. Estas pessoas
acreditam, erradamente, que a disciplina contenha um conjunto de
predicados do tipo “receitas de bolo” que conduzam necessariamente
a modelos do tipo “juízes e legisladores devem adotar a regra X na
situação Y porque esta é a solução eficiente e correta para o problema.

13
POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. Tradução Evandro Ferreira e Silva, revisão da
tradução Anibal Mari – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. Pag. 84
14
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia?”. Revista Direito UNIFACS. nº 160. Out.
2013. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso
em 12 jul. 2017.
17

Resta demonstrada a inequívoca relação entre as duas disciplinas. Em outras


palavras, para Oksandro Gonçalves e Felipe Tadeu15, “O Direito, portanto, está
umbilicalmente associado à Economia na medida em que não existem fatos
econômicos não influenciados pelas instituições criadas e asseguradas por ele. ”
Desta maneira, o estudo interdisciplinar entre Direito e Economia não é uma proposta
de exclusão de princípios, embora sabido que sua predominância a qualquer custo
cause extrema insegurança jurídica, tampouco considera a economia como a solução
de todos os problemas jurídicos. Sobre esse dilema de necessidade de ponderação
enfrentado pelos profissionais das duas áreas, Thiago Cardoso cita Bruno Salama 16:
[D]e que forma a economia auxilia o profissional e o estudioso
do direito? Há duas respostas; uma boa, e uma ruim. A resposta ruim
é a seguinte: a economia oferece um guia normativo, um novo
horizonte ético para aplicação do direito. E o faz transformando o tema
da eficiência em paradigma de justiça. Isso é: eleva a eficiência à
condição de fim mesmo do direito. (...) mas vejam: nada disso invalida
a possibilidade de que o profissional ou estudioso do direito se valham
de contribuições da economia. A economia é uma ferramenta
importante para iluminar a relação entre meios normativos e fins
normativos. (...) A pertinência entre os meios jurídicos e fins
normativos é então a chave para entender por que a economia importa
para os profissionais e o estudioso do direito. Quando há uma grande
quebra nessa relação, o debate no campo dos valores protegíeis pelo
direito entra em curto-circuito. Nesses casos, é preciso apelar para
uma ferramenta descritiva do mundo. A partir de uma análise entre os
meios jurídicos e fins normativos é possível pensar em vários temas
importantes.

O maior desafio, dessa forma, é encontrar a medida correta de ponderação


entre Direito e Economia - justiça e eficiência - de maneira que o Direito não se torne
fundamentalmente utilitarista, mas também não ignore por completo as
consequências de sua atuação numa completa convicção de autossuficiência. É
nesse contexto que se propõe a Análise Econômica do Direito17, como uma alternativa
de utilização de métodos econômicos para a verificação de adequação das normas e
decisões jurídicas. Nas palavras de Ejan Mackaay e Stéphane18:

15
MORETTINI, Felipe Tadeu Ribeiro; GONÇALVES, Oksandro Osvidal. Análise econômica do controle
judicial dos contratos de concessão e sua importância para o desenvolvimento. Revista de Informação
Legislativa. Brasília, ano 51, nº 203. Jul/Set. 2014 Disponível em: <
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/507400/RIL203.pdf?sequence=1#page=74 >
acesso em 8 Set. 2017.
16
ARAÚJO, Thiago Cardoso. Análise Econômica do Direito no Brasil: Uma leitura à luz da teoria dos
sistemas. 1. ed. Rio de Janiero: Lumen Juris, 2016. Pag, 132
17
Utilizaremos AED como referência a Análise Econômica do Direito.
18
MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito. Tradução
Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015. Pag. 7
18

A análise econômica do direito é mais ambiciosa. Parte da premissa


de que os instrumentos de análise que podem ser utilizados para
compreender o “direito econômico” são, igualmente, aplicáveis a
outros ramos do direito. Propõe, então, a partir da concepção do ser
humano e de suas relações com os outros a releitura do direito.
Procura atualizar a “economia do direito”. [...] A análise econômica do
direito retoma a razão de ser das instituições jurídicas. ”

A Análise Econômica do Direito vem demonstrar que é possível e necessário o


estudo conjunto entre Direito e Economia. O papel fundamental dos juristas
defensores da AED é desmistificar a utilização de instrumentais econômicos e
métodos empíricos na avaliação dos resultados alcançados pelo Direito. Por outro
lado, é compreensível a aversão que a proposta causa, afinal, a situação do Direito
frente à proposta da Economia é delicada. Não é confortável que seu desempenho
seja confrontado e medido quantitativamente, ainda mais quando se tem valores tão
subjetivos e diversificados. Entretanto, as constatações trazidas pelos métodos
econômicos podem, e muito, acrescentar e enaltecer os valores jurídicos e não o
desmoralizar. A economia, assim, nada mais é do que um instrumento útil para o
alcance da justiça e bem-estar social.

1.4 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Nas últimas décadas, num cenário bastante turbulento e truculento entre o


Direito e Economia, é que surge a proposta do Law and Economics ou Análise
Econômica do Direito. Os primeiros estudos que caminharam no sentido da AED
surgiram na Escola de Chicago. Indicam-se três importantes fatos que corroboraram
a ascensão do movimento no sentido da AED: i) a obra de Gary Becker; ii) a influência
de Aaron Director; iii) a publicação de “O custo do problema social”, de Ronald
Coase.19 Outros grandes nomes culminaram posteriormente.
A despeito dos marcos teóricos aos quais se atribui o nascimento da Análise
Econômica, Ronald Coase é o mais expressivo, entretanto, fundamentos dessa
abordagem econômica são vistas desde Adam Smith, pai da Economia Moderna e
principal nome da escola clássica. Smith, em sua época, já analisava os impactos
econômicos das legislações mercantilistas. Na obra “Riqueza das Nações”, Adam
Smith criticou a imposição de leis de intervenção do Estado no livre mercado e criou

19
Ibidem, pág. 60
19

e denominou “mão invisível”, a teoria de que o mercado se autorregula, constituindo


sua teoria em uma contraposição à necessidade de intervenção do Estado por meio
de legislação.
Jeremy Benthan e a escola utilitarista também colaboraram de forma
significativa para a fundamentação das bases de estudo do “Direito e Economia”. Sob
a perspectiva utilitarista, o ser humano reage a estímulos de dor e prazer objetivando
a maximização de sua felicidade ou satisfação. Benthan baseou sua tese exatamente
na perspectiva de dor e prazer como estímulo ao homem em geral, sob o pressuposto
de que todo homem, ao decidir, considera as possibilidades de maximização de sua
felicidade ou prazer e procura minimizar ou evitar a dor ou tristeza. Embora a teoria
utilitarista não seja livre de críticas, ainda que estas sejam reconhecidas, ela é de
grande valor para a teoria econômica na modernidade e, igualmente, para a análise
econômica do Direito, tendo em vista a sua proposta de racionalidade das decisões
humanas.
Além dos autores mencionados, Gary Becker também trouxe importantes
contribuições para a AED. Em seu ensaio “Crime and punishment: an economic
approach”, Becker apresentou o conceito de Análise Econômica do Crime,
demonstrando que os criminosos calculam seus benefícios ao cometer um crime.
Racionalmente, o criminoso avalia as possibilidades de ser pego e posterior punição,
antes de tomar a decisão de fazê-lo. Dentre outras conclusões, Becker defendia que
os custos de aumentar a vigilâncias são maiores que aumentar a punição, devendo,
portanto, investir-se em penas mais severas em detrimento da vigilância. Entretanto,
a solução proposta por Becker contempla alguns embates morais que não são simples
de serem resolvidos.
No final do século XIX é que ganhou corpo a ideia do estudo associado entre
Economia e Direito. No contexto, o direito de propriedade é que evidenciou a
necessidade do estudo conjunto. Foi na Universidade de Chicago, em meados de
1930 que a Análise Econômica do Direito ganhou corpo e angariou um número
expressivo de adeptos. Nessa época, Ronald Coase publicou seu artigo denominado
“The Nature of the Firm” no qual afirmava que a existência de custo de transação
tornava viável e necessária a existência das sociedades empresárias. As ideias de
Coase influenciaram uma geração de estudiosos de Direito e Economia e sua teoria
dos custos de transação passou a exercer papel proeminente na avaliação das leis.
Os custos de transação podem ser entendidos como custos em que os agentes
20

incidem ao realizarem trocas. São vários os custos de transação em uma economia.


Os mais importantes são as assimetrias de informações, os custos de troca os custos
legais, dentre outros. Os custos de transação elevados podem fazer com que a
economia tenha desempenho abaixo de seu potencial, ressaltando ineficiências que,
na ausência desses custos, poderiam ser eliminadas. 20
No mesmo contexto, na Universidade de Chicago, Aaron Director, que dirigia o
Departamento de Economia, juntou forças na defesa da interpretação do Direito a
partir de ideias econômicas, inclusive, com a criação juntamente com Edward Levi do
“Journal of Law and Economics”.21 Posteriormente, Ronald Coase22 veio assumir o
posto de editor do jornal e publicou o artigo que viria se tornar um marco na AED, “O
Problema do Custo Social”.
Nesse sentido, AED pode ser utilizada sob a perspectiva epistemológica e
pragmática na distinção entre o que é positivo (o que é) e o que é normativo (o que
deve ser). Para isso, a AED faz uso de alguns conceitos da Economia e considera a
existência de suas vertentes de estudo: a positividade e normatividade. As duas
formas de análise possuem como objeto de estudo dois aspectos distintos; porém,
igualmente importantes para o Direito.

20
TABAK, B. M. A Análise Econômica do Direito: Proposições Legislativas e Políticas Públicas. Brasília:
Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, outubro/2014 (Texto para Discussão nº 157).
Disponível em:< www.senado.leg.br/estudos >. Acesso em: 10 jul. 2017
21
Disponível em: < http://www.journals.uchicago.edu/journals/jle/about >. Acesso em: 1 jun. 2017
22
Ronald Coase recebeu prêmio Nobel em 1991 por seu artigo sobre o custo social.
21

2. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PRINCIPAIS TEÓRICOS

A Análise econômica do Direito é uma disciplina que estuda o Direito tendo como
pressuposto a racionalidade individual. A disciplina propõe a aplicação da teoria
econômica na formação das estruturas e processos que envolvem o Direito, bem
como os impactos das decisões judicias e suas instituições. Nesse sentido, a AED
não enxerga os impactos econômicos como estranhos ao sistema jurídico, da mesma
forma que as instituições legais não são exógenas à Economia.
Assim, a Análise Econômica do Direito tem como fundamento métodos da teoria
microeconomia. Os agentes econômicos comparam os custos e os benefícios das
possíveis alternativas antes de tomar uma decisão, a fim de que alcance a melhor
relação de custos e benefícios possíveis. Tal avaliação é feita independente da
natureza econômica, social ou cultural do problema. Esses custos e benefícios são
mensurados segundo as preferências do agente racional e do conjunto de
informações que possui. Nesse sentido, a AED é a aplicação de uma perspectiva de
“eficiência” ao Direito, sendo imperioso reconhecer alguns conceitos básicos da teoria
econômica para avaliar a viabilidade da proposta.

2.1 ESCASSEZ E ESCOLHA

A escassez de recursos e as necessidades ilimitadas são verdades que,


indubitavelmente, podem ser aplicadas em qualquer relação social. É justamente na
alocação dos recursos e na satisfação das necessidades do homem que se faz o
problema econômico. A escassez é ponto fundamental e basilar da análise
econômica. O problema de alocação de recursos não seria relevante em uma
realidade em que os recursos fossem infinitos. Entretanto, os recursos disponíveis
para a alocação são limitados. Em contrapartida, as necessidades humanas são
infinitas e se renovam constantemente a medida da dinamicidade do indivíduo e da
própria sociedade. A escassez apresenta-se como um problema na combinação
desses recursos e necessidades, nas palavras de Marcos Cintra Cavalcanti23

23
CAVALCANTI, Marcos Cintra. Introdução a Teoria Econômica. 4º ed. São Paulo: Editora McGraw-
Hill do Brasil, 1974. Pag. 3
22

Os desejos e necessidades humanas são insaciáveis e, assim, a


procura de bens e serviços pelo homem para satisfazer tais desejos é
infinita. Na realidade, a procura efetiva de bens e serviços é limitada
pelo poder aquisitivo dos indivíduos; mas a procura potencial é, de
fato, infinita. Sempre que possível, o homem tentará obter uma
quantidade crescente de bens e serviços para satisfazer seus desejos.
No entanto, os recursos e fatores de produção existentes são
limitados, criando-se, assim, uma escassez relativa de produção com
respeito aos desejos. Torna-se necessário então, crie um mecanismo
para decidir [...] como obter o máximo de um conjunto de recursos
escasso [...].

A compreensão da escassez como um dilema a ser resolvido é


fundamental ao Direito, principalmente porque o Direito administra a alocação dos
recursos diariamente. Nesse sentido, Bruno Salama 24 aponta que:
A noção de escassez traz uma série de implicações para o estudioso,
o profissional, e o pesquisador em Direito. Uma delas – talvez a mais
dramática – diz respeito ao fato de que a proteção de direitos consome
recursos. Ou seja, ou os direitos são custosos, ou não têm sentido
prático.

Em virtude da limitação de recursos, os indivíduos são obrigados a fazer


escolhas. Nas palavras de Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau25:
A escassez impõe fazer escolhas. À medida que o ambiente é
modificado, o ser humano adapta seu comportamento de forma a tirar
partido das mudanças. [...] os incentivos emanam das possibilidades
de melhorar a fortuna ou evitar uma desvantagem por ocasião dos
contratos com a natureza ou terceiros. [...] ao reagir à mudanças das
circunstâncias, o ser humano tenta extrair aquilo que, a seus olhos,
pareça melhor.

Desta feita, ao fazer escolhas, o ser humano leva em consideração vários


aspectos que possuem valores distintos para cada indivíduo. Assim, o pensamento
racional maximizador faz com que sejam tomadas decisões que busquem satisfazer
a maior parte dos desejos envolvidos.

24
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Econonomia?”. Revista Direito UNIFACS. nº 160. Out.
2013. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso
em 12 jul. 2017.
25
MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito. Tradução
Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015. Pag. 31
23

2.2 MAXIMIZAÇÃO RACIONAL

A maximização racional, diversa de outras teorias morais e filosóficas, apresenta


um ponto de referência prático. Não se trata, portanto, de um valor ético ou moral,
mas sim de uma forma predominantemente pragmática.
A premissa fundamental no conceito de maximização de racional é a de que as
pessoas fazem escolhas, a fim de atenderem suas necessidades pessoais de forma
mais eficiente possível. Daí a ideia de que os indivíduos são maximizadores de bem-
estar, ou seja, todos os indivíduos, ao fazerem escolhas, levam em consideração os
custos e benefícios, sejam eles monetários ou não, a fim de tomarem as melhores
decisões possíveis para atingir seus objetivos. Conforme assevera Bruno Salama 26:
[...] a adoção do conceito de maximização racional indica que, na
formulação de teorias, se partirá da premissa de que os indivíduos
calculam para alcançarem os maiores benefícios aos menores custos.
Assim, a suposição será a de que o comportamento observado de
cada indivíduo refletirá a busca de seus objetivos através dos meios
disponíveis. Por exemplo: consumidores maximizam seu bem-estar
(ou seja, tratam de alcançar o maior bem-estar possível ao menor
custo possível), empresas maximizam seus lucros, políticos
maximizam seus votos, e assim por diante.

A ideia de que todo ser humano objetiva a maximização de seu bem-estar, além
de buscar agregar valor de forma racional, é verificável no próprio mercado, conforme
exemplificado por Salama. Igualmente, a Economia é a ciência que estuda as
escolhas racionais, orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos
desejos humanos. Nesse sentido, o homem tem a tendência de sempre utilizar
padrões racionais, com vistas a maximizar seu bem-estar. Conforme asseveram
Oksandro Gonçalves e José Osório27:
Em regra, o agente escolhe a conduta em razão do maior benefício
que ela possa produzir, embora a atitude mais coerente fosse o
equilíbrio entre os custos e os benefícios, de tal sorte que nenhum
outro agente restasse afetado pela decisão, ou seja, o enriquecimento
de um não pode equivaler ao empobrecimento do outro. [...] os
indivíduos fazem escolhas racionais vinculadas ao atendimento de
seus interesses pessoais, sejam eles quais forem. Basicamente, todo
indivíduo busca racionalmente maximizar o seu bem-estar.

26
ibidem
27
NASCIMENTO NETO, José Osório do. GONÇALVES, Oksandro Osvidal. Custos de Transação em
Energias Renováveis e sua Importância Para o Desenvolvimento Sustentável. Revista Direito e
Liberdade. v. 16, n. 1, p. 105-134, jan./abr. 2014. Disponível em: <
http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/571> Acesso
em 8 Set. 2017
24

O conceito de maximização racional pode parecer egoística. Entretanto, todos


os indivíduos enfrentam escolhas diariamente e precisam levar em consideração as
decisões que levarão aos resultados mais eficientes. É cediço afirmar que a relação
que os indivíduos possuem com custo-benefício é, em alguns momentos, instintiva.
Tal conceituação é de extremo valor ao Direito já que auxilia na compreensão do
comportamento humano que, por sua vez, é regulado pelo Direito, bem como ampara
a tomada de decisões, para maximizar o resultado das questões que envolvem os
problemas jurídicos.

2.3 FALHAS DE MERCADO

A alocação ineficiente de bens e serviços decorrem de vários fatores. Essas


circunstâncias específicas são denominadas na teoria econômica como falhas de
mercado. Normalmente os indivíduos levam em consideração apenas os custos e
benefícios individuais na tomada de decisões, desprezando os resultados positivos e
negativos para a coletividade. Entretanto, para corrigir esses desvios, é necessário
que sejam feitas correções que possibilitem a conciliação dos interesses e inclusão
da coletividade no cálculo de benefícios e custos.
Assim, a busca por interesses pessoais, tão somente, leva a resultados
ineficientes. São essas falhas que justificam, na maior parte das vezes, a intervenção
estatal nas relações mercadológicas. Nesse sentido, Raimundo Jr28 pontua que:
Quando ocorrem falhas de mercado, justifica-se a intervenção estatal
com o objetivo específico de eliminá-las, colmatá-las ou diminuir a sua
incidência. A atuação é, portanto, pontual e cirúrgica, visando ao
restabelecimento ou a melhoria do grau de eficiente alocação dos
recursos. A existência de oligopólios, monopólios ou qualquer outro
tipo de sintoma que comprovem a existência de falhas mercadológicas
devem ser enfrentadas e debeladas pelo Estado para preservação do
mercado concorrencial livre.

As falhas de mercado prejudicam a alocação eficiente e distribuição dos


recursos, de modo que prevalecerá a injustiça em função do desperdício e da

28
OLIVEIRA JUNIOR, Raimundo Frutuoso de. Aplicações da Análise Econômica do Direito. Anais do
XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Junho/2010 Disponível em <
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3155.pdf> Acesso em 22 jul.
2017
25

escassez fazendo necessário que o Estado e o Direito se manifestam com vistas a


organizar essas reações.

2.4 EFICIÊNCIA ECONÔMICA

O termo eficiência é polissêmico e, por isso, tem vários sentidos. Em termos


gerais, têm-se como eficiência a otimização de uma medida de valor. A ideia de valor,
nesse contexto, não está associada simplesmente a valor monetário. É possível, por
exemplo, instituir o valor “propriedade” e buscar alternativas que maximizem a sua
proteção e os resultados desse valor. Para a AED, a unidade de valor a ser
considerada é a “formula do bem-estar social”29.
Assim, a eficiência que nos interessa é a otimização dos recursos para o
atendimento das necessidades sociais, Bruno Salama salienta que “[...] um processo
será considerado eficiente se não for possível aumentar os benefícios sem também
aumentar os custos”. 30
O conceito de eficiência está intimamente ligado à ideia de
maximização do bem-estar da sociedade. Nesse diapasão, existem duas concepções
de Eficiências que interesse ao estudo: Eficiência de Pareto e a eficiência de Kaldor
Hicks.

2.4.1 Eficiência De Pareto

A eficiência nos moldes de Pareto considera um resultado ótimo quando uma


determinada situação não possa ser melhorada sem que haja prejuízo aos demais.

29
PORTO, Antônio José Maristrello. Análise Econômica do Direito (AED). Colaboração de Guilherme
Mello Graça. Curso de aulas 2013.2. Rio de Janeiro: FGV, 2013. <
http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/analise_economica_do_direito_20132.pdf >
Acesso em 17 jun. 2017.
30
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Econonomia?”. Revista Direito UNIFACS. nº 160. Out.
2013. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso
em 12/07/2017. Acesso em 12 jun. 2017.
26

Quando se depara com essa posição, denomina-se o resultado como ótimo de Pareto,
ou ótimo Paretiano. Na concepção de Raimundo Frutuoso De Oliveira Junior31:
A eficiência de Pareto é uma situação em que é impossível melhor a
situação a utilidade de um agente sem que haja prejuízo para qualquer
outro. Tal situação seria um ótimo paretiano. No entanto, uma situação
constitui uma melhoria de Pareto se há um benefício para alguém, sem
ocorrer prejuízo para nenhuma pessoa. Quando isto ocorre, a situação
posterior é mais eficiente que a anterior em termos econômicos.

Nesse sentido, só é possível haver melhorias de Pareto se houver um benefício


para alguém, sem ocorrer prejuízo para nenhuma pessoa. Quando isto ocorre, a
situação posterior é mais eficiente que a anterior em termos econômicos. Bruno
Salama, sobre a ponto de vista Paretiano, ressalta que: “Dessa perspectiva, uma
situação será eficiente se, e somente se, nenhum indivíduo puder melhorar sua
situação sem fazer com que pelo menos um outro indivíduo piore a sua”. 32
O critério
de Pareto é bastante restritivo já que nem sempre é possível melhorar a situação de
um indivíduo sem prejudicar o outro. O critério de Pareto leva em consideração a
33
diferença entre a maximização de riqueza e maximização de utilidade.
Exemplifica-se da seguinte forma: João possui uma renda de R$ 10.000,00 e
Luiz, de R$ 30.000,00, uma medida com o objetivo de distribuição de renda X fez com
que João elevasse sua renda em R$ 10.000,00 e Luiz, por sua vez, reduziu para R$
20.000,00. Embora haja a distribuição da riqueza, é possível se deparar com a
situação em que haja mais utilidade nos R$ 10.000,00 que Luiz perdeu do que os R$
10.000,00 para a João que ganhou. Ou seja, o ótimo de Pareto leva em consideração
a utilidade em sua concepção de eficiência.

31
OLIVEIRA JUNIOR, Raimundo Frutuoso de. Aplicações da Análise Econômica do Direito. Anais do
XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Junho/2010 Disponível em <
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3155.pdf> Acesso em 22
jun. 2017
32
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Econonomia?”. Revista Direito UNIFACS. nº 160. Out.
2013. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso
em 12/07/2017. Acesso em 12 jul. 2017
33
PORTO, Antônio José Maristrello. Análise Econômica do Direito (AED). Colaboração de Guilherme
Mello Graça. Curso de aulas 2013.2. Rio de Janeiro: FGV, 2013. <
http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/analise_economica_do_direito_20132.pdf >
Acesso em 17 Jun. 2017
27

2.4.2 Kaldo-Hicks (Compensação Potencial)

A eficiência na visão de Kaldor-Hicks considera outros fatores mais flexíveis em


sua formação. Na concepção de eficiência de Kaldor-Hicks é estabelecido um
parâmetro de somatória simples dos níveis de utilidades dos indivíduos, levando em
consideração a fórmula de bem-estar social. Nesse sentido, Kaldor-Hicks apresenta-
se menos restritivo, já que é possível que a melhora de um aspecto possa ocorrer em
detrimento de outro. Convém apresentar a definição de Bruno Salama 34:
O critério de Kaldor-Hicks busca superar a restrição imposta pelo
ótimo de Pareto de que mudanças somente são eficientes se nenhum
indivíduo fica em posição pior. Pelo critério de Kaldor-Hicks, o
importante é que os ganhadores possam compensar os perdedores,
mesmo que efetivamente não o façam. Isso quer dizer que o critério
de Kaldor-Hicks permite que mudanças sejam feitas ainda que haja
perdedores.

Desta forma, é possível identificar que a eficiência de Pareto é mais restritiva e


limitada que a proposta de Kaldor-Hicks. A verdade é que, nem sempre, é possível
melhorar a sociedade sem que haja prejuízo a ninguém, deste modo, o importante é
verificar maneiras que possibilitem a compensação.35 Décio Zylbersztajn e Rachel
Sztajn consideram ser este o melhor critério de eficiência na alocação de recursos:
Outro critério proposto para avaliação da eficiência é desenvolvido por
Kaldor e Hicks que, partindo de modelos de utilidade, tais como
preconizados por Bentham, sugerem que as normas devem ser
desenhadas de maneira a gerarem o máximo de bem-estar para o
maior número de pessoas. O problema está na necessidade de
maximizar duas variáveis e na dificuldade de estabelecer alguma
forma de compensação entre elas. Todavia, refinando o modelo,
Kaldor-Hicks chegam à proposta de compensações teóricas entre os
que se beneficiam e os que são prejudicados. Comparando agregados
entre as várias opções, escolhe-se aquele que resulte na possibilidade
de compensação. Ainda uma vez que se refina o esquema
reconhecendo haver redes de inter-relações nas sociedades e que a
utilidade marginal de cada pessoa é decrescente. Este, parece, ser o
melhor critério para as escolhas no que diz respeito à distribuição dos
benefícios: o de dar mais a quem tem maior utilidade marginal.

34
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Econonomia?”. Revista Direito UNIFACS. nº 160. Out.
2013. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso
em 12/07/2017. em 12 jun. 2017.
35
ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Decio;
SZTAJN, Rachel (org.), Direito e Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações, Rio de
Janeiro, Elsevier, 2005, 2ª reimpressão. Pag. 15
28

Desta maneira, é imperioso ressaltar que a eficiência, sob a perspectiva de


Kaldor-Hicks, busca superar a restrição imposta pelo Ótimo de Pareto. Assim, o
modelo proposto considera possível haver mudanças que promovam melhorias, em
detrimento do prejuízo de outros, a fim de atingir o maior nível de eficiência. Isso
porque, a eficiência de Kaldor-Hicks considera a compensação uma possibilidade de
reduzir os prejuízos causados aos envolvidos.

2.5 TEOREMA DE COASE

O teorema de Coase parte do pressuposto de que, inexistindo custos de


transação, é indiferente a definição prévia de direitos, uma vez que, “embora a
delimitação de direitos seja um prelúdio essencial para as transações de mercado (...)
o resultado final (que maximiza o valor de produção) independe do ordenamento
jurídico”.36 Ronald Coase exemplifica da seguinte maneira:
Saber se uma caverna recém-descoberta pertence ao indivíduo que a
descobriu, ao indivíduo em cujas terras está localizada a entrada da
caverna, ou ao indivíduo que possui o terreno sob o qual está situada
a caverna depende, sem dúvida, do Direito das Coisas em vigor. O
Direito, contudo, determina apenas com quem é necessário celebrar
um contrato para obter uma licença para o uso de uma caverna. Se a
caverna será usada para armazenar registros bancários, como
reservatório de gás natural, ou para cultivos de cogumelo, depende
não do Direito das coisas, mas de quem vai pagar mais para utilizá-la:
o banco, a empresa de gás natural, ou o produtor de cogumelo.

Desta forma, Ronald Coase transporta esse raciocínio da caverna para outros
direitos de uso, qual seja, o de poluir ou emitir radiações. Cabe lembrar que o
problema não está no direito de uso e, sim, no direito sobre a propriedade devendo
ser ele o problema a ser solucionado pelo direito.
Muitos economistas contemporâneos de Ronald Coase consideravam que a
poluição de água, por exemplo, era um custo social que as empresas repassavam à
sociedade. Acreditava-se que a única forma de reduzir os prejuízos sociais da
atividade seria por meio do aumento da regulação Estatal. Ronald Coase,
contrariando a compreensão majoritária, demonstrou que a regulação estatal nas

36
COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o direito. Tradução Heloísa Gonçalves Barbosa. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2016. Pag. 158
29

transações que envolvem custos privados e custos sociais nem sempre apresenta as
soluções mais eficientes ou desejáveis. Sobre isso, Coase exemplificou37:
A abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha
que deve ser feita. A questão é normalmente pensada como uma
situação em que A inflige um prejuízo a B, e na qual o que tem que er
decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos
lidando com um problema de natureza recíproca. Evitar o prejuízo a B
implicaria causar um prejuízo a A. Assim, a verdadeira questão a ser
decidida é: A deveria ser autorizado a causar prejuízo a B, ou deveria
B ser autorizado a causar um prejuízo a A? O problema é evitar o
prejuízo mais grave.

Nesse sentido, a proposta do Teorema de Coase é que essas ineficiências ou


externalidades podem ser corrigidas pela livre negociação entre as partes sem que
haja intervenção ou regulação entre as partes. Nesse sentido, faz-se necessário,
apenas, que haja a negociação sem custo de transação aliado a um direito de
propriedade bem definido e delimitado.

2.6 TEORIA DOS JOGOS

Embora suscitem várias críticas a respeito da inadequação da denominação


“Teoria dos Jogos”, é cediça a importância que sua compreensão e aplicação tem
para o Direito. A teoria dos jogos foi desenvolvida por John von Neumann e por Oskar
Morgenstern, no famoso Theory of Games and Economic Behavior, publicado em
1944. A Teoria dos Jogos nada mais é do que uma proposição respeito da interação
entre os seres humanos, que tem como objeto principal de estudo o resultado das
ações de indivíduos, grupos ou instituições e a dependência de ações dos demais
envolvidos. A compreensão não se confunde com a administração de conflitos, ainda,
propõe-se a resolução por meio de duas perspectivas – jogos de simples e de
coordenação - conforme descreve Ejan Mackaay38
A teoria dos jogos distingue os jogos de puro conflito, os jogos de
simples coordenação e os “mistos”. Os jogos de puro conflito
representam situações de completa oposição de interesses, sem

37
COASE, Ronald. “O problema do custo social”. The Latin American and Caribbean Journal of
Legal Studies: Vol. 3: Nº. 1, Article 9, 2008. Disponível em: <
http://www.pucpr.br/arquivosUpload/5371894291314711916.pdf> Acesso em 15 jun. 2017.
38
MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito. Tradução
Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015. Pag. 45
30

espaço visível para o entendimento – guerra total. O Direito não tem


espaço nessa área. Os jogos de simples coordenação, de sua parte,
traduzem situações em que cada um dos participantes, para evitar um
conflito, tem interesse em adotar comportamento compatível com o
dos outros. A conduta, de forma sistemática, seja à esquerda ou à
direita, de um outro modo, bem o ilustra. Há, enfim, os jogos mistos,
nos quais a cooperação é vantajosa para os dois jogadores, mas em
que é ainda mais vantajoso para um joga dor ser cauteloso em
relação ao outro, enganá-la, desde que o outro não faça o mesmo,
porque isso põe fim a cooperação.

Antônio José Maristrello Porto explica39 que:


Na situação da teoria dos jogos, há dois ou mais jogadores que
escolhem entre várias estratégias, tanto sequencialmente quanto
simultaneamente. Essa teoria lida com qualquer situação em que o
prêmio obtido por um jogador, o ganho, depende não só de suas
próprias ações, mas também das ações dos outros participantes do
jogo.

Em outros termos, trata-se de situações em que nenhum indivíduo pode


tomar decisões sem levar em consideração as decisões dos outros. Posto isso, é
cediço afirmar que a teoria dos jogos é um modelo a ser utilizado em qualquer situação
que envolva estratégia.

2.7 DILEMA DOS PRISIONEIROS

O Dilema dos prisioneiros é um problema clássico da Teoria dos Jogos. Uma


proposta de matriz com possibilidades que consideram a existência de dois jogadores.
Cada jogador tem um incentivo para descumprir o acordo, caso ambos descumpram,
os dois ficam em situação pior que se permanecessem no acordo. Em contrapartida,
se apenas um descumpre, assumirá o maior. Materializando o exemplo citado, André
Barreira da Silva Rocha40
[...] dois suspeitos são presos pela polícia; esta não possui evidência
suficiente para os condenar, a menos que um deles confesse o crime.
Os suspeitos são então mantidos em celas separadas e a polícia lhes

39
PORTO, Antônio José Maristrello. Análise Econômica do Direito (AED). Colaboração de Guilherme
Mello Graça. Curso de aulas 2013.2. Rio de Janeiro: FGV, 2013. <
http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/analise_economica_do_direito_20132.pdf >
Acesso em 17 jun. 2017
40
ROCHA, André Barreira da Silva. O Dilema do Prisioneiro e a Ineficiência do Método das Opções
Reais. RAC, v. 12, n. 2, p. 507-531, Abr./Jun. Curitiba, 2008. Disponível em <
http://www.scielo.br/pdf/rac/v12n2/a10v12n2.pdf > Acesso em: 21 jun. 2017.
31

explica as consequências das ações que eles podem tomar que,


juntas, representam os perfis de estratégias do jogo. O ato de explicar
as consequências são as regras do jogo. Caso nenhum dos suspeitos
confesse, ambos serão sentenciados a um crime de pouca gravidade
e pegarão um ano de cadeia. Se ambos confessam, serão
sentenciados a dois anos de cadeia. Porém, se somente um deles
confessar, este será imediatamente liberado e o outro será
sentenciado e três anos de cadeia, sendo dois pelo crime e mais um
por obstruir a justiça. Os prisioneiros decidem o que fazer
separadamente, sem saber da decisão do outro; daí o caráter estático
do jogo. Também é um jogo de informação completa, porque ambos
conhecem a punição (ou pagamento) que cada um receberá com base
no perfil de estratégias que for selecionado.

Esse jogo demonstra a dificuldade em manter-se a cooperação entre as partes.


Circunstâncias que contemplam o mesmo problema são comuns no dia a dia dos
indivíduos, não raro, as pessoas optam em beneficiar-se, mesmo que isso implique
assumir o risco de prejudicar o outro. Apresenta-se o diagrama para exemplificar:

Prisioneiro 1
Confessar Não
confessar
Confessar -8;-8 0 ; - 10
Prisioneiro
Não - 10 ; 0 - 1 ; -1
2
confessar

No exemplo dado, o tempo de prisão que cada um receberá dependerá da sua


decisão de confessar ou não. No entanto, existe uma decisão ótima, a qual se
denomina estratégia dominante. Esta é a melhor posição para cada jogador, sem levar
em consideração a decisão do outro. Nesse caso, a decisão de confessar é ideal para
ambos, já que não existe possibilidade que qualquer dos jogadores melhore sua
condição adotando outra estratégia.
32

3. ANÁLISE ECONÔMICA NO BRASIL

Mesmo com o crescimento exponencial da AED pelo mundo, no Brasil, a


exploração da disciplina tem caminhado vagarosamente. No Brasil, encontra-se num
cenário ainda tímido e receoso quanto à disciplina. Contudo, a resistência por parte
dos juristas brasileiros é pertinente. Primeiro porque o contexto de surgimento da AED
é completamente distinto da realidade jurídica brasileira; enquanto a Análise
Econômica do Direito surge num contexto judiciário do Common Law - em que os
juízes possuem amplo poder de decisão - o Brasil possui uma estrutura jurídica de
Civil Law. Em segundo lugar, a instrumentalização do Direito, mesmo aos mais
próximos, ainda é um problema mal compreendido. Desta feita, é necessário
desmistificar a aplicação da AED em sistemas de Civil Law, conforme assevera
Richard Posner41:

[...] cada vez mais se reconhece a textura aberta dos textos


legislativos, o que permite e até mesmo impõe o exercício da
discricionariedade judicial. [...] A novidade no movimento “direito e
economia” está simplesmente em insistir que os juízes, ao tomar
decisões, exerçam sua ampla discricionariedade de modo que se
produzam resultados eficientes, entendidos no sentido de resultados
que evitem o desperdício social [...] sugeri que a análise econômica
seja usada para orientar a decisão judicial – para instruir os juízes
quanto ao melhor modo de decidir causas cujo resultado não é
determinado diretamente pelos textos da constituição ou legislação
infraconstitucional, ou seja, causas situadas naqueles campos abertos
em que o juízes podem exercer a sua discricionariedade.

Richard Posner adverte que algumas das ideias iniciais extremas defendidas
por ele já não são mais sustentadas. Ressaltando a importância do direito positivado
e reforçando a ideia do eficientismo puramente, Posner esclarece que a proposta não
explica todo o Direito nem mesmo possui a pretensão de fazê-lo. Portanto, é
completamente possível a aplicação da Análise Econômica do Direito também no Civil
Law brasileiro.
As primeiras manifestações de interesse e exploração da AED no Brasil tiverem
origem em trabalhos individuais e esparsos dos centros de estudos acadêmicos
brasileiros. Nos últimos anos, no entanto, a AED tem ganhado força. Os estudiosos

41
Posner, Richard A. A Economia da Justiça. Tradução Evandro Ferreira e Silva, revisão da tradução
Anibal Mari – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010 Pag. XI - XV
33

do tema têm se organizado para promover e difundir a disciplina nos anais do Direito
brasileiro. Nesse sentido, verificam-se as tendências nas produções brasileiras,
conforme aponta Thiago Cardozo Araújo42:
(i) Estudos introdutórios: que podem incluir aplicações a áreas do
Direito brasileiro, sendo de destacar, neste sentido, Direito &
Economia no Brasil (Timm, 2014), inserindo-se nessa vertente
traduções de manuais estrangeiros, notadamente americanos, sobre
a matéria (COOTER, ULEN, 2010);
(ii) Estudos aplicados: obras mais extensas que se valem da AED.
No mais das vezes, embora possa reconhecer a existência de
diferentes escolas, acabam adotando a pespectiva de Chicago.
Exemplo, nesse sentido, é a obra de Paulo Caliendo, Direito Tributário
e Análise Econômica do Direito (CALIENDO, 2009) e, em menor grau,
de Diogo Naves Mendonça (Mendonça, 2012)
(iii) Estudos empíricos, conduzidos, no mais das vezes por
economistas, sobre fenômenos jurídicos. Aqui, há a fronteira entre o
exercício da AED, que considera variáveis jurídicas exogenamente e
concretização da investigação sob ótica da economia das leis, em que
o fenômeno jurídico é problematizado (assume a função de caixa-
preta), gerando consequências para a dimensão econômica; e
(iv) Estudos críticos: no mais das vezes, associando
inexoravelmente toda AED à Escola de Chicag, enxerga na AED
“talvez a maior ameaça ao jurídico (...) a teoria instrumental que
sistematiza e organiza de modo ‘metodológico’ e ‘científico’
ascendência do econômico sobre o jurídico (MARCELLINO JUNIOR,
2009, p. 219).

Em geral, os estudos de Direito e Economia no Brasil convergem para uma


visão negativa da disciplina. Em parte, pela própria incompreensão quanto ao tema e
pela dificuldade de assimilação de conceitos não jurídicos na aplicação do Direito.
Reconhecer que o Direito precisa de outros campos não é um exercício nada fácil
para grande parte dos juristas. Por outro lado, há demasiado preconceito por conta
das ideias liberais que adota, a exemplo do utilitarismo de Jeremy Bentham, do qual
a Análise Econômica do Direito lança mão. Entretanto, há significativa diferença entre
reconhecer as deficiências propostas, se levada até as últimas consequências, de
ignorá-la e rejeitá-la por completo.
Conforme asseveram Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau43, “os tribunais
aceitam argumentos de natureza econômica apresentados pelos litigantes quanto aos
efeitos quando das decisões tomadas”. Não é raro, em qualquer das instâncias do
judiciário, que decisões sejam tomadas levando em consideração seu fator econômico

42
ARAÚJO, Thiago Cardoso. Análise Econômica do Direito no Brasil: Uma leitura à luz da teoria
dos sistemas. 1. ed. Rio de Janiero: Lumen Juris, 2016. Pag. 140
43
MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito. Tradução
Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015. Pag. 12
34

ou suas consequências propriamente. A análise econômica do Direito, portanto, vem


dar sustentação e embasamento para que decisões como essas continuem tendo voz
e valor no judiciário, a ponto de tornarem-se como uma alternativa válida à
hermenêutica tradicional.

3.1 A APLICAÇÃO DA AED NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA

O Supremo Tribunal Federal tem ocupado posição de evidência no cenário


político nacional. Não poderia ser diferente, haja vista sua atuação ser fundamental
para a sustentação do regime político democrático brasileiro. Como instância de maior
importância no poder judiciário, o STF é composto por 11 ministros e tem como como
competência primordial, nos termos do Art. 102, caput da Constituição Federal de
1988, “[...] a guarda da Constituição [...]”. Precipuamente, compete ao STF a guarda
de todos os preceitos constitucionais, bem como aqueles que dela derivam.
Nesse escopo, cumpre ressaltar alguns desses valores constitucionais que
estão diretamente ligados à Análise Econômica do Direito, objeto deste estudo. O
conceito de eficiência, embora sempre presente na administração pública, só foi
materializado formalmente como princípio expresso com a EC 19/1998 44. Embora a
noção de eficiência no texto constitucional esteja vinculada ao âmbito da
administração pública, resta evidenciado o desejo constitucional de que tal princípio
seja tomado como um objetivo para toda atuação estatal.
Em outros termos, a atuação estatal, independentemente de sua esfera –
legislativa, executiva, judiciária – tem como princípio basilar a eficiência. O Estado,
por sua vez, deve alcançar os resultados propostos, a fim de proporcionar a excelência
e efetividade nos serviços por eles prestados. Essa compreensão implica uma série
de condutas desejáveis. No âmbito judiciário, especialmente, é imprescindível que o
magistrado, ao decidir sobre qualquer questão, atente-se aos resultados previstos e
se eles são socialmente desejáveis. Ignorar aspectos consequenciais nas decisões
judiciais é desconsiderar a ordem constitucional e afrontar os preceitos fundamentais
do Estado.

44
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado.
9º Edição, Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. Pag. 22
35

Embora a lógica e a sistemática econômica sempre estivessem presentes nos


tribunais dos brasileiros, é rara explicitação de seu uso em termos técnicos. Uma
análise sistemática da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode servir de
auxílio na identificação do atual cenário de utilização ou não da Análise Econômica do
Direito no Brasil pela Suprema Corte brasileira.
Foi utilizado o mecanismo de busca disponível no site do STF na tentativa de
localizar qualquer menção à análise econômica do Direito nas matérias discutidas pela
Suprema Corte. Inicialmente, a busca foi pelas iniciais “AED” e não foi alcançado
resultado; para os termos “Análise Econômica do Direito” e “Direito e Economia” foi
encontrado um número significativo de acórdãos.
No que concerne aos resultados do termo “Análise Econômica do Direito”,
restringindo a pesquisa às decisões que datam do dia 01/01/2015 em diante,
localizaram-se 15 itens de repercussão geral e 146 acórdãos. Para a expressão
“Direito e Economia”, no mesmo período, as buscas resultaram em 81 acórdãos e
nenhuma repercussão geral. Contudo, ao analisar o conteúdo das decisões, verificou-
se que grande parte dos resultados não possui qualquer vinculação com o conceito
instrumental da AED.

3.2 FUNDAMENTOS DA AED NAS DECISÕES DO STF

Suscitar os aspectos da Análise Econômica do Direito para analisar os


resultados das decisões do STF é uma tarefa não muito restrita. Em outras palavras,
a Análise Econômica do Direito pode ser aplicada na avaliação de qualquer decisão
judicial, independe de sua natureza ou esfera de atuação. Contudo, objetiva-se, nas
análises propostas, identificar a absorção pela Suprema Corte dos métodos da AED.
Dentro dos limites da pesquisa efetuada e discriminada no tópico anterior, foram
selecionadas algumas decisões. Assim, uma análise da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal pode sugerir se a AED está ou não presente na fundamentação das
decisões da Corte.
A primeira decisão a ser analisada em que se identifica a adoção de parâmetros
de natureza econômica é a decisão de repercussão geral é o Recurso Extraordinário,
36

ARE 909437 RG / RJ, interposto pelo Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro,
com a seguinte ementa45:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REAJUSTE DE 24% PARA OS
SERVIDORES DO JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
LEI Nº 1.206/1987. ISONOMIA. REPERCUSSÃO GERAL.
REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. 1. Não cabe ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de
servidores públicos sob fundamento de isonomia. Súmula 339/STF e
Súmula Vinculante 37. 2. Reconhecimento da repercussão geral da
questão constitucional, com reafirmação da jurisprudência da Corte,
para assentar a seguinte tese: “Não é devida a extensão, por via
judicial, do reajuste concedido pela Lei nº 1.206/1987 aos servidores
do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, dispensando-se a
devolução das verbas recebidas até 01º.09.2016 (data da conclusão
deste julgamento)”. 3. Recurso conhecido e provido.

O voto analisado é do relator, ministro Roberto Barroso. Em seu


pronunciamento, resta evidenciado o fundamento econômico da decisão. É evidente
que, se proferida de modo diverso, a decisão afetaria de forma significativa a ordem
econômica e social do Estado do Rio de Janeiro. Segue transcrição de trecho da
decisão:
O acréscimo de 24% (vinte e quatro por cento) aos rendimentos e
proventos dos milhares de servidores ativos e aposentados do Poder
Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, retroativo a pelo menos cinco
anos antes do ajuizamento de cada ação individual, é capaz de
produzir um impacto financeiro bilionário às já combalidas finanças do
Estado, cuja situação calamitosa é notória.

O Ministro considerou para além do percentual de acréscimo a ser concedido,


que é demasiadamente elevado, mas também a situação calamitosa das finanças
públicas do Estado. É notório que a decisão foi no sentido de proteger a ordem
econômica do Estado do Rio de Janeiro. O fundamento principal na questão
apresentada não é apenas o percentual de acréscimo salarial, mas sim o que esse
acréscimo significaria nas finanças do Estado. A corte, frente ao conflito de interesses,
optou por beneficiar uma maioria – todos os cidadãos do Estado - em detrimento do
grupo restrito - funcionários do judiciário. Embora existam outros fundamentos de
Direito para a referida decisão, a atual conjuntura econômica do Estado falou mais
alto no convencimento do ministro relator e os demais que reafirmaram sua decisão.

45
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Repercussão Geral No Recurso Extraordinário Com Agravo
nº 909437 do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 1 de setembro de 2016. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 6 jun. 2017
37

Os exemplos de utilização supracitados de decisões do STF, sem dúvida,


possuem uma natureza de econômica, essencialmente. A primeira decisão concerne
ao aumento salarial a servidores, é eminentemente econômica, a segunda decisão
apresentada tem essência econômica por sua própria natureza comercial e
mercadológica. Entretanto, existem outros casos que não possuem natureza
essencialmente econômica, mas que tiveram argumentos fundamentados pelos
instrumentais da economia. A exemplo da ação direta de inconstitucionalidade nº
4.983, proposta pelo Procurador-Geral da República sobre a regulamentação, pelo
Estado do Ceará, da prática da vaquejada46.
Nesse sentido, destaca-se o voto do Ministro Teori Zavascki que contrariou o
relator, Ministro Marco Aurélio:

[...] se nós declararmos a inconstitucionalidade dessa lei, vamos ter a


vaquejada sem essa lei no Estado do Ceará, como ocorre em outros
Estados. No meu entender, essa lei, bem ou mal, desnaturando ou
não a vaquejada (pode-se até dizer que essa lei, se for aplicada, vai
desnaturar a vaquejada, pode-se até dizer isso) mas a lei - e esse é o
meu convencimento – busca evitar justamente a forma de vaquejada
cruel. O que eu quero dizer, em suma, é que ter esta lei é melhor do
que não ter lei alguma sobre vaquejada. Sem esta lei, vamos ter
vaquejada cruel. (Grifo nosso)

O Ministro Gilmar Mendes complementa:

O curioso aqui é que talvez devêssemos aprofundar essa análise, por


exemplo, para corrida de cavalo, porque ali, de vez em quando, temos
a quebra de perna do próprio animal, além de ele ter sido treinado e
adestrado para essa finalidade. O cavalo não nasceu
necessariamente para correr. Então, temos de ampliar esse universo.
A mim, me parece até preconceituosa, discriminatória essa
abordagem. Vai continuar na ilegalidade. Sabemos, por exemplo,
que a farra do boi continua a existir em Santa Catarina, a despeito da
decisão do Supremo, porque não se consegue colocar polícia para
impedir esse tipo de coisa. Agora, faz-se um julgamento de caráter
simbólico. (Grifo nosso)

Ratificando sua posição, Gilmar Mendes continua:

Na Alemanha houve um caso em que - nessa sensibilidade que muitos


mostram e é justa em relação à proteção dos animais -, num dado
momento, o legislador propôs que fosse proibido o negócio, via

46
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.983 do Supremo
Tribunal Federal, Brasília, DF, 6 de outubro de 2016. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em
8 jun. 2017.
38

correios, de animais, porque se dizia que esses animais eram


colocados numa estação de trem, remetidos para outra estação de
trem e ficavam lá esquecidos. Eram tratados como bagagem e
acabavam morrendo, acabam sendo sacrificados, acabavam sendo
maltratados. Quando essa lei entrou em vigor e os correios passaram
a recusar a remessa desses bichanos - gatos, cachorros e outros
bichos -, os pequenos sitiantes que complementavam a sua renda com
essa atividade reclamaram que isso atentaria contra a liberdade de
profissão e acabaram na Corte Constitucional. E a Corte
Constitucional fez uma análise sobre os fundamentos, as razões
legislativas do projeto. Depois fez uma verificação de qual era o índice
de mortalidade. Como os correios alemães são bastante organizados,
eles tinham lá as anotações dos últimos anos. Chegaram à conclusão
de que nada de anormal se passava, nada diferente do que se
passava nos próprios criatórios. Por outro lado, o esquecimento de
alguém em relação à busca daquele animal na estação também não
era de se supor. Pelo contrário, as pessoas ficavam aflitas para buscar
o animal encomendado. Feita essa verificação, a Corte concluiu que
não havia nenhuma desproporcionalidade na colocação.

Ainda se tem:

Tem que se ver o que o legislador está a buscar, para aplicar métodos
adequados. Agora, as consequências de uma declaração de
inconstitucionalidade como esta são extremamente sérias.
Estamos falando de duzentos mil empregos. Nós temos uma lei que
considera este cavaleiro como um profissional - tem direito à
previdência social e tudo o mais. Nós temos, portanto, uma atividade
plenamente regulada. E o que o legislador cearense busca é
exatamente permitir que esses folguedos, que essas práticas sejam
feitas observando padrões civilizatórios. Então isso precisa ser
observado. [...] nós deveríamos, se fosse possível, até fazer algum tipo
de recomendação no sentido de que se adensem práticas com o intuito
de proteção; mas não tentar cassar a lei, porque, na verdade, vamos
estar colocando essa prática na ilegalidade, na clandestinidade. Não
vamos conseguir suprimir esse aspecto cultural que é amplamente
irradiado, amplamente conhecido. [...] o Doutor Almeida Castro
ressaltou da tribuna - que isso concorre com o futebol, em termos de
atração de público, em uma região do país que já é descriminada pelo
subdesenvolvimento, em que as pessoas têm dificuldades de acesso a
algum tipo de distração. Então a mim me parece que essa decisão não
pode caminhar nesse sentido.

Embora com votos vencidos, nota-se a utilização das concepções


consequencialistas das decisões. É possível levantar dois aspectos fundamentais na
decisão que tiveram como escopo a AED: a) declarar a inconstitucionalidade da lei
que procurou regulamentar a vaquejada e não acabar com a prática – decisão ineficaz
b) os aspectos econômicos – já que a profissão é regulamentada e gera um número
expressivo de empregos e expectadores na região. Portanto, é cediço que existem
39

aspectos não econômicos que podem ser avaliados pela perspectiva econômica, o
que evidencia a preocupação do magistrado em tonar sua decisão eficiente.
É possível, ainda, identificar diversos acórdãos em que, embora o fundamento
econômico não seja o principal, é utilizado como acessório às decisões, tal qual
Recurso Extraordinário 586224 / SP, com a seguinte ementa 47:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA
COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE A
QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O USO DO FOGO EM
ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE
DEZEMBRO DE 1995, DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA.
RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE
VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº
14, 192, § 1º E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
SÃO PAULO E ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB. 1.
O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com
União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal
regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos
demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB). 2. O
Judiciário está inserido na sociedade e, por este motivo, deve estar
atento também aos seus anseios, no sentido de ter em mente o
objetivo de saciar as necessidades, visto que também é um serviço
público. 3. In casu, porquanto inegável conteúdo multidisciplinar da
matéria de fundo, envolvendo questões sociais, econômicas e
políticas, não é permitido a esta Corte se furtar de sua análise para o
estabelecimento do alcance de sua decisão. São elas: (i) a relevante
diminuição – progressiva e planejada – da utilização da queima de
cana-de-açúcar; (ii) a impossibilidade do manejo de máquinas diante
da existência de áreas cultiváveis acidentadas; (iii) cultivo de cana em
minifúndios; (iv) trabalhadores com baixa escolaridade; (v) e a
poluição existente independentemente da opção escolhida. 4. Em que
pese a inevitável mecanização total no cultivo da cana, é preciso
reduzir ao máximo o seu aspecto negativo. Assim, diante dos valores
sopesados, editou-se uma lei estadual que cuida da forma que
entende ser devida a execução da necessidade de sua respectiva
população. Tal diploma reflete, sem dúvida alguma, uma forma de
compatibilização desejável pela sociedade, que, acrescida ao poder
concedido diretamente pela Constituição, consolida de sobremaneira
seu posicionamento no mundo jurídico estadual como um standard a
ser observado e respeitado pelas demais unidades da federação
adstritas ao Estado de São Paulo. 5. Sob a perspectiva estritamente
jurídica, é interessante observar o ensinamento do eminente
doutrinador Hely Lopes Meireles, segundo o qual “se caracteriza pela
predominância e não pela exclusividade do interesse para o município,
em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto
municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional.
A diferença é apenas de grau, e não de substância." (Direito
Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 121.)

47
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Extraordinário nº ° 909437 do Supremo Tribunal
Federal, Brasília, DF, 5 de março de 2015. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 6 jun.
2017
40

6. Função precípua do município, que é atender diretamente o


cidadão. Destarte, não é permitida uma interpretação pelo Supremo
Tribunal Federal, na qual não se reconheça o interesse do município
em fazer com que sua população goze de um meio ambiente
equilibrado. 7. Entretanto, impossível identificar interesse local que
fundamente a permanência da vigência da lei municipal, pois ambos
os diplomas legislativos têm o fito de resolver a mesma necessidade
social, que é a manutenção de um meio ambiente equilibrado no que
tange especificamente a queima da cana-de-açúcar. 8. Distinção entre
a proibição contida na norma questionada e a eliminação progressiva
disciplina na legislação estadual, que gera efeitos totalmente diversos
e, caso se opte pela sua constitucionalidade, acarretará esvaziamento
do comando normativo de quem é competente para regular o assunto,
levando ao completo descumprimento do dever deste Supremo
Tribunal Federal de guardar a imperatividade da Constituição. 9.
Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.952, de 20 de dezembro de
1995, do Município de Paulínia.

Inicialmente, o voto do relator, ministro Luiz Fux, reconheceu a complexidade


da matéria que envolve questões para além da Ciência Jurídica admitindo, “...este
leading case não poderá ser apartado da influência de sua solução em diversas áreas
do conhecimento, que vão além da ciência jurídica.” O recurso interposto pelo
Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado De São Paulo – Sifaesp,
buscava a declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal que proibia a queima
da palha de cana de açúcar e o uso de fogo em atividades agrícolas.
A decisão da Suprema Corte foi unânime em reconhecer a
inconstitucionalidade da lei, tendo como escopo o argumento econômico, no voto do
relator:
[...] sem uma tecnologia que possa atender às necessidades inerentes
à atividade e com a proibição imediata da queima da cana, chega-se a
uma situação em que o agricultor deve forjar um novo meio de sustento.
[...] caso reconheça a legitimidade e/ou a constitucionalidade da
proibição imediata da queima de cana, este Supremo Tribunal terá
observado e entendido como razoável o impacto econômico da perda
de substanciosa fatia da geração de renda e emprego em todo país,
haja vista o reconhecimento de repercussão geral por esta Corte. [...]
um fator que considero ser de grande relevância e que tem imperiosa
influência na decisão é a baixa escolaridade dos trabalhadores do
cultivo da cana-deaçúcar. Afinal, o aspecto socioeconômico não pode,
de maneira alguma, ser desconsiderado no presente caso

O voto do relator foi claro no sentido de reconhecer que a matéria de proteção


ambiental é fundamental e relevante para o Direito; porém, optou-se por proteger a
ordem econômica da região, tendo em vista a comprovada dependência econômica
41

do cultivo rudimentar da cana de açúcar. Além do fator socioeconômico, considerou a


gradativa redução de queimada na atividade mediante implementação de tecnologias
que auxiliam a destinação da palha da cana. Embora o tribunal tenha reconhecido que
há medidas alternativas para a poluição, a exigência de implementação imediata
acarretaria impacto negativo nas finanças da região.
Diante dos acórdãos analisados, não é possível identificar alguma intenção das
Corte Superior - STF – em desobrigar-se do método jurídico, a fim de basear suas
decisões apenas em métodos econômicos e empíricos.
É de se ressaltar, ademais, que o objetivo deste trabalho não foi identificar
qualquer fundamento pragmático para as decisões do STF, mas apenas procurou
identificar que em certas decisões a AED é rejeitada pelos Ministros em prol de
decisões mais fortes, que procuram a integridade do ordenamento jurídico, em uma
interpretação prospectiva e coerente.
42

CONCLUSÃO

O estudo associado do Direito e Economia é anterior ao surgimento da


disciplina que o propõe. A corrente mais recente ganhou força com o movimento
iniciado nos Estados Unidos da América, notadamente, na Universidade de Chicago.
Seu principal nome, indubitavelmente, Ronald Coase, teve papel fundamental na
propagação da Law and Economics no Direito americano e, posteriormente, no
mundo. Fundamentada em preceitos da Economia Moderna, a Análise Econômica do
Direito tem raízes nos importantes economistas da modernidade, Adam Smith, o
utilitarismo de Jeremy Benthan, dentre outros que, juntamente com Coase, fizeram da
proposta uma disciplina de grande potencial nas academias.
Embora Direito e Economia tenham métodos analíticos distintos, não raro,
possuem objetos de estudo em comum. O Direito, notadamente hermenêutico, poucas
vezes se preocupa com a eficiência. Contudo, seu objeto principal – a justiça – está
mais próximo do conceito de eficiência do que a maioria dos juristas consegue
perceber. A Economia, por sua vez, predominantemente analítica, empírica e
numérica, ocupa-se em avaliar o comportamento humano. As escolhas do agente
racional que busca a satisfação de suas necessidades em uma realidade de escassez
de recursos é o objeto de estudo da Economia. O objetivo do agente racional
maximizador é alcançar o melhor resultado possível com recursos que possui. Esta
decisão “ótima”, maximizadora de resultados, é o que a econômica denomina
“eficiência”. A eficiência é o objetivo central das escolhas racionais. Nesse contexto,
é evidente que o conceito de justiça e eficiência estão intimamente relacionadas. A
formulação de leis, a atuação do judiciário e a elaboração de políticas públicas,
quando não eficientes, são essencialmente injustas. Por certo, uma decisão “não
ótima” é ineficiente. Desta forma, ignorar os aspectos trazidos pela Ciência Econômica
é atuar em desconformidade com a própria natureza de justiça, afinal, todo
desperdício – de recursos – é injusto e necessariamente, ineficiente.
A proposta da Análise Econômica do Direito traz consigo duas possibilidades
úteis ao Direito: análise positiva e normativa do direito. A primeira, análise positiva, diz
respeito à avaliação dos resultados da atuação do Direito. Este campo se propõe a
medir as implicações da atuação jurídica, bem como a adequação dos resultados
alcançados. Na dimensão normativa, o objetivo é propor soluções jurídicas a
problemas observados no mundo dos fatos. A ideia central é analisar os fatos e indicar
43

melhorias no campo jurídico que produzirão efeitos diretamente na maximização dos


resultados perseguidos. Enquanto a análise positiva atua previamente, a dimensão
normativa se ocupa com os resultados já obtidos.
Utilizar conceitos de eficiência, instrumentalização de teorias de escolha, tal
qual a teoria dos jogos, dilema dos prisioneiros, teorema de Coase e demais técnicas
e instrumentais econômicos inicialmente estranhos ao Direito é um desafio que deve
ser superado. Embora a introdução da Análise Econômica do Direito no cenário
brasileiro ainda se encontre embrionária, há, indubitavelmente, nomes de expressão
nacional que têm empenhado esforços para sua propagação. É imperioso afirmar que
nunca houve um momento de tanta proximidade entre Direito e Economia no cenário
brasileiro, mesmo que tal aproximação não se dê de forma tão pacífica quanto
necessária.
A Análise Econômica do Direito não é um campo fértil que propõe aventuras
jurídico-econômicas isoladas, tampouco modismo doutrinário. A contrário senso, a
AED é uma ferramenta de grande valia para o Direito, da mesma forma que sua
introdução no campo da ciência jurídica é irreversível e necessária. No entanto, o
grande trunfo perseguido pelos defensores da AED consiste na expansão da
concepção do Direito de forma integrada a outras ciências. A absorção dos conceitos
de análise comportamentais propostos pela Ciência Econômica, sem desprezar o
valor central do Direito, deve ser perseguido. Afinal, a concepção econômica é
intrínseca às relações sociais, o Direito, por sua vez, ocupa-se diuturnamente na
regulação dessas relações. Não sendo, portanto, razoável o distanciamento de
ambas.
A utilização de métodos de conceitos de eficiência, a tendência racional de
maximização da utilidade e demais teorias microeconômicas são potenciais. A
despeito da evidente resistência pelos profissionais do Direito na utilização das
ferramentas e instrumentais da AED, a proposta é compatível com a ciência jurídica e
vem ganhando adeptos à medida que barreiras ideológicas são quebradas. No Brasil,
especialmente na Suprema Corte, é possível observar situações em que foram
utilizados métodos econômicos como fundamento principal ou auxiliar nas decisões.
Embora os defensores da AED não sejam a maioria e contemplem, em grande parte,
os votos vencidos, é possível enxergar seu avanço e sua possibilidade de ascensão.
A despeito das decisões apresentadas, a proposta não é promover juízo de
valor a respeito da assertividade das decisões ou o alcance da “justiça”. Ainda que
44

tímida, às vezes, intuitiva e não predominante, a Análise Econômica do Direito não


tem sido plenamente ignorada. A contrário censo, vem ganhando adeptos, estudiosos
e defensores já sendo possível imaginar em um futuro, não distante, o ensino
acadêmico e curricular nos cursos de Direito e, mais, como uma ferramenta útil ao
Direito e à sociedade ao qual a ciência jurídica serve.
Antes de tudo, é necessário enxergar a Economia e seus instrumentais, não
como ciência estranha ou ofensiva à justiça, ao contrário, é imprescindível considerá-
la como uma ferramenta do qual o Direito pode se deleitar. Nota-se que a proposta
não é de uma ciência jurídica à serviço da Economia, até porque tal propositura seria,
por si só, ineficiente e incompatível com a própria coexistência de ambas. Nesse
sentido, o caminho de globalização e interdisciplinaridade das ciências é cada vez
mais latente, fazendo-se necessário que o Direito se desvincule da ideia de
autossuficiência e reconheça a importância de interação com outras ciências sociais.
Restou evidenciado, portanto, que a Análise Econômica do Direito vive um
momento de ascensão no cenário brasileiro. Nos últimos anos, seus conceitos têm
ganhado força, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Embora as decisões
analisadas não demonstrem que o posicionamento consequencialista proposto pela
AED seja prevalente e unânime, é notória sua presença e manifestação na suprema
corte. De qualquer maneira, seria demasiadamente pretensioso propor a AED como
único e suficiente método para decisão – até porque ela não o é. Assim, é preciso
reconhecer sua existência, necessidade e utilidade para o Direito. Em outras palavras,
a Análise Econômica do Direito veio para ficar e demonstrou-se útil. Restando aos
profissionais do Direito não a ignorar, mas praticá-la sempre que os fatos indicarem a
Análise Econômica do Direito como a melhor alternativa.
45

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo


Descomplicado. 9º Edição, Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2016.

ARAÚJO, Thiago Cardoso. Análise Econômica do Direito no Brasil: Uma leitura à


luz da teoria dos sistemas. 1. ed. Rio de Janiero: Lumen Juris, 2016.

ARISTÓTELES. A Ética a Nicômano. Trad. De Leonel Vallandro e Gerd Bornheim.


São Paulo: Nova Cultural, 1991.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Repercussão Geral No Recurso Extraordinário


Com Agravo nº 909437 do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 1 de setembro de
2016. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 6 de julho de 2017

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.983


do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 6 de outubro de 2016. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 8 de Julho de 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Extraordinário nº ° 909437 do


Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 5 de março de 2015. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em 06 de Julho de 2017.

COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o direito. Tradução Heloísa Gonçalves


Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.

COASE, Ronald. “O problema do custo social”. The Latin American and Caribbean
Journal of Legal Studies: Vol. 3: Nº. 1, Article 9, 2008. Disponível em: <
http://www.pucpr.br/arquivosUpload/5371894291314711916.pdf>

CUNHA, Paulo Ferreira da. Filosofia Jurídica Prática. Belo Horizonte: Ed. Fórum,
2009. Pág. 61
CAVALCANTI, Marcos Cintra. Introdução a Teoria Econômica. 4º ed. São Paulo:
Editora McGraw-Hill do Brasil, 1974.

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. Tatuapé: editora brasiliense s.a. Pág. 10 –
11.
1
MONTALVÃO, Bernardo. Resolução nº 75 do CNJ: descomplicando a Filosofia do
Direito. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016

MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane Rousseau. Análise Econômica do Direito.


Tradução Rachel Sztajn. 2º ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MARSHAL, Alfred. apud ALBUQUERQUE, Marcos C. C. Introdução à Teoria


Econômica. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1974.
46

MONTALVÃO, Bernardo. Resolução nº 75 do CNJ: descomplicando a Filosofia do


Direito. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

MORETTINI, Felipe Tadeu Ribeiro; GONÇALVES, Oksandro Osvidal. Análise


econômica do controle judicial dos contratos de concessão e sua importância para o
desenvolvimento. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 51, nº 203.
Jul/Set. 2014 Disponível em: <
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/507400/RIL203.pdf?sequence=1
#page=74 > Acesso em: 8 Setembro de 2017.

NASCIMENTO NETO, José Osório do. GONÇALVES, Oksandro Osvidal. Custos de


Transação em Energias Renováveis e sua Importância Para o Desenvolvimento
Sustentável. Revista Direito e Liberdade. v. 16, n. 1, p. 105-134, jan./abr. 2014.
Disponível em: <
http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/vie
w/571>

NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2008. Pag. 30

OLIVEIRA JUNIOR, Raimundo Frutuoso de. Aplicações da Análise Econômica do


Direito. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Junho/2010 Disponível em <
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3155.pdf>
Acesso em 22 de Julho de 2017

PAIVA, Carlos Á. N; Cunha, André M. Noções de economia. Brasília: Fundação


Alexandre de Gusmão, 2008.
PORTO, Antônio José Maristrello. Análise Econômica do Direito (AED). Colaboração
de Guilherme Mello Graça. Curso de aulas 2013.2. Rio de Janeiro: FGV, 2013. <
http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/analise_economica_do_direito_
20132.pdf > Acesso em 17 de Junho de 2017

POSNER, Richard A. A Economia da Justiça. Tradução Evandro Ferreira e Silva,


revisão da tradução Anibal Mari – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

ROCHA, André Barreira da Silva. O Dilema do Prisioneiro e a Ineficiência do


Método das Opções Reais. RAC, v. 12, n. 2, p. 507-531, Abr./Jun. Curitiba, 2008.
Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/rac/v12n2/a10v12n2.pdf > Acesso em: 21 de
Junho de 2017.

SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia?”. Revista Direito UNIFACS.


nº 160. Out. 2013. Disponível em: <
http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/2793/2033>. Acesso em
12/07/2017.

SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton. Teoria do Direito. São Paulo: Saraiva, 2009

TABAK, B. M. A Análise Econômica do Direito: Proposições Legislativas e Políticas


Públicas. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado,
47

outubro/2014 (Texto para Discussão nº 157). Disponível em:<


www.senado.leg.br/estudos >. Acesso em: 10 de julho de 2017

VASCONCELLOS, M. A. S; GARCIA, E. M. Fundamentos de Economia. São Paulo:


Saraiva, 2008.

ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN,


Decio; SZTAJN, Rachel (org.), Direito e Economia: Análise Econômica do Direito e
das Organizações, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005, 2ª reimpressão.

Você também pode gostar