Fazer perguntas durante uma terapia, pode se constituir numa arte ou forma de
intervenção terapêutica facilitadora para promover ações transformadoras na vida das
pessoas. Este trabalho irá se concentrar na articulação entre o ato de perguntar e suas
aplicações na terapia comunitária, mormente no que diz respeito às fases de
contextualização e problematização.
Na fase denominada contextualização da terapia comunitária o terapeuta lança
questões para compreender o sofrimento de alguém, ou seja, são feitas perguntas que
ajudem a esclarecer o ocorrido, situar melhor os acontecimentos, permitindo assim que se
compreenda esse sofrimento em seu contexto. Desse modo, o terapeuta fica atento à fala e
às respostas dadas pela pessoa que trouxe seu sofrimento, e ir anotando as palavras-chaves
que servem de temas para serem refletidos através dos motes.
Na fase da terapia comunitária denominada problematização, o terapeuta formula
os motes. O mote é uma pergunta-chave que vai permitir a reflexão do grupo, durante a
terapia. Ou seja, os motes são perguntas que permitem ao grupo refletir sobre o sentido ou
significado dos comportamentos apresentados pelas pessoas.
O objetivo principal do ato de formular perguntas aqui proposto é o de criar um
contexto no qual os participantes da conversa, clientes e terapeutas, estão sempre
aprendendo algo, ou seja, aprendendo a aprender.
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Professor adjunto de psiquiatria, UFPE.
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• PERGUNTAS CIRCULARES:
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• PERGUNTAS ESTRATÉGICAS:
Formuladas com o intuito de influenciar o comportamento do paciente e familiares, de
uma maneira específica. A intenção do terapeuta, ao usar esse tipo de questionamento, é
eminentemente corretiva. Portanto, presume-se aqui que a interação instrutiva (dar
diretivas ao paciente) seja possível. O terapeuta parece comportar-se, nessas
circunstâncias, mais como um professor, treinador, ou juiz, ao dizer para as pessoas em
que elas falharam e como devem se comportar. Algumas pessoas sentem-se ofendidas
durante a sessão com esse tipo de perguntas, porém outras pessoas consideram-nas
bastante apropriadas à maneira como elas interagem, habitualmente.
As perguntas dependem diretamente da hipótese construída pelo terapeuta, sobre o que
vem ocorrendo de "errado" na interação familiar. No exemplo a seguir, o terapeuta tenta
influenciar um casal que está sendo entrevistado, ao perguntar:
para a esposa: "Por que você não fala diretamente a ele (ao marido) sobre as suas
preocupações e mágoas com relação a ele, ao invés de você ficar se queixando dele às
suas crianças?"
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para o marido: "Por que você continua bebendo, mesmo sabendo, com base nas
experiências anteriores, que, ao beber, você poderá chegar em casa embriagado e
abusar de sua mulher e filhos?"
Algumas vezes, tais confrontações por parte do terapeuta são necessárias, a fim de
desbloquear um sistema paralisado (casal em conflito). Entretanto, existe também o
risco do terapeuta provocar uma ruptura na aliança terapêutica com o cliente, ao se
tornar excessivamente diretivo nos seus questionamentos.
“Por que a Sra. não tenta conversar com ele, nessas horas, ao invés de procurar
agredi-lo também?” (Ele não iria me escutar)
“A Sra. não gostaria de tentar fazer algo diferente do que devolver pra ele com a
mesma moeda a agressão sofrida pela Sra.?” (Sim, por isso mesmo é que eu vim até aqui)
“A Sra. acha que existiria uma outra maneira do seu marido enfrentar a terrível
situação de um longo desemprego, ao invés de ficar se embriagando por aí?” (Acho que se
ele passasse a freqüentar as reuniões dos AA, ele pararia de beber e a gente suportaria
melhor a situação).
• PERGUNTAS REFLEXIVAS:
Trata-se de um grupo muito importante de perguntas, conforme dito anteriormente.
O questionamento reflexivo pode se constituir numa intervenção terapêutica em si mesma,
na medida em que as perguntas são formuladas pelo terapeuta com o intuito de possibilitar
que os pacientes/familiares venham gerar, por eles mesmos, novos padrões de
conhecimento e comportamento. Esse questionamento pretende desenvolver a autonomia
nos clientes. Desse modo, o terapeuta adota uma atitude facilitadora e, deliberadamente,
formula aqueles tipos de perguntas com maior probabilidade de criar novas possibilidades
de auto-conhecimento e auto-cura, além de despertar a criatividade nas pessoas.
O mecanismo pelo qual se dá a mudança terapêutica, resultante do questionamento
reflexivo, nos pacientes pode ser o da reflexividade entre os diferentes níveis de significado
existentes nos respectivos sistemas de crenças e valores de cada pessoa e grupo familiar
(sistema significante)*. Reflexividade refere-se a uma teoria da comunicação humana, tendo
em vista um processo interativo complexo, no qual os significados são gerados, mantidos,
e/ou mudados através de interações repetitivas e circulares entre os seres humanos. Ao
adotar essa teoria nas conversas com os pacientes, o terapeuta passa a formular diversos
tipos de perguntas reflexivas (vide mais adiante). Assim procedendo, ele espera aumentar a
eficácia clínica de promover as mudanças desejadas.
Premissas básicas: - A família é autônoma o suficiente para determinar a sua evolução, ao
longo do ciclo vital familiar. A comunicação humana não é encarada como um simples
processo linear de transmitir mensagens de um emissário ativo (uma pessoa) para um
receptor passivo (outra pessoa). Pelo contrário, tal comunicação é um processo circular,
interativo de co-criação e influência recíproca entre as pessoas aí envolvidas (vide conceito
de sistema). Lembrar aqui que a linguagem, além de informativa, é também formativa
(Andersen, 1991: p. 129-130).
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Sistema significante consiste em grupos de pessoas cujos significados a elas atribuídos podem ter origem
tanto em níveis inferiores de estrutura organizacional ao sistema familiar (ex: significado atribuído a um
dos familiares), como em níveis superiores (mais complexos) de estrutura organizacional ao sistema
familiar (ex: cultura a que pertence a família).
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“Caso a Sra. conseguisse dizer para o seu marido, de um modo que ele conseguisse ouvi-la,
o quanto a Sra. está preocupada e sentida com as agressões e a bebedeira dele, o que a Sra.
imagina que ele faria ou pensaria?” (Eu não estou certa como ele reagiria...)
“Se o seu marido parasse de beber e, em seguida, conseguisse arranjar um emprego
novamente, o que iria mudar na vida de vocês?” (Acho que a gente iria voltar a ser feliz...).
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Para um adolescente que vem se saindo mal nos estudos: "Que planos você tem para a sua
futura carreira como profissional? Quanto mais você precisará estudar para um dia
chegar lá?"
Este grupo de perguntas parte do pressuposto de que quando uma pessoa assume,
temporariamente, a perspectiva de observador de um acontecimento ou de um padrão
interacional entre pessoas a ela relacionadas, isso pode significar um primeiro passo em
direção a começar elaborar mudanças que se façam necessárias. As perguntas, destinadas a
colocar a pessoa entrevistada na posição de observador, ajudam-lhe a desenvolver a
habilidade de distinguir comportamentos, acontecimentos, ou padrões interativos que ela
própria ainda não se apercebera. Tais perguntas também servem para ela descobrir o
significado de seus comportamentos e das circunstâncias em que ela vem desempenhando
seu respectivo papel.
Por outro lado, essas perguntas, referidas aos padrões de comportamento interpessoal da
pessoa colocada na posição de observadora, não são dirigidas diretamente a ela, e sem que
ela posa interferir, momentaneamente, no diálogo com os demais pessoas presentes,
acabam deixando-a numa posição de “neutralidade”. Em tais circunstâncias, todos os
participantes acabam recebendo um grande manancial de informações, com base no acima
referido.
À guisa de conclusão
O que falta nos exemplos das diferentes perguntas mencionadas é o tom emocional
utilizado pelo terapeuta. Na verdade, as diferenças realçadas entre aquelas perguntas
dependem das intenções e pressupostos teóricos dos terapeutas, ao formulá-las. Em geral, é
a postura emocional do terapeuta ao fazer a pergunta, que acaba fazendo a diferença para o
paciente ao ouví-la e, posteriormente, ao respondê-la, direta ou indiretamente.
Segundo a perspectiva de um observador, as psicoterapias podem ser vistas essencialmente
como tipos de conversação. Contudo, elas não são, simplesmente, conversas como outras
quaisquer. As conversações terapêuticas (psicoterapias) têm por objetivo aliviar a dor e o
sofrimento mentais de alguém e promover a cura. Elas se dão através de um acordo
consensual entre terapeutas e clientes, no sentido do terapeuta contribuir, intencionalmente,
para a ocorrência de mudanças relacionadas às experiências de vida e comportamentos
vivenciados como problemáticos pelos clientes.
A posição do terapeuta numa conversação terapêutica implica em assumir tanto
responsabilidades específicas, como também privilégios especiais. Um exemplo desses
privilégios é o terapeuta poder solicitar informações acerca de situações pessoais e íntimas
dos clientes. Isso torna os clientes, freqüentemente, vulneráveis. Conseqüentemente, existe
a possibilidade das psicoterapias acarretarem sofrimento adicional aos clientes
paralelamente ao seu potencial de curar.
Alguns padrões de conversação têm uma condição muito maior do que outras de atingirem
os seus objetivos terapêuticos. Um dos fatores que contribuem para isso tem a haver com a
natureza das perguntas que são formuladas durante a conversação.
Durante uma conversação terapêutica o terapeuta tanto contribui com afirmativas ou
interpretações, como também formulando perguntas. Afirmativas e perguntas formuladas
nessa conversação possuem desdobramentos bem diferentes. De um modo geral, as
afirmativas já expressam temas, posicionamentos e pontos de vista, enquanto as perguntas
solicitam (a quem elas são dirigidas) que sejam propostos temas, posicionamentos, ou
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pontos de vista a respeito. Dizendo de outro modo, as perguntas tendem a pedir respostas e
as afirmativas tendem a dá-las, de antemão.
Eis, a seguir, algumas vantagens para que os terapeutas formulem mais perguntas do que
afirmativas, especialmente na primeira metade das entrevistas iniciais:
1. Assegurar uma conversação centralizada no cliente;
2. Perguntas levam muito mais os clientes a se engajarem na conversação do que
afirmativas;
3. Clientes são estimulados a pensar sobre seus problemas por si mesmos.
Algumas limitações acerca do predomínio de perguntas sobre afirmativas:
1. Terapeuta pode se esconder por detrás de perguntas freqüentes e com isso limitar o
desenvolvimento da aliança terapêutica com o cliente.
2. Certas perguntas podem se tornar extremamente intrusivas ou ameaçadoras.
Os terapeutas precisam monitorar a conversação, continuamente, e passarem a fazer
afirmativas quando as perguntas por eles formuladas tornam-se contra-terapêuticas,
gerando desinteresse ou oposição nos pacientes.
Apesar da preferência em formular-se perguntas durante a conversação, isso não significa
que um terapeuta deva somente fazer perguntas. Alguns comentários também podem ser
pertinentes.
Terapeuta está sempre "trabalhando no escuro" e nunca pode saber o resultado final de suas
perguntas específicas sobre os clientes. Isto leva a uma responsabilidade ética ainda maior
quanto à intenção do terapeuta decidir sobre o que perguntar ao cliente, uma vez que isso
traz conseqüências, conforme já mencionado.
Referências bibliográficas
ANEXO
EXERCÍCIOS
Exercício 1:
A partir da palavra-chave ou tema escolhido, construir os motes, sob a forma de perguntas
lineares, circulares, estratégicas e reflexivas.
Lembrar que a diferença básica, entre esses tipos de pergunta, não está na sua estrutura
sintática ou no seu conteúdo semântico, mas sim nas intenções e pressupostos do terapeuta.
Na verdade, a mesma seqüência de palavras poderia se constituir numa pergunta linear,
circular, estratégica, ou mesmo numa pergunta reflexiva. Assim, as mesmas palavras
podem significar ou produzir coisas muito diferentes ao longo de uma simples conversação.
O que irá, ao final, fazer a diferença entre essas perguntas será a postura emocional do
terapeuta ao formulá-las.
Exercício 2
Usando cada um dos tipos de pergunta supramencionados, trabalhar os dois lados da
palavra-chave ou tema em questão, ou seja, o seu lado negativo e o positivo.
Exercício 3
Construir perguntas reflexivas que permitam as pessoas refletirem sobre o significado
simbólico do tema escolhido, utilizando palavras-chaves.
Exercícios para desenvolver habilidades no terapeuta. "Como você cria uma hipótese?
Como você testa a sua hipótese, usando o "feedback"ou retroalimentação dos familiares
presentes à sessão?" : exercício no.8 (Campbell et al., 1988: p.36-7).
Exercício sobre questionamento circular (exercício no. 12) – vide folha anexa
(Cambpbell et al., 1988: p. 36).