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CULTURA
BRASILEIRA
O EXEMPLO DE XENOFONTE
Aluno
André Martins Costa Aranha
Orientadora
Maria das Graças de Moraes Augusto
Introdução
Xenofonte
A Ciropédia
À primeira leitura a Ciropédia aparece
como uma espécie de biografia romanceada de
um grande rei persa, Ciro, narrando sobre
suas muitas campanhas militares e a
construção de um império glorioso. O proêmio
do livro discute as dificuldades em se
conseguir o governo estável e seguro dos
homens, apontando a história de Ciro como
exemplo a inspirar-nos.
Xenofonte, ao contrário de em sua
Anábase, não se preocupa aqui com o que
chamaríamos de rigor historiográfico,
acomodando e inventando fatos conforme as
necessidades de seu argumento. A Ciropédia,
por seu recurso ficcional, aproxima-se mais
dos diálogos platônicos do que das obras de
Tucídides ou Heródoto.
Poderíamos vê-la, assim, como a
exposição da educação que um governante
deve receber, e das maneiras pelas quais deve
governar em vista de estabelecer o império
mais feliz possível.
O curto epílogo do livro traz uma
reviravolta a tal interpretação1: após a
honrada morte de Ciro, já velho, no auge da
glória de um império magnífico; quando então
esperaríamos que sua posteridade inda
guardasse algo daquela prosperidade
abundante; Xenofonte nos acusa, em poucas
páginas, uma decadência completa e imediata,
indo dos mínimos vícios à fragmentação de
todo o reino. A brutalidade deste desfecho nos
permite reinterpretar o governo de Ciro não
mais como ideal, mas como um exemplo de
que tirar lições.
Ciro nasce na Pérsia, que aparece aqui
como um modelo espartano melhorado, onde
passa sua infância e aprende a justiça como
idêntica à legalidade e o amor às honras
enquanto fim em si. A Pérsia é uma
aristocracia dedicada ao cultivo das virtudes,
em especial a moderação e a obediência às
leis. Mas Ciro é tão exímio e sedento por
1
Alguns autores questionam se tal epílogo não seria apócrifo. Aqui, nos
atemos à tradição, considerando-o legítimo, tanto pela sua
concordância com o que sabemos do pensamento de Xenofonte, quanto
por parecer ser esta a postura adotada quando da publicação da edição
aqui estudada.
desafios que supera em sua virtude a todos, e
por isso aos doze anos vai morar com o avô,
rei da Média. A Média é, então, uma próspera
tirania, na qual os cidadãos abdicam de sua
liberdade para dedicar-se aos interesses
privados. Os medos não são afeitos à
moderação, vivendo na opulência, dando-se a
luxos e prazeres carnais; muito ao contrário
dos persas que, em seu comedimento, vivem
em condições mínimas de conforto,
aparentando miséria.
Destas duas influências, Ciro cria uma
ambição sem limites, regrada a um auto-
controle espartano. São os ingredientes para o
maior soberano de todos, pondo sua razão e
virtudes a serviço de seu amor às honrarias.
É marcante seu discurso na primeira vez
em que chefia um exército persa para a
guerra. Neste infla a ambição nos seus,
incitando-os a colher os frutos de seu
treinamento virtuoso. A Ciro, cito: “parece que
não se pratica a virtude senão para ter melhor
sorte do que aqueles que a desprezam”. O
amor à virtude corrompe-se, então, de um fim
em si para um meio de conseguir vantagens;
ao mesmo tempo em que torna-se mais
importante do que a obediência ao nomos.
Conforme a história prossegue, sob o comando
de Ciro são dissolvidas as hierarquias sociais
convencionais persas que garantiam a este
sóbrio povo a estabilidade duradoura.
Em outro episódio, com a derrota rei dos
armênios, Ciro é dissuadido de executá-lo.
Através do terror inspirado pela morte
iminente, aquele torna-se o mais dócil dos
servos. O império de Ciro fundar-se-á nesta
mistura de medo e generosidade, garantindo a
obediência através do eros e não do nomos.
Ciro nunca vai diretamente contra as
leis, mas deixa-as em segundo plano. Assim é
com o exército medo, que Ciro atrai para seu
comando aproveitando a indolência de seu tio
Ciaxares, então rei da Média. Quando este se
revolta, Ciro o dissuade com mulheres,
cozinheiros e muitas honrarias.
O manejo de Ciro das leis é sempre feito
com delicadeza: em vez de outorgar as
mudanças que almeja, o persa chama questões
à votação, discursando em sua defesa e
conseguindo seus objetivos com o
consentimento dos súditos. Sempre guiado
pela fé de que os laços de amizade são mais
fortes do que os legais.
Enquanto isso, a moderação de Ciro não
se funda num real controle de seu eros, mas
na abstenção. Ciro e seus persas têm de
afastar-se do desfrute dos prazeres carnais
para garantir o prazer das honrarias. Não
refletem então o mesmo autocontrole exibido
por Sócrates, mas apenas uma administração
de sua ambição. Assim, a guarda que Ciro
escolhe para si será composta de eunucos,
acreditando que estes têm menor propensão
aos prazeres carnais.
Dessa forma, a exposição de Xenofonte
explora as possibilidades de um governo
baseado no eros em vez da lei. O epílogo do
livro, com a total decadência, acusaria a
falácia do projeto.
O Contexto da Publicação
A Edição
A partir de 1940 a Edições Cultura, de
São Paulo, inicia a publicação de diversos
clássicos da literatura mundial traduzidos
para o português. Sob a direção de José Perez,
esta “Série Clássica de ‘Cultura’” “Os Mestres
do Pensamento” terá obras desde Defoe e La
Fontaine a César e Cícero. A edição de
Xenofonte, aqui estudada, é o décimo volume
da coleção, publicado em 1941.
A tradução utilizada é de João Felix
Pereira, apontado no prefácio como “médico e
cirurgião pela escola de Lisboa, professor de
geografia, cronologia e história no Liceu
Nacional”. Esta tradução foi aproveitada da
edição portuguesa de 1854.
Referências Bibliográficas
PETROBÁS-CULTURA. Catálogo
Raisonné Tarsila do Amaral.