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STJ Prescricao Danoricochete
STJ Prescricao Danoricochete
167 - RS (2014⁄0329474-0)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade,
conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os
Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dra. PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA,
pela parte RECORRENTE: AES SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S⁄A e AES
FLORESTAL LTDA.
Brasília (DF), 13 de março de 2018(Data do Julgamento)
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2014⁄0329474-0 REsp 1.641.167 ⁄ RS
PROCESSO ELETRÔNICO
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LINDÔRA MARIA ARAÚJO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada
nesta data, proferiu a seguinte decisão:
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por AES SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S.A.
e AES FLORESTAL LTDA., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional,
contra acórdão exarado pelo TJ⁄RS.
Ação: de indenização por danos materiais e morais, ajuizada por GENECI DE SOUZA SILVA, contra as
recorrentes e as interessadas, na qual alega ter sofrido de danos morais puros e por ricochete em
decorrência do desenvolvimento de depressão, problemas cardíacos, diabete, pressão alta e insônia,
incluindo também os seguintes fatos: perda de dois bebês em gestações diferentes, desenvolvimento de
câncer no cérebro de seu filho, de problemas no sangue de sua filha e de câncer no intestitno por seu pai,
tendo este último trabalhado por muitos anos com as recorrentes, tudo por conta de suposta contaminação
ambiental existente em antiga fábrica de postes, operada de 1960 a 1997 pelas interessadas e de 1997 a
2005 pelas recorrentes, sendo suas operações definitivamente encerradas em 31 de dezembro de 2005.
Sentença: extinguiu o processo, com fundamento no art. 206, § 3º, V, do CC⁄02, reconhecendo a
prescrição da pretensão indenizatória da recorrida.
Acórdão: após a interposição de apelação pela recorrida, o TJ⁄RS deu provimento ao seu recurso,
inicialmente em decisão monocrática posteriormente confirmada em julgamento de agravo interno, nos
seguintes termos:
Recurso especial: alega violação aos seguintes dispositivos da legislação federal: (i) art. 535, I e II, do
CPC⁄73, em razão de suposta existência de omissões e contradições, sem referência à controvérsia dos
autos; (ii) arts. 128, 458, II, e 460 do CPC⁄73, por supostamente haver julgamento da lide com base em
causa de pedir diversa da apresentada na petição inicial; (iii) art. 189 do CC⁄02, por entender que o termo
inicial de prescrição não se iniciou com o momento da violação do direito; (iv) arts. 197, 198, 199 e 202
do CC⁄02, pois alega que o TJ⁄RS inventou nova causa de interrupção de prescrição; (v) arts. 96 a 99, 103,
§ 3º do CDC e arts. 13 e 16 da Lei 7.347⁄85, ao aplicar à hipótese dos autos a produção de efeitos em ação
coletiva cujo objeto era a reparação de dano exclusivamente ambiental e, finaliza a recorrente, não seria
automática a obrigação de indenizar os danos individuais decorrentes do ilícito civil discutido na ação
civil pública.
Prévio juízo de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ⁄RS (e-STJ fls. 819-836),
tendo sido interposto agravo contra a decisão denegatória, ao qual deu-se provimento para determinar o
julgamento do recurso especial.
Competência no STJ: inicialmente houve distribuição a este Gabinete, o qual, com fundamento no CC
138.405⁄DF (Corte Espeical, DJe 10⁄10⁄2016), determinou a redistribuição do feito às Turmas integrantes
da Primeira Seção. Contudo, após o julgamento do CC n. 150.050⁄DF (DJe 8⁄5⁄2017), a Corte Especial
definiu que compete à Segunda Seção a análise de ações propostas por particulares em face de empresas
concessionárias de serviços públicos, nas hipóteses em que não se tratar de pedido ou causa de pedir
referente ao contrato de concessão de serviço público ou à norma legal ou regulamentar da concessão.
Considerando que a causa de pedir da presente demanda está relacionada tão somente com o direito
privado, conforme decisão de fl. 1.036 (e-STJ), a competência para o julgamento do presente feito é da
Segunda Seção, nos termos do art. 9º, §2º, III, do RISTJ.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a controvérsia principal dos autos a determinar: (i) qual o correto termo inicial do prazo
prescricional; e (ii) se o ajuizamento de ação coletiva pelo Ministério Público, cuja finalidade é a
reparação de danos ambientais, tem o condão de interromper o prazo prescricional para o ajuizamento de
ação em que se pleiteia a reparação de danos pessoais suportados pela recorrida. Por fim, são suscitadas
no presente recurso a possível violação do art. 535 do CPC⁄73, bem como existência de julgamento ultra
petita.
Inicialmente, constata-se que o artigo 535 do CPC não foi violado, porquanto o acórdão recorrido não
contém omissão, contradição ou obscuridade. Nota-se, nesse passo, que o Tribunal de origem tratou de
todos os temas oportunamente colocados pelas partes, proferindo, a partir da conjuntura
então cristalizada, a decisão que lhe pareceu mais coerente.
Assim, o Tribunal de origem, embora tenha apreciado toda a matéria posta a desate, tratou da questão da
interrupção do prazo prescritivo sob viés diverso daquele pretendido pelo recorrente, fato que não dá
ensejo à interposição de embargos de declaração.
Observa-se que o recorrente, na origem, se utilizou dos embargos de declaração com efeitos
infringenciais. Por essa razão, não se verifica, na hipótese, a pretensa ofensa ao art. 535, II, do CPC.
De acordo com o princípio da adstrição ou da congruência, previsto nos arts. 128 e 460 do CPC, deve
haver estreita correlação entre a sentença e a causa de pedir e o pedido contidos na petição inicial.
Entretanto, conforme entendimento assente do STJ, “o pedido deve ser extraído da interpretação lógico-
sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo” (AgRg no Ag 784.710⁄RJ, 3ª
Turma, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido, veja-se o REsp 1.159.409⁄AC, 2ª Turma, DJe
de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802⁄MG, 5ª Turma, DJe de 15.03.2010).
Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069⁄RJ, 3ª Turma, DJe de
24.11.2009, de que “não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o
pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda”. Com
o mesmo entendimento, a Terceira Turma julgou o REsp 1255398⁄SP, em 20⁄05⁄2014 (DJe 30⁄05⁄2014),
cuja ementa abaixo transcrita afirma o seguinte:
Antes de discutir o termo inicial da prescrição, cumpre traçar algumas considerações acerca da natureza
do dano discutido na hipótese dos autos. Exsurge da leitura dos autos que os danos suportados pela
recorrida foram causados por contaminação ambiental provocada pelos resíduos utilizados no tratamento
de madeira para a produção de postes, em fábrica inicialmente mantida pela COMPANHIA ESTADUAL
DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE e, posteriormente, pelas recorrentes.
Trata-se, assim, de dano de natureza ambiental que, no entanto, não guarda qualquer relação com a
dimensão coletiva da proteção desse interesse jurídico. Na hipótese dos autos, é imperioso ressaltar que a
discussão gira em torno apenas da reparação e compensação de danos pessoais, sofridos unicamente pela
recorrida alegadamente causados por poluição ambiental originada da mencionada fábrica de postes.
Quando se menciona dano, está-se a referir a um prejuízo injustamente causado a terceiro, cujo corolário
é o dever de indenizar o ofendido pelo ofensor. Com relação ao dano ambiental, deve-se mencionar a
lição Paulo de Bessa ANTUNES (Manual de direito ambiental. São Paulo: Atlas, 5ª ed., 2013, p. 151-
153), segundo o qual:
Dano ambiental é dano ao meio ambiente. Meio ambiente é conceito cultural. É a ação do ser humano que
vai determinar que deve e o que não deve ser entendido como meio ambiente. O meio ambiente é um bem
jurídico autônomo. O bem jurídico meio ambiente é tutelado pelo direito público e pelo direito privado.
O meio ambiente é res communes omnium. Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens
pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. A propriedade do bem jurídico meio ambiente,
quando se tratar de coisa apropriável, pode ser pública ou privada. A fruição do bem jurídico
meio ambiente é sempre de todos, da sociedade. Igualmente, o dever jurídico de proteger o meio ambiente
é de toda a coletividade e pode ser exercido por um cidadão, pelas associações, pelo Ministério Público
ou pelo Estado.
A jurisprudência tem se inclinado a reconhecer que a responsabilidade ambiental é fundada na teoria do
risco integral.
No entanto, o dano ambiental não é apenas aquele causado ao meio ambiente, pois também o particular
pode suportar danos pessoais advindos de, por exemplo, uma contaminação causada pelo despejo de
detritos tóxicos de uma indústria. Nesse sentido, a doutrina afirma haver tanto um dano
ambiental individual e um dano moral coletivo:
Conforme salientamos alhures, o Direito enxerga o dano ambiental sob dois aspectos distintos: a) dano
ambiental coletivo (...) e b) dano ambiental individual ou dano ambiental pessoal, sofrido pelas pessoas e
seus bens (...) como ocorre, por exemplo, com a contaminação de um curso de água por carreamento de
produto químico nocivo. (...) No primeiro caso, ou seja, de ação civil pública veiculadora de pretensão
reparatória do dano ambiental coletivo (...) se inscreve no rol das ações imprescritíveis. (...) No segundo
caso, ou seja, no de dano reflexo ou infligido ao microbem e ambiental, aí sim, estarão definidas as regras
de prescrição pelos ditames do Código Civil, pois tem titulares determinados. (Édis Milaré. Direito
Ambiental. Doutrina - jurisprudência - glossário. 4ª ed. RT, págs. 962⁄964).
O Código Civil não cuida diretamente dos bens ambientais (...) o dano ambiental reparável é aquele
sempre atrelado a prejuízos pessoais ou patrimoniais do titular do recurso ambiental afetado (...) e um
dano reflexo, também denominado 'dano em ricochete', imposto a uma pessoa determinada que é
titular do objeto material do dano. (...) Não há preocupação com a questão ambiental, pois a pessoa é a
figura central, ocupando-se a responsabilidade civil de garantir proteção de sua saúde e de sua
propriedade. (Annelise Monteiro Steigleder. Responsabilidade Civil Ambiental. As dimensões do Dano
Ambiental no Direito Brasileiro. Ed. Livraria do Advogado. pág. 66).
Em sua dimensão coletiva, a jurisprudência desta Corte superior entende que a pretensão de reparação do
dano ambiental não é atingida pela prescrição, em função da essencialidade do meio ambiente. Veja-se,
nesse sentido:
Por outro lado, esta mesma Corte no julgamento do REsp 1346489⁄RS (Terceira Turma, julgado em
11⁄06⁄2013, DJe 26⁄08⁄2013) entendeu que, em hipótese de reparação de direitos e interesses individuais,
mesmo que causados por danos ambientais – isto é, de um dano ambiental individual –, é aplicável o
prazo prescricional previsto no Código Civil.
Aliás, a depender de como é formulada a pretensão em juízo, o dano ambiental individual mostra-se como
um verdadeiro direito individual homogêneo, se fundamentado em fato que tenha originado danos a um
grande número de pessoas. Nesse sentido:
O dano ambiental pode ser classificado em difuso, coletivo e individual homogêneo este, na verdade,
trata-se do dano ambiental particular ou dano por intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete,
enquadrando-se naquela classificação por razões processuais, aplicando-se as regras do CDC e da LACP.
(GERENT, Juliana. Breve análise jurídica da natureza bifronte do dano ambiental. Processos Coletivos,
Porto Alegre, vol. 1, n. 5, 01 out. 2010.)
III.b – Do termo inicial
Em termos gerais, pode-se conceituar a prescrição como a perda da pretensão de exigibilidade atribuída a
um direito, em consequência de sua não utilização por um determinado período. Apesar de impor um
determinado prejuízo ao interessado, em razão de sua inércia, seu fundamento reside na paz social e
na segurança da ordem jurídica.
Quanto aos elementos constitutivos da prescrição, a doutrina afirma serem necessários os seguintes
requisitos: “a) exista o direito material da parte a uma prestação a ser cumprida, a seu tempo, por meio
de ação ou omissão do devedor; b) ocorra a violação desse direito material por parte do
obrigado, configurando o inadimplemento da prestação devida; c) surja, então, a pretensão, como
consequência da violação do direito subjetivo, isto é, nasça o poder de exigir a prestação pelas vias
judiciais; e finalmente, d) se verifique a inércia do titular da pretensão em fazê-la exercitar durante o
prazo extintivo fixado em lei”. (Humberto Theodoro Júnior. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2ª ed., 2003, vol. III, tomo II, p. 154.)
Quanto ao correto termo inicial para a contagem dos prazos legais, como se trata de direito individual, a
doutrina utiliza da teoria da actio nata para explicar a aplicação do prazo prescricional, segundo a qual,
havendo violação do direito, o prazo para a prescrição começa a correr, invocando-se nesse sentido,
o disposto no art. 189 do CC⁄02:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos
a que aludem os arts. 205 e 206.
Com fundamento nesse dispositivo legal, muitos autores defendem a posição de que, independentemente
do aspecto subjetivo do ofendido, ocorrido o dano, inicia-se o prazo prescricional. Nesse sentido:
A existência de ação exercitável é o objeto da prescrição. Tendo em vista a violação de um direito, a ação
tem por fim eliminar os efeitos dessa violação. Violado o direito, surge a pretensão. A ação prescreverá se
o interessado não promovê-la. Tão logo surge o direito de ação, já começa a correr o prazo de prescrição.
(Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2010, p. 565)
Para que nasça a pretensão não é pressuposto necessário que o titular do direito conheça a existência do
direito, ou a sua natureza, ou a validade, ou eficácia, ou a existência da pretensão nascente, ou da sua
extensão em qualidade, quantidade, tempo e lugar da prestação, ou outra modalidade, ou quem seja o
obrigado, ou que saiba o titular que a pode exercer. Por isso, no direito brasileiro, a prescrição trintenal da
pretensão a haver indenização por ato ilícito absoluto independe de se saber se houve dano ou quem o
causou (...). O ter o credor conhecido, ou não, a existência do seu direito e pretensão é sem relevância.
Nem na tem o fato de o devedor ignorar a pretensão, ou estar de má-fé. (Pontes de Mirando. Tratado
de Direito Privado. São Paulo: RT, 1983, 4ª ed., tomo VI, p. 117-118)
Nessa linha de raciocínio, já se manifestou a Terceira Turma desta Corte superior no julgamento do REsp
1.168.336⁄RJ (em 22⁄03⁄2011, DJe 16⁄09⁄2011), em que se afirmar que o “art. 189 do CC⁄02 consagrou o
princípio da actio nata, fixando como dies a quo para contagem do prazo prescricional a data em que
nasce o direito subjetivo de ação por violação de direito, independentemente da efetiva ciência da
vítima”.
No entanto, em algumas hipóteses, a jurisprudência desta Corte tem excepcionado essa regra, a fim de
determinar que a contagem do prazo de prescrição ocorra a partir do momento em que o ofendido possua
ciência do ato ilícito.
A título de exemplo, em casos de indenização do segurado do DPVAT, esta Corte afirma que o termo
inicial é a data da inequívoca ciência da invalidez do segurado. Veja-se:
O mesmo posicionamento foi empregado em uma hipótese que se discutia a lesão causada a professores
em um programa de capacitação (AgInt no REsp 1595065⁄PR, Segunda Turma, julgado em 13⁄12⁄2016,
DJe 19⁄12⁄2016), bem como em recurso que versava sobre a reparação de danos morais decorrentes da
atuação de Ofício de Notas, que teria aberto firma falsa de titularidade do autor e a reconheceu em
escritura de compra e venda de imóvel forjada (REsp 1347715⁄RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25⁄11⁄2014, DJe 04⁄12⁄2014).
Mesmo entendimento foi utilizado em um recurso que envolvia a indenização por danos morais em razão
da ocorrência de troca de bebês na maternidade, conforme se verifica na ementa abaixo:
Nesses julgamentos, afirmou que não seria possível esperar que alguém ajuíze ação sem ter ciência do
dano sofrido, razão por que o prazo inicial da prescrição somente se inicia pela ciência inequívoca do fato
lesivo e que, se a prescrição é uma punição à morosidade ou negligência do titular, não é
possível compreendê-la quando a inércia do titular decorre da ignorância da violação. Assim, o
surgimento da pretensão reparatória ocorreria apenas no momento em que o titular do direito violado
detém o pleno conhecimento da lesão, termo em que sua pretensão passa a ser, efetivamente, exercitável.
Pede-se vênia para mencionar a lição de CÂMARA LEAL, também mencionada em alguns dos
julgamentos mencionados, cuja doutrina mostra-se adequada à situação em análise:
Não nos parece racional admitir-se que a prescrição comece a correr sem que o titular do direito violado
tenha ciência da violação. Se a prescrição é um castigo à negligência do titular - cum contra desides
homines, et sui juris contentores, odiose exceptiones oppositae sunt, - não se compreende a
prescrição sem a negligência, e esta, certamente, não se dá, quando a inércia do titular decorre da
ignorância da violação. Exercitar a ação, ignorando a violação que lhe dá origem, é racionalmente
impossível, e antijurídico seria responsabilizar o titular por uma inércia que não lhe pode ser imputada -
ad impossibilia nemo tenetur.
Nas ações que nascem do não cumprimento de uma obrigação, denominadas pessoais, porque o direito do
titular recai sobre atos do sujeito passivo, que se obrigara a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, não pode
o titular ignorar a violação ao seu direito, uma vez que essa consiste na falta de cumprimento da
obrigação, e, por isso, o início da prescrição, nas ações pessoais, coincide com o momento em que a
obrigação devia ser cumprida e não o foi.
Mas, nas ações que nascem da transgressão da obrigação geral-negativa de respeito ao direito do titular, a
que todos estão sujeitos, pode dar-se a violação do direito, sem que dela o titular tenha imediato
conhecimento, podendo, mesmo, sua ignorância prolongar-se por muito tempo, como, geralmente,
sucede, quando o titular do direito violado se acha ausente do lugar da violação, e não tem ali preposto ou
representante que o ponha ao corrente dos fatos.
Todavia, a ignorância não se presume, pelo que ao titular incumbe provar o momento em que teve ciência
da violação, para que possa beneficiar-se por essa circunstância, a fim de ser o prazo prescricional
contado do montante da ciência, e não da violação. (Leal, Antônio Luiz da Câmara. Da Prescrição e da
Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24)
Essa linha de raciocínio foi empregada nos julgamentos dos seguintes recursos: REsp 1367362⁄DF,
Terceira Turma, julgado em 16⁄04⁄2013, DJe 08⁄05⁄2013; AgRg no Resp 1.248.981⁄RN, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Dje 14⁄9⁄12; REsp 1400778⁄SP, Terceira Turma, julgado em 20⁄02⁄2014, DJe
30⁄05⁄2014; AgInt no REsp 1621056⁄MT, Quarta Turma, julgado em 01⁄12⁄2016, DJe 07⁄12⁄2016; AgInt
no REsp 1598860⁄RS, Segunda Turma, julgado em 15⁄12⁄2016, DJe 19⁄12⁄2016.
Também em um recurso envolvendo dano ambiental individual, este Superior Tribunal de Justiça utilizou
o entendimento segundo o qual a data inicial do período prescritivo é a data da efetiva ciência do dano
ambiental sofrido pelo particular. Abaixo está a ementa do mencionado julgamento:
A partir deste momento, volta-se a atenção à possibilidade de interrupção do prazo prescricional para o
ajuizamento de ações judiciais de reparação de dano individual, em razão do ajuizamento de ação
coletiva. No recurso especial, alega-se que a decisão do TJ⁄RS causou a violação aos arts. 96 a 99 e 103, §
3º, do CDC e aos arts. 13 e 16 da Lei 7.347⁄85.
Não se pode olvidar também que, a partir do mesmo evento danoso, podem surgir pretensões coletivas,
difusas e individuais, sejam homogêneas ou não, mesmo que tais pretensões sejam fundamentadas em
diferentes ramos do direito. Aliás, a definição do tipo de direito discutido em juízo é definido justamente
pela pretensão apresentada na ação:
Ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito
individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que tem interesse
na manutenção da boa imagem desse setor na economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo
Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a
fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso) (Ada Pellegrini Grino et al. Código de Defesa do
Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto: 1998, pag. 778)
No entanto, a legislação em vigor prevê uma clara interferência entre os tipos de pretensões defendidas
em juízo, sejam difusas, coletivas ou individuais homogêneas, surgidas com base nos mesmos fatos.
Dessa forma, por exemplo, nos termos do art. 103, § 3º, do CDC, uma sentença julgada procedente em
ação coletiva tem o efeito de tornar certa, de forma automática, a obrigação do réu de indenizar danos
individuais decorrentes do mesmo ato ilícito discutido na demanda. Conforme a doutrina, este é um efeito
secundário presente em todas as ações coletivas, mesmo que não versem sobre direito consumerista:
Trata-se de efeito secundário inerente não apenas às sentenças relacionadas a danos decorrentes de
infração às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas a todas as sentenças proferidas
em ações civis públicas. É o que se infere do dispositivo acima reproduzido bem como dos demais
preceitos legais que consagram o sistema de recíproca aplicação subsidiária entre Código de Proteção e
Defesa do Consumidor (art. 90 da Lei 8.078⁄90) e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21 da Lei 7.347⁄85).
(...)
Relativamente à ação coletiva, a indagação que se faz é se a citação do réu, nela promovida, tem o efeito
de interromper a prescrição para as ações individuais dos titulares dos direitos homogêneos. A resposta é
indubitavelmente positiva em relação àqueles que, atendendo ao edital de que trata o art. 94 da Lei
8.078⁄90, acorrerem ao processo e se litisconsorciarem ao demandante. Mas igualmente positiva mesmo
para os que não tomarem esse caminho e preferirem aguardar o resultado da ação coletiva. Não fosse
assim, ficaria o titular do direito individual na contingência de, desde logo, promover a sua demanda
individual, o que retiraria da ação coletiva uma das suas mais importantes funções: a de evitar
a multiplicação de demandas autônomas semelhantes. Isso, portanto, não se harmoniza com o sistema do
processo coletivo. [....] O estímulo, claramente decorrente do sistema, é no sentido de que o titular do
direito individual aguarde o desenlace da ação coletiva, para só depois, se for o caso, promover sua
demanda. Nessa linha, a não-propositura imediata da demanda individual não pode ser tida como inércia
ou desinteresse em demandar, passível de sofrer os efeitos da prescrição, mas sim como uma atitude
consentânea e compatível com o sistema do processo coletivo. (Teori Albino Zavascki. Processo
Coletivo:tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006,
p. 82 e 202-204.)
Assim, de acordo com uma interpretação mais adequada do nosso ordenamento jurídico, resta claro que o
ajuizamento de ação versando interesse difuso tem o condão de interromper o prazo prescricional
para a apresentação de demanda judicial que verse interesse individual homogêneo.
Tal já é o entendimento desta Corte superior, conforme se verifica no julgamento do recurso especial
representativo de controvérsia, cuja ementa está transcrita abaixo:
Finalmente, um último tema que merece ser analisado diz respeito à fluência do prazo prescricional para
as pretensões individuais na pendência de ação coletiva que trata desses interesses. (...) O problema,
então, está em saber se essa solução pode ser aceita segundo o direito atual.
Parece que sim, ao menos em parte. Recorde-se que, no sistema atual, proposta a ação coletiva sobre
interesses individuais homogêneos, os autores de ações individuais já ajuizadas devem ser comunicados
para que possam exercer o pedido de suspensão de suas demandas, a fim de se beneficiar da
sentença coletiva (art. 104, do CDC). Já quanto àqueles que não propuseram ainda sua ação individual, a
ação coletiva resulta em coisa julgada, apenas no caso de procedência, não prejudicando o indivíduo no
caso de improcedência da demanda coletiva (art. 103, III, e § 2º, do CDC).
Desse modo, em relação aos titulares de direito individual que não propuseram ação própria para
demandar seus interesses, pode-se reconhecer um regime especial de “suspensão de pretensão”. Afinal,
sua pretensão está sendo exercida na ação coletiva, pelo legitimado extraordinário, de modo que, em caso
de sucesso desta demanda, a pretensão individual estará satisfeita; em caso, porém, de insucesso, não há
prejuízo ao indivíduo, que pode buscar por via própria a satisfação de seu interesse. Essa
“condicionalidade” a que está sujeita a pretensão individual faz com que, ao menos até o julgamento
(final) da ação coletiva, tal pretensão se mantenha em estado latente, no aguardo da manifestação
judicial. Apenas se recusada a tutela no plano coletivo, é que haverá novamente o interesse do indivíduo
em buscar, por demanda própria, a satisfação de sua pretensão. Isso implica a necessária suspensão do
prazo prescricional, para estes interesses, na pendência da ação coletiva. ARENHART, Sérgio Cruz. O
regime da prescrição em ações coletivas. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 3, 05 abr. 2010)
Do exposto acima, pode-se concluir preliminarmente que: (i) o dano ambiental pode revestir formas de
dano individual homogêneo ou mesmo de dano individual puro; (ii) nessa circunstância, a jurisprudência
desta Corte indica que o prazo prescricional para a exigibilidade da reparação do prejuízo tem como
termo inicial a data da ciência inequívoca do dano pelo ofendido; e (iii) o ajuizamento de ação coletiva,
de acordo com o ordenamento jurídico vigente, causa a interrupção do prazo de prescrição para as
demandas individuais.
Na hipótese dos autos, contudo, há uma séria dificuldade para o julgamento em definitivo do recurso em
tela, pois as decisões das instâncias ordinárias não deixaram os fatos incontroversos. Veja-se que o juízo
singular e o tribunal estadual não se manifestaram sobre, a título de exemplo, se os danos sofridos pela
recorrida foram causados pela contaminação existente na fabrica de postes, localizada no município de
Triunfo-RS, pois a recorrente alega que os falecimentos do cônjuge e dos filhos da recorrida ocorreram
em localidade distinta, bem como sobre a data em que a recorrida tomou ciência inequívoca do dano
ambiental existente na mencionada fábrica.
Tais indefinições opõem grave óbice ao julgamento do recurso em sua plenitude. Como ressalta a
doutrina de Nathália Abel (A reparação do dano ambiental individual. In: Revista de Direito Ambiental.
vol. 77. ano 20. p. 197-216. São Paulo: Ed. RT, jan.-mar. 2015, p. 204-205), o dano ambiental individual,
quando a sua amplitude, é reflexo, pois não tem por finalidade a tutela do próprio meio ambiental, mas
dos interesses do lesado.
Dessa forma, ao autor incumbe a tarefa de provar seu prejuízo e seu exato valor, nos termos da legislação
vigente, pois como a doutrina “(...) há o direito de indenização, porém o autor tem que provar o prejuízo.
Esta premissa é importante, porque o autor não necessita demonstrar culpa do réu, porém precisa deixar
explícito e demonstrado qual foi o seu efetivo prejuízo” (Vladimir Passos de Freitas. O dano ambiental
coletivo e a lesão individual. In: Édis Milaré (coord.). Ação civil pública após 20 anos: efetividade e
desafios. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 591-592), o que não ocorreu nos autos do recurso, em razão da
admissão precipitada da prescrição pelo juízo de 1º grau.
Fortes nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, com fundamento
no art. 255, § 4º, II, do RISTJ, a fim de manter a anulação da sentença proferida e, assim, retornar os
autos ao 1º grau de jurisdição para que seja realizada a devida e completa instrução que o feito requer e,
posteriormente, seja prolatada nova sentença.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2014⁄0329474-0 REsp 1.641.167 ⁄ RS
PROCESSO ELETRÔNICO
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dra. PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA, pela parte RECORRENTE: AES
SUL DISTRIBUIDORA GAÚCHA DE ENERGIA S⁄A e AES FLORESTAL LTDA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada
nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos
do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze
(Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.