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OS EFEITOS SUCESSÓRIOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

FELIPE DUTRA DE FREITAS

RESUMO

A promulgação da Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico


brasileiro a concepção de Estado Democrático de Direito, transformando as concepções
inerentes ao Direito de Família. Ainda, instituiu, dentre outros conceitos, o princípio da
dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, os quais consagraram os laços de
afeto e de solidariedade na convivência familiar, objetivando, principalmente, a plena
satisfação e o desenvolvimento adequado do indivíduo no seio familiar, permitindo sua
satisfação pessoal e sua interação social. Nesse contexto, em razão dos vínculos afetivos que
se formam nos grupos familiares, surgiu novo fenômeno jurídico, do reconhecimento de uma
paternidade socioafetiva, alheia à presença de laços genéticos entre os pais e os filhos. Atento
a tais mutações, o presente trabalho realiza uma identificação de tal mudança de paradigma na
sociedade brasileira, bem como da relação paterno-filial, e, por conseqüência, da relevância
da possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva e seus efeitos no Direito das
Sucessões. Além do estudo doutrinário, é examinado o entendimento jurisprudencial a
respeito da filiação socioafetiva e de seus reflexos no direito sucessório.

Palavras-chave: Igualdade. Filiação. Paternidade. Socioafetividade. Sucessão.


2

1 INTRODUÇÃO

É fato indiscutível a capacidade e a necessidade de que o Direito e seus aplicadores


possam se amoldar e atualizar face às novas problemáticas sociais que surgem, abandonando
velhos paradigmas para chegar à decisão mais razoável e eficaz, tutelando o direito da parte
de forma a satisfazer sua função reguladora das relações materiais trazidas para sua
apreciação.

A escolha do presente tema ocorre em face do desafio que representa essa constante
atualização da doutrina e da jurisprudência em relação às novas problemáticas apresentadas.
O direito ao reconhecimento da filiação sempre foi guarnecido pelo ordenamento jurídico,
desde o Código Civil de 1916, ainda que neste, algumas restrições fossem impostas. Contudo,
com a elaboração e, a partir do momento em que a Constituição Federal de 1988 entro em
vigência, novos princípios serviram de diretriz para que o legislador infraconstitucional
melhor adequasse o Direito às tendências sociais. Foi assim que o afeto passou a ser
valorizado como fundamento das relações familiares.

No decorrer do Século XX, graças aos avanços científicos, a prova pericial nas ações de
investigação de paternidade tornou o trabalho do jurista muito mais simples e seguro. No
início, inimagináveis eram as dificuldades de um processo de investigação de paternidade,
quando muito os exames técnicos poderiam afastar a paternidade, mas era muito difícil de
comprová-la. Era necessário que o juiz analisasse todo um conjunto de fatores probatórios até
chegar à sua decisão. Modernamente, o exame pericial de Ácido Desoxirribonucleico deixou
cair no esquecimento as dificuldades para apontar a paternidade biológica. Todavia, as
relações sociais passaram a se modificar em ritmo mais acelerado do que as leis que vigoram
no país, e uma nova situação foi posta aos nossos Tribunais. O cerne da questão atual é
descobrir qual a melhor solução dentro do contexto da família socioafetiva.

Não há como proferir decisão em uma demanda, em obediência à razoabilidade e


dignidade da pessoa humana, com base em fundamentos que preconizam a paternidade com
base apenas em laços biológicos, tendo estes como absolutos. Estes, por si só, são
insuficientes para criar qualquer vínculo de paternidade, incapazes de gerar uma relação
paterno-filial. As sentenças contemporâneas exigem a superação do conceito tradicional de
família, posto no Código Civil de 1916 e que por muito vigorou no sistema legal do país,
3

estruturado sobre as relações de ascendência e descendência biológica, pela mera


consangüinidade.

Em uma via paralela à evolução tecnológica e avanços da genética, a dignidade humana e


a afetividade, refletindo os princípios constitucionais modernamente assentados, são
fundamentos para o estado de filiação, obrigando a uma revisão do posicionamento dos
julgadores e aplicadores do Direito, a fim de possibilitar decisões adequadas à realidade. Pois,
nada mais é o sistema jurídico de um país do que o reflexo das relações humanas nesse
desenvolvidas.

O núcleo do debate que se forma é: quais os reflexos no direito sucessório e de família da


prevalência do vínculo afetivo sobre os laços biológicos. Será que deve ser permitida a
negatória de paternidade apenas porque o assento de nascimento não espelha a verdade
genética antes desconhecida? E se assim for possível, poderá o sujeito ser beneficiado como
sucessor de duas famílias, ou são inexistentes os efeitos patrimoniais?

Esses questionamentos impulsionam a escolha do presente tema, pois de cristalina


relevância para as relações sociais, econômicas e ainda uma problemática não pacificada por
nossos julgadores. O direito à investigação de paternidade permanece positivado e
imprescritível, todavia resta omissa nossa legislação infraconstitucional acerca da
possibilidade de anulação da paternidade não biológica reconhecida, e quais os efeitos
patrimoniais que podem ser imputados a um exame pericial que ateste, percentualmente, qual
o pai consanguíneo.

O princípio constitucional da igualdade e da dignidade da pessoa humana segregou de


vez de nosso ordenamento a desigualdade de tratamento entre os filhos, estabelecendo os
mesmo direitos e deveres, independente de se tratar de parentesco natural, civil ou
socioafetivo.

As relações paterno-filiais não podem mais ser baseadas apenas na averiguação do


vínculo consanguíneo, devendo os pais serem consideradas aquelas pessoas que participam da
vida do filho cotidianamente, arcando com o ônus material e afetivo do convívio. Assim,
ainda que assegurado o direito de busca à origem biológica, o exercício desse direito
culminado com uma sentença procedente não pode culminar com a desconsideração da
paternidade afetiva já constituída, pois a afetividade, ainda que não expressamente
mencionada, tornou-se um princípio basilar no ordenamento jurídico brasileiro.
4

Portanto, expurgado o tratamento desigual entre os descendentes da legislação brasileira,


independente de sua origem, é imprescindível a compreensão dos efeitos sucessórios gerados
pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva, conferindo esta ao descendente todos os
direitos que anteriormente lhe eram negados, bem como mantendo hígida a possibilidade de
investigação da paternidade biológica sem que, no entanto, seja possível ao investigante
habilitar-se como herdeiro em ambos os processos sucessórios, dada sua qualidade de filho já
estabelecida, ainda que amparada nos laços de afeto.
5

2 EVOLUÇÃO DA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA E OS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS REGULADORES.

O Direito de Família deve ser compreendido sob à luz da Constituição Federal,


partindo dos princípios constitucionais, em encontro ao Direito Civil Constitucional.
A análise a ser feita busca confrontar os diplomas legais, a fim de reconhecer a
eficácia imediata dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, de proteção ao
indivíduo.
No entanto, é preciso ressaltar que a conquista dos direitos fundamentais de proteção à
pessoa humana foi fato recente, fazendo necessária uma averiguação da história do sistema
jurídico e legislativo brasileiro a fim de compreender como se deu essa transformação
Neste diapasão, é possível verificar que a transformação da família patriarcal,
juridicamente assegurada, para as relações baseadas no afeto e na convivência, foi consagrada
pelos direitos fundamentais positivados pela Magna Carta de 1988, refletindo, especialmente,
a proteção da dignidade da pessoa humana.
No Direito contemporâneo, os princípios constitucionais adquiriram um novo papel,
servindo de substrato para o Direito de Família e atuando como linhas norteadoras do Direito
Privado. Todavia, nem sempre a preocupação do legislador foi baseada na igualdade entre os
filhos, conforme é possível perceber.
No início do Século XX, o modelo social e familiar brasileiro não admitia a
possibilidade de igualdade de direitos aos filhos gerados fora do matrimônio, tendo o
legislador pautado suas normas na intuição de assegurar a moralidade e harmonia social.
Somente com a incidência de valores humanistas, norteando as relações jurídicas e privadas é
que se inicia o processo de oxigenação dos dogmas.
As Constituições brasileiras elaboradas no decorrer do Século XX, até 1988,
despediam um tratamento meramente pontual às famílias e filiação, cuidando de pontos
isolados, sem tecer uma sistemática de direitos e obrigações.
Essa realidade é diferente do panorama constante na Constituição Federal de 1988,
ao revigorar o tratamento dispensado às relações familiares no ordenamento
infraconstitucional, até então praticamente intacto.
6

O texto constitucional transformou as bases do Código Civil de 1916, terminando por


expandir o conceito de família. Ao adotar um estatuto unitário de filiação, dissociou a
legitimidade dos filhos do casamento, podendo estes ter origem matrimonial ou não, sem que
isso influencie em seus direitos.
O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, positivado no artigo 1°, III,
da Constituição Federal, serve como base para o Estado Democrático de Direito, pois consiste
no valor nuclear sobre o qual se fundamentou a ordem constitucional estabelecida. Segundo a
doutrina de Alexandre de Morais, o Estado Democrático de Direito significa a “exigência de
reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas, e pelo povo, bem como o
respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”. Ensina, ainda, o
autor que a dignidade da pessoa humana visa garantir unidade aos direitos e garantias
fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. É, portanto, o princípio máximo,
cuja aplicabilidade é inafastável, trazendo intrínseco uma inversão de ideais: ao mesmo tempo
em que o patrimônio perde importância, a pessoa é valorizada.
Paulo Luiz Netto Lôbo explica que:

O desafio que se coloca ao jurista e ao Direito é a capacidade de ver a


pessoa em toda a sua dimensão ontológica e não como simples e
abstrato sujeito de relação jurídica. A pessoa humana deve ser
colocada como centro das destinações jurídicas, valorando-se o ser e
não o ter, isto é, sendo medida da propriedade, que passa a ter função
complementar.1

Prevê o artigo 227, parágrafo 6°, da Constituição Federal, que “os filhos, havidos ou
não na relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nesse mesmo sentido,
o art. 1.596 do Código Civil em vigor, apresenta a mesma redação, consagrando o princípio
da igualdade entre os filhos e confirmando a influencia constitucional na codificação civil.
O princípio da afetividade é apontado hoje como o principal fundamento das relações
familiares. Mesmo que não mencionado expressamente o termo afeto na Carta Magna, é
possível afirmar que este decorre da valorização constante da dignidade da pessoa humana. 2
Surgiria, assim, uma nova forma de parentesco civil, a denominada paternidade socioafetiva.

1
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações familiares. Revista brasileira de Direito
de Família. Porto Alegre, n.24, jun./jul. 2004, p.152.
2
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.
66.
7

No mesmo sentido, ensina Paulo Luiz Netto Lôbo:

[...] A família atual não é mais, exclusivamente, a biológica. A origem


biológica era indispensável à família patriarcal, para cumprir suas
funções tradicionais. [...] No âmbito jurídico, encerrou definitivamente
o seu ciclo após o advento da Constituição Federal de 1988. O modelo
científico é inadequado, pois a certeza absoluta da origem genética
não é suficiente para fundamentar a filiação, uma vez que outros são
os valores que passaram a dominar esse campo das relações humanas.
[...] Na maioria dos casos, a filiação deriva-se da relação biológica;
todavia, ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que
se faz na convivência e na responsabilidade.3

É possível concluir, portanto, que somente com a incidência de valores humanistas,


direcionando as relações jurídicas e seus reflexos, é que inicia um processo de revitalização
dos dogmas.
À luz do princípio da igualdade, nada mais lógico que exonerar do ordenamento as
designações variadas impostas aos filhos, reconhecendo-os de modo igualitário, independente
da origem, tornando-se o afeto a base da família contemporânea.

2.1 A FAMÍLIA NA CODIFICAÇÃO DE 1916.

No início do Século XX, quando da promulgação do Código Civil de 1916, estava em


vigência o Estado Liberal de Direito, baseado em uma ideologia individualista,
patrimonialista e conservadora. Pelos conceitos da época, a família era contemplada como um
modelo monogâmico, patriarcal, matrimonializado e preocupado especialmente com as
questões patrimoniais.
Com base na presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant, a filiação
protegia apenas a legitimidade dos filhos havidos do matrimônio, deixando clara a função
biológica dos descendentes, garantida pelos laços consangüíneos e genéticos.
A partir da legislação, foi construída a classificação dos filhos em legítimos, que eram
aqueles nascidos na constância do casamento; e ilegítimos, que eram os nascidos das relações
entre pessoas não casadas.
A regulamentação jurídica da filiação penalizava os filhos havidos fora do casamento,
haja vista que o matrimônio era a base familiar e as Constituições promulgadas após a sua

3
LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em:
<HTTP://www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=109>. Acessado em 05 jan. de 2011.
8

vigência só reconheciam a família unida pelos laços matrimoniais. Em razão disso, os filhos
extramatrimoniais eram tratados com desprezo, pois eram repudiadas as relações havidas fora
do casamento.
As transformações sociais desencadeadas desembocaram em um importante processo
de renovação do Direito de Família, expurgando a idéia de sociedade patriarcal para
possibilitar a adoção de um novo modelo de organização familiar.
Somente com o advento do Decreto-lei número. 4.7374 foi permitido o
reconhecimento ou a investigação dos filhos adulterinos ou incestuosos, condicionada a
medida ao desquite do genitor. A Lei número 883, de 21 de outubro de 19495 proibiu
qualquer designação quanto à filiação, e ainda foi permitido o reconhecimento do filho
adulterino após a dissolução do matrimônio, incluindo a hipótese de morte, não prevista na lei
anterior.
A Lei número 7.259, de 14 de novembro de 19846 permitiu o reconhecimento do filho
adulterino, também na constância do casamento, desde que o genitor estivesse separado de
fato há mais de cinco anos ininterruptos.
Surgida a concepção de Estado Democrático, iniciou o desaparecimento da antiga
concepção de família, sendo adotado o entendimento de família como um núcleo onde
prevalecem as relações de afeto, buscando a valorização da integridade de seus membros.
Com o advento da Lei número 7.841, de 17 de outubro de 19897, foi assegurada a
igualdade estabelecida pela Constituição da República, conferindo aos filhos, concebidos ou
não da relação de casamento, mesmos direitos e qualificações, proibindo designações
discriminatórias.

4
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.737, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de
filhos naturais. Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=152607>. Acesso em: 12 jan.
2011.
5
BRASIL. Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos
ilegítimos. Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=106903>. Acesso em: 12 jan.
2011.
6
BRASIL. Lei nº 7.259, de 14 de novembro de 1984. Acrescenta parágrafo ao art. 1º da Lei nº 883,
de 21 de outubro de 1949, que dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Senado Federal,
Brasília, DF. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=129090.>. Acesso em: 12 jan.
2011.
7
BRASIL. Lei nº 9.278, de 17 de outubro de 1989. Revoga o art. 358 da Lei nº 3.071, de 1º de
janeiro de 1916 - Código Civil e altera dispositivos da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de
1977.Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=133228>. Acesso em: 12 jan.
2011.
9

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei número 8.069, de 13 de julho de 1990 8,


regulamenta o direito ao reconhecimento do estado de filiação, em seu art. 279, atribuindo-lhe
caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível.
A Lei número 10.406/200210, que promulgou o Código Civil vigente, teve como
resultado sensíveis mudanças ao Direito de Família. Entre as principais transformações, cabe
11
citar “[...] o afeto, a solidariedade e a dignidade [...]” . O artigo 1.596, do Código Civil de
200212, com dispositivo correspondente na Constituição Federal de 1988, art. 227, parágrafo
6°, afasta a distinção antiga dos filhos como legítimos, ilegítimos e legitimados, adequando-se
ao princípio da isonomia entre os filhos, sendo iguais entre si em termos de direitos e
qualificações.
Também o artigo 1.61013, do referido diploma legal, dispõe que o reconhecimento
dos filhos não pode ser revogado, orientando pelo melhor interesse da criança. A partir deste
surge a possibilidade do reconhecimento de paternidade fundado nos vínculos de afeto, ou
seja, o estabelecimento da paternidade socioafetiva.
Nesse contexto, a família contemporânea brasileira perde os traços característicos do
modelo familiar patriarcal, individualista e patrimonial, passando a ser vista a partir de
conceitos inovadores que restauraram a importância do indivíduo nas relações sociais,
permitindo, assim, a existência de três concepções distintas na busca da real filiação: a
jurídica, a biológica e a socioafetiva. Cabe, todavia, ao aplicador do direito, identificar as
ações jurídicas disponíveis que permitam a busca pela origem biológica sem, no entanto,
desconstituir o vínculo afetivo configurado.

2.2 PATERNIDADE E AS AÇÕES DE ESTADO

8
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1992. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, e dá outras providências. Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102414>. Acesso em: 12 jan.
2011.
9
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição,
observado o segredo de Justiça. [...].
10
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 1992. Institui o Código Civil. Senado Federal, Brasília,
DF. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=234240>.
Acesso em: 12 jan. 2011.
11
PENA JUNIOR, Moacir Cesar. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.
12
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
13
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.
10

A filiação, conforme explica Silvio de Salvo Venosa14, é um estado, o status familiae,


tal como era chamado inicialmente. Por conseguinte, todas as ações que objetivam o seu
reconhecimento, negação ou modificação são ações de estado que irão gerar efeitos
patrimoniais, morais e civis, podendo acarretar, inclusive, em alterações no registro de
nascimento.
A igualdade de direito dos filhos, independente de sua origem, tal como fixada na
ordem constitucional, derrogou todos os dispositivos que faziam distinção quanto à natureza
da filiação, ainda que não os tenha revogado expressamente. Assim, possível é o
reconhecimento do estado de filiação sem qualquer restrição.
Atualmente, a origem genética da paternidade não significa mais direito à filiação.
Havendo circunstâncias que demonstram a ocorrência de inseminação heterológa, adoção ou
vínculo socioafetivo, a consangüinidade resta em segundo plano, para a ampla maioria dos
efeitos jurídicos.
A ação de investigação de paternidade tem por objetivo assegurar o direito
fundamental de ter um pai no registro de nascimento, quando inexistente, ou quando não
houver sido constituída a posse do estado de filho, ou seja, não houver sido constituídos
vínculos socioafetivos em nenhum dos pólos da relação. Este é espírito que se depreende da
Súmula 30115 do Superior Tribunal de Justiça, que afasta a prevalência do biologismo em
detrimento da paternidade socioafetiva.
A análise de Paulo Luiz Netto Lôbo, ao demonstrar que, para a correta interpretação
da Súmula, devem ser observados alguns critérios constitucionais:

Não se pode resultar em negação de paternidade derivada de estado de


filiação comprovadamente constituído, portanto é incabível nas
hipóteses de existência de estados de filiação não biológica protegidos
pelo direito. A presunção de paternidade, em ação investigatória
quando haja apenas mãe registral, depende de provas indiciárias
consistentes, não podendo ser aplicada isoladamente.16

14
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 6. p.
244.
15
Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção
júris tantum de paternidade.
16
LOBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula n. 301/STJ. In
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana. São Paulo: IOB Thomson,
2006, p. 805.
11

Havendo uma paternidade socioafetiva constituída, o máximo permitido ao


investigante é perquirir sua origem biológica, com base no direito de personalidade, mas sem
confundir com direito à filiação, este estabelecido pelos vínculos formados.
A ação negatória de paternidade é direito personalíssimo e tem por finalidade contestar
os pretensos direitos de outrem. Considerando a afetividade como a base das relações
familiares, entende a doutrina que, uma vez consolidado o estado de filiação, torna-se
descabida a propositura de tais ações.
Assim Paulo Luiz Netto Lôbo:

A origem apaga-se no momento da adoção. O filho integra-se á nova


família total e definitivamente. A condição de filho jamais poderá ser
contestada pelo pai ou mãe que o adotaram, nem poderá ser
impugnada a nova paternidade ou maternidade, inclusive quando
atingir a maioridade, pois inaplicável o disposto no art. 1.614 do
Código Civil. Por conseqüência, o filho que foi adotado não poderá
promover investigação de paternidade ou maternidade biológicos. 17

Cabe concluir, portanto, que o reconhecimento biológico não pode prevalecer sobre a
paternidade construída na convivência familiar, o que ocorre nos casos em que a mãe
registrou o filho e outro homem, com quem casou ou estabeleceu união estável, assumiu os
encargos da paternidade.
Nesse sentido é a jurisprudência:

Quem, sabendo não ser o pai biológico, registra como seu filho de
companheira durante a vigência de união estável estabelece uma
filiação socioafetiva que produz os mesmos efeitos que a adoção, ato
irrevogável. O pai registral não pode interpor ação negatória de
paternidade e não tem legitimidade para buscar a anulação do registro
de nascimento, pois inexiste vício material ou formal a ensejar sua
desconstituição. Embargos rejeitados, por maioria. 18

Da análise da decisão supra, é importante ficar claro que não prescinde para a
validade do reconhecimento voluntário a presença de descendência biológica, mas sim o ato
de despender esforços e tratar o menor como se seu filho fosse, caracterizando a verdadeira

17
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003, v. 16, p. 144.
18
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes n. 599.277.365, da 4° GCC.
Relatora Maria Berenice Dias. Julgado em 21 out. 1999. Disponível em:
<http://www1.tjrs.jus.br/busca/index.jsp?pesq=ementario&as_q=&as_epq=&as_oq=&as_eq=&sort=d
ate%3AD%3AS%3Ad1&btnG=Buscar&tb=jurisnova&partialfields=NumProcesso%3A599277365&re
quiredfields=>. Acesso em 14 maio 2011.
12

relação familiar. Se comprovado o carinho entre pai e filho e o atendimento das necessidades
para o desenvolvimento da personalidade do menor, não poderá o interesse da criança ser
prejudicado pela inobservância da forma prevista em lei para o procedimento da adoção,
impedindo ao pai biológico que obtenha êxito em eventual ação negatória de paternidade.
Feitas tais considerações, cabe observar que a ponderação e a análise do contexto
fático devem ser analisadas conjuntamente, de modo que, uma vez não configurada a posse do
estado de filho, deve-se conceder primazia ao exame de ácido desoxirribonucleico. Todavia, a
contrario sensu, o papel do afeto nas relações familiares não pode mais ser ignorado,
observada a nova conceituação de família, com suas modalidades implícitas, para assegurar o
direito do cidadão.
13

3 O TRATAMENTO DISPENSADO ÀS MODALIDADES DE FILIAÇÃO PELO


ORDENAMENTO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO.

O Direito de Família contemporâneo está comprometido com uma nova tábua


principiológica, baseado na dignidade da pessoa humana, solidariedade e afetividade. A
incidência desses princípios culminou em uma verdadeira transformação na concepção
familiar, expurgando a desigualdade entre os filhos e a origem biológica da filiação.
Neste diapasão, termina por ser incompatível com a atual sistemática constitucional a
primazia do liame biológico sobre a afetividade, sendo necessário o reconhecimento do afeto
como fundamento da atual família brasileira.

3.1 O PAPEL DO AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES.

A formação da família não decorre mais exclusivamente das forças naturais, o


exercício da paternidade perde seu caráter meramente procriatório para tornar-se uma atitude
de amor e afeto.
O afeto familiar é o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo
convívio, em virtude de uma origem comum, a qual vincula as pessoas por uma solidariedade
íntima e fundamental, mesmo quando distantes. 19 Concomitante a isso, também ocorreu
modificações acerca da concepção de filiação. A filiação acabou desvencilhada de sua função
biológica, garantida pelos laços genéticos, passando a exercer uma função social, assegurada
pelo afeto.
A figura paterna passa a ser reconhecida pelo amor, desvelo e serviço de entrega à
criança, sendo insuficiente apenas o fornecimento do material genético. Neste sentido é a
concepção de Paulo Luiz Netto Lôbo: “O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e
solidariedade derivam da convivência familiar, e não do sangue”. 20
Neste contexto, surge a paternidade socioafetiva, semelhante do modelo de família
eudemonista, fundada no afeto construído no cotidiano, revelando a valorização dos membros
das relações familiares. A filiação consanguínea só coexiste com o vínculo afetivo, com o
qual se completa a relação parental.

19
BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família.
Porto Alegre, v. 4, n. 14, p. 5-10, jul./set. 2002. p. 8-9.
20
LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção
necessária. In: ENCONTRO DE DIREITO E FAMÍLIA DO IBDFAM/DF. 2. Ed, 2004, Brasília.
Disponível em: <http://www.cfs.jus.br/revista/numero27/artigo06.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2010.
14

O princípio da afetividade encontra fundamento constitucional no capítulo dedicado


à família, criança, adolescente e idoso, conforme destaca Paulo Luiz Netto Lôbo:

a) todos os filhos são iguais, independente de sua origem (art. 227,


§6°);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da
igualdade de direitos (art. 227, §§5° e 6°);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,
incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família
constitucionalmente protegida (art. 226, §4°).21

A valorização do afeto não retira do indivíduo, no entanto, o direito de buscar sua


origem biológica, a paternidade difere da procriação. Em contrapartida, a paternidade resulta
de uma escolha, da vontade ou não de ser pai, do comprometimento em assumir uma relação
que proporcione uma estrutura psicológica, social, afetiva e cultural para o indivíduo.

Em outras palavras, a filiação não é um dado ou determinismo


biológico, ainda que seja da natureza do homem o ato de procriar. Em
geral, a filiação e a paternidade sociais ou afetivas derivam de uma
ligação genética, mas esta não é suficiente para a formação e
afirmação do vínculo; é preciso muito mais. É necessário construir o
elo, cultural e afetivo, de forma permanente, convivendo e tornando-
se, cada qual, responsável pelo cultivo dos sentimentos, dia após dia.
22

O reconhecimento do direito à identidade genética não implica, necessariamente, na


criação de uma relação de parentesco, e, por conseguinte, seus efeitos patrimoniais, mas em
dar a quem investiga a possibilidade de conhecer mais sobre suas origens e sua historia.
Assim, é possível a elaboração de uma conclusão no sentido de, para a formação da
família, deve haver respeito à dignidade, igualdade e a liberdade, bem como a prevalência de
afeto entre todos os membros do grupo familiar. A possibilidade de investigação de
paternidade, mesmo nos casos de filiação já reconhecida, com fins de conhecer a origem
genética, sem qualquer efeito na relação já constituída, deve ser entendida como a tentativa de
harmonização entre o direito à filiação e o direito de personalidade, constitucionalmente
garantido à pessoa humana.

21
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação, in Direito de Família: a
família na travessia do milênio. Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Belo Horizonte, IBDFAM, Del
Rey, 2000, p. 250.
22
ALMEIDA, Maria Cristina de. Op. Cit., p. 458.
15

3.2 AS ESPÉCIES DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

A paternidade socioafetiva, no sentido estrito, contempla três espécies: a adoção, a


posse do estado de filiação e a técnica de reprodução heteróloga. A filiação socioafetiva,
portanto, é gênero, e as demais, constituem espécies.
Preceitua Paulo Luiz Netto Lôbo, direitos de filiação e, por conseguinte, deveres de
paternidade “envolvem a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua
dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a
23
adolescência”. Conforme pode ser contemplado, essa função não será necessariamente
exercida pelo genitor biológico, mas exercida pelo pai.
No que tange à paternidade socioafetiva manifestada através da adoção, insta salientar
que a lei impõe um procedimento próprio que culmina no dispositivo do art. 1.626 do Código
Civil. 24 A relação de parentesco constituída pode ser estendida não somente entre o adotante e
o adotado, como também entre aquele e seus descendentes e entre o adotado e todos os
parentes do adotante (art. 1.628 do Código Civil).
Cabe observar, portanto, que a adoção estabelece uma vinculação de parentesco plena,
de modo a concretizar o princípio da convivência familiar e garantir ao adotado o direito de
25
seu desenvolvimento físico, moral e mental, em condições dignas e no seio familiar.
Insta, ainda, analisar o instituto da adoção à brasileira, o qual manifesta dúvidas e
oscilações na doutrina e jurisprudência, pois associada às searas penal e cível. Consiste no ato
de registrar filho de outro como próprio, ou seja, é um instituto cujos efeitos balizam os dois
âmbitos da esfera jurídica, culminando na tipificação do chamado crime contra o estado de
filiação26, ameaçando a segurança e eficácia dos atos jurídicos27.

23
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula 301/STJ. In:
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e dignidade humana. São Paulo: IOB Thomson,
2006, p. 796.
24
Art. 1.626 do Código Civil: situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os
pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para casamento.
25
Art. 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Art. 227 da
Constituição Federal de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
26
Art. 242, do Código Penal; “Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem;
ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena
16

Será função do juiz verificar, no caso concreto, todos os fatos relevantes apresentados,
de modo a compreender a adoção à brasileira sob o viés da filiação e localizá-la na natureza
constitutiva da posse do estado de filho, a fim de consolidar uma realidade fática calcada no
afeto e no amparo.
Nestes casos, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser nobre o motivo que levou o
agente a registrar em seu nome o filho de outrem, afastando-se o dolo específico previsto no
artigo 299 do Código Penal. Insta destacar, ainda, que as decisões exaradas vêm considerando
a relevância do fenômeno denominado paternidade ou maternidade social, o qual cria o estado
afetivo, social e familiar e que, a princípio, não deve ser desfeito. 28
Pela análise da fundamentação do Relator, é possível observar que, uma vez
verificada a história construída pelos filhos como se descendentes genéticos fossem do de
cujos, e reconhecida a relação afetiva consolidada pela convivência no tempo, não pode
prevalecer a pretensão de desconstituição da paternidade afetiva em razão da ausência de
vínculo biológico, com finalidade eminentemente patrimonial, a fim de retirar dos adotados
sua vocação hereditária.
A segunda espécie de paternidade socioafetiva está relacionada aos casos de
reprodução assistida heteróloga. Nesses casos, estar-se-á diante da hipótese de um terceiro
agir como doador do material genético, desde que com prévia autorização do marido. 29
Com base no Enunciado 111, da 1ª Jornada de Direito Civil, na “reprodução assistida
heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do
material fecundante”.30 Não pode ser considerado genitor o ascendente biológico de mera

– reclusão de dois a seis anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida
nobreza: Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o Juiz deixar de aplicar a pena”.
27
Art. 2° da Lei dos Registros Públicos (6.015/73). “Os registros indicados no § 1º do artigo anterior
ficam a cargo de serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido na Lei de
Organização Administrativa e Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios e nas Resoluções sobre
a Divisão e Organização Judiciária dos Estados, e serão feitos:
I - o do item I, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de nascimentos, casamentos e
óbitos;
II - os dos itens II e III, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de títulos e
documentos;
III - os do item IV, nos ofícios privativos, ou nos cartórios de registro de imóveis”.
28
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.° 119.346 – GO, da 4ª Turma. Relator: Ministro
Barros Monteiro. Julgado em: 01 abr. 2003. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=119346+&b=A
COR>. Acesso em: 14 maio 2011.
29
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
30
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS. Enunciados da I Jornada de Direito Civil. Brasília:
Conselho de Justiça Federal, 2002. Disponível em:
HTTP://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IJornada.pdf, acessado em 12 mar. 2011.
17

concepção, apenas por ter fornecido o material biológico para o nascimento do filho, que
nunca desejou criar. 31
A terceira e última espécie diz respeito à posse do estado de filho. A afetividade e a
posse do estado de filiação são elementos indissociáveis, porém, deve ser considerado ainda
um terceiro elemento, a posse do estado de pai. A posse do estado de filho e a posse do estado
de pai exprimem reciprocidade, uma não existe sem a outra, pois é necessária a existência de
afetividade nos dois pólos da relação, sob pena de não se confirmar os laços parentais.
É possível extrair que a idéia de estado de filho afetivo não ocorre com o nascimento,
mas sim com a manifestação de vontade. Maria Berenice Dias destaca que a noção de posse
do estado de filho estabelece em um ato de vontade que sedimenta no terreno da afetividade,
questionando tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da
filiação.
Todavia, importante ressaltar que a posse do estado de filiação possui três elementos
caracterizadores que de certa forma concretizam a relação proveniente da vontade de assumir
a responsabilidade paterna, bem como a vontade de ser tratado como filho e fazer parte
daquele seio familiar. O nome, o tratamento e a fama. Nos dizeres de Rodrigo da Cunha
Pereira, “é esse tripé que garante a experiência de família e o pressuposto do afeto”.
A presença do nome não é de grande relevância, uma vez que nem sempre a criança
portará o sobrenome de seus pais. No entanto, é indispensável que o filho seja tratado como
tal, ou seja, que seus pais garantam sua educação, cainho e assistência e que essa relação
paterno-filial seja notável perante a sociedade.
Diante do caso concreto, deve ser observado o melhor interesse da criança, já que esta
é detentora de proteção especial, conforme prevê o artigo 227 da Magna Carta e o artigo 3º do
Estatuto da Criança e do Adolescente.32 Esses pressupostos servirão como guias para dirimir a
delicada questão que envolve a verdade estampada pelo registro civil.
Todo esse cuidado pelo aplicador do Direito é necessário, pois a desconstituição do
registro civil de uma relação consolidada no tempo implica muito mais em prejuízos do que
em benefícios, haja vista sua carga de desprezo e desconsideração à segurança jurídica das
relações já consolidadas. Seria um retrocesso, pois se estaria assistindo a derrota do afeto em

31
MADALENO, Rolf. Novos horizontes no Direito de Família. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
p. 93.
32
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
18

razão da adoração dos critérios meramente biológicos. Agir desse modo seria ignorar os
princípios defendidos pela legislação, de proteção ao melhor interesse da criança, da
convivência familiar e de valorização da dignidade da pessoa humana em detrimento dos
interesses simplesmente patrimoniais.
19

4 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E O DIREITO À HERANÇA

No sistema jurídico brasileiro, a filiação era estabelecida unicamente com base na


presunção pater is est, adotada pelo Código Civil de 1916, em legado ao Direito Romano. Em
consequência disso, muitas vezes a paternidade presumida não era verificada na realidade,
sendo o genitor outro homem.
Por outro lado, os filhos advindos de relações fora do casamento não tinham sua
paternidade declarada pela presunção, sendo-lhes vedado buscar o reconhecimento do vínculo
biológico.
Em razão disso, estabelecida a igualdade entre os filhos, independente de sua origem
genética, quedou necessária a adaptação da legislação infraconstitucional a fim de obter
capacidade de resolução dos conflitos, especialmente na esfera patrimonial, gerados pelo
conflito criado entre a preponderância da paternidade socioafetiva, modalidade parental
baseada na relação de convivência e com efeitos análogos aos da adoção, e a paternidade
biológica, espelhada nos laços genéticos.

4.1 O TRATAMENTO IGUALITÁRIO AOS FILHOS E OS EFEITOS DA PATERNIDADE


SOCIOAFETIVA

A legislação infraconstitucional de 1916 classificava os descendentes em legítimos e


naturais, equiparando-se aos legítimos, para efeitos sucessórios, apenas os filhos legitimados.
Com relação aos filhos adulterinos e incestuosos, estes não podiam ser reconhecidos,
sendo-lhes impedido, por conseguinte, habilitar-se no processo sucessório.
Com efeito, somente com o advento da Lei 6.515/1977 foram equiparados, para
efeitos sucessórios, os filhos de qualquer natureza, fulminando a discriminação anteriormente
positivada. Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema
jurídico passou a reconhecer a relação paterno-filial fundada em vínculos não-biológicos, mas
através da convivência, do carinho e afeto, concebendo-se a noção de paternidade
socioafetiva.
Para tanto, insta ressaltar que a doutrina e a jurisprudência não faz qualquer ressalva
aos efeitos conferidos à paternidade socioafetiva, não a desmerecendo frente à paternidade
biológica sob nenhum aspecto.
20

Nesta circunstância, surge a indagação acerca da prevalência do vínculo biológico ou


da socioafetividade no estabelecimento da filiação, uma vez que o critério genético já teria
excluído a presunção jurídica da paternidade para fins de averiguação da filiação.
Diante deste questionamento, impende observar que, do mesmo modo em que o pai
não pode ser aquele que presumivelmente a lei imputou, também pode não ser o transmissor
do material genético para a criança, pois a filiação é estabelecida pelo carinho e dedicação
persistentes na convivência.
Dessa forma, os filhos adotados passaram a ter direito à sucessão em igualdade com
os demais filhos, mesmo que a adoção seja anterior à Constituição Federal de 1988, desde que
o óbito do adotante ocorra após sua vigência. Neste sentido são as decisões proferidas pelo
Superior Tribunal de Justiça. 33
Da análise do julgado resta claro que, com o advento da Constituição Federal de
1988, houve uma transformação principiológica que alterou o sentido das decisões proferidas,
sendo afastado o critério exclusivamente biológico como fator decisivo para o
estabelecimento da filiação, com a consequente contemplação das relações socioafetivas.
Com isso, ficou preservado o melhor interesse do menor, que já estava inserido no seio
familiar que o acolheu, não havendo razão para desconstituir a paternidade que, de fato, já era
exercida.
No mesmo entendimento é o parecer da Subprocuradora Geral da República, com o
âmbito de reconhecer a capacidade sucessória do adotado, em razão da abertura do processo
de inventário ter ocorrido apenas em momento posterior ao inicio da vigência da Constituição
Federal de 1988.34
Examinado o parecer exarado, resta claro que, para que seja aberta a sucessão do de
cujos com os filhos em igualdade de condições na ordem da vocação hereditária, basta que o
óbito tenha ocorrido após a vigência da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a
condição de igualdade entre os descendentes. Insta salientar, ainda, que não há razão para
proceder de forma diversa, haja vista que a condição que veio a ser estabelecida foi mais
benéfica aos indivíduos, sendo descabido considerar, para tanto, a data da adoção, que

33
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 260.079 - SP, da Segunda Turma. Relator: Min.
Fernando Gonçalves. Julgado em 17 maio 2005. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=334885>. Acesso em: 14 maio
2011.
34
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 260.079 - SP, da Segunda Turma. Relator: Min.
Fernando Gonçalves. Julgado em 17 maio 2005. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=334885>. Acesso em: 14 maio
2011.
21

possibilitaria a divisão da herança quinhões menores, mas em detrimento da dignidade da


pessoa humana.
Cabe observar, portanto, que mesmo que estabelecida a adoção, a legislação
brasileira refuta qualquer forma discriminatória, concedendo aos filhos idênticos direitos e
deveres. Da mesma forma, deve-se aplicar igual entendimento aos filhos socioafetivos,
utilizando-se por analogia a concepção de igualdade plena entre as formas de filiação,
importando, por conseguinte, no reconhecimento da família constituída com base no afeto e
aceitando-se os efeitos morais e patrimoniais de tais vínculos.

4.2 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E O DIREITO À HERANÇA.

A destinação do patrimônio de uma pessoa, após sua morte, é regulada pelo Direito
Sucessório, podendo ser disposta pelos ditames legais ou pela via testamentária, de acordo
com o artigo 1.786 do Código Civil. 35
Com base no princípio da igualdade entre os filhos, e com fulcro no artigo 1.593 do
Código Civil, cabe observar que o parentesco não se funda apenas pelo critério da
consangüinidade, devendo ser acolhida a tese de paternidade socioafetiva, diante do
reconhecimento da posse do estado de filho.
Por conseguinte, a não consideração da paternidade socioafetiva apenas pela ausência
de reconhecimento expresso caracteriza um equívoco. No que tange à investigação de
paternidade biológica, ou à ação negatória de paternidade, com desconstituição do vínculo,
com fins exclusivamente sucessórios, torna-se descabido o pedido.
O falecimento de pessoa adotada exclui a possibilidade de chamamento dos pais
biológicos, reconhecendo apenas seus ascendentes adotivos como legalmente sucessíveis. Os
parentes consangüíneos são totalmente alijados da herança, em razão da capacidade do
instituto da adoção em romper os vínculos com a família biológica, exceto os matrimoniais.
Entretanto, o direito ao conhecimento da origem biológica é personalíssimo,
imprescritível e indisponível, podendo ser exercitado sem qualquer restrição, quando ausente
o constrangedor propósito econômico de requerimento do quinhão hereditário em virtude da
matriz genética.36

35
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
36
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 70004510483, da Oitava Câmara
Cível. Relator: Rui Portanova, julgado em: 31 out. 2002. Disponível em:
<http://www1.tjrs.jus.br/busca/index.jsp?pesq=ementario&as_q=&as_epq=&as_oq=&as_eq=&sort=d
22

No julgamento em análise, é possível observar a desconsideração do prazo positivado


pelo artigo 1.614 do Código Civil, em razão da imprescritibilidade da ação investigatória de
paternidade. Conforme salientado, constitui direito personalíssimo a busca pela origem
biológica, não podendo ser impedido seu exercício apenas pela existência de pai registral. A
mera procedência da ação de investigação de paternidade não irá desconstituir o vínculo
familiar existente e registrado, mas apenas permitir o exercício do direito de buscar a origem
genética do indivíduo.
Pelo caminho contrário, também deve ser possibilitada a anulação do registro civil
quando não configurada a paternidade socioafetiva, concedendo-se prevalência aos liames
biológicos, com todos os efeitos jurídicos decorrentes.
Plausível, contudo, o ajuizamento de demanda declaratória de paternidade
socioafetiva, confirmando todos os efeitos da filiação, inclusive os sucessórios, em respeito ao
princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade e melhor interesse da criança e do
adolescente. A contrario sensu, o julgamento no sentido da impossibilidade jurídica do
pedido desprezaria o tratamento igualitário aos filhos e dentre as espécies de paternidade
admitidas. 37
Assim, reconhecendo a presença dos elementos caracterizadores da posse do estado
de filho e a plena igualdade entre a filiação, mostra-se a inexistência de razões que impeçam a
declaração da paternidade socioafetiva e, conseqüentemente, todos os seus efeitos sucessórios
e obrigacionais. A paternidade socioafetiva não pode ser concebida através de uma presunção,
inclusive por se tratar de construção doutrinária, sem expressa previsão legal, cabendo ao
julgador o dever de examinar, no caso concreto, a veracidade do vínculo afetivo, com a
conseqüente declaração de existência de tal forma de paternidade.

ate%3AD%3AS%3Ad1&btnG=Buscar&tb=jurisnova&partialfields=NumProcesso%3A70004510483&
requiredfields=>. Acesso em: 14 maio 2011.
37
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A investigação da paternidade socioafetiva. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=304>. Acesso em: 10 abr. 2011.
23

5 CONCLUSÃO

A análise histórica da concepção de família permite concluir que as grandes


transformações sociais ocorridas na linha espaço temporal da humanidade foram decisivas na
afirmação da estrutura da filiação, o que não poderia ocorrer de outro modo, pois esta é um
consectário daquela.
A família foi uma instituição criada para conter a menor cédula da sociedade, o menor
grupo de pessoas que, reunidas com as demais, formariam a civilização de cada Estado. No
Direito Romano Clássico, visualiza-se a família como um grupo voltado à manutenção da
religião doméstica, que era um dos pilares de sustentação da própria sociedade grego-romana.
Desde então, com algumas características próprias de cada época político-social, a
família foi mantida como uma instituição de moldura patriarcal, hierarquizada e centrada no
matrimônio. Especificamente no Estado brasileiro, o ente familiar apresentava traços que
permitiam caracterizá-la, em suas origens remotas, como tradicional, oligárquica e
individualista, influenciada pela religião e pela moral.
Interessava esse modelo específico às leis brasileiras, primando pela coesão familiar,
abstraindo-se os ideais revolucionários e modernos, em nome dessa unicidade. Eram vários os
ideais preteridos, cabendo citar o sacrifício individual da mulher, o sacrifício dos filhos, tudo
em nome da harmonia doméstica. Eram reconhecidos, através da presunção pater is est,
somente os filhos havidos pelo vínculo do casamento, impedindo qualquer possibilidade de
reconhecimento dos descendentes provindos de relações extramatrimoniais, tendo tal
concepção a finalidade de coibir fatos considerados, à época, imorais, e, portanto, não aceitos
pela sociedade.
No decurso da história, com o impulsionar das mudanças sociais, essa estrutura
familiar sofre profundas transformações, e hoje guarda uma distante relação com o novo
arranjo familiar que se formou.
De uma entidade antes voltada para objetivos religiosos, econômicos, políticos e
culturais, a família transcendeu para um lugar da comunidade tendente à formação e ao
desenvolvimento da personalidade dos indivíduos formadores de seu seio.
A expansão do conceito de família permitiu o reconhecimento de entidades familiares
diversas daqueles constituídas somente através do matrimônio, possibilitando as uniões
estáveis e as famílias monoparentais. Os avanços científicos no âmbito da genética
24

proporcionaram um maior esclarecimento nas relações paterno-filiais, não sendo mais


admitido o estabelecimento da filiação baseada apenas na presunção oriunda do casamento.
Rompida, portanto, a supremacia da verdade jurídica como forma de estabelecimento
da paternidade, foram imputadas responsabilidades ao genitor, bem como direitos e deveres
entre pais e filhos.
A Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico a concepção de
Estado Social Democrático de Direito, baseado nos princípios da dignidade humana e da
isonomia, consolidando como forma de proteção um tratamento igualitário a qualquer espécie
de filiação. De tal sorte, a verdade biológica revelou-se insuficiente para o fim assecuratório
de uma paternidade desempenhada com responsabilidade e amor.
A proteção estatal, antes dirigida à família-instituição, voltou-se à família-instrumento,
valorizando a satisfação pessoal de seus membros, antes deixada em segundo plano, para a
realização da moral e dos preceitos religiosos. A família-instrumento passa a ser
compreendida como uma relação cujo ápice só é alcançado quando possibilitado o
desenvolvimento integral de seus membros, valorizando as transformações ocorridas com o
ser humano quando este se encontra em relação direta com uma estrutura social em
crescimento.
Destarte, surgiu a necessidade de valorização de outros elementos que determinassem
a verdadeira relação paterno-filial, identificando-se o pai através da dedicação com que se
entregava a seu filho. Por conseqüência surgiram três concepções distintas na busca da
verdade real da filiação: a jurídica, a biológica e a socioafetiva.
Com a introdução da acepção da socioafetividade na sociedade brasileira, ressaltou-se
a importância de um pai que de fato exerce e arca com as responsabilidades da paternidade,
pois a relação paterno-filial socioafetiva exterioriza-se independentemente da presença do
liame biológico ou jurídico, constituindo-se com base na posse de estado de filho. Esta se
revela através do tratamento diário dispensado pelos pais durante a criação, por ser mais apta
a assegurar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, proporcionando proteção,
educação e sustento.
Nesse diapasão, os termos “pai” e “genitor” deixaram de redundar em sinônimos,
passando a compreender-se genitor como aquele fornecedor do material genético, ao passo
que pai é aquele que detém o liame da filiação. Observa-se, pois, que a paternidade
consangüínea impõe os laços biológicos, todavia, a verdade sociológica constrói,
paulatinamente, o seio familiar.
25

Nessa esteira, a concepção de paternidade socioafetiva caracteriza-se pelos laços de


afeto, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, não se
limitando apenas ao vínculo biológico.
No ordenamento jurídico brasileiro não há regramento expresso que reconheça a
paternidade socioafetiva como forma de estabelecimento do vínculo de filiação. No entanto, o
entendimento jurisprudencial mostra-se favorável para tanto.
Apesar de importante o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva,
com a finalidade de confirmar a filiação com todos seus efeitos, há precedentes
jurisprudenciais reconhecendo a viabilidade do estabelecimento do vínculo socioafetivo,
ainda que ausente procedimento declaratório em andamento, desde que presentes os
elementos caracterizadores da posse de estado de filho, pois a filiação socioafetiva decorre de
princípios constitucionais, os quais possibilitam o estabelecimento da plena igualdade entre os
filhos, independentemente de sua origem.
Contudo, mister é a análise caso a caso, pois também não é possível generalizar a
possibilidade do reconhecimento da socioafetividade, devendo-se reconhecer legítima
somente aquela relação fundada no vínculo de afeto, e não simplesmente em razão de vínculo
registral.
Insta concluir, portanto, que a relação biológica não deve ser decisiva em si mesmo,
mas considerada como um meio que consente na atribuição da responsabilidade parental em
relação à criança nascida. O fundamento meramente genético deve ceder lugar ao perfil do
acolhimento e do afeto, não podendo mais o seio familiar formar-se em razão da
consangüinidade, com abstração do convívio paterno-filial.
26

REFERÊNCIAS

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PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coord.). Afeto, ética e o novo Código Civil. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004.

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse do estado de filho.


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