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RESUMO
O consumismo diz muito da relação dos sujeitos na sociedade atual regida pelo modelo capitalista.
Tal aspecto social está presente no cotidiano das pessoas e influencia diretamente em seu modo de
ser e pensar. As consequências do consumismo são variadas, onde é observável que em grande ou
pequena escala ela pode trazer prejuízos à vida dos sujeitos. Nesse sentido, pesquisou-se na sala de
espera de uma clínica escola de psicologia com 18 participantes mediante entrevista aberta com
questões norteadoras e analisadas a partir do discurso dos sujeitos. Verificou-se que a crença do
consumismo implica em gastos em excesso, onde a maioria não se reconhece como consumista,
mas 94,45% já se sentiram arrependidos após terem realizado uma (ou mais) compra(s). Conclui-se
que o consumismo pode trazer prejuízos a vida dos sujeitos quando estes comprometem de forma
significativa sua renda (por exemplo, contraindo dívidas ou gastando de forma a não dispor de
recursos para suprir necessidades básicas). Observou-se que o consumo de forma exagerada pode
estar associado a emoções negativas. Apesar de consumir trazer bem estar durante e logo após a
compra, esse é momentâneo.
ABSTRACT
Consumerism says a lot about an individual’s relation in the current society governed by the
capitalist model. This societal trait is present in the people’s daily lives and it influences directly
their way of thinking and being. The consequences of consumerism are wide-ranging, and it can be
observed that in large or small scale it may bring harm to subjects’ lives. So, it was investigated in
the waiting room of a psychology school clinical with 18 participants through an open interview
with guiding questions and analyzed from the subjects' discourse. It was verified that the belief of
consumption implies in excess expenses, where the majority of the respondents does not recognize
themselves as consumerist, but 94.45% have already felt regretted after having made one (or more)
purchase(s). It is concluded that consumerism can harm the lives of individuals when they
significantly affect their income (for example, contracting debts or spending in a way that does not
have the resources to meet basic needs). It was observed that exaggerated consumism may be
associated with negative emotions. Although consuming bring well-being during and shortly after
purchase, this is momentary.
1
Mestre em Psicologia. Graduado em Psicologia. Graduado em Pedagogia; Professor adjunto das Faculdades
Integradas do Norte de Minas – FUNORTE.
2
Graduada em Psicologia. Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE.
INTRODUÇÃO
custo, como a densidade própria do ser humano, esgotado de sua capacidade de subjetivar o mundo
e, portanto, de caminhar contra a lógica daquilo que lhe é imposto (HOMEM, 2003).
Muitas vezes o ato de consumir se dá através da influencia dos meios de comunicação, onde
o sujeito não sabe discernir entre o que é necessidade e o que é desejo. O consumismo traz
desconforto a existência do sujeito, já que para sofrer com tal aspecto não é preciso desenvolver
alguma patologia. É clara a importância do significado social e a observação do comportamento do
ser humano diante do consumismo. É de grande relevância compreender este processo social e suas
implicações para o sujeito, tornando o seu ato cada vez mais consciente para a sociedade, dessa
forma reduzindo o sofrimento do sujeito e suas vivencias relacionadas a tal processo. Considerando
que a sociedade tende a aumentar suas estratégias de incentivo ao consumo, fazem-se necessários
estudos que promovam reflexões sobre os efeitos desta influência na vida das pessoas.
MÉTODO
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apesar do convite a todos os 45 clientes da clínica escola, quatro sujeitos (8,89%) não se
disponibilizaram a participar da pesquisa; 23 (51,11%) não atendiam aos critérios de inclusão em
função da idade, ou de não possuir renda própria. Tratavam-se de crianças e a proposta da pesquisa
foi dirigida a adultos. Assim, a pesquisa se deu, efetivamente, com 18 participantes. Esses contavam
com idade entre 21 e 53 anos (M = 31,06 anos, DP = 8,51 anos), os quais 83,33% eram mulheres.
Houve dificuldade em encontrar homens para a pesquisa, já que a maioria das pessoas atendidas
pela clínica-escola eram mulheres e crianças. Mesmo dentre essas, poucas se enquadravam no
critério de inclusão de possuir renda própria, o qual exigiu grande tempo de pesquisa para coletar o
número de entrevistados necessário.
Dos respondentes, todos possuíam renda própria, divididos entre 50,00% que eram
autônomos, 38,89% funcionários fichados e 11,11% trabalhavam em regime estatutário. Muitos dos
participantes dividem a renda com sua família totalizando 66,67% dos entrevistados, enquanto
27,78% utilizam sua renda apenas para gastos individuais e 5,56% ajudam familiares que não
moram consigo.
Quando questionados sobre o que acreditam ser consumismo 66,67% responderam que
significava ter gastos em excesso ou sem necessidade (Sujeito 14 “Fazer compras exageradamente
sem ter necessidade, movida pelo capitalismo, pela mídia.” Sic); 27,78% acreditam que seja o gasto
com necessidades (Sujeito 02 “Comprar as coisas que precisa, alimento, essas coisas.” Sic.) e
5,56% classificaram o consumismo como algo bom. Observa-se que a maioria dos entrevistados
corrobora com a ideia de que no consumismo está expressa não a qualidade, mas sim a quantidade
de bens adquiridos, onde as pessoas compram produtos para além de sua capacidade financeira
(OLIVEIRA, 2012).
Já quando questionados se se consideravam consumistas 55,56% responderam que não.
Desses, 40,00% alegam apenas comprar o necessário, já 50,00% dizem pensar antes de comprar
alguma coisa e 10,00% relatam não possuir recursos para ser uma pessoa consumista. Dos que
acreditam ser consumistas, 87,50% admitem comprar por desejo, os quais muitas vezes não pensam
antes de adquirir algum produto (Sujeito 17 “Eu compro muito e não penso antes e muitas vezes
compro sem necessidade.” Sic.), e 12,50% admitem comprar a mais por demandas sociais, como
gostar de andar na moda.
Quando inquiridos sobre os sentimentos após adquirir algum bem, 94,45% dos participantes
dizem ficar alegres, ou satisfeitos (Sujeito 01 “Sentimento de realização. Fico feliz. Sinto prazer.”
Sic.). Não obstante 83,33% disseram que já compraram alguma coisa que ao chegar em casa
perceberam que não era de necessidade.
Esses objetos eram em sua maioria de vestuário, onde 60,00% dos entrevistados relataram
comprar sem necessidade roupas e/ou sapatos, enquanto eletrodomésticos são o segundo item mais
comprado compondo 20,00% da amostra. Outros itens citados foram produtos de beleza com
13,34% e produtos para o lar com 6,66%. Dentre esses que já compraram algum produto que não
era de necessidade 53,84% comprometeram mais de 20% de sua renda total.
Ainda entre aqueles que compraram algum objeto sem necessidade, 46,66% alegam que
costumam comprar apenas quando acreditam sentir necessidade, enquanto 20,00% declararam
raramente comprar alguma coisa sem necessidade. Já 13,34% alegaram comprar alguma coisa
quando tinham acesso a sua renda (Sujeito 01 “Quando recebo pagamento e vejo alguma loja.” sic),
13,34% compram quando a oportunidade é confrontada (Sujeito 04 “Ás vezes dá vontade quando
alguém te oferece.” Sic.), e 6,66% compram para melhorar a autoestima (Sujeito 08 “Quando a
autoestima está baixa eu compro alguma coisa para ficar melhor.” Sic.).
Considerando a frequência dos comportamentos consumistas, 80,00% dos respondentes
dizem que pouco frequente ou raramente compram algum objeto que não seja necessário.
Atualmente 33,33% dos entrevistados alegam estar endividados, onde destes 66,66% possuem uma
dívida de longo prazo.
Quando investigados se já se sentiram mal emocionalmente devido a alguma dívida, 61,11%
dos participantes responderam que sim (Sujeito 13 “Fiquei preocupado, já acordava pensando na
dívida.” Sic.). Ao serem solicitados para que explicassem sobre como foi este sentimento 44,46%
sentimentos de preocupação ou ansiedade, 18,18% revelaram ter sentimentos de arrependimento,
18,18% sentimentos de culpa, 9,09% sentimentos de vergonha e 9,09% sentimentos de raiva.
Dos entrevistados 61,11% alegaram que já se sentiram mal emocionalmente por não poder
comprar algo que desejavam. Dentre estes 81,82% afirmaram considerar desnecessário o bem
desejado, onde 81,82% classificaram o objeto como de pouca necessidade, 9,09% alega que o
objeto não adquirido apresentava média importância em sua vida e 9,09% alegou o desejar muito
(mesmo sem descrever se o mesmo era importante ou não).
Observou-se que 66,67% dos entrevistados não têm o costume de realizar compras quando
estão se sentindo mal emocionalmente, 22,22% realizam compras nessa situação (Sujeito 17 “Eu
sinto necessidade de comprar quando estou triste, ansiosa, serve para preencher. Me sinto bem
quando compro.” Sic) e 11,11% compram apenas ocasionalmente. Dentre aqueles que compram
quando se sentem mal 83,33% manifestaram sentir sensação de alívio ao realizarem compras
quando estão se sentindo mal emocionalmente, os demais alegaram que não houve mudança em
seus sentimentos apesar da compra.
A mídia através da propaganda direta e indireta das vias atuais de comunicação como
televisão, internet, rádio, imprensa, convence o seu público-alvo, anunciando o modo de ser, estilo
de vida, marca, etc, manipulando-o assim de forma explicita. Muitas vezes o produto se apresenta
mais envolvido por suas características e qualidades do que o seu valor real de uso, algumas
características agregadas ao produto como a marca, o modelo, a garantia de satisfação engrandecem
o produto fazendo com que ele se torne mais desejado e necessário, mesmo não sendo a realidade.
Dessa forma o sujeito se convence que além do produto irá também adquirir algumas vantagens e
compra uma ilusão (CASADORE; HASHIMOTO, 2010).
O Sujeito 04 relata: “Tem época, compro pra compensar o físico, porque sou gorda, né!”
(sic). E ainda completa: “Compro achando que vai melhorar o físico, mas ai quando olho no
espelho não mudou nada.” Sic. O Sujeito 10 conclui: “Me sinto melhor comprando alguma coisa
que queria.” Sic.
Ainda dentre aqueles que compram quando estão se sentindo mal emocionalmente 16,66%
dos entrevistados revelaram comprar de forma recorrente e 83,34% apenas ocasionalmente. Foi
possível perceber que 72,22% levam em consideração a qualidade e o preço ao adquirir algo,
enquanto que 27,78% compram apenas no impulso do seu desejo (Sujeito 05 “O importante é se é
parcelado. Compro muito no impulso.” Sic).
Questionados se acreditavam que o consumismo poderia trazer algum tipo de sofrimento a
sua vida 83,33% dos entrevistados responderam sim. Quando explicaram o motivo da resposta
positiva, alguns dos entrevistados apresentaram razões variadas que levam a mais de uma categoria
os quais 38,88% acreditam que a dívida seria um algo negativo promovido pelo consumismo
(Sujeito 06 “Acabaria gastando muito e ficando endividado mais do que posso.” Sic.), enquanto
27,78% alegam que o sentimento de falta, de desejar e não poder comprar, causaria desconforto em
sua vida (Sujeito 15 “Principalmente quando você quer comprar e não pode.” Sic.), 16,67% falam
que sendo consumistas deixariam de comprar aquilo que é necessário, o que seria prejudicial
(Sujeito 13 “Iria gastar compulsivamente e deixaria de gastar com os filhos, com a escola e gastaria
com outras coisas que não tem necessidade.” Sic.), 11,11% definem o sentimento de culpa como
resultado do consumismo (Sujeito 10 “Porque só ter não faz bem, faz bem só na hora, depois você
vê que não é bom e a consciência pesa.” Sic.) e 5,56% relatam que o consumismo poderia acarretar
problemas familiares.
CONCLUSÃO
Os resultados mostram que a maioria dos entrevistados entende o que é consumismo e não
se consideram como pessoas consumistas, apesar de associarem o ato de consumir a um sentimento
bom e já terem adquirido algo sem necessidade. Ainda que a maior parte dos entrevistados tenha
relatado se sentir mal emocionalmente ao não poder adquirir algo que deseja e/ou quando
reconheciam alguma dívida que possuíam. Predominou-se a opinião dos entrevistados de que o
consumismo poderia trazer prejuízos a suas vidas.
Conclui-se que o consumismo pode trazer prejuízos a vida dos sujeitos quando estes
comprometem de forma significativa sua renda (por exemplo, contraindo dívidas ou gastando de
forma a não dispor de recursos para suprir necessidades básicas). Observou-se que o consumo de
forma exagerada pode estar associado a emoções negativas. Apesar de consumir trazer bem estar
durante e logo após a compra, esse é momentâneo. Posteriormente tal sensação tende a se
transformar em mal estar, quando esta atitude é feita de forma impensada, levando o sujeito a
dívidas e a enfrentar dificuldades financeiras.
Puderam-se conhecer as implicações psíquicas que o consumismo traz aos entrevistados,
assim como levantar informações sobre o sofrimento psíquico promovido pelo consumismo. Tais
aspectos foram observados nas falas dos sujeitos e sustentados pela bibliografia. Homem (2003) já
havia verificado que cada vez mais a separação sujeito-objeto deixa de existir, onde o sujeito está
imerso na cultura do consumo continuo e que não pode parar. A partir disto o sujeito passa a ter a
necessidade de dar um fim a sua falta e instaurar o novo objeto e assim bloquear o acesso ao vazio.
Este é o aspecto mais árduo da descartabilidade, o qual o sujeito fica preso a vários objetos e acaba
por não exercer seu desejo, que fica perdido.
O Sujeito 17 relata: “Eu sinto necessidade de comprar quando estou triste, ansiosa, serve
para preencher. Me sinto bem quando compro.” Sic. O Sujeito 08 declara: “Comprar funciona como
um alívio, uma válvula de escape.” Sic.
Observou-se, por fim, que, mesmo os sujeitos entendendo do que se trata o consumismo,
muitas vezes a realização de atos consumistas passa despercebido. É de grande importância que
cada vez mais os sujeitos entendam sobre tal aspecto social, para que o sofrimento associado ao
consumismo seja amenizado.
Longe de esgotar o assunto, a presente pesquisa acredita ter contribuído quanto a construção
da ciência no que tange a explicitação da percepção dos sujeitos sobre o que venha a ser o
consumismo. Espera-se que tais resultados possam contribuir para pesquisas futuras e auxiliar na
compreensão do fenômeno.
REFERÊNCIA
BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.