Você está na página 1de 75

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

LEGITIMIDADE DAS INTERVENÇÕES


HUMANITÁRIAS

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

Juliana Graffunder Barbosa

Santa Maria, RS, Brasil


2014
LEGITIMIDADE DAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS

Juliana Graffunder Barbosa

Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Relações Internacionais,


da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial
para a obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Giuliana Redin

Santa Maria, RS, Brasil


2014

2
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Relações Internacionais

A Comissão Examinadora, abaixo assinada,


aprova o Trabalho Final de Graduação

LEGITIMIDADE DAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS

elaborado por
Juliana Graffunder Barbosa

como requisito parcial para a obtenção do grau de


Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Giuliana Redin


(Presidente/Orientadora)

Prof. Dr. Ricardo Antônio Silva Seitenfus (UFSM)

Prof. Ms. Igor Castellano da Silva (UFSM)

Santa Maria, 09 de dezembro de 2014.


3
À minha mãe, pelo exemplo, apoio e dedicação incansáveis.

4
AGRADECIMENTOS
A União Federal que, através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC-REUNI), me proporcionou bolsa de estudos que auxiliou o
desenvolvimento deste trabalho.

Aos professores José Renato Ferraz da Silveira, José Carlos Martinez Belieiro,
Valéria do Nascimento Ribas, Reginaldo Teixeira Peres, Meire Mezzomo, Adriano Pereira e
Ivani Vassoler, que me instigaram à busca pelo conhecimento, sou grata pela formação
humanística e estímulo à análise crítica.

A minha orientadora, professora Giuliana Redin, pelo encorajamento à pesquisa séria


e responsiva, fomento do espírito questionador, sou grata pelas ponderações, conselhos,
motivação e pelo carinho, visto nos olhos de quem pratica com amor a profissão.

Ao professor Igor Castellano, pelo entusiasmo que seu estudo me deu antes mesmo
de ter a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, sou grata pela predisposição e contribuição
dada.

Ao professor Thiago Rodrigues, que me instigou a pesquisar nessa temática. Aos


professores Paulo Visentini, Henrique Castro e Marco Cepik, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, pelos ensinamentos durante o semestre que cursei em mobilidade acadêmica,
os quais foram substanciais para a consecução deste trabalho.

Aos meus pais, Solange Elisabete Graffunder e Antônio Paulo Moreira Barbosa, e ao
meu avô, Rubens Graffunder, por todo empenho, amor e atenção incondicionais que foram
fundamentais para eu ter cumprido esta etapa da minha vida e vislumbrado novas perspectivas.
Aos demais familiares que acompanham a minha trajetória, por torcem por mim a cada
conquista.

Ao José Renato, por emanar inspiração, carinho e companheirismo, pelas palavras de


ternura e perseverança, por todo incentivo ao longo destes anos e por ter tornado os meus dias
mais felizes na tua presença.

As amizades que se mantiveram presentes, apesar da distância e do tempo. Aos


amigos e colegas que tive a oportunidade de conhecer ao longo da graduação, seja em Santa
Maria, em Porto Alegre ou em Santa Fé. A família de intercambistas que tive a felicidade de
constituir na Argentina.

5
Na análise política e legal das relações
internacionais a ideia da sociedade
internacional têm-se baseado menos na
evidência da cooperação demonstrada pelos
estados no seu comportamento efetivo do que
em princípios que pretendem indicar qual deve
ser esse comportamento.

(Hedley Bull)

6
RESUMO
Trabalho Final de Graduação
Curso de Graduação em Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria

LEGITIMIDADE DAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS

AUTORA: JULIANA GRAFFUNDER BARBOSA


ORIENTADORA: GIULIANA REDIN
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 09 de dezembro de 2014.

As modificações no cenário internacional do período pós-Guerra Fria refletiram um


movimento já iniciado nos anos de 1980 de aproximação dos temas de segurança e direitos
humanos. Esta conjugação de temáticas fez com que a agenda de segurança internacional se
expandisse, abarcando a partir de então a Segurança Humana (PNUD, 1994), o que impactou
na prática de inúmeras intervenções justificadas por razões humanitárias. O presente trabalho
investiga como intervenções humanitárias são legitimadas e aponta para o potencial
securitizador existente no arcabouço de direitos humanos, especialmente a norma emergente
de Responsabilidade de Proteger (ICISS, 2001), que traz implicações diretas aos casos de
Estados Falidos e a ressignificação de conceitos como Guerra Justa, Soberania e Não
Intervenção. A pesquisa, de abordagem dedutiva, utiliza a técnica de procedimento descritiva
e aportes teóricos da Escola de Copenhague e da Escola Inglesa das Relações Internacionais.

Palavras-chave: Intervenções humanitárias. Legitimidade. Responsabilidade de Proteger.


Securitização. Estados Falidos.

7
ABSTRACT

HUMANITARIAN INTERVENTIONS LEGITIMACY

AUTHOR: JULIANA GRAFFUNDER BARBOSA


ADVISER: GIULIANA REDIN

The changes in the international post-Cold War period scenario reflected an approach
between security and human rights issues started in the 80‟s. This combination of themes
expanded the international security agenda, covering thereafter the Human Security topic
(UNDP, 1994) which impacted on the many interventions justified on humanitarian grounds.
This investigation analyze how humanitarian interventions are legitimated and pointing
towards the securitization potential that exist in human rights framework, especially the
emergent norm of the Responsibility to Protect (ICISS, 2001), which affects directly the
Failed States and the redefinition of concepts as Just War, Sovereignty and Non Intervention.
This deductive research uses the descriptive procedure technique and theoretical contributions
of the Copenhagen School and the English School of International Relations.

Key words: Humanitarian interventions. Legitimacy. Responsibility to Protect. Securitization.


Failed States.

8
SUMÁRIO

Lista de abreviaturas e siglas 10

INTRODUÇÃO 12
1 A LEGITIMIDADE NAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS 15
1.1 Do Princípio da Não Intervenção: Guerra Justa e Soberania 19
1.1.1 A Guerra Justa 20
1.1.2 O Estado Soberano 29
1.1.3 A Questão da Legitimação das Intervenções Humanitárias 38
2 QUESTÃO DA SOBERANIA EM ESTADOS FALIDOS E A SECURITIZAÇÃO DA
RESPONSABILIDADE DE PROTEGER 42
2.1 Da Segurança Humana à Responsabilidade de Proteger 42
2.2 Do “Dever” de Intervir: efeitos da securitização e o problema dos Estados Falidos 48
3 O DILEMA DA INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA
DO CONGO 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS 63
ANEXOS 65
REFERÊNCIAS 67

9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS1

ABRI Associação Brasileira de Relações Internacionais


AFDL Aliança de Forças Democráticas pela Liberação do Congo-Zaire
AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas
CICV Comitê Internacional da Cruz Vermelha
COPRI Copenhagen Peace Research Institut (Instituto de Pesquisas para Paz de
Copenhague*)
CSNHS The Civil Society Network for Human Security (Rede da Sociedade Civil para
Segurança Humana*)
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
DIDH Direitos Humanos ou Direito Internacional dos Direitos Humanos
DIH Direito Internacional Humanitário
DIP Direito Internacional Público
ESI Estudos Estratégicos Internacionais
EUA Estados Unidos da América
FFP The Fund for Peace (O Fundo para a Paz*)
FUNAG Fundação Alexandre de Gusmão
GCI Grande Corporação Internacional
ICC International Criminal Court (Corte Penal Internacional ou Tribunal Penal
Internacional)
ICCPR International Covenant on Civil and Political Rights (Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos)
ICESCR International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais)
ICISS International Commission on Intervention and State Sovereignty (Comissão
Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal)
ICJ International Court of Justice (Corte Internacional de Justiça ou Tribunal
Internacional de Justiça)
ILC International Law Commission (Comissão de Direito Internacional das Nações
Unidas)
IRC International Rescue Committee (Comitê Internacional de Resgate*)
1
Na falta de tradução oficial para a língua portuguesa, os itens marcados com asterisco foram traduzidos
livremente.
10
MONUC Mission de l'Organisation des Nations Unies en République Démocratique du
Congo (Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo)
MONUSCO Mission de l'Organisation des Nations Unies pour la Stabilisation en
République Démocratique du Congo (Missão das Nações Unidas de
Estabilização na República Democrática do Congo)
OEA Organização dos Estados Americanos
OI Organização Internacional
OIG Organização Internacional Governamental ou Organização Intergovernamental
ONG Organização Não-Governamental
ONGAT Organização Não-Governamental de Alcance Transnacional
ONU Organização das Nações Unidas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
R2P Responsibility to Protect (Responsabilidade de Proteger)
RDC República Democrática do Congo
RSC Regional Security Complex (Complexo Regional de Segurança)
RSCT Regional Security Complex Theory (Teoria do Complexo Regional de
Segurança)
RtoP Responsibility to Protect (Responsabilidade de Proteger)
RwP Responsibility while Protect (Responsabilidade ao Proteger)
SGNU Secretaria Geral das Nações Unidas
UN United Nations (Organização das Nações Unidas)
UNDP United Nations Development Programme (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento)
UNGA United Nations General Assembly (Assembleia Geral das Nações Unidas)
UNSC United Nations Security Council (Conselho de Segurança das Nações Unidas)
USA United States of America (Estados Unidos da América)
VCDR Vienna Convention on Diplomatic Relations (Convenção de Viena sobre as
Relações Diplomáticas)
VCLT Vienna Convention on the Law of Treaties (Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados)

11
INTRODUÇÃO

O binômio “guerra e paz” nas Relações Internacionais2 constitui uma das dicotomias
elementares nos estudos desenvolvidos após a Primeira Guerra Mundial (1914-1919) 3 e, é
nesta relação que encontramos um dos maiores dilemas das relações internacionais: a
intervenção humanitária. O ato de intervir externamente, mesmo que justificado por
motivações relativas à proteção dos Direitos Humanos, se choca frontalmente com o princípio
basilar do Direito Internacional Público, que é o princípio da Não Intervenção.
Ao questionar como as intervenções humanitárias podem ser legitimadas no
contexto internacional contemporâneo, o trabalho aponta para a problemática possibilidade de
4
securitização dos direitos humanos como meio de legitimação de intervenções
humanitárias, uma vez que emerge todo um arcabouço de proteção aos Direitos Humanos 5,
envolvendo Segurança Humana e Responsabilidade de Proteger, que forma uma visão
securitária não tradicional e interfere na controversa dos Failed States, uma vez que estes são
apontados como vetores de crises humanitárias que geram desestabilização securitária.
Portanto, o trabalho analisa como intervenções humanitárias, – variável dependente –
baseadas no (a) arcabouço de Direitos Humanos, podem ser (b) securitizadas 6 em caso de (c)
Failed State – considerando “a”, “b” e “c” as variáveis independentes.
Devemos ter em mente que, em função das disparidades de capacidades relativas dos
atores no cenário internacional e da falta de uma autoridade supranacional, visualizar normas

2
“Relações Internacionais” doravante como área de saber, enquanto “relações internacionais” como as relações
entre atores internacionais.
3
Relações Internacionais surge como disciplina acadêmica na Cátedra Woodrow Wilson da Universidade de
Gales em 1919, tendo como intuito conter conflitos e, assim, promover a paz.
4
“O conceito de securitização, tal como apresentado por Buzan, Wæver e De Wilde (1998), define o processo
por meio do qual um tema passa a ser compreendido por um determinado ator – chamado de “ator securitizador”
– como um {sic} “ameaça existencial” a ele próprio [desestabilização da ordem internacional, que afetaria a
coletividade], passando, desse modo, a demandar a adoção de medidas de força extraordinárias para enfrentá-la.
Assim, a securitização aconteceria quando uma questão que não era tida como um problema de segurança [no
sentido clássico ou restrito] passa a sê-lo, colocando em marcha políticas específicas de combate que não
prescindem dos instrumentos tradicionais de segurança nacional (forças armadas, forças policiais, agências de
inteligência). Para os autores, quando uma questão é securitizada, a urgência em confrontá-la por meios
excepcionais [aplicando o princípio da seletividade ao invés da norma] faz com que os controles públicos sobre
as ações do Estado diminuam, abrindo espaços de exceção. O conceito tem sido muito utilizado para estudar a
incorporação ao discurso diplomático-militar de problemas que não faziam parte do rol tradicional das ameaças
ao Estado ou à segurança internacional – como a questão ambiental ou a dos direitos humanos.” RODRIGUES,
2012, pp. 25 - 26.
5
O presente trabalho vislumbra a possibilidade de englobar o Direito Internacional Humanitário (DIH) na esfera
dos Direitos Humanos (DIDH), uma vez que os dois, “apesar de terem formulação distinta, possuem a mesma
essência” (CICV), ou seja, tem a mesma finalidade que é a proteção do ser humano.
6
“Questões políticas podem, portanto, sofrer processos/movimentos de “securitização” ou “desecuritização".”
(TANNO, 2003, p.57). Os termos em inglês securitization e desecuritization (WÆVER, 1995) foram traduzidos
literalmente. Portanto, quando abordada a “securitização”, remete-se a esta essa dupla dinâmica.
12
que estejam mais a serviço de interesses particulares do que representando a vontade geral é
mais corrente do que poderia ocorrer na esfera nacional. Nesta circunstância, há uma lacuna
entre legitimidade e legalidade 7 (WHEELER, 2000). Conforme a acepção sociológica de
Weber (1999), legitimidade é a obediência voluntária as normas sem que se recorra ao uso da
força; dessa maneira, legitimidade envolve fundamentalmente dois elementos: o poder e a
vontade geral (FONSECA JR., 1998).
Portanto, a investigação ponderará sua análise sob dois espectros que estão
interligados a legitimidade: o direito e o poder. Na esfera do direito é observada a legalidade,
ou seja, a concordância com as normas existentes na Sociedade Internacional; enquanto na
esfera do poder impera a Raison d‘État 8 , os arranjos entre as potências e a aquiescência
multilateral, ou seja, pelos demais atores da sociedade internacional 9, decorrente da retórica
ou da coerção, que gera respaldo para a ação.
Desta maneira, o desenvolvimento do trabalho se dividirá em duas partes. A primeira,
ao longo dos capítulos 1 e 2, apresentará a evolução das definições de Guerra Justa, soberania
e não intervenção e, o surgimento de novas gramáticas na contemporaneidade que trazem
implicações a estes conceitos: a Segurança Humana, a Responsabilidade de Proteger, os
Failed States, e de que maneira os processos de securitização podem ocorrer na dinâmica de
intervenção humanitária da política mundial contemporânea. Seguida da parte mais teórica e
conceitual, o trabalho apresentará no capítulo 3 o caso sobre a intervenção humanitária na
República Democrática do Congo (RDC), buscando problematizar a intervenção de
peacekeeping da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo, de sigla
MONUC (UN, 1999), em face da crise humanitária instaurada no país.
O estudo apresenta como aporte teórico os discursos oriundos da Escola de
Copenhague 10, que enfatizam a securitização; e, da Escola Inglesa, que destacam o sistema

7
“Law can be the servant of particular interests rather than an expression of the general will. In these
circumstances, a space opens up between legality and legitimacy.” (WHEELER, 2000, p.3)
8
A condução da política externa da França pelo cardeal Richelieu, chefe do Conseil d‘État durante o reinado de
Louis XIII e um dos arquitetos da ordem de Westphalia, teve como epíteto Raison d‘État, buscando, antes de
tudo, o interesse nacional, em detrimento de quaisquer aspirações universalistas (KENNEDY, 1989;
KISSINGER, 1999).
9
O termo Sociedade Internacional será empregado ao longo do trabalho segundo a distinção de Bull (2002),
onde, na vertente realista-hobbesiana, Sistema Internacional seria a mera coexistência entre Estados; já na
vertente racionalista-grotiana, Sociedade Internacional pressupõe dado ordenamento, que é anárquico;
enquanto no viés revolucionário-kantiano, Sociedade Mundial envolveria o compartilhamento de valores
comuns, caracterizando assim uma comunidade. Segundo Jellinek (1970), a própria existência do DIP tem como
pressuposto a existência de uma sociedade de Estados.
10
A Escola de Copenhague realiza investigações na área de segurança internacional e seus pesquisadores, em
suma, são membros da COPRI (Copenhagen Peace Research Institut). A escola é apontada por Grace Tanno
(2003) como a abordagem atual mais consistente sobre estudos de segurança.
13
11
anárquico e a dinâmica dos “três erres” : Realismo, Racionalismo e Revolucionismo.
Ademais, a pesquisa adota a técnica de procedimento descritiva, a partir dos conceitos
consolidados em nível do sistema ONU sobre a temática, para estabelecer a compreensão
acerca da legitimidade da intervenção humanitária em nível normativo internacional. A
abordagem será dedutiva, uma vez que parte do pressuposto dos critérios de legitimação da
intervenção humanitária para compreender e analisar uma realidade específica e o nível de
legitimidade da missão humanitária estabelecida.
Desse modo, vale ressaltar que a escolha do caso empírico de intervenção na RDC
foi motivada pelos desdobramentos da chamada “Guerra Mundial Africana” (1998-2003),
mortandade e degeneração estatal que perduram hodiernamente, ao tempo que o país está
sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional (ICC) desde 2004 e, é classificado com a
controversa qualificação de Failed State em anos subsequentes12. Já a definição do tema foi
motivada pela inquietação quanto às mudanças atuais nas intervenções militares após a era
bipolar (Iraque, Ruanda, Somália, Bósnia, Kosovo, Darfur, Afeganistão, Líbia, entre outras) e
pelo desafio que Carr (2001) indica ser essencial para as Relações Internacionais, saber
equilibrar realismo e idealismo.

11
Os “três erres” de Wight (2002) são as três óticas nas quais a Escola Inglesa, igualmente denominada
Sociedade Internacional, enxerga os fatos no contexto internacional. Estas três dimensões são compreendidas
como uma tradição de diálogos, no qual as pessoas podem participar sem se afiliarem de forma restrita a
determinada linha, ou seja, buscam fazer a análise teoricamente mais completa, utilizando concomitantemente as
três vertentes, as quais são compostas: (a) pelo Realismo, que tem como expoentes os autores clássicos
Maquiavel e Hobbes, (b) pelo Racionalismo, com base no pensamento de Grotius e, (c) pelo Revolucionismo,
que utiliza as ideias de Kant.
12
A classificação anual realizada pela ONG The Fund for Peace (FFP), o Failed States Index, apresenta a RDC
nas posições de alto e muito alto nível de alerta desde que iniciou seus trabalhos, em 2005.
14
1 A LEGITIMIDADE NAS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS

A agenda de Relações Internacionais sofreu uma substantiva transformação


qualitativa e quantitativa com o término da Guerra Fria (1945-1989 13 ), visto como um
processo, que marcou uma era e cedeu espaço para uma mudança ampla na ordem
14 15
internacional. Qualitativamente, a demarcação entre high politics e low politics foi
borrada (NYE, 2002, 2009 e 2012). Já quantitativamente, temas não necessariamente novos,
como os direitos humanos e o meio ambiente, tiveram sua importância avultada,
incrementando mais tópicos na agenda de Segurança Internacional (SATO, 2000). A
separação entre as políticas doméstica/interna e externa/internacional se tornou mais indistinta.
Conforme Martha Finnemore (2003) destaca, as maneiras e os motivos para intervir
sofrem mutação ao longo do tempo. Conceitos consolidados desde Westphalia (1648) como
soberania e não intervenção sofrem transformações, afetando definições como Guerra Justa,
prevenção, preempção e, ressignificando termos. Destarte, a vertente teórica abrangente de
Segurança Internacional (TANNO, 2003), que engloba a Segurança Humana (PNUD, 1994)
em sua concepção, passa a ser mais observada em discursos e práticas da política
internacional.
Após o término da bipolaridade, modificações tanto na polaridade quanto na
polarização são visualizadas na sociedade internacional 16 pari passo a intensificação do
fenômeno da globalização aumenta o fluxo de capitais, mercadorias e pessoas pelo mundo,

13
As datas de início e término são apresentadas didaticamente, posto que haja discussões se o começo do
conflito se deu ainda em campo de batalha durante a Segunda Guerra Mundial, iniciando em 1943 com a
Conferência de Teerã (a primeira das três conferências que encerraram o conflito – seguida pelas Conferências
de Yalta e Potsdam, ambas em 1945 – que estabeleceram a partilha dos territórios controlados pelo eixo entre os
aliados), enquanto tropas americanas e soviéticas disputavam os despojos da Alemanha nazista, ou, precisamente,
em 12 de março de 1947, data do anuncio da Doutrina Truman e da publicação de suas linhas gerais no artigo de
Kennan (X, 1947; FELDBERG, 2008); e, se o termo pode ser balizado com as primeiras eleições livres e queda
do muro de Berlim (1989) ou o desmembramento de facto da União Soviética (URSS), com os Acordos de
Belaveza (1991), que dissolveram politicamente a URSS em Rússia, Ucrânia e Bielorrússia.
14
A pauta da dita “alta política” era composta essencialmente de assuntos ligados a esfera militar, de defesa e
segurança (no sentido clássico, estrito), e política internacional. Em função da crescente imbricação com estes
assuntos, as questões econômicas também entraram a posteriori nesta agenda.
15
Já os temas considerados de “baixa política”, teriam menor relevância dentre os tópicos do contexto de política
externa e política internacional. Exemplos tidos como diminutos seriam assuntos sobre sociedade, cultura, meio
ambiente, aquecimento global, e direitos humanos.
16
Enquanto polaridade é definida em termos de distribuição de poder, polarização está relacionada com o grau
de atração ou repulsa entre os atores, ou seja, o nível de hostilidade. Ver os debates sobre o “momento unipolar”
Krauthamer (1990), o “fim da história” Fukuyama (1992) e o “choque das civilizações” Huntington (1993),
ilustrando os dissensos sobre que ordem mundial nós vivemos: unipolaridade (POSEN, 2003; WOHLFORTH,
2012; DUARTE, 2013), multipolaridade desequilibrada (MEARSHEIMER, 2007), multipolaridade (LAYNE,
2012; MARTINS, 2013), uni-multipolaridade (TOMÉ, 2003; NYE, 2002, 2009, 2012a e 2012b), tripolaridade
assimétrica (CEPIK, 2011), apolaridade (HAASS, 2008).
15
interligando culturas e criando contradições 17 . Joseph Nye (2009) observa que o “poder
brando” ou soft power 18, termo cunhado pelo autor, ganha espaço frente ao “poder duro” ou
hard power 19 após a revolução tecnológica que a microcomputação causou nas comunicações
globais, impulsionando a globalização e a maior interdependência entre os mercados, as
instituições e os atores.
Ademais, outra dinâmica observada nas últimas décadas, que se tornou mais
veemente no pós-Guerra Fria, é a regionalização, tanto com os processos de integração
regional 20, quanto com a formação dos Complexos Regionais de Segurança (RSC), verificada
por Buzan e Wæver (2003, p. 4):

A ideia central na Teoria dos Complexos Regionais de Segurança (RSCT) é que,


uma vez que a maioria das ameaças viaja mais facilmente em curtas distâncias do
que em longas, a interdependência da segurança é geralmente modelada em
conjuntos de base regional: complexos de segurança. (BUZAN; WÆVER, 2003,
p.4) (tradução nossa)21.

Além disso, outro marco contemporâneo das Relações Internacionais é a “Guerra ao


Terror” declarada pelo governo Bush após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 22,
fato que impactou diretamente nas discussões sobre ingerência internacional, R2P,
securitização e, guerras preventivas e preemptivas 23. Neste contexto, vale ressaltar, atores

17
Ver Ianni (2001; 2006; 2008).
18
O Poder Brando, chamado também de comportamento atrativo, é caracterizado por Nye (2009, pp. 76-77)
como “a capacidade de estabelecer preferências (...) associada com recursos de poder intangíveis como a cultura,
a ideologia e as instituições.” Para ele, “poder é a capacidade de influenciar os outros para chegar aos resultados
que se quer, independente de os próprios recursos serem tangíveis”, ou seja, não necessariamente utilizando o
Poder Duro.
19
O Poder Duro é, para Nye (2009, p. 76) a capacidade de “coagir os outros estados a mudar” de forma direta e
imperiosa, utilizando meios tangíveis de força, como o militar e outros meios materiais como demografia e
recursos naturais. Nye ressalta da correlação existente entre os poderes duro e brando.
20
Ver OCAMPO (2009).
21
“The central idea in RSCT is that, since most threats travel more easily over short distances than over long
ones, security interdependence is normally patterned into regionally based clusters: security complexes.”
(BUZAN; WÆVER, 2003, p.4).
22
Os documentos que compõe o corpus da Doutrina Bush de “Guerra ao Terror” são: o pronunciamento
presidencial de 11 de setembro de 2001; o pronunciamento presidencial de 20 de setembro de 2001; o
pronunciamento presidencial de 07 de outubro de 2001, anunciando a invasão do Afeganistão; o pronunciamento
do “Estado da União” de 29 de janeiro de 2002; o pronunciamento presidencial de 1° de junho de 2002, também
conhecido como o “Pronunciamento de West Point”; e o documento “A Nova Estratégia de Segurança Nacional”
de 2002 (USA, s.d.)
23
Lembrar a diferenciação entre preempção, quando o ataque inimigo é iminente (como foi na Guerra dos Seis
Dias em 1967, onde na iminência do ataque da coligação de países árabes, Israel se antecipou e atacou primeiro)
e, prevenção, quando o inimigo não ensaia claramente um ataque (ao contrário da preempção), mas constitui
uma ameaça potencial à segurança nacional, logo, atacá-lo seria uma questão de autodefesa e, portanto, “legítimo”
segundo a Doutrina Bush (USA, s.d.), porém contrário ao DIP, especificamente o artigo 51 do capítulo VII da
Carta da ONU, no qual “Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou
coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de
Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As
medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente
16
24
internacionais para além do Estado (empresas transnacionais, ONGATs, máfia
internacional, grupos terroristas, entre outros) também são atores globais e podem influenciar,
em certa medida, tanto as políticas doméstica e exterior dos países em que atuam, quanto à
política mundial.
A partir da década de 1990 iniciou uma conjugação mais evidente dos temas de
manutenção da paz e segurança internacional com a pauta de proteção dos direitos humanos
(GHISLENI, 2011) 25. As práticas da chamada “segunda geração” de missões de paz da ONU
(MINGST; KARNS, 2000 apud ABRI, 2011), na década de 1980, criaram ambiente para que,
no pós-Guerra Fria, se vinculasse de maneira crescente a questão da segurança internacional
com violações de direitos humanos perpetradas em âmbito interno do Estado Nacional, ou
seja, temas humanitários domésticos com potencial desestabilizador para a região se
internacionalizaram26, acarretando em uma dinâmica de securitização dos direitos humanos
(BUZAN; WEAVER; WILDE, 1998 apud ABRI, 2011).
Ademais das ações de intervenção, as discussões acadêmicas e em âmbito das
Nações Unidas sobre a ampliação do escopo de segurança levaram ao estabelecimento da
Segurança Humana, conceito que expande as considerações sobre quais podem ser os vetores
de crises potencialmente desestabilizadoras da ordem internacional (PNUD, 1994). Esta
noção dilatada do que é segurança internacional, abarcando a Segurança Humana e, todos os
debates decorrentes desta nova noção expandida tiveram como um de seus desdobramentos a
definição de Responsabilidade de Proteger (R2P).

ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a
presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à
manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.” (BRASIL, 1945). Portanto, guerra de
autodefesa só é permitida em caso de ataque armado iminente ou cometido, ou seja, preempção e não prevenção.
24
Pecequilo (2004) divide didaticamente os atores do meio internacional em três grupos: Estados, Organizações
Internacionais Governamentais ou Organizações Intergovernamentais (OIGs) e, Forças Transnacionais. Já
Seitenfus (2004) traz como atores secundários das Relações Internacionais as Organizações Internacionais (OI) e
os entres privados, dentre os quais as empresas transnacionais, as Organizações Não-Governamentais de Alcance
Transnacional (ONGATs), as igrejas, o crime organizado, a opinião pública e, o indivíduo. Castro (2012)
classifica os atores não-estatais em setores: no segundo setor estão as Grandes Corporações Internacionais
(GCIs), enquanto no terceiro setor se encaixam as redes, a esfera pública não-estatal e as ONGs globais, além de
incluir a pessoa humana como ator individual.
25
Em contraste com o período anterior de Guerra Fria, onde as disputas Leste-Oeste distorciam conflitos e
entravavam o funcionamento do UNSC através dos vetos dos cinco membros permanentes (Estados Unidos,
União Soviética, China, França e Grã-Bretanha). Segundo dados de Fujita (1996), o direito de veto foi usado 279
vezes entre os anos de 1946 a 1990.
26
Vale ressaltar que se trata de abusos maciços e sistemáticos de direitos humanos de um Estado contra sua
própria população, caracterizando desta maneira uma violação grave do Estado no cumprimento de suas
obrigações, de acordo com o artigo 40, parágrafo 2, do projeto de artigo da Comissão de Direito Internacional
das Nações Unidas (ILC, 2012) “a breach of such an obligation in serious if it involves a gross or systematic
failure by the responsible State to fulfil the obligation” ou seja, uma séria violação de tal obrigação implica uma
falência grave ou sistemática pelo Estado responsável em cumprir a obrigação.
17
Por sua vez, a R2P constitui uma norma emergente de direito internacional que
incide diante da incapacidade ou do desinteresse dos Estados em cumprir com sua
responsabilidade primária de proteção dos direitos humanos (ICISS, 2001) e, por conseguinte,
se apresenta imbricada à problemática dos Failed States que, por exercerem uma “má pratica
da soberania” (RODRIGUES, 2012, p.17) contra o seus cidadãos, descumprem com sua
responsabilidade primária. Portanto, os Failed States podem ser considerados vetores de
insegurança, isto é, fontes potenciais de desestabilização da ordem internacional, segundo esta
perspectiva de dispersão da agenda de segurança internacional.
A aplicação da R2P pode se dar através de todos os mecanismos que a ONU detém,
entre não coercitivos e coercitivos. Contudo, segundo o ius ad bellum, normativa do Direito
Internacional Humanitário (DIH) manifesta sobretudo nas Convenções de Haia e na Carta da
27
ONU , o uso dos recursos diplomáticos deve ser esgotado antes de aplicar sanções ou
utilizar o último recurso, a força, ou seja, há uma gradação de medidas a serem respeitadas
antes de haver a intervenção militar.
Portanto, o arcabouço normativo e institucional criado a partir da R2P se constitui
como meio para a ampliação do mantado do Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU). Desta forma, sendo o CSNU o único órgão das Nações Unidas autorizado a utilizar
28
a força (intervindo militarmente) , esta ampliação de seu mandato torna a R2P um
mecanismo potencialmente securitizante, ou seja, o discurso da R2P seria politizado e, então,
securitizado, para que ações extraordinárias passem a ser multilateralmente aceitas como
legítimas, sob a justificativa de manutenção da paz, ordem e segurança internacionais, o que
incorreria na disseminação do uso da intervenção militar de cunho humanitário.

27
Convenções de Haia de 1899 e de 1907, denominadas de Convenção para a Solução Pacífica dos Conflitos
Internacionais, em seu artigo 1 diz que para evitar o tanto quanto possível o uso da força nas relações entre os
Estados, as potências contratantes concordam em empregar todos os seus esforços para assegurar a resolução
pacífica das controvérsias internacionais: “en vue de prévenir autant que possible le recours à la force dans les
rapports entre les États, les Puissances contractantes conviennent d‘employer tous leurs efforts pour assurer le
règlement pacifique des différends internationaux.” ; e, no capítulo I, artigo 2 parágrafo 3 da Carta da ONU
“Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não
sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.” (BRASIL, 1945) e capítulo VI da mesma,
referente a Solução Pacífica de Controvérsias (1945) , os quais explicitam a saída pacífica de contendas
internacionais, via instrumentos como o bons-ofícios, a mediação e a arbitragem, antes de recorrer ao uso da
força.
28
Conforme o capítulo VII da Carta da ONU, especialmente do que tange o artigo 42: “No caso de o Conselho
de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 [medidas sem o emprego de forças armadas]
seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou
terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação
poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou
terrestres dos Membros das Nações Unidas.” (BRASIL, 1945).
18
O conceito de securitização, tal como apresentado por Buzan, Wæver e De Wilde
(1998), define o processo por meio do qual um tema passa a ser compreendido por
um determinado ator – chamado de “ator securitizador” – como um {sic} “ameaça
existencial” a ele próprio [desestabilização da ordem internacional, que afetaria a
coletividade], passando, desse modo, a demandar a adoção de medidas de força
extraordinárias para enfrentá-la. Assim, a securitização aconteceria quando uma
questão que não era tida como um problema de segurança [no sentido clássico ou
restrito] passa a sê-lo, colocando em marcha políticas específicas de combate que
não prescindem dos instrumentos tradicionais de segurança nacional (forças armadas,
forças policiais, agências de inteligência). Para os autores, quando uma questão é
securitizada, a urgência em confrontá-la por meios excepcionais [aplicando o
princípio da seletividade ao invés da norma] faz com que os controles públicos sobre
as ações do Estado diminuam, abrindo espaços de exceção. O conceito tem sido
muito utilizado para estudar a incorporação ao discurso diplomático-militar de
problemas que não faziam parte do rol tradicional das ameaças ao Estado ou à
segurança internacional – como a questão ambiental ou a dos direitos humanos.
(RODRIGUES, 2012, pp. 25-26).

As intervenções militares que têm como base prerrogativas humanitárias, apesar de


não se tratar de um fenômeno inédito 29, passaram a ser recorrentes a partir da última década
do século XX (GHISLENI, 2011). À vista disto, são ressaltadas as bases teóricas dos
conceitos e princípios que constituem o substrato da legitimação contemporânea de
intervenções humanitárias, para então poder analisar do caso da MONUC, a intervenção
humanitária da RDC.
Portanto, é nesse ambiente que vão se desenrolar concomitantemente intervenções
militares de cunho humanitário (esfera factual), e regras para que estas ações sejam levadas a
cabo (esfera normativa). A interface entre o exercício do poder e o discurso político podem
nos revelar discrepâncias do que é e do que deveria ser, um desequilíbrio que Carr (2001, p.
42) alerta ser comprovadamente “perigoso”.

1.1 Do Princípio da Não Intervenção: Guerra Justa e Soberania

O “internacional” e, logo, a Política Internacional, o Direito Internacional Público e,


as Relações Internacionais, passam a ser pensados como relações que se estabelecem entre
Estados 30 , propriamente ditos, a partir da Paz de Westphalia, em 1648. Os Tratados de

29
Como exemplo ilustrativo, no ano de 1860 a França valeu-se da justificativa humanitária para intervir no
Líbano, alegando que este cometia “atrocidades por motivos religiosos” (DELGADO, 2005, p. 62)
30
Primeiramente a relação se estabeleceu entre Estados, posteriormente surge o Estado Soberano, que detém o
poder supremo e independente (JELLINEK, 1970) e, o Estado-Nação, um fenômeno mais recente onde a nação,
ou seja, quando um povo que partilha características em comum forma um Estado (OREND, 2008). Contudo,
apesar das discussões sobre a nomenclatura (se não seria mais adequado o terno interestatal, ao invés de
internacional, cunhado apenas em 1780 por Jeremy Bentham), a partir do estabelecimento da unidade política
estatal até os dias de hoje, o “internacional” é comumente significado da relação entre Estados e, muitas vezes,
envolve outros atores além deste. Os estudos de Relações Internacionais iniciam em Westphalia, apesar de
existirem pensadores do Mundo Antigo, como Tucídides (2001), enquanto a Política Internacional Moderna
19
Westphalia encerram a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) 31 e restabeleceram o equilíbrio
de forças32 no contexto europeu.
A Guerra dos Trinta Anos representa um marco que vai muito além das
conflagrações que opuseram católicos contra protestantes, mesmo por que a França, país
católico do estadista e Cardeal Richelieu, prestou valoroso auxílio aos principados
protestantes a fim de impedir o intento Habsburgo, sendo guiada pela Raison d‘État33, que
passa a ser um novo paradigma da política internacional. Westphalia representa, de facto, o
advento do Estado Moderno, calcado posteriormente no princípio da soberania estatal, e a
partir dele há a emersão, igualmente, do Sistema de Estados Nacionais ou Sistema
Internacional34 e, da diplomacia moderna.

1.1.1 A Guerra Justa

Em meio a esse contexto, em 1625 é publicado o tratado de Hugo Grotius, De Jure


Belli ac Pacis (Do Direito da Guerra e da Paz), que afirma o direito internacional “como
ciência autônoma e sistematizada” (ACCIOLY, 2000, p.9) e defende a igualdade jurídica
entre os Estados, o cumprimento dos tratados e, as causas justas, injustas e duvidosas da
guerra (GROTIUS, 2004). Grotius retoma os preceitos de Guerra Justa, conceito cunhado e
teorizado anteriormente por Santo Agostinho (354-430), inspirado pelas ideias de Cícero (106
a.C.-46 a.C.) e mencionados também nos desenvolvimentos teóricos de Santo Ambrósio
(337/340-397), São Tomás de Aquino (1225-1274), entre outros, ainda que carregados de
moralidade cristã.

passa por transformações sob o signo do equilíbrio de poder no sistema internacional e, o direito internacional já
existente, passa a ser qualificado como público (ACCIOLY, 2000).
31
A Guerra dos Trinta Anos foi um conflito que envolveu a maioria dos monarcas do continente europeu na
época, e, em seu termo, impediu o estabelecimento de uma monarquia universal católica pelos Habsburgos
através do Sacro Império Romano-Germânico. Destarte, o equilíbrio de forças foi restabelecido na Europa, com
o Tratado de Westphalia (1648), até que outra ameaça a este balanço surgisse, como foi o caso das Guerras
Napoleônicas que tiveram o mesmo desfecho com o Tratado de Viena (1814-1815), a restituição do equilíbrio de
forças europeu (KENNEDY, 1989).
32
O termo “equilíbrio de força”, na concepção de Raymond Aron, é preferível em contraste com “equilíbrio de
poder”, tendo em vista que “as forças são mais mensuráveis do que o poder ou a potência” (2002, p.189). Já a
política de equilíbrio ou balance, é exposta por David Hume (1987) no ensaio Of the Balance of Power,
publicado em 1752, onde expõe sua posição favorável a esta política, por considerá-la avessa aos grandes
impérios. “A política de equilíbrio obedece a uma regra de bom-senso e deriva da prudência necessária aos
Estados desejosos de preservar sua independência, de não estar à mercê de outro Estado que disponha de meios
incontrastáveis (...) a mesma política de equilíbrio será considerada moral, ou será pelo menos justificada
historicamente, pelos que temem uma monarquia universal e almejam a sobrevivência dos Estados
independentes; será considerada senão imoral, pelo menos anárquica, pelos que, ao contrário, (...) preferem a
unidade de um império à manutenção de soberanias múltiplas.” (ARON, 2002, p.193).
33
Ver nota de rodapé quatro.
34
Ver nota de rodapé cinco.
20
Antes de expor sobre o princípio da Guerra Justa em si, faz-se necessário abordar o
que é a guerra. À vista disto, a guerra é definida por Clausewitz (2007) como um instrumento
ou ato da política, onde os propósitos a serem atingidos, que constituem a razão inicial para
iniciar a guerra, são políticos, ao passo que os meios dispostos são militares e, levados a cabo
através da força física; esta ideia foi expressa em sua célebre frase: a guerra é meramente a
continuação da política por outros meios35. Ao ter como propósito a imposição da sua vontade
frente ao inimigo, a guerra é nada mais que um duelo entre partes através de um ato de força.
Contrapondo a visão clausewitziana de guerra como continuação da política, John
Keegan afirma que “a guerra abarca muito mais que a política, que é sempre uma expressão
de cultura, com frequência um determinante de formas culturais e, em algumas sociedades, é a
própria cultura.” (1995, p.28). Em sua argumentação sustenta que a guerra indubitavelmente
possui ligações com a política, a economia e a diplomacia, mas revela-se um mundo à parte,
onde os valores e as habilidades requisitados aos guerreiros são distintos dos valores civis e, a
luz da “era dos extremos”36, infere que, sendo a cultura um “fator determinante fundamental
da natureza da guerra” (KEEGAN, 1995, p.400), devemos reaprender os costumes primitivos
de guerrear, sobretudo no que tange às restrições à prática guerreira, para sobreviver a esta
nova era.
Já o pensamento de Sun Tzu, autor de um tratado militar milenar, assevera que a
melhor tática de guerra é subjugar o inimigo sem travar combate, vencer pela estratégia e pelo
domínio dos fatores da doutrina, do tempo, do espaço, do comando e da disciplina. “Um
exército vitorioso ganha antes de ter deflagrado a batalha; um exército fadado à derrota
combate na esperança de ganhar.” (TZU, 2011, p.45). A arte da guerra repousa sobre a
capacidade do comandante de calcular e prever situações. Quando o combate for
imprescindível, deve-se abreviá-lo ao máximo, defini-lo no primeiro combate, pois “nada
exaure mais um reino do que as despesas de guerra” (TZU, 2011, p.29) e, como o príncipe
visa o bom governo, o general deve ter como objetivo a manutenção do seu exército e a
proteção do Estado.
Em vista disto, a guerra pode ser definida basicamente como um conflito armado real
(não apenas latente), intencional e generalizado entre comunidades políticas, ou seja, requer
um compromisso consciente e uma mobilização significativa entre as partes beligerantes
envolvidas (OREND, 2008). A Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford
35
Citação do inglês: “war is merely the continuation of policy by other means” (CLAUSEWITZ, 2007, p.28).
36
Parafraseando o título do livro de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos (1995), é o período em que são
deflagradas a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais e a “era nuclear”, que transforma a noção de guerra total,
visto que a guerra nuclear asseguraria como resultado a destruição mútua (MAD – mutual assured destruction).
21
(OREND, 2008) aponta três tradições dominantes da ética na guerra e na paz: o realismo, o
pacifismo e, a Guerra Justa. Elas se distinguem na posição em que empregam o papel da ética
na guerra e na paz: o realismo vê como objetivo da política de poder a busca dos seus próprios
interesses, que, nesta perspectiva, pode ser feita através da guerra independente de qualquer
noção moral, contrapondo frontalmente a concepção pacifista de que a prática da guerra é um
meio imoral, que deve ser abolida e, que os princípios morais podem ser aplicados nas
relações internacionais. A tradição da Guerra Justa seria um intermediário, que tensiona
conjugar a moralidade nas relações internacionais com a política de poder.
Portanto, a teoria da Guerra Justa propõe que a guerra, em alguns casos, pode ser
moralmente correta, pode ter justificativa moral, ser justa. Esta justiça na maneira de fazer
guerra é alicerçada em critérios que a circunscrevem. Deste modo, são elencadas condições a
serem preenchidas para que uma guerra seja considerada justa, ou seja, apresentam-se
requisitos necessários para justificar o ato da guerra perante os demais atores.
Grotius cria duas categorias para definir uma guerra justa: jus ad bellum, que seria ter
uma causa justa, logo, legítima para ir à guerra (antes de fazê-la); e, jus in bello, a qual
qualificaria a justiça na conduta durante a guerra (ao fazê-la). Conforme relembra Vaz (2006,
p.93):

No quadro agostiniano já era visível uma divisão – que só muito mais tarde foi
teorizada – dos princípios da guerra justa em dois grupos. O primeiro, o ius ad
bellum, relativo ao acerto da decisão a tomar sobre a participação na guerra; o
segundo, o ius in bello, relativo às regras morais que devem imperar na conduta da
guerra.

Hodiernamente, a Teoria da Guerra Justa37, mais do que um princípio do DIP 38, foi
incorporada ao sistema ONU através de sua Carta (sobretudo o artigo 51 do capítulo VII39)

37
Vale ressaltar que os teóricos da Guerra Justa, tanto os clássicos quanto os contemporâneos, além das
disposições do próprio sistema ONU, não são pacifistas, justamente por defenderem a guerra, porém limitando a
sua forma.
38
Lembrando que os princípios se enquadram na terceira ordem de importância dentre as fontes do direito
internacional, segundo o artigo 38 do capítulo II referente ao Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ICJ): “1.
A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá
aplicar; 2. as convenções internacionais sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita
como direito; 4. os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. as decisões judiciais e
as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a
determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59 [Do Estatuto]. 6. A presente
disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.”
39
Conforme disposto no artigo 51 capítulo VII da Carta (1945) “Nada na presente Carta prejudicará o direito
inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das
Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da
paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima
defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a
autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo,
22
das Convenções de Haia (1899, 1907 e 1954) e de Genebra (1949) e seus Protocolos
Adicionais40, do Estatuto de Roma (ICC, 1998) e todos os demais documentos que formam o
arcabouço do Direito Internacional Humanitário (DIH) e, teve seu escopo de proteção ao ser
humano ampliado. A versão contemporânea da Guerra Justa conta com três categorias
temporais que justificam e legitimam formas de guerra: uma antes da guerra, o jus ad bellum;
uma durante a guerra, o jus in bello; e, outra depois da guerra, o jus post bellum. Vale a pena
ressaltar que a guerra justa se dá pela satisfação destes requisitos em sua totalidade.
Para entrar em uma guerra, o jus ad bellum toma como elementos que justificam a
guerra: (1) a causa justa, (2) a intenção correta, (3) a declaração pública por autoridade
apropriada, (4) o último recurso, (5) a probabilidade de êxito e, (6) a proporcionalidade
(OREND, 2008). A justiça ao ir à guerra é, dentre as três categorias temporais que definem
uma guerra justa, a mais importante delas, por preceder as demais e ser fundamental para
guia-las. Suas prerrogativas são endereçadas especialmente aos líderes políticos, que são os
responsáveis de declarar a guerra e mobilizar as forças armadas ao conflito.
(1) a causa justa é a legítima defesa, que pode ser tanto a defesa própria e individual
quanto a defesa coletiva41. Em caso de preempção, ou seja, quando o ataque é iminente42, ir à
guerra constituiria também um caso de legítima defesa. Destarte, atos de legítima defesa
ocorrem quando há agressão, por meio da força, que viole os direitos básicos do Estado ou da
população. O DIP aponta uma série de direitos que os Estados detêm43, contudo a violação de
direitos básicos dos Estados existe quando a agressão é direcionada a elementos constitutivos

a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.


(BRASIL, 1945) (grifo nosso), a guerra de autodefesa é legítima, legal, justa.
40
As Convenções de Haia de 1899 sobre resolução pacífica de controvérsias, leis e costumes da guerra terrestre,
adaptação aos princípios da Convenção de Genebra de 1864 à guerra marítima, proibição ao lançamento de
projéteis e explosivos de balões, uso de projéteis cujo objetivo é a difusão de gases asfixiantes ou deletérios,
utilização de balas que se expandem ou se achatam facilmente no corpo humano; as Convenções de Haia de
1907 sobre solução pacífica de conflitos internacionais, limitação do emprego da força para cobrança de dívidas
contratuais, abertura das hostilidades, leis e costumes da guerra terrestre, direitos e deveres das potências neutras
e pessoas em caso de guerras terrestres, estatuto dos navios mercantes inimigos no início das hostilidades,
conversão de navios mercantes em navios de guerra, colocação de minas submarinas automáticas de contato,
bombardeio por forças navais em tempo de guerra, adaptação dos princípios da Convenção de Genebra à guerra
marítima, restrições relativas ao exercício do direito de captura em guerra naval, direitos e deveres das potências
neutras em guerra naval; e, a Convenção de Haia para a Proteção de Propriedade Cultural em Caso de Conflito
Armado de 1954. Já as Convenções de Genebra, juntamente com seus Protocolos Adicionais, formam um
conjunto de quatro tratados de DIH, sendo que o primeiro traz disposições para melhorar a situação dos feridos e
dos enfermos nas forças armadas em campanha; o segundo trata sobre as disposições para melhorar a situação
dos feridos e enfermos e dos náufragos nas forças armadas no mar; o terceiro é relativo ao tratamento de
prisioneiros de guerra; e, o quarto é quanto à proteção das pessoas civis em tempo de guerra.
41
O direito à legítima defesa está expresso no artigo 51, capítulo VII da Carta da ONU, exibido na nota 38.
42
Ver nota de rodapé dezenove, sobre a distinção entre preempção e prevenção.
43
Como exemplos, podemos citar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (VCDR, 1961) e, a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (VCLT, 1969). Ver nota 37 sobre as fontes do direito
internacional.
23
do mesmo, como quando estes são privados de sua soberania política, têm sua integridade
territorial violada ou sua população é vitimada. O DIP indica, igualmente, uma soma de
direitos aos indivíduos 44 , mas o direito primeiro dos indivíduos dá-se na constituição do
Estado, que é o direito a proteção por este de seus cidadãos. A responsabilidade de proteger
primária é dever do Estado. Governos que agridem maciçamente sua própria população
podem ser considerados ilegítimos, pois rompem com sua função básica de proteção. Deste
modo, quando governos que não cumprem com a sua responsabilidade primária de proteção,
esta responsabilidade recai sobre a comunidade internacional, que detêm o dever de intervir
para evitar que sejam cometidos crimes45.
(2) a intenção correta de recorrer à guerra por sua causa justa, esta deve ser a sua
motivação. Fazer guerra por outras intenções ligadas a interesses territoriais ou por qualquer
outra razão além da causa justa não é caracterizado como moralmente certo.
(3) a declaração pública por autoridade apropriada da decisão de entrar em
guerra, seguindo um processo próprio que, via de regra, está especificado na Constituição de
cada país. Este processo próprio envolve também, em sociedades democráticas, o elemento de
anuência da sociedade civil, indicando consenso interno. No caso brasileiro, por exemplo, em
conformidade com o artigo 49 inciso II da Constituição Federal (BRASIL, 1988), é
competência exclusiva do Congresso Nacional “autorizar o Presidente da República a declarar
guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou
nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar”.
(4) entrar em guerra como último recurso, apenas quando todas as alternativas
plausíveis de resolução pacífica do conflito forem exauridas, especialmente a negociação pela
via diplomática, objetivando ter certeza de não haver modo pacífico de solucionar o conflito,
visto que uma guerra gera grandes consequências a todas as esferas da sociedade. Os conflitos
internacionais podem ser resolvidos de maneira pacífica através de três modos: meios
diplomáticos, meios jurisdicionais e, meios políticos. Os meios diplomáticos incluem:
negociações diretas, sistemas consultivos, bons ofícios, mediações, congressos e conferências;
os meios jurisdicionais são: conciliação, comissões de inquérito, arbitragem, soluções
judiciais e recorrer a ICJ; enquanto os meios políticos referem-se a soluções dadas por

44
A título de ilustração o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR, 1966) e, o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ICESCR, 1966).
45
Crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional, são definidos no artigo 5º inciso I do Estatuto de
Roma e aclarados nos artigos 6º, 7º e 8º do mesmo. São eles: o crime de genocídio, crimes contra a humanidade,
crimes de guerra e crime de agressão (ICC, 1998).
24
organizações internacionais, seja no sistema internacional, como a ONU, ou no sistema
regional, como a OEA (MAGALHÃES, 2005).
(5) que a ação tenha probabilidade de êxito, que a resistência a agressão através de
contra-ataque seja efetiva e impacte na situação bloqueando a violência;
(6) deve haver proporcionalidade dos bens aspirados, isto é, os benefícios visados,
tal como a garantia da causa justa, como a proteção de civis, e a legítima resistência a
agressão, devem sobrelevar-se sobre os custos da guerra.

O segundo passo, após a declaração da guerra legítima, respeitando o jus ad bellum,


se torna imperativo levá-la a cabo de maneira igualmente legítima, isto é, conduzir a batalha
de forma justa, respeitando os princípios do jus in bello. O jus in bello se resume na
necessidade do Estado de preservar os direitos humanos mesmo estando em guerra. Portanto,
este dever é interno, para com os seus cidadãos, e externo, para com os estrangeiros. Logo, o
estado de guerra não pode levar a uma legislação de emergência que viole os direitos básicos
do indivíduo, tendo como justificativa a excepcionalidade das circunstâncias 46 . Os meios
considerados justos para conduzir a guerra são: (1) utilização dos meios apropriados, (2)
proteção de civis, (3) proporcionalidade, (4) benevolência para com os prisioneiros de guerra,
(5) nenhum meio mala in se (6) sem represálias (OREND, 2008). Se o jus ad bellum é
dirigido especialmente aos líderes políticos, o jus in bello é encaminhado às forças armadas,
sobretudo aos comandantes e oficiais militares.
(1) a utilização de meios apropriados se dá através do uso de armamento
convencional, obedecendo às leis internacionais de proibições de armas, sem usar armas de
destruição massiva (químicas, biológicas ou nucleares).
(2) a proteção de civis, dando imunidades aos não combatentes e discriminando-os
dos militares. Soldados só têm direito a utilizar as suas armas para atingir aqueles que
combatem. Assim, quando mirarem, os soldados devem discriminar entre a população civil, o
que é moralmente imune ao ataque direto e intencional, e o militar combatente. Cabe
diferenciar uma ação que envolve o risco de haver algumas vítimas civis colaterais e quando
objetivo é acertar deliberadamente alvos civis.
(3) deve haver proporcionalidade no uso da força, ou seja, atacar de maneira que o
número de vítimas decorrentes do conflito seja o menor possível, tendo em vista que a guerra
foi o último recurso adotado e não consiste em um fim em si mesmo. O uso de armamento
46
Esse ponto é sensível no que tange a securitização, que se dá através de discursos (speech acts) onde urge
uma necessidade de tomar medidas extraordinárias em prol da segurança (BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998).
25
nuclear seria um exemplo claro de desproporcionalidade e de utilização de meios
inapropriados.
(4) ter benevolência para com os prisioneiros de guerra, tratar os prisioneiros de
guerra conforme as regras das Convenções de Genebra (1949). Se um combatente inimigo se
rende em batalha, deixa de ser uma ameaça e merece ser tratado de forma digna, mantido
longe da zona de guerra até o fim dos combates e trocados com o inimigo pelos seus
combatentes aprisionados ao final da guerra.
(5) não utilizar nenhum meio mala in se, ou seja, nenhum método de combate “mal
em si”. Estes incluem: campanhas de estupros em massa, ao empregar a violação como arma
de guerra, um ato que subjuga o indivíduo e rompe com o princípio da dignidade da pessoa
humana; genocídio e limpeza étnica, crimes condenados pelo Estatuto de Roma (ICC, 1998);
usar veneno ou a traição (como disfarçar soldados para se parecer com a Cruz Vermelha);
forçar soldados capturados a lutar contra seu próprio lado; e, usar armas cujos efeitos não
podem ser controlados, como agentes biológicos, por exemplo.
(6) sem represálias ao inimigo. Ilustrando, quando o inimigo viola jus in bello em
guerra não dá o direito de resposta nos mesmos termos, ou seja, violando igualmente o jus in
bello, visando castigar o oponente e esperando que isso o faça obedecer às regras. Revidar
desta maneira é imoral, não é um meio justo de alcançar os propósitos da guerra e, ao invés de
mitigar o conflito, produz uma escalada de tensões e faz com que a destruição gerada pela
guerra se torne cada vez mais indiscriminada.

Por fim, o jus post bellum reitera a maneira justa de dar o desfecho na guerra.
Destina-se a regular os termos do fim da contenda e facilitar a transição da guerra para a paz47.
A responsabilidade das partes na justiça após a guerra é vista: (1) na proporcionalidade e
publicidade, (2) nas reivindicações, (3) na discriminação, (4) na punição, (5) nas
compensações, (6) e, na reconstrução (OREND, 2008).
(1) na proporcionalidade e publicidade, fazer com que o acordo de paz seja
razoável e de acordo com o que é publicitado. Não deve ser buscada a vingança em

47
A paz é tida como a ausência de guerra. Hedley Bull argumenta que um dos objetivos elementares da
sociedade internacional, o terceiro entre quatro, é a manutenção da paz, e que “manter a paz no sentido de que a
ausência da guerra entre os estados membros da sociedade internacional seja a situação normal do seu
relacionamento, rompida apenas em circunstâncias especiais, segundo princípios geralmente aceitos.” (2002,
p.24). Porém, esta finalidade, bem como a última meta de limitação da violência, cumprimento dos acordos e
estabilidade das posses, estão subordinada aos objetivos que as antecedem, que são: a preservação do próprio
sistema internacional e, a manutenção da soberania externa de seus membros.
26
reparações desmedidas através do acordo de paz ou a rendição incondicional do oponente, e
sim lançar bases para que novos conflitos não venham a ocorrer.
(2) nas reivindicações, o acordo justo deve buscar o reestabelecimento dos direitos
básicos, os quais foram violados e desencadearam uma ação de resistência legítima à agressão.
Estes direitos básicos devem ser assegurados e reestabelecidos, proporcionando uma melhoria
para a sociedade do status anterior, de desrespeito e violação, ao status atual, sem
comprometer a reconstrução da paz com ações revanchistas.
(3) na discriminação entre lideranças, soldados e civis da parte derrotada durante as
negociações. Cada um teve um peso diferente nos fatos acometidos e não se pode julgar de
mesmo modo quem deu a ordem, de uma posição mandatória, de quem a cumpriu, de uma
posição subserviente, porém racional. Já a população civil dispõe de direito à imunidade
razoável a medidas punitivas no pós-guerra. A punição justa deve ser imputada aos que mais
tiveram responsabilidade, e não indiscriminadamente.
(4) na punição, agressores flagrantes de direitos devem ter punição infligida
proporcional aos seus atos em particular. Líderes e soldados, de ambos os lados, devem ser
investigados e, se comprovado que violações aos direitos foram cometidas, devem ser
julgados em tribunais internacionais por crimes de guerra.
(5) as compensações no pós-guerra devem pautar-se, igualmente, pela
proporcionalidade e pela discriminação. A cobrança de indenizações razoáveis permite que
haja uma transição à paz, de fato, e um reestabelecimento da ordem interna. Restituições que
recaem apenas sobre a população civil, como a fixação de um imposto específico para
reparações, são inadmissíveis e impedem a reconstrução da parte derrotada. Um exemplo
histórico típico de acordo de paz demasiado austero que plantou a discórdia e gerou sede de
vingança pela parte derrotada foi o Tratado de Versailles (1919) que deu fechamento à
Primeira Guerra Mundial e levou ao encaminhamento da Segunda Guerra Mundial.
(6) promover a reconstrução do local das conflagrações, por meio de políticas de
nationbuilding (construção nacional), peacebuilding (construção da paz), peacemaking
(promoção da paz) e peacekeeping (manutenção da paz). O momento após as conflagrações
permite realizar reformas mais amplas nas instituições do regime agressor, que visem a
ampliação de direitos para a população civil, lembrando que o Estado, além do exercício do
poder, possui uma função social (JELLINEK, 1970).

27
Portanto, a Teoria da Guerra Justa apresenta diretrizes a serem seguidas pelos
decision-makers que limitam a conduta de guerra em suas três fases (jus in bellum, jus ad
bello e jus post bellum) nos mostra como uma guerra pode ser legitimada. Seu objetivo é fazer
com que as guerras sejam travadas de maneira responsiva, por razões verdadeiramente
defensáveis, conjugando o elemento moral a sua prática e tornando-a um meio justo de agir
contra agressões que desestabilizem a ordem internacional.
Adotar os princípios da Guerra Justa é, sobretudo, um ato de moralidade autônoma,
visto que a sociedade internacional é anárquica e, desta forma constitui um poder não
dominante, caracterizado pela possibilidade de dar ordens, mas pela inexequibilidade de
forçar seu cumprimento, por ser limitado pela vontade de seus membros, por ser um poder
disciplinário (não autoritário) e, por haver a opção de saída (JELLINEK, 1970). Além disto, a
própria guerra constitui uma característica fundamental permanente do sistema internacional48
(WIGHT, 2002). A autonomia da razão se consubstancia na auto-obrigatoriedade do Estado
para com as suas leis, ou seja, denota um caráter jurídico de obrigação que o Estado impõe a
si próprio. Desta maneira, só é plenamente moral a ação na qual nós nos sentimos obrigados,
por nós mesmos.
Portanto, apesar de inexistir uma supranacionalidade que force a obediência ao DIP,
o fato de estas normas serem criadas pelos membros da sociedade internacional faz com que
haja um elemento moral de cumprimento das mesmas. A submissão às normas do DIP não é
de ordem jurídica, e sim fruto da própria vontade do Estado, que assume estas obrigações
pelas garantias referentes às relações mútuas entre os demais membros da sociedade
internacional.
Podemos fazer uma comparação transpondo a teoria de Hesse (1991) sobre a força
normativa da Constituição, no plano nacional, para o plano internacional. Segundo o autor, a
essência da norma constitucional está na sua vigência, isto é, na medida em que logra realizar
sua pretensão de eficácia. A Constituição real (expressão das relações de poder) e a
Constituição jurídica (folha de papel) possuem uma relação de coordenação, se condicionando
mutuamente, onde a Constituição busca imprimir ordem e conformação à realidade política e
social. Do mesmo modo, a força normativa do Direito Internacional está na sua efetividade e
na sua prática na sociedade internacional.
A ordem constituída, seja nacional ou internacional, está em constante processo de
legitimação através da interpretação construtiva das normas e da estabilidade da ordem. Nesta

48
Ver na sequência a nota de rodapé cinquenta.
28
dinâmica, deve-se buscar uma coordenação entre os fatores reais de poder que, no plano
internacional seriam os traços fundamentais e permanentes do sistema: potências, potências
dominantes, grandes potências, revoluções internacionais, anarquia internacional, equilíbrio
de poder, guerra e intervenções (WIGHT, 2002); com o Direito Internacional, que tem como
uma das principais fontes as convenções ou tratados internacionais (folha de papel). Como há
uma vontade da Constituição no âmbito interno, na concepção de Hesse (1991), há uma
vontade do Direito Internacional de concretizar suas normas, e esta é a força ativa, na medida
em que ele é produto dos seus próprios membros.
A soberania estatal, advinda em Westphalia, se relaciona intimamente com a Teoria
da Guerra Justa, ao propor que um Estado soberano externamente, além de ter igualdade
jurídica perante os seus pares, possui soberania sobre os assuntos domésticos de seu país, logo,
não possui o direito de intervir na política interna de outro Estado; e, internamente possui um
governo legítimo. Deste modo, é decorrente da soberania estatal e, a posteriori, do princípio
de autodeterminação dos povos a noção de não intervenção. Por conseguinte, o “direito” de
intervir é legitimado quando se faz uma Guerra Justa, preenchendo os requisitos supracitados.

1.1.2 O Estado Soberano

Retornando ao contexto histórico posterior a Guerra dos Trinta Anos, outra grande
obra surge como referência, publicada no ano de 1651, intitulada O Leviatã, tem autoria de
Thomas Hobbes (1588-1679). Esta obra relata a distinção entre as dimensões interna e externa
do Estado, ilustrando, na figura do grande leviatã, a soberania existente no plano interno
firmada após os indivíduos que antes se encontravam soltos em um estado de natureza (estado
de guerra de todos contra todos) acordar um pacto; e, a anarquia verificada no plano externo,
resultante da inexistência de uma autoridade capaz de impor um poder coercitivo sobre os
demais Estados. Em contraposição ao holandês Grotius, que vivenciou apenas a Guerra dos
Trinta Anos no continente europeu, Hobbes é fruto da realidade cruenta de uma Inglaterra
marcada pelo conflito, primeiro a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), então a Guerra das
Duas Rosas (1455-1485), a derrota da Invencível Armada (1588), e depois por quase um
século de revoluções (1603-1689).
O realismo político de Hobbes traz certo pessimismo de análise à esfera normativa, e
ressalta a realidade em detrimento do que deveria ser. Desta concepção hobbesiana, fonte de

29
uma das tradições da teoria da Escola Inglesa 49, provém uma das definições de soberania. O
conceito deste poder originário da ordem westfaliana, bem como o princípio da Guerra Justa,
servirá de escopo teórico para as discussões contemporâneas de intervenção humanitária
envolvendo elementos de falência estatal, securitização e R2P.
A título de definição base, o Estado pode ser visto como um povo, ou seja, uma
unidade de pessoas, submetido a uma autoridade comum em um determinado território.
Segundo Aristóteles, a característica que distingue o Estado das demais comunidades
humanas é a autarquia. O poder do Estado é a capacidade de organizar-se autonomamente e é
um poder originário, que procede de si mesmo e segundo o seu próprio direito, ou seja, não
deriva de nenhum outro poder (JELLINEK, 1970).
Segundo Dallari (1998) há três pontos de vista fundamentais que explicam o
aparecimento do Estado: o primeiro afirma que o Estado, bem como a sociedade, sempre
existiu; o segundo estabelece que o Estado origina-se para servir a interesses de grupos sociais
pré-existentes; já o terceiro, embasado no pensamento de Carl Schmidt, declara que “o
conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos, mas é um conceito
histórico concreto, que surge quando nascem a idéia {sic} e a prática da soberania, o que só
ocorreu no século XVII.” (DALLARI, 1989, p. 22). Assim, adotando esta última vertente de
pensamento, toma-se a Paz de Westphalia (1648) como um marco temporal que dissocia
didaticamente a organização sócio-política existente na Era Medieval do Estado de facto da
Era Moderna.
Segundo Hermann, “[o]s termos soberania e Estado teriam surgido juntos, o
primeiro para qualificar o último como sujeito único e exclusivo das relações de poder.”
(2011, p. 31). Na mesma linha, Jellinek expõe que “o Estado nasce com a existência efetiva
de um território sobre o qual exerce um poder de dominação.” (1970, p.302) (tradução nossa)
50
, sendo que o poder de dominante se caracteriza por ser autoritário, irresistível, depositário
exclusivo do poder de dominação, além de ser uma categoria histórica que, para conservar a
ordem pode usar a repressão, a coação e outros mecanismos de força. Contudo, o autor afirma
a existência de uma categoria de Estados não soberanos e os diferencia dos Estados soberanos
por serem juridicamente dependentes, possuindo atividades independentes e poder de direito
sobre estas, mas sendo limitado pelo direito das comunidades superiores a ele, não podendo
estender suas competências através de sua própria legislação.

49
Ver nota sete sobre os “três erres” de Wight.
50
Do original em espanhol: “el Estado nace con la existencia efectiva de un territorio sobre el cual ejerce un
poder de dominación.‖ (1970, p.302)
30
Ainda, na concepção de Max Weber (1864-1920), “o Estado não pode ser definido
em termos de seus fins [...] só podemos definir o Estado moderno sociologicamente em
termos dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares a toda associação política, ou
seja, o uso da força física.” (WEBER, 1999, p. 55). Portanto, o Estado é o detentor do
“monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território” (grifo do
autor) (WEBER, 1999, p. 56), e tem como atributo de direito o uso da força para coerção
interna, exercendo a autoridade sobre a população e, para a coerção externa, impedindo que
outros Estados se imiscuíam em sua esfera de poder.
Sendo assim, expropriando a si próprio os meios de violência, o Estado exerce
legitimamente a coerção interna a partir de três formas: a dominação tradicional, a dominação
carismática e, a dominação racional-legal. Estes três tipos puros de dominação têm como base,
respectivamente: o reconhecimento remoto do patriarca e do príncipe patrimonial em adição
ao conformismo (domínio tradicional); atributos excepcionais ligados ao indivíduo na posição
de líder (domínio carismático); e, a competência no cumprimento das normas e obrigações
constituídas racionalmente (domínio legal) (WEBER, 1999).
Já externamente, o Estado não encontra um poder absoluto, visto que ao ser
constatada a ausência de uma autoridade supranacional podemos inferir que a Sociedade
Internacional é anárquica (BULL, 2002). Contudo, a anarquia não significa o caos, pois a
ordem é estabelecida originalmente através de uma regra fundamental que cria a própria
Sociedade Internacional: o mútuo reconhecimento da soberania de seus atores, um ato
individual de vontade própria de cada Estado, que envolve qualificações materiais e
intersubjetivas51 e gera o reconhecimento de um Estado Soberano como legítimo diante de
seus pares.
Diante do direito internacional, os Estados possuem igualdade jurídica. Entretanto,
há uma distribuição assimétrica de poder entre os atores internacionais. A vista disto faz-se
imprescindível manter uma ordem internacional baseada em regras legítimas, uma vez que
arranjos construídos de forma consensual geram mais estabilidade para o sistema. Conforme
ressalta Kissinger:

„Legitimidade‟ (...) significa nada mais do que um acordo internacional sobre o


futuro dos arranjos viáveis e sobre os objetivos e métodos admissíveis da política
externa. Isso implica a aceitação das estruturas da ordem internacional por todas as
grandes potências, pelo menos na medida em que nenhum Estado esteja tão

51
Uma das qualificações materiais seria o controle efetivo sobre um determinado território (efective control
doctrine), enquanto a intersubjetividade estaria no julgamento coletivo, na convergência de percepções e valores
dos major actors.
31
insatisfeito que (...) expresse esta insatisfação em uma política externa
revolucionária. Uma ordem legítima não faz de conflitos impossíveis, mas limita seu
alcance. (tradução nossa)52

Além da regra basilar de reconhecimento internacional das soberanias, a ordem


internacional é constituída por outros traços permanentes e duradouros que fixam o arranjo da
sociedade internacional 53 (WIGHT, 2002). Após a aquisição do reconhecimento da soberania,
buscam-se os meios de legitimação do que qualifica esta soberania54, para que se preserve a
sobrevivência e a segurança do Estado.
A autoridade do Estado internamente é regida pelo poder soberano que governa este
Estado com base na lei, imposta através do monopólio legítimo da força pelo(s) governante(s),
ou seja, há um poder de direito posto. O poder do Estado se manifesta em seu território, onde
este exerce seu imperium. Logo, a população e o território são os elementos de associação do
Estado e objetos de ação deste (JELLINEK, 1970).
Além das fronteiras do Estado não existe autoridade capaz de fazer cumprir o direito
internacional a todos os membros da sociedade de Estados. Logo, considerando que, apesar de
existir uma igualdade jurídica entre os Estados, há uma enorme assimetria entre as
capacidades militares, econômicas e políticas dos Estados, inexiste enforcement na sociedade
internacional além da própria capacidade do Estado de coerção externa. Consequentemente,
há uma dualidade intrínseca ao conceito de soberania quando comparamos as esferas nacional
e internacional. O Dicionário de Política traz a seguinte definição de soberania, concebida por
Nicola Matteucci e Norberto Bobbio (1992, p. 1179), onde podemos vislumbrar o caráter
dual:

Em sentido lato, o conceito político-jurídico de soberania indica o poder de mando


de última instância numa sociedade política e, consequentemente, a diferença entre
poder supremo, exclusivo e não derivado. Este conceito está, pois, intimamente
ligado ao de poder político: de fato, a soberania pretende ser a racionalização
jurídica do poder, no sentido de transformação da força em poder legítimo, do poder
de fato em poder de direito.

A dualidade se dá, pois, no plano doméstico, o conceito de soberania adquire força


de lei ao representar o monopólio legítimo da agressão física e, sendo legítimo, constitui um

52
Do original em inglês:‗Legitimacy‘ (...) means no more than an international agreement about the future of
workable arrangements and about the permissible aims and methods of foreign policy. It implies the acceptance
of the frameworks of the international order by all major powers, at least to the extent that no state is so
dissatisfied that (…) it expresses its dissatisfaction in a revolutionary foreign policy. A legitimate order does not
make conflicts impossible, but it limits their scope. (KISSINGER, 1964, p.1)
53
Estes traços fundamentais são: potências, potências dominantes, grandes potências, revoluções internacionais,
anarquia internacional, equilíbrio de poder, guerra e intervenções.
54
Busca por capacidades militares, econômicas, políticas e sociais, influência externa, coesão interna.
32
mando justo. Entretanto, no plano externo, o monopólio da força não é racionalizado
juridicamente, apesar do direito internacional vincular os Estados e propor um ordenamento à
sociedade internacional. Portanto, é na segunda dimensão que a problemática do uso da força
nas relações internacionais se instaura.
Conforme Alexandre Kotzias Peixoto esclarece:

O mundo é composto por Estados soberanos, que não reconhecem autoridade


superior; o processo legislativo de solução de contendas e de aplicação da lei
concentra-se nas mãos dos Estados individualmente; o Direito Internacional volta-se
para o estabelecimento de regras mínimas de coexistência; a responsabilidade sobre
atos cometidos no interior das fronteiras é assunto privado do Estado envolvido;
todos os Estados são vistos como iguais perante a lei e regras jurídicas não levam
em consideração assimetrias de poder; as diferenças entre os Estados são, em última
instância, resolvidas à força; a minimização dos impedimentos à liberdade do Estado
é preioridade {sic} coletiva. (PEIXOTO APUD BIERRENBACH, 2011, p. 28).

Destarte, uma das definições de soberania consiste no poder supremo do Estado


sobre os elementos que o constituem: população permanente, território determinado, governo
e capacidade de entrar em relações com os demais Estados (CONVENÇÃO DE
MONTEVIDÉO, 1933, art.1). Esta concepção abarca tanto os aspectos internos, como possuir
governança do corpus político, quanto externos, como reconhecer e ser reconhecido por seus
pares para então estar apto a relacionarem-se em âmbito internacional seguindo as normas
existentes, e estes dois espectros interno/externo se tencionam no ponto sensível da
legitimação da soberania.
Jean Bodin (1530-1596) em sua obra Les Six Livres de la République (Os Seis Livros
da República), de 1576, marco inicial das conceptualizações sobre soberania, nos traz a ideia
de um poder absoluto e perpétuo de uma República, que não exige o consentimento dos
súditos, mas não é arbitrário, logo que é limitado pelo jus naturalismo e pelas leis divinas.
Para Bodin, um Estado representa todo o domínio sobre uma pluralidade de famílias, dotado
de um poder soberano, ou seja, revestido de um poder supremo e independente no interior e
no exterior.
Considerando a soberania como o poder do Estado, Bodin elenca oito características
da soberania, que são oito direitos que o Estado soberano detém: legislar, nomear altos
dignitários, sobre a paz e a guerra, direito supremo de justiça, a fidelidade e a obediência,
direitos de graça, da moeda e de fixar impostos. Por conseguinte, a natureza da soberania em

33
Bodin tem uma concepção negativa em si, por se tratar de um “poder absoluto livre de toda lei
sobre cidadãos e súditos” (JELLINEK, 1970, p.340-341) (tradução nossa) 55.
Entrementes, na acepção de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que no curso dos
movimentos que culminaram na Revolução Francesa (1789) publicou em seu livro Du
Contrat Social ou Principes du Droit Politique (Do Contrato Social), a noção de que a
soberania provém do corpus político, ou seja, da soberania popular, ao contrário da noção de
Bodin, é consentida. Para Rousseau, a soberania possui duas características: ser indivisível e
inalienável, visto que representa a vontade geral; e, deste modo, a legitimação da soberania
interna de um Estado descende desta vontade geral, sendo sustentada pelo interesse comum.

Assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus
membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus,
e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o nome
de soberania. (ROUSSEAU, 1987, p.48).

Tanto em Rousseau quanto em Hobbes, a natureza da soberania ganha uma


concepção positiva por admitirem que a fonte do poder soberano derivasse do indivíduo, mais
especificamente da soma dos indivíduos reunidos em associação. Para Hobbes, a soberania
popular é o fundamento originário do Estado e da Constituição e se dá através do contrato
social, onde o povo acorda um contrato bilateral com o(s) governante(s) e outro contrato entre
os seus membros.

O Povo cede ao rei todo o poder mediante precário, poder que pode ser recuperado a
qualquer momento. O povo delega no rei uma parte de seu poder, mas reserva o
restante para exercê-lo por si só. O povo pode despojar-se de seu poder; o poder do
povo é inalienável. (JELLINEK, 1970, p.344) (tradução nossa) 56.

Sendo a soberania a capacidade de determinar-se de modo autônomo juridicamente,


seu aspecto negativo, como já apresentado, será a impossibilidade de limitar juridicamente
através de um poder externo a própria vontade; enquanto o aspecto positivo da soberania recai
sobre a capacidade exclusiva do poder do Estado, em virtude de sua vontade soberana, de dar-
se um conteúdo que a obrigue e, de determinar a sua própria ordem jurídica. Essa vontade
soberana nada mais é do que a vontade comum, que é formada pelo indivíduo. De acordo com
Rousseau, o indivíduo é tanto sujeito de direito quanto objeto de dever e, em função disto,
possui uma dupla qualidade: de citoyen que participa da formação da volonté general (que é

55
Do original em espanhol: “poder absoluto libre de toda ley sobre ciudadanos y súbditos” (JELLINEK, 1970,
p.340-341).
56
Do original em espanhol: ―El Pueblo cede al rey todo el poder a título de precario, poder que en toda ocasión
puede recobrar. El pueblo delega en el rey una parte de su poder, pero reserva el resto para ejercitarlo por si
mismo. El pueblo puede despojarse de su poder; el poder del pueblo es inalienable.‖ (JELLINEK, 1970, p.344)
34
do poder legislativo, segundo Montesquieu); e, de sujet que é submetido a esta vontade
geral/comum. Já nas relações internacionais, o Estado, bem como o indivíduo na esfera
doméstica, é tanto sujeito de direito quanto objeto de dever, para com os demais Estados e
seus cidadãos.
Ademais, a doutrina da indivisibilidade do poder do Estado afirma que o fundamento
da concepção jurídica do Estado encontra-se no reconhecimento deste como uma unidade.
Logo, a personalidade internacional do Estado é individual, algo indivisível por natureza.
Apesar da difundida doutrina da tripartição de poderes do Estado de Montesquieu, em que o
Estado é apresentado com três poderes independentes, o executivo, o legislativo e o judiciário,
que são iguais entre si, se equilibram mutuamente e mantém pontos de contato entre si, na
verdade, há uma divisão de competências, jamais de poderes. “A soberania é uma propriedade
que não é suscetível nem a aumento e nem a diminuição (...) porque não há nenhuma
soberania dividida, fragmentária, diminuída, limitada, relativa.” (JELLINEK, 1970, p.373)
(tradução nossa) 57.
Retomando a questão da dualidade intrínseca ao conceito de soberania, verificamos
que o monopólio de força no contexto internacional não é racionalizado juridicamente,
justamente pela força não ser monopolizada. Cada Estado possui as suas forças, que são
forças assimétricas e agem de acordo com os seus interesses no limiar do Direito
Internacional. Conforme Gelson Fonseca Jr. (1998, p.159) observa:

[A questão da legitimidade no plano externo evidencia] uma delicada e complexa


equação entre valores e poder, certamente diferente da que ocorre no plano interno,
onde a adesão ao regime se confunde com a aceitação do poder do Estado e
legitimidade e hegemonia andam juntas. Nas relações internacionais, como o poder
está sempre disperso, é estruturalmente fragmentado, cada Estado é, em princípio,
uma fonte teórica de propostas legítimas.

Se no plano interno a soberania é atribuída a partir do povo, que é a fonte de


legitimidade do Estado, no plano externo, a soberania é dada através do reconhecimento dos
Estados por seus congêneres, onde a procedência da legitimidade internacional advém do
conjunto dos membros da sociedade internacional. Esta ação coletiva da sociedade
internacional em acolher um Estado como membro é um exemplo de atuação da vontade geral,
que é a fonte da legitimidade internacional, como a vontade geral do povo é a fonte de
legitimidade interna de um Estado. Esta legitimação internacional, que é sempre multilateral,

57
Do original em espanhol: “La soberania es una propiedad que no es susceptible ni de aumento ni de
disminución (…) por qué no hay ninguna soberanía dividida, fragmentaria, disminuída, limitada, relativa.‖
(JELLINEK, 1970, p.373).
35
“cria balizas e constrangimentos mesmo para os que têm poder” (TESÓN, 2003, p.163), o que
minimiza, de certo modo, a discrepância de poder inerente a sociedade de Estados.
Entretanto, o ato de justificar demandas próprias através da generalização destas
junto à coletividade internacional, por mais que originalmente represente um interesse político
específico de um Estado, ganha um reforço em sua legitimidade ao haver adesões de outros
membros da sociedade internacional. Neste ponto temos de analisar as motivações para aderir
às causas de outros Estados.
De modo geral, há dois caminhos que auxiliam na busca de motivações que levam a
associação a pleitos de iniciativa individual: o legal (direito) e o político (poder). A
perspectiva legal nos leva a crer que estes atores concordam com determinado tema, pois este
está de acordo com as normas internacionais, as quais são reflexos das suas vontades
soberanas individuais e, que os mesmos compartilham valores e identidades entre si; esta
concordância se dá, mormente pela influência dos discursos e da retórica na defesa da causa
considerada justa. Já o espectro político das relações de poder nos revela que a aquiescência
às causas alheias é racional, provém do cálculo das vantagens que esta posição trará para a
maximização dos interesses próprios de cada Estado, tendo em vista o contexto geral da
política internacional, as negociações em andamento em outras esferas, a influência de fatores
de poder e de força, como a dissuasão e a coerção, o alinhamento de posturas impostas por
mecanismos supranacionais ou articulações hegemônicas, a confluência de pensamentos e
objetivos, e da própria relação deste Estado com outros atores (como aliados, forças
transnacionais e a própria opinião pública).

Não obstante, exatamente porque a autoridade está próxima ao poder, porque o


direito e a política se confundem permanentemente no processo internacional,
porque as normas se sustentam essencialmente em legitimidade e, sociologicamente,
as desigualdades são marcantes entre países, o espaço da crítica à ordem não se
reduz à fórmula de “oposição”, mas frequentemente de questionamento da
legitimidade. (FONSECA JR., 1998, p.185).

Ambas as esferas, legal e política, utilizam os discursos como meio de atração, o que
cria espaço potencial para que haja a securitização e, ambas influenciam na tomada de
decisão em qualquer tema de relações internacionais. Para Weber (1999) a legitimidade é a
chave para compreender as relações de poder entre os que mandam e os que obedecem dentro
de uma sociedade e, é produto dos três tipos puros de dominação, explicitadas anteriormente,
a dominação tradicional, a dominação carismática e a dominação legal.

36
A legalidade, por si só, é condição necessária, mas não suficiente para a legitimidade.
Logo, a concepção de Hans Kelsen (1998) de que a legitimidade é a própria legalidade, a
conduta de acordo com as leis, se choca com a acepção weberiana, que se mostra menos
restritiva e mais próxima das relações de poder. Por este motivo decisões de relevo na cena
internacional, como levar a cabo uma intervenção, sempre buscarão amparo para suas
justificativas na vontade de mais Estados para que a questão seja legitimada multilateralmente
e, este processo na cena internacional será sempre conduzido pelo tipo de dominação
weberiana racional-legal, pois este conforma o modus operandi dos Estados externamente.
Desta maneira, podemos inferir que a legitimação das questões internacionais tem
como foro central (não único) a ONU, que apesar de não podermos compará-la ao poder
legislativo da esfera doméstica, é uma organização internacional que cria espaços de
proposição de normas, os quais são necessários para a formulação de novas normas e
crítica/reforma das leis existentes via negociações multilaterais. Quando há uma generalização
de vontades individuais, a referência da legitimidade deixa de ser a soberania e passa a ser a
sociedade internacional.
Sendo a legitimidade internacional uma equação que envolve tanto a vontade geral
quanto o poder, que é disperso no plano internacional (não monopolizado como em âmbito
doméstico de um Estado), há uma tensão entre estes elementos, e a obediência voluntária as
normas criadas de maneira legítima pode sofrer desgaste com o descumprimento ou a crítica
social destas. Deste modo, a legitimidade não é um valor absoluto, e como Fonseca Jr. (1998)
sugere, deve ser vista como espectros ou faixas de legitimidade.
Tendo em mente que a legitimidade um valor relativo e a soberania um poder
autolimitado, o Estado possui a prerrogativa de agir unilateralmente, mas não arbitrariamente,
pois há um limite entre poder legitimado e poder puro. “No campo internacional, a
legitimidade é vizinha próxima do interesse político, confunde-se “argumento” e “poder”.”
(FONSECA JR., 1998, p.149).
Ações tomadas por puro poder levam a consequências aos Estados e enfraquecem a
legitimidade das normas. Compliance é um elemento importante na conformação da ordem
internacional e quando há anseios pela modificação em algum aspecto normativo desta ordem
posta, faz-se necessário, mesmo para as grandes potências, apresentar argumentos de poder à
opinião pública internacional, além de obter alguma aquiescência multilateral, mesmo que de
aliados, mas preferencialmente atribui-se mais legitimidade o aval de organismos multilaterais.
“As manifestações de poder buscam inevitavelmente formas de justificação, a comprovação

37
de que o poder é exercido por “alguma outra razão que não o mero poder”.” (FONSECA JR.,
1998, p.187).
No sistema ONU, seus membros detentores do poder de veto em âmbito do Conselho
de Segurança (CSNU) detém este meio específico para legitimar assuntos relativos à paz e à
segurança mundiais. São buscadas “resoluções legitimadoras” para justificar ações que
defendam a ordem, segurança e estabilidade internacionais. Este ponto é crucial, pois atinge
de forma direta o objeto paradoxal deste estudo, a legitimação de intervenções humanitárias.

1.1.3 A Questão da Legitimação das Intervenções Humanitárias

Um princípio do direito internacional público que decorre da soberania é o princípio


de não intervenção. Estes dois princípios (soberania e não intervenção) estão declarados como
tal no capítulo I artigo 2º da Carta das Nações Unidas, respectivamente nas alíneas 1, 4 e 7,
como princípios a serem seguidos para alcançar os propósitos da organização, que estão
presentes no capítulo I artigo 1º da Carta (UN, 1945):

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade [soberana] de todos os seus


Membros.
4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o
uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer
Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem
em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou
obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da
presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas
coercitivas constantes do Capitulo VII. (BRASIL, 1945)58.

Sendo cada Estado um ente soberano e, tendo esta soberania reconhecida


mutualmente pela sociedade internacional, constitui-se uma quebra de norma a interferência
em assuntos externos de quaisquer outros Estados, exceto quando admitida por estes, o que
daria legitimidade a intervenção. Outras duas maneiras legítimas de se fazer uma intervenção
estão na Carta da ONU (1945), especificamente no capítulo VII.

58
Documento ratificado pelo Brasil, do original em inglês: “1. The Organization is based on the principle of the
sovereign equality of all its Members. (…) 4. All Members shall refrain in their international relations from the
threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any state, or in any other
manner inconsistent with the Purposes of the United Nations. (…) 7. Nothing contained in the present Charter
shall authorize the United Nations to intervene in matters which are essentially within the domestic jurisdiction
of any state or shall require the Members to submit such matters to settlement under the present Charter; but
this principle shall not prejudice the application of enforcement measures under Chapter Vll.‖ (UN, 1945).
38
Primeiro, nos casos de ameaça ou ruptura da paz e agressão, o Conselho de
Segurança decidirá quais medidas que serão tomadas para conter a situação. Estas medidas
seguem uma gradação, como sugerido pela Teoria da Guerra Justa, iniciando por ações
coercitivas mais brandas, como sanções econômicas e interrupção de meios de comunicação,
até o limite de ações coercitivas que envolvam forças armadas.
A segunda maneira legítima de realizar uma intervenção está associada às causas da
primeira (ameaça ou ruptura da paz e agressão), ao passo que incorpora a causa justa admitida
pelo sistema ONU para romper uma guerra: a legítima defesa, individual ou coletiva. Neste
caso, a intervenção se daria com fins de manter ou restaurar a paz e segurança internacionais,
conforme dita o artigo 51 do capítulo VII:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual


ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações
Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para
a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos
Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas
imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a
autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a
efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao
restabelecimento da paz e da segurança internacionais. (BRASIL, 1945)59.

Para Martha Finnemore (2003) pôr restrições às políticas intervencionistas nas


relações internacionais faz com que seja possível haver um mundo com Estados Soberanos,
além de separar este mundo, com normas que coíbam a intervenção externa, da anarquia
hobbesiana. Logo, vivemos em um meio termo entre o mundo hobbesiano e o mundo gratiano,
ainda distante do ideal kantiano. Do mesmo modo em que o uso da força é regulado em
âmbito doméstico, a partir da constituição do Estado, o qual passa a monopolizar o uso da
força, para ser mantida a ordem internacional deve haver regras que limitem o uso da força e
inibam os meios ilegítimos de fazer a intervenção.
Os pilares da sociedade internacional estão associados diretamente aos princípios
normatizadores originários de Westphalia: a soberania e a não intervenção estatais; a segunda
é condição necessária à primeira. Conquanto, a intervenção, por estar sempre presente em
diferentes épocas, é uma das características permanentes da sociedade internacional (WIGHT,
2002) e representa, muitas vezes, um desafio à soberania estatal e uma demonstração de poder.
59
Documento ratificado pelo Brasil, do original em inglês: “Nothing in the present Charter shall impair the
inherent right of individual or collective self-defence if an armed attack occurs against a Member of the United
Nations, until the Security Council has taken measures necessary to maintain international peace and security.
Measures taken by Members in the exercise of this right of self-defence shall be immediately reported to the
Security Council and shall not in any way affect the authority and responsibility of the Security Council under
the present Charter to take at any time such action as it deems necessary in order to maintain or restore
international peace and security." (UN, 1945).
39
A intervenção é definida por Hedley Bull na obra Intervention in World Politics
(BULL apud DIAS, 2007) como um ato de interferência na esfera de jurisdição de um Estado
Soberano ou de uma comunidade política independente, de modo ditatorial ou coercitivo, que
pode ser levada a cabo por um ou mais atores externos. A intervenção pode ou não ter o uso
da força como meio, pode ser tanto direta quanto indireta, ou até mesmo secreta60.
Já na definição de Celso de Albuquerque Mello (1992, p.238), a intervenção nada
mais é do que “a interferência, por um ou mais Estados, nos assuntos externos de outro Estado
soberano sem o seu consentimento, tendo como fim alterar determinado estado de coisas.”.
Para o autor, a palavra intervenção tem como sinônimo a intromissão.
Contudo, a fim de não tornar o conceito demasiadamente abrangente, ressalta-se que
para se caracterizar como intervenção, deve-se necessariamente afetar a soberania. Conforme
alega Martha Finnemore:

Os Estados utilizam seu poder e influência a todo momento para tentar moldar as
ações dos outros Estados de uma maneira muito variada. Isto é sobre o que a política
externa se trata. Estados usam alavancagem no comércio, regulam investimentos e
fluxos de capitais, fazer alianças e até mesmo implantar tropas regularmente para
induzir ou coagir outros Estados a se comportar do modo em que desejam. Muitas
dessas medidas econômicas, em particular, podem comprometer seriamente a
autonomia e o controle dos Estados alvo, especialmente os fracos, porém nós não
consideramos estas relações como “intervenção”. Chamar toda política externa e
interação interestatal de “intervenção” faria da categoria analítica sem sentido, e
nenhum tomador de decisão tem entendido desta forma. “Intervenção” é o termo
usado para compromissos de soberania por outros Estados que são excepcionais de
alguma forma, ainda que as linhas que diferenciam e constituem estas exceções não
são sempre claras e tem variado ao longo do tempo. (FINNEMORE, 2003, p.9)
(tradução nossa)61.

Portanto, verifica-se que a intervenção, por sua peculiaridade em relação à soberania,


é uma ação que deve ser dissociada do ato de entrar em guerra; intervenção e guerra não
significam o mesmo. Durante a Guerra Fria, houve diversas ações descentralizadas das
superpotências em embates indiretos, dando apoio aos aliados em busca de expansão da sua
zona de influência. A fim de distinguir estas ações de escopo limitado da grande guerra,

60
Para exemplificar, o caso Nicarágua vs. Estados Unidos foi uma ação de intervenção secreta, ou seja, não
declarada abertamente pelo governo Reagan, em apoio à guerrilha dos Contras na Nicarágua.
61
Tradução do inglês: “States use their power and influence all the time to try to shape the actions of other states
in a great variety of ways. That is what foreign policy is all about. States use leverage in trade, regulate
investment and capital flows, make alliances, and even deploy troops regularly to induce or coerce other states
to behave in ways they desire. Many of these economic measures, in particular, can seriously compromise the
autonomy and control of target states, especially weak ones, yet we do not think of these dealings as
―intervention‖. To call all foreign policy and interstate interaction ―intervention‖ would make the category
analytically meaningless, and no decision maker has ever understood it that way. ―Intervention‖ is the term
used for compromises of sovereignty by other states that are exceptional in some way, yet lines that differentiate
and constitute these exceptions are not always clear and have varied over time.” (FINNEMORE, 2003, p.9)
40
James Rosenau (1968) definiu intervenções militares como ações que tivessem o propósito de
redefinir a estrutura da autoridade política dentro de um território determinado.
No caso específico de intervenções humanitárias, estas possuem o propósito de
intervir em prol da proteção dos seres humanos. O conceito de intervenção humanitária para
Holzgrefe:

A ameaça ou o uso da força através das fronteiras estatais por um Estado (ou um
grupo de Estados), que visa prevenir ou acabar com as violações generalizadas e
graves dos direitos humanos fundamentais dos indivíduos mais do que de seus
próprios cidadãos, sem a permissão do Estado em cujo território a força é aplicada.
(HOLZGREFE, 2003, p.18) (tradução nossa)62.

As justificativas para intervir sofrem alterações de tempos em tempos


(FINNEMORE, 2003). Na última metade do século XX a noção de que era legítimo proteger
o indivíduo em casos de violações maciças dos direitos humanos ganhou espaço e representou
uma necessidade de ressignificar a soberania, a não intervenção e mesmo autodeterminação
dos povos.
As intervenções legítimas ocorrem quando há ameaça da paz e agressão, ou ato de
legítima defesa individual ou coletiva, conforme a Carta da ONU. Portanto, a variante das
intervenções humanitárias deverão necessariamente estar de acordo com estes dois pontos, ou
seja, ocorrer quando há ruptura da paz com agressões maciças e sistemáticas aos direitos
humanos e/ou uma situação em que a defesa da população contra agressões de seu próprio
Estado se configure legítima defesa da população, pois há uma quebra da legitimação interna
do Estado e há um clamor pelo dever de ingerência.

62
Tradução do inglês: “The threat or the use of force across state borders by a state (or a group of states) aimed
at preventing or ending widespread and grave violations of the fundamental human rights of individuals other
than its own citizens, without the permission of the state within whose territory force is applied.‖ (HOLZGREFE,
2003, p.18)
41
2 A QUESTÃO DA SOBERANIA EM ESTADOS FALIDOS E A
SECURITIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

2.1 Da Segurança Humana à Responsabilidade de Proteger

Questões relativas à Segurança sempre estiveram no foco das Relações


Internacionais, por envolverem a sua temática principal (mas não única), a dicotomia guerra e
paz, conflito e cooperação. Durante a Guerra Fria (1945-1991) o conflito entre americanos e
soviéticos colocou em evidência a competição estratégico-militar entre as duas polaridades
definidas. Como assevera Eiiti Sato:

Nessa época, questões desse tipo constituíam o que os analistas denominavam de


“alta política” ou “grande política” (high politics), que definia o jogo de forças e as
grandes estratégias de segurança internacional. As iniciativas e instâncias
representadas por instituições como o GATT ou o FMI e as questões sociais eram
classificadas como “baixa política” (low politics) indicando, claramente, que
ocupavam posição secundária na agenda internacional. (SATO, 2000, p.139).

Com o término da Guerra Fria, visto aqui como um processo amplo de modificações
no jogo político internacional, o soft power ganha espaço frente ao hard power (NYE, 2009).
Há uma mudança também na forma da guerra, que passou a ser muito mais intraestatal do que
anteriormente. Os conflitos clássicos interestatais passam a ser vistos em menor quantidade, e
com a tendência de serem regionalizados. Segundo Nye (2002, p.2) “a maioria das guerras
actuais [sic] são guerras civis ou étnicas”.

Durante a Guerra Fria, houve 164 guerras e apenas 30 destas foram entre Estados. E
no pós-Guerra Fria (1990 a 2003), 57 conflitos aconteceram em 45 países, sendo que
apenas quatro podem ser chamados de conflitos interestatais convencionais: 1991 –
Guerra do Golfo; 1998 a 2000 – Etiópia e Eritréia; 1999 – Índia e Paquistão; e em
2003 – Guerra do Iraque (RUDZIT apud OLIVEIRA, 2008, pp. 12-13).

Sendo assim, ao longo da Guerra Fria, menos de 20% dos conflitos foram
interestatais, uma tendência que se afirmou nas últimas décadas, da prevalência da
intraestatalidade na guerra. Além disto, a agenda das Relações Internacionais sofre franca
ampliação e diversificação de temas. Sato (2000, p. 142) pondera que:

O fim da Guerra Fria teve um papel importante na mudança da agenda internacional.


A mudança não apareceu de modo tão evidente na composição dessa agenda, mas
sim no grau de importância atribuída às diversas questões. Isto é, a maioria das
questões integrantes dessa agenda já existia, no entanto, a maneira pela qual essas
questões passaram a ser percebidas é que sofreu transformações significativas com o
42
fim da Guerra Fria. (...) O fim da Guerra Fria, no entanto, fez com que as
preocupações e as abordagens de questões (...) deixassem de ser matizadas ou
mesmo distorcidas pela disputa leste-oeste.

Assuntos como direitos humanos, meio ambiente, narcotráfico, terrorismo, mudanças


climáticas, desregulamentação de mercados, entre outros, ganharam espaço para debate junto
a temas que antes faziam parte da alta política, ou seja, configura-se uma mudança qualitativa
na atribuição de importância a temas já existentes porém que estavam desprovidos deste
incremento anteriormente. Como relembra Oliveira (2008, p.9):

A formulação do que é segurança humana surgiu no contexto da pesquisa para a paz


e nas novas abordagens teóricas em teoria das relações internacionais, nas décadas
de 60 a 80, em oposição ao conceito de segurança internacional, estritamente
relacionado às questões militares, que predominou durante a Guerra Fria.

O “momento unipolar”, que Charles Krauthamer (1990/91) descreve como a


ausência de um segundo colocado da política internacional que aproxime as suas capacidades
comparativamente à superpotência sobrevivente, os Estados Unidos, dá ensejo a mais
convergências entre as potências no que tange a conflitos e desastres que exponham o ser
humano. Vale relembrar que ao longo do conflito leste-oeste houve uma paralização do
principal órgão de tomada de decisão da ONU, o Conselho de Segurança (CSNU), em
decorrência das divergências entre os cinco membros permanentes detentores do poder de
veto63. Durante o período de 1946 a 1990 ressaltamos que o direito de veto foi utilizado 279
vezes (FUJITA, 1996), ou seja, mais de seis vezes ao ano em média.
Esta maior consonância entre grandes potências das relações internacionais,
especificamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, é constatada pela
diminuição de vetos às resoluções por parte do CSNU e, mais do que isso, pela entrada
definitiva da pauta de direitos humanos no órgão responsável pela segurança e paz
internacionais. Conforme visualizamos no gráfico abaixo, houve uma explosão de resoluções
que traziam explicitamente em seu texto o assunto de “direitos humanos”:

63
Conforme o Capítulo V da Carta da ONU (1945), o Conselho de Segurança possuirá quinze membros, cinco
destes permanentes e com poder de veto (Estados Unidos, China, Rússia, Grã-Bretanha e França), e os outros
dez eleitos pela Assembleia Geral (AGNU) por um mandato de dois anos e sem direito a veto.
43
Fonte: GHISLENI, 2011, pp. 35-36. Autor: REDIN; BARBOSA, 2014, p.11.

A importância desta constatação em âmbito do CSNU demonstra que mesmo no


órgão onde a disparidade de poder entre os seus membros é representada através do direito ao
veto há esta ampliação do espaço para assuntos de direitos humanos. Esta ampliação ocorre
tanto na AGNU, órgão de característica democrática (cada membro possui um voto de igual
valor), quanto no CSNU, órgão o qual possui como atribuição a manutenção da paz e da
segurança internacional (art. 51, UN, 1945) e depende das confluências entre as potências
detentoras do direito que as colocam em uma posição superior aos demais membros, o veto.
De fato, o fim da Guerra Fria foi um marco para a conjunção entre segurança
internacional e segurança humana. “A partir dos anos de 1990 há um intenso desenvolvimento
da relação entre Segurança Internacional, Direito Internacional Humanitário e Direitos
Humanos que culminou na conceitualização da Segurança Humana.” (REDIN; BARBOSA,
2014, p.11).
Bem como a agenda de Relações Internacionais, a área de Estudos de Segurança
Internacional (ESI), durante o período pós-Guerra Fria, passou por um processo de ampliação
e aprofundamento de temas ligados à segurança internacional, que já havia iniciado nos
debates acadêmicos internos dos anos de 1970 e 1980 (BUZAN; HANSEN, 2012). Um dos
tópicos que se estabeleceram na agenda de Segurança Internacional foi a Segurança Humana.
Em junho de 1992, o então Secretário Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali
apresenta o Relatório Uma Agenda para a Paz: diplomacia preventiva, promoção e

44
manutenção da paz, onde expõe que as ameaças à segurança internacional transpassam a
noção de conflitos interestatais. Ao ampliar o escopo dos temas de segurança internacional,
trazendo assuntos como racismo, pobreza, doenças, seca, drogas entre outros, é construída
uma nova percepção de fatores desestabilizadores da ordem que geram insegurança à
sociedade internacional.
A primeira vez que o conceito de segurança humana foi empregado consta no
Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) de 1994. Apresentando as Novas Dimensões da Segurança
Humana, o relatório muda o foco do Estado-Nação para a pessoa humana, onde a “segurança
humana não é uma preocupação com armas, é uma preocupação com a vida e a dignidade
humana” (PNUD, 1994, p.22). É enfatizada a importância da ação preventiva, além de serem
elencados sete fatores de ameaça: econômico, alimentar, saúde, meio ambiente, pessoal,
comunitário e político.
A definição formulada pelo PNUD é considerada abrangente em comparação com a
conceitualização elaborada pela Rede de Segurança Humana da Sociedade Civil64 durante a I
Conferência da Rede de Segurança. Esta noção evidencia a insegurança física da pessoa
humana frente a um ambiente de conflitos, tendo em vista a preponderância atual de conflitos
intraestatais, com motivações étnicas e raciais principalmente.
Progredindo na mesma linha conceitual de Boutros-Ghali, seu sucessor no
Secretariado Geral da ONU, Kofi Annan, leva como marca de sua gestão o avanço na
institucionalização de missões de paz na defesa dos direitos humanos, além das
recomendações pela ratificação por parte dos Estados-Membros da ONU de todos os
instrumentos de Direito Internacional Humanitário 65 e Direitos Humanos 66 , sobretudo as

64
Do inglês The Civil Society Network for Human Security, é uma plataforma de colaboração global da
sociedade civil que visa diminuir os conflitos violentos e militarizada, aumentando assim a segurança humana.
65
Como fontes precípuas do DIH podemos citar as quatro Convenções de Geneva (1949), os dois Protocolos
Adicionais (1977).
66
Dentre os principais tratados de DDHH estão: a Convenção para Prevenção e Punição contra Crimes de
Genocídio (1948), a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial
(1965), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (1966), a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (1979), a Convenção contra a Tortura e Qualquer Tratamento ou Punição Cruel, Desumano ou
Degradante (1984), a Convenção de Direitos da Criança (1989). Soma-se a esta jurisdição os tratados sobre os
Direitos dos Refugiados: a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado (1951) e seus Protocolos (1967); e, outras
fontes como a Convenção para a Proteção dos Bens Culturais em caso de Conflito Armado (1954) e seus
Protocolos (1999), a Convenção sobre Armas Convencionais (1980) e seus quatro Protocolos Adicionais, a
Convenção Sobre a Proibição da Utilização, Armazenagem, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e
Sobre a sua Destruição (1997), o Estatuto da Corte Criminal Internacional (1998), entre outros.
45
obrigações de efeito erga omnes67; e, pelo uso de todos os instrumentos necessários (incluindo
sanções, embargos e a força) pelo Conselho de Segurança para a proteção humana.
A fim de garantir a realização segurança humana, Kofi Annan, no Relatório do
Milênio das Nações Unidas de 2000, aponta como meio a defesa das liberdades chamadas de
freedom from want e freedom from fear.

Primeiro, liberdade de necessidades [freedom from want]. Como é que podemos


chamar os seres humanos livres e iguais em dignidade, quando mais de um bilhão de
pessoas estão lutando para sobreviver com menos de um dólar por dia, sem água
potável, e quando a metade de toda a humanidade carece de saneamento adequado?
Alguns de nós estão se preocupando com quando o mercado de ações vai cair, ou se
esforçando para dominar o último computador, enquanto mais de metade dos nossos
concidadãos, homens e mulheres têm preocupações muito mais básicas, como de
onde sairá a próxima refeição dos seus filhos. (...) O segundo tema do relatório é a
liberdade do medo [freedom from fear]. Guerras entre Estados são
misericordiosamente menos frequentes do que costumavam ser. Mas, na última
década guerras internas tiraram a vida de mais de cinco milhões e fizeram com que
muitas vezes esse número de pessoas deixasse suas casas. Além disso, ainda
vivemos sob a sombra de armas de destruição em massa. (UN, 2000) (tradução
nossa)68.

O Relatório do Milênio retoma a defesa de direitos que antes já eram tratados pela
segurança humana (PNUD, 1994) e agrega novos elementos ao debate securitário não
tradicional. Conforme expõe Ghisleni (2011, p. 62) sobre a gestão de Kofi Annan:

Maior êxito foi obtido na consideração do conceito da responsabilidade de proteger:


primeiro, o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança endossou o
conceito como uma norma emergente de direito internacional, no parágrafo 203
de seu relatório; o próprio Secretário-Geral depois levantou o tema à consideração
dos Chefes de Estado e de Governo da Cúpula Mundial de 2005 por meio de seu
relatório “In Large Freedom” e teve enfim a oportunidade de ver a Cúpula acolhê-lo,
com a redação que consta nos parágrafos 138 e 139 de seus Resultados. (grifo
nosso).

Contudo, a conceituação da Responsabilidade de Proteger foi feita pela Comissão


Internacional para Intervenção e Soberania do Estado, em dezembro de 2001. O relatório
desta comissão, intitulado A Responsabilidade de Proteger, se constituiu uma resposta à

67
Que se aplicam a todos e que possuem obrigações não derrogáveis.
68
Tradução do inglês: “First, freedom from want. How can we call human beings free and equal in dignity when
over a billion of them are struggling to survive on less than one dollar a day, without safe drinking water, and
when half of all humanity lacks adequate sanitation? Some of us are worrying about whether the stock market
will crash, or struggling to master our latest computer, while more than half our fellow men and women have
much more basic worries, such as where their children's next meal is coming from. (…)The second main heading
in the Report is freedom from fear. Wars between States are mercifully less frequent than they used to be. But in
the last decade internal wars have claimed more than five million lives, and driven many times that number of
people from their homes. Moreover, we still live under the shadow of weapons of mass destruction.“ (UN, 2000).
46
Declaração do Milênio (2000), prevê a responsabilidade de prevenir, de reagir, e de
reconstruir, legitimando a intervenção humanitária como uma Guerra Justa (ICISS, 2001).
A norma emergente de Responsabilidade de Proteger, aprovada em âmbito das
Nações Unidas (AGNU, 2005), prevê (a) a responsabilidade primária do Estado na proteção
da sua população, (b) a atribuição da Sociedade Internacional em fornecer cooperação para o
desenvolvimento de seus membros, permitindo a geração de capacidades próprias para os
Estados cumprirem com suas funções e, (c) em circunstâncias nas quais haja incapacidade ou
desinteresse por parte do Estado em arcar com sua responsabilidade primária proteção, esta
responsabilidade recai sobre a Sociedade Internacional 69 , para que, através de uma ação
coletiva e de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Organização das Nações Unidas
(ONU), seja feita uma ação coletiva com fim de proteger a população em risco. Esta
responsabilidade coletiva incide nos casos de crimes internacionais 70 e prevê a adoção de
medidas não coercitivas, primeiramente, e, caso haja necessidade e se obtenha aprovação do
Conselho de Segurança (CSNU), o uso da força como última instância, de maneira
proporcional e seguindo as normas de engajamento.
Tendo em vista a inserção da Responsabilidade de Proteger vinculada a abertura à
possibilidade limite de utilização de meios coercitivos, o Brasil propôs, em discurso perante a
Assembleia Geral (BRASIL, 2012), a Responsabilidade ao Proteger, como um princípio
complementar à Responsabilidade de Proteger que, em casos extremos onde haja necessidade
de intervenção, esta não extrapole o seu mandato, ou seja, que se restrinja a proteção da
população. Deste modo, podemos afirmar que, na medida em que a Responsabilidade de
Proteger tenha como pilares a prevenção, a reação e a reconstrução (antes, durante e depois),
esta norma se consubstancia em um meio legítimo de praticar a intervenção humanitária e,
juntamente com a concepção brasileira de Responsabilidade ao Proteger, retoma a Teoria da
Guerra Justa (jus ad bellum, jus in bello e jus post bellum).
Tendo sido reconhecida a Responsabilidade de Proteger como uma normativa
emergente do Direito Internacional a partir da ratificação do documento final da Cúpula
Mundial em 2005, o conceito foi levado também à prática. Primeiro em 2006, onde a

69
O termo Sociedade Internacional é adotado e empregado conforme a distinção de Bull (2002), onde, na
vertente realista-hobbesiana, Sistema Internacional seria a mera coexistência entre Estados; já na vertente
racionalista-grotiana, Sociedade Internacional pressupõe dado ordenamento, que é anárquico; enquanto no viés
revolucionário-kantiano, Sociedade Mundial envolveria o compartilhamento de valores comuns, caracterizando
assim uma comunidade. Segundo Jellinek (1970), a própria existência do Direito Internacional Público tem
como pressuposto a existência de uma Sociedade de Estados.
70
Os crimes abarcados pela Responsabilidade de Proteger são: genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e
crimes contra a humanidade (UN, 2005), os quais estão especificados no Estatuto de Roma (ICC, 1998) onde
limpeza étnica é considerada uma forma de genocídio.
47
Responsabilidade de Proteger foi usada oficialmente em abril na Resolução 1647 sobre a
Proteção de Civis em Conflitos Armados, e em agosto, na Resolução 1706 sobre o envio de
tropas à Darfur para peacekeeping.
Recentemente, a Responsabilidade de Proteger foi utilizada também, em âmbito do
CSNU, nos casos da Líbia (2011, Resoluções 1970 e 1973), da Costa do Marfim (2011,
Resolução 1975, 2012, Resolução 2062), do Sudão do Sul (2011, Resolução 1996, 2012,
Resolução 2057), e do Iêmen (2011, Resolução 2014). Ademais, em outros órgãos da ONU
como a Secretaria Geral e a Assembleia Geral, a Responsabilidade de Proteger mostra-se
imbricada aos trabalhos71.
Portanto, a Responsabilidade de Proteger é mais uma normativa que juntamente com
a Segurança Humana (PNUD, 1994) liga-se à ampliação do conceito de Segurança
Internacional. As implicações criadas por esta expansão da agenda securitária e o arcabouço
de proteção dos direitos humanos reforçado por estas normas emergentes redefinem não
apenas as razões pelas quais são realizadas intervenções, mas também agrega um valor
comum à noção de sociedade internacional, ao mesmo tempo em que gera um potencial de
securitização dos direitos humanos, no caso específico da R2P.

2.2 Do “Dever” de Intervir: efeitos da securitização e o problema dos Estados Falidos

A ordem que emergiu após o término da Guerra Fria ampliou a universalização dos
direitos humanos e reforçou uma nova interpretação sobre a segurança internacional, mais
abrangente, que deixou em voga o debate da intervenção humanitária como uma nova
categoria de intervenção, largamente utilizada a partir dos anos de 1990 (Libéria, Somália,
Ruanda, Kosovo, RDC, Haiti, Serra Leoa, Timor Leste, Sudão, entre outros). Desde então, as
práticas de intervenção se interligaram ao Direito Internacional dos Direitos Humanos e ao
Direito Internacional Humanitário.
A partir do momento em que o indivíduo passa a ser objeto de proteção de direitos,
havendo ou não conflito armado, há uma causa justa a ser defendida, o que se constitui em um
dos motivos para atribuir legitimidade internacional à intervenção humanitária dentre os
demais requisitos demandados pela Teoria da Guerra Justa, ou seja, a causa justa é apenas um
elemento que compõe o jus ad bellum, que juntamente com o jus in belo e o jus post bellum
71
Como resultado da Cúpula Mundial de 2005, em âmbito da AGNU, cujo relatório geral foi intitulado In Large
Freedom.
48
fazem de uma intervenção legítima. “Diante da multiplicidade de violações de direitos
humanos, nos mais variados países, a resposta poderá ser tanto a omissão quanto a pressão – e
até a intervenção – para reverter violações.” (FONSECA JR., 1998, p.219).

A teoria da Guerra justa e o conceito westphaliano de soberania estatal devem


significar que, no seu conjunto, o que acontece dentro de um Estado é da sua própria
conta, desde que esteja dentro dos limites do direito internacional. No entanto, desde
o início de 1990 tem havido um crescente argumento de que, por vezes, há violações
dos direitos humanos tão graves que o uso da força é a única opção razoável para
detê-los, e que o conceito de não interferência deve ocasionalmente ceder à
internacional responsabilidade de proteger a população atingida. Este assim
chamado direito ou dever de ingerência humanitária refere-se, em tais casos, a ação
tomada contra um Estado ou seus líderes, sem o seu consentimento, para fins que
são reivindicados como humanitários ou protetivos (a forma mais controversa de tal
intervenção ser militar). (ABBOTT, 2005, s.p.) (tradução nossa)72.

Deste modo, a intervenção humanitária, além de visar à proteção do indivíduo, e é


esta a justificativa que abre a exceção ao princípio da não intervenção nas relações
internacionais, ela ocorre somente quando há graves violações aos direitos humanos e é
apenas um dos elementos necessários para legitimar uma intervenção humanitária. A
responsabilidade de proteger limita-se aos casos de genocídio, crimes de guerra, limpeza
étnica e crimes contra a humanidade (UN, 2005).
Outra pontuação que vale ser ressaltada, além dos ilícitos internacionais que
apelariam pela intervenção humanitária para contê-los, é que para ocorrer a intervenção, não
se faz necessário o consentimento por parte do Estado violador. Uma vez que este se
caracteriza como o agressor, a responsabilidade de proteger a população, alvo de atrocidades,
seria uma extensão do direito a legítima defesa, onde a sociedade internacional toma para si o
papel de proteção primária do indivíduo contra o seu próprio Estado, violador.
Logo, não significa que intervenções humanitárias quebram com o princípio de
soberania estatal, pois o rompimento que de fato ocorre é com as bases de legitimação da
soberania, tanto interna quanto externa, que se consubstanciam na vontade geral, da
população e da sociedade internacional, respectivamente. Enquanto na esfera interna há uma
quebra por parte do Estado com o seu compromisso de proteger seus membros, visto que a
72
Tradução do inglês: “Just war theory and the Westphalian concept of state sovereignty should mean that, on
the whole, what happens inside a state is its own affair as long as it takes place within the limits of international
law. However, since the early 1990s, there has been a growing argument that sometimes there are human rights
violations so severe that the use of force is the only reasonable option to halt them, and that the concept of non-
interference must occasionally yield to the international responsibility to protect the targeted population. This
so-called right or duty of humanitarian intervention refers, in such instances, to action taken against a state or
its leaders, without their consent, for purposes which are claimed to be humanitarian or protective (the most
controversial form of such intervention being military).” (ABBOTT, 2005, s.p.)
49
soberania é um atributo absoluto, mas não arbitrário e a agressão do Estado a uma se suas
partes constituintes, no caso a população, vai contra a própria concepção positiva de soberania
defendida por Rousseau e Hobbes; na esfera externa, em específico, há um descumprimento
flagrante com as normas de direitos humanos que geram um problema de segurança, visto que
crises humanitárias desestabilizam a ordem, e esta desestabilização sempre tem resultados
para além das fronteiras demarcadas, ou seja, há um transbordamento da crise que se inicia
internamente.
Como já exposto anteriormente, houve uma ampliação da noção do que pode ser
considerado um assunto de segurança internacional, derivada de uma aproximação que
interligou as áreas de Segurança Internacional e Direitos Humanos. Os debates acadêmicos
dentro dos Estudos de Segurança Internacionais (ESI) efervesceram entre os defensores de
abordagens tradicionais, que enfatizavam o estadocentrismo, e novas abordagens, que traziam
discussões ontológicas e epistemológicas para o debate (BUZAN; HANSEN, 2012) e, se
subdividiam em mais linhas de pensamento (Estudos para Paz, Críticos, Escola de
Copenhague, Segurança Humana, Feminismo, entre outros). Frente a norma posta de não
intervenção e os dilemas que emergiram junto a crises humanitárias, surge a ideia de que em
casos sérios haveria um “dever” de intervir.

O dever de ingerência foi um termo cunhado no final de 1980 pelo professor Mario
Bettati e o político francês Bernard Kouchner [também co-fundador da ONG
Médicos Sem Fronteiras, em 1971]. Eles se opuseram ao uso do conceito de
Westephalia da soberania do Estado para defender os Estados que grosseiramente
violado os direitos humanos fundamentais da população. Após o ataque de Saddam
Hussein contra os curdos iraquianos em 1991, Kouchner e outros no governo
Mitterrand lutaram por um direito de intervenção humanitária - o direito do Estado
de intervir quando os Estados oprimirem seus próprios cidadãos. (ABBOTT, 2005,
s.p.) (tradução nossa)73.

Na prática, o turning point das intervenções humanitárias deu-se no imediato pós-


Guerra Fria com a resolução 688 do CSNU de 199174. Esta resolução é qualificada como o

73
Tradução do inglês: “The devoir d‘ingerence (duty of intervention) was a term first coined in the late 1980s by
Professor Mario Bettati and the French politician Bernard Kouchner. They opposed the use of the Westphalian
concept of state sovereignty to defend states that grossly violated population‘s fundamental human rights.
Following Saddam Hussein‘s assault on Iraqi Kurds in 1991, Kouchner and others in the Mitterrand
government puched for a droit d‘ingerence humanitaire (right of humanitarian intervention) – the right of state
to intervene when states oppress their own citizens.‖ (ABBOTT, 2005, s.p.)
74
A preocupação expressa na resolução 688 (UNSC, 1991, p. 31) estava direcionada à repressão contra a
população civil iraquiana em diversas partes do Iraque, ou seja, civis dentro de seu território Nacional, incluindo
as áreas com população curda, a qual acarretou um fluxo massivo de refugiados em direção ou através das
fronteiras internacionais e incursões interfronteiriças que ameaçam a paz e a segurança internacionais na região;
do trecho em inglês “gravely concerned by the repression of the Iraqi civilian population in many parts of Iraq,
includying most recently in Kurdish-populated areas, which led to a massive flow of refugees towards and
50
marco instaurador do “direito de ingerência”, uma vez que é criado antecedente normativo
através da aprovação da intervenção via ONU com a finalidade de proteger a população civil
de um Estado frente as violações do mesmo.
Este “direito de ingerência” é justificado pela urgência de juntar esforços
direcionados à proteção dos direitos humanos e políticos da população civil iraquiana e, por
mais que não faça menção direta ao capítulo VII da Carta da ONU 75, pede à SGNU que todos
os recursos disponíveis sejam utilizados na assistência desta população iraquiana refugiada e
deslocada 76. Portanto, além desta intervenção realizada no Iraque durante a Guerra do Golfo
(1990-1991) ser destinada aos nacionais deste país, é denotada, igualmente, uma modificação
do papel do CSNU, ao limitar a jurisdição interna em face da proteção dos direitos humanos.
Esta ampliação do papel atribuído ao CSNU de manutenção da paz e segurança internacional
e agora de proteção dos direitos humanos, tanto em âmbito internacional quanto em âmbito
interno, em casos de violações maciças e sistemáticas.
A operação “tempestade no deserto” 77, aprovada pelo Conselho de Segurança para
retirar o Iraque do Kuwait foi um exemplo claro de aplicação da norma de legítima defesa, ao
reafirmar o princípio de não intervenção e combater a ação de anexação do Kuwait por parte
do Iraque com veemência. No período da Guerra Fria, como já mencionado anteriormente,
houve uma paralização do Conselho de Segurança em função do conflito leste-oeste e, a
clareza e rapidez com que se deu a ação no Golfo não foram reflexos das ações que se
sucederam, muito mais complexas e com reações mais brandas e/ou tardias. Este foi o caso do
genocídio de Ruanda, do massacre de Srebrenica e, do prosseguimento do Estado de
Violência no Congo.
Uma pergunta feita frente à demora por parte do CSNU em tomar medidas para
conter conflitos envolvendo crises humanitárias é se a ação rápida por parte de um Estado ou
um grupo de Estados para conter a situação e antecipar uma medida bloqueada por questões
políticas em âmbito do Conselho de Segurança, possa ser legítima, mesmo com a ausência do
aval da ONU. De fato, a justificativa humanitária consiste em uma causa justa, contudo não

across international frontiers and to cross-border incursions which threaten international peace and security in
the region”.
75
O capítulo VII da Carta das Nações Unidas refere-se às ações que dizem respeito às ameaças a paz, ruptura da
paz e atos de agressão.
76
De acordo com o parágrafo 5 da resolução 688 “request the Secretary-General to use all the resourses at his
disposal, including those of the relevant United Nations agencies, to address urgently the critical needs of the
refugees and displaced Iraqi population.” (UNSC, 1991).
77
Do inglês Operation Desert Storm ocorreu de 17 de janeiro de 1991 a 28 de fevereiro de 1991 e é uma
operação lembrada pelos bombardeamentos “cirúrgicos” decorrentes de uma nova doutrina de guerra que
combina alta tecnologia e redução de baixas militares (através da diminuição do envio de tropas terrestres ou
“boots on the ground”) e, pelo fenômeno da guerra televisionada internacionalmente, o chamado “CNN Effect”.
51
há como se constituir um meio legítimo a ação sem o respaldo na ONU, primeiro por
descumprir uma série de normas do DIP, logo, não ser uma ação legal, e segundo, por não se
tratar de uma vontade comum e sim de um Estado individual ou um grupo de Estados não
atuando através do meio específico e com os processos criados pela vontade geral, ou seja, a
ONU. Neste caso, as chances de que haja uma intenção correta com a intervenção são
substancialmente baixas, além de não haver garantias de probabilidade de êxito e de
proporcionalidade de resposta.
Portanto, além de não se caracterizar como último recurso, uma intervenção pautada
apenas pelo poder, mesmo que com a justa causa humanitária contida nos discursos como
justificativa, não é uma ação legítima, não é uma forma de iniciar uma Guerra Justa. Como
relembra Abbott (2005, s.p.):

Qualquer recurso à força fora dos auspícios da ONU deixa a porta aberta para mau
uso do conceito de intervenção humanitária por países com nada menos do que
motivos altruístas. Não devemos esquecer que, em 1939, a Alemanha nazista
invocou razões humanitárias para legitimar a sua invasão da Tchecoslováquia,
alegando que os alemães étnicos estavam sendo maltratados nos Sudetos. A
legitimidade de uma intervenção é também muito no olho de quem vê. (ABBOTT,
2005, s.p.) (tradução nossa)78.

O dilema da intervenção humanitária é muito mais complexo do que a simples


operacionalização do caso de acordo com as regras postas pelo DIP, e não podemos perder de
vista o papel da variável do poder nas relações internacionais, que sofre constrangimentos,
mas não perde sua influência. Este dilema foi exposto pelo Secretário Geral da ONU Kofi
Annan em dois momentos: em um artigo para a revista The Economist (1999) intitulado “Two
Concepts of Sovereignty” (Dois Conceitos de Soberania) e, no seu discurso anual para a
AGNU (2000) chamado “We, the People: the role of UN in the 21th century” (Nós, as
pessoas: o papel das Nações Unidas no século XXI).
Em concordância com a acepção de Annan, a intervenção não pode ser
compreendida de maneira restrita ao uso da força, e sim envolver comprometimento com a
assistência humanitária, a manutenção da paz (peacekeeping), e a reconstrução
(peacebuilding). Ademais, aponta que há um obstáculo apresentado pela compreensão
equivocada de soberania como interesse nacional, sem fazer a alusão que o que representa o

78
Tradução do inglês: “Any resort to force outside the UN auspices leaves the door wide open for misuse of the
concept of humanitarian intervention by countries with less than altruistic motives. We should not forget that in
1939 Nazi Germany invoked humanitarian reasons to legitimize its threatened invasion of Czechoslovakia,
alleging that ethnic Germans were being mistreated in the Sudetenland. The legitimacy of an intervention is also
very much in the eye of the beholder.‖ (ABBOTT, 2005, s.p.).
52
interesse nacional é o interesse coletivo. Intervenções envolvendo a força devem ser tomadas
como último recurso e sem desvios às normas contidas na Carta das Nações Unidas (1945),
ou seja, deve haver uma gradação de medidas, partindo dos meios não coercitivos e tendo o
uso da força como último recurso. Por último, e não menos importante, que o
comprometimento que se teve durante a guerra seja o mesmo comprometimento com a
manutenção da paz após cessarem as conflagrações.
A visão de Kofi Annan retoma o legado de Boutros-Ghali e retoma a Teoria da
Guerra Justa ao aplicar suas noções de jus ad bellum, jus in belo e jus post bellum para o caso
de intervenções humanitárias. Posteriormente, a normativa da Responsabilidade de Proteger
seguirá na mesma linha associativa ao promover as três responsabilidades: prevenir, reagir e
reconstruir (ICISS, 2001). Esta visão pluralista que abre exceção para a norma da não
intervenção quando a ação segue a tradição da Guerra Justa tem como grande expoente
Michael Walzer (2003).
Para Walzer (2003) intervenção é justa apenas em casos excepcionais e quando
observa valores morais e jurídicos da sociedade internacional. A atribuição da legitimidade da
intervenção humanitária é resultado sempre da conjugação da legalidade com a vontade geral,
o que implica no tênue balanço entre direito e poder nas relações internacionais.
A problemática se instaura a partir da declaração de “Guerra ao Terror” pelos EUA
após os ataques terroristas de 11 de setembro. A securitização do terrorismo dada pelo Ato
Patriota, que feriu direitos fundamentais da população estadunidense, e a invasão do Iraque
promovida pelos EUA e Reino Unido, justificada por motivos humanitários colocou em
cheque a credibilidade dos desenvolvimentos relativos à Responsabilidade de Proteger e
geraram críticas à noção de “dever/direito de ingerência”.
Um dos motes para as reações de repúdio à Guerra do Iraque foram as associações na
retórica discursiva entre guerra e humanitarismo, prevenção e preempção, na tentativa
fracassada de legitimar a intervenção e buscar suporte em uma “resolução legitimadora” que
não veio através do sistema ONU. Este evento enfraqueceu o consenso que estava sendo
construído sobre a Responsabilidade de Proteger e tornou todo este arcabouço de proteção aos
direitos humanos alvo de securitização em prol de interesses nacionais.
Como Gelson Fonseca (1998) pontua os avanços na universalização dos direitos
humanos junto às práticas da política internacional não são lineares. Um dos percalços é o
princípio da seletividade, que escolhe quais casos de crise humanitária são ou não vitais para
manter a ordem internacional, e esta equação envolve, seguramente, o cálculo de custos e

53
interesses estratégicos por parte das potências dispostas a intervir, o que gera uma dispersão
de conflitos que podem ser considerados consensualmente pela sociedade internacional como
dignos de intervenção humanitária.
Outro princípio envolvido e que é pontado por Hermann (2011) é o princípio da não
indiferença presente no discurso diplomático brasileiro, onde a assistência humanitária é um
ato de colaboração do Estado, baseado nas premissas de solidariedade e consentimento.
Conforme Krasner visualiza o cenário internacional, de uma maneira mais crítica:

Os Estados mais fortes podem escolher entre diferentes regras e selecionar aquela
que melhor se adequa aos seus objetivos instrumentais, como as potências europeias
fizeram durante a era do colonialismo, quando ressuscitou as formas de soberania
dividida do período pré-Westfália, como protetorados e Estados subordinados.
(KRASNER apud SOUZA, 2012, p.82).

A partir do momento em que apenas a justificativa humanitária para realizar a


exceção à norma de não intervenção, a intervenção humanitária, passa a ser utilizada
juntamente com a necessidade de pular a etapa das ações não coercitivas e partir diretamente
ao engajamento com força, as intervenções humanitárias passam a ser deturpadas. A partir de
então, faz-se necessário analisar as ligações existentes entre a controversa classificação de
Estados Falidos e o discurso de “dever” de ingerência que estão contidas neste processo de
securitização. Esta interconexão afeta o debate de legitimação de intervenções humanitárias e
tenta relativizar discursivamente o Estado Soberano.
A primeira definição de Estado Falido foi apresentada pelos ex-diplomatas dos EUA
Gerald Helman e Steven Ratner em um artigo intitulado Saving Failed States publicado na
Foreign Policy em 1992. Neste artigo, Failed States são definidos como:

(…) o Estado-Nação Falido, absolutamente incapaz de se sustentar como um


membro da comunidade internacional. Conflitos civis, desagregação governamental,
e privação econômica estão criando cada vez mais debelações modernas, o termo
utilizado para descrever o Estado Alemão destruído após a Segunda Guerra Mundial.
Como estes Estados se degeneraram em violência e anarquia – expondo seus
próprios cidadãos e ameaçando seus vizinhos com fluxos de refugiados,
instabilidade política, e guerra aleatória – tornou-se claro que algo deveria ser feito.
Os abusos massivos de direitos humanos – incluindo o direito mais básico, o direito
a vida – estão afligindo o suficiente, mas a necessidade de ajudar aqueles Estados
faz-se mais crítica pelas evidências de que seus problemas tendem a se espalhar.
Embora aliviar o sofrimento do mundo em desenvolvimento tenha sido uma tarefa
importante, salvar Estados Falidos irá revelar um novo – e de muitas maneiras
diferentes – desafio. (HELMAN; RATNER, 1992, p.3) (tradução nossa) 79.

79
Tradução do Inglês: ““(…) the failed nation-state, utterly incapable of sustaining itself as a member of the
international community. Civil strife, government breakdown, and economic privation are creating more and
more modern debellatios, the term used in describing the destroyed German state after World War II. As those
54
Portanto, a capacidade legal, de jure, do Estado Falido é mantida, ou seja, ele possui
direitos e obrigações, entretanto não dispõe de capacidade de facto para exercê-la (JACKSON,
1998). De acordo com a caracterização de Daniel Thürer (1999), há três fatores que se
mostram presentes nos Failed States: geopolítico e territorial, político e funcional. O aspecto
geopolítico e territorial é o caráter intraestatal que conflitos internos tomam, ao impactarem
através das fronteiras; o efeito político é visto pelo colapso das estruturas governamentais, que
passam a não conseguirem mais garantir a lei e a ordem; o terceiro ponto se dá em
decorrência do segundo é a incapacidade de haver representação internacional do Estado,
atentando sua infuncionalidade e influindo na dificuldade em negociar arranjos regionais para
conter a falência.
A problemática está contida na ligação entre a classificação de um Failed State, o
Estado como “falido”, “colapsado” “fracassado” ou “falhado” e a urgência do “dever de
intervir”, pois não há um consenso nem quanto a nomenclatura nem quanto a uma definição
padrão. O fenômeno de Estado Falido passa a ser visto como um novo vetor de ameaça à
segurança internacional, como a Segurança Humana, mas passa a fazer a analogia de que a
fraqueza institucional de um Estado gera crise humanitária que demanda intervenção.
Nos discursos que incitam a intervenção para salvar Estados Falidos é usada a
relativização da soberania, que é um valor absoluto (JELLINEK, 1970), como meio de
justificar a ação. Havendo a “má prática da soberania – quando forças do Estado violam os
direitos de seus cidadãos” (RODRIGUES, 2012, p.17) esta torna-se justificativa para afirmar
que um Estado Falido se enquadra no caso de (ir)responsabilidade de proteger, por
incapacidade estatal de cumprir com sua obrigação primária de proteção, o que decorreria a
possibilidade “legítima” de realizar uma intervenção militar humanitária.
Esta confusão de terminologias tenta simplificar a equação da legitimidade de
intervenções humanitárias e mostra como a aplicação prática do conceito de Failed States é
oportunista. Vale a pena lembrar que o próprio documento aprovado pela AGNU (2005) sobre
a R2P cita que antes de a comunidade internacional tomar para si a função de proteção
primária da população, deve haver um esforço por parte dos membros para reforçar a

states descend into violence and anarchy —imperiling their own citizens and threatening their neighbors
through refugee flows, political instability, and random warfare — it is becoming clear that something must be
done. The massive abuses of human rights — including that most basic of rights, the right to life — are
distressing enough, but the need to help those states is made more critical by the evidence that their problems
tend to spread. Although alleviating the developing world's suffering has long been a major task, saving failed
states will prove a new — and in many ways different — challenge”. (HELMAN; RATNER, 1992, p.3).
55
soberania do Estado em questão, através da cooperação para o desenvolvimento, para que o
próprio possa construir capacidades para praticar sua função de Estado em todas as esferas,
incluindo a protetiva. Além disto, a legitimidade da aplicação da R2P para intervenções
humanitárias existe quando há uma violação grave e sistemática dos direitos humanos por
parte do Estado, e não quando há problemas demográficos ou macroeconômicos, como a
controversa classificação do Failed States Index (FFP, 2013) traz como referências de sua
catalogação anual80.
Há diversas conceptualizações sobre quais critérios devem ser considerados para
tentar mensurar através de dados a capacidade estatal e a partir disto classificar que Estado é
ou está Falido. Quanto mais requisitos estiverem sendo demandados para suprir a condição de
Estado, mais controversa é a classificação. O que define o Estado (território, população,
governo e relações exteriores) e as regras basilares do DIP (soberania estatal e não
intervenção) não mudou em sua essência, mas os discursos para securitizar novas ameaças
internacionais juntamente com as cambiantes justificativas para intervir trazem novos desafios
para a manutenção de uma ordem internacional estável no século XXI.
Deste modo, considerando o potencial securitizador da Responsabilidade de Proteger
em casos de Estados Falidos, mas sem negar as assimetrias de capacidades relativas entre os
Estados e a existência de conflitos que enfraquecem as instituições estatais e geram sérias
crises humanitárias, o trabalho adotará a definição de Robert Jackson de Failed State por ser a
concepção que traz requisitos mínimos que se aproximam da ideia weberiana de Estado como
detentor do monopólio da coerção.
Para Jackson (1998, p.2), o Estado Fracassado é aquele não pode, por incapacidade
ou falta de vontade, assegurar no plano doméstico as condições civis mínimas, como paz,
81
ordem e segurança . Logo, se o Estado monopoliza o uso da força internamente, ele
consegue suprir as estas condições civis mínimas.
Por conseguinte, não é a caracterização de um Estado como Fracassado que legitima
uma intervenção humanitária, mas sim a constatação de violações graves e sistemáticas dos
direitos humanos, aliada à confluência dos elementos de poder e vontade geral. Ademais, a
legitimidade de uma intervenção humanitária não é dada somente pela causa justa, e sim pela

80
O Fundo para a Paz (FFP) elenca três grupos de indicadores em sua pesquisa anual, são estes os indicadores
sociais (pressões demográficas, refugiados e deslocados internos, grupos de reclamação, evasão humana e fuga
de cérebros), indicadores econômicos (desenvolvimento econômico desigual, declínio econômico e pobreza) e
indicadores políticos e militares (legitimidade estatal, serviços públicos, direitos humanos e estado de direito,
aparato de segurança, elites faccionadas, intervenção externa).
81
Do trecho em inglês: “By ‗failed states‘, I shall be referring exclusively to states which cannot or will not
safeguard minimal civil conditions, i.e., peace, order, security, etc. domestically” (JACKSON, 1998, p.2)
56
acordância com as normas do DIP, baseadas na teoria da Guerra Justa, de uma condução justa
da intervenção antes, durante e depois, mantendo seus propósitos humanitários constantes e
em primeiro plano.

57
3 O Dilema da Intervenção Humanitária na República Democrática do
Congo

Fazer guerra para promover a paz gera, fundamentalmente, um paradoxo, visto que
guerra e paz são ideias antagônicas. A paz, em seu sentido negativo, é tida como a ausência de
guerra. Hedley Bull argumenta que um dos objetivos elementares da Sociedade
Internacional82 é a manutenção da paz, e que se busca “manter a paz no sentido de que a
ausência da guerra entre os estados membros da sociedade internacional seja a situação
normal do seu relacionamento, rompida apenas em circunstâncias especiais, segundo
princípios geralmente aceitos.” (BULL, 2002, p.24).
Bem como fazer guerra para promover a paz, utilizar a força para promover os
direitos humanos também revela uma incongruência, na medida em que a força não constitui
um meio pacífico e seu uso, em geral, prejudica a realização de direitos. Contudo, se na
defesa dos direitos fundamentais contra agressões os meios pacíficos83 não estiverem surtindo
resultados, como reagir?
A Teoria da Guerra Justa, o elemento intermediário entre as três tradições
dominantes de ética na guerra e na paz84 que teve como um de seus teóricos proeminentes
Hugo Grotius (2004), afirma que deve ser cumprida uma série de condições85, dentre elas a
causa justa, para que a guerra seja legítima. Estes requisitos limitam a forma de entrar e fazer
guerra. No sistema ONU, uma guerra é legítima quando se trata de autodefesa, individual ou
coletiva86. Portanto, quando há uma agressão flagrante aos direitos fundamentais do Estado ou
da população, se constitui um direito legítimo a autodefesa, ou seja, há uma causa justa a ser
defendida.
Em meio ao contexto de debates e afirmação da Segurança Humana (PNUD, 1994) e
emergência da Responsabilidade de Proteger (UN, 2005) é que ocorre a Segunda Guerra do

82
Bull (2002) define quatro objetivos elementares da Sociedade de Estados, na seguinte ordem: a preservação do
próprio sistema internacional, a manutenção da soberania externa de seus membros, a manutenção da paz e, por
último, cumprimento de acordos e estabilidade das posses.
83
Os meios pacíficos de solução de controvérsias estão expressos nas Convenções de Haia de 1899 e de 1907,
denominadas de Convenção para a Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais e, no capítulo VI da Carta da
ONU (1945), referente à Solução Pacífica de Controvérsias, os quais explicitam os instrumentos de bons-ofícios,
mediação e arbitragem. Dentre as formas não coercitivas estão os meios diplomáticos, jurisdicionais e políticos a
serem recorridos antes do recurso à força (MAGALHÃES, 2005).
84
De acordo com o Dicionário de Filosofia da Universidade de Stanford, as três tradições dominantes são o
Realismo, a Teoria da Guerra Justa e o Pacifismo (OREND, 2008).
85
Estes requisitos são o jus ad bellum, antes da guerra, o jus in bello, durante a guerra e, o jus post bellum, após
a guerra (OREND, 2008).
86
Conforme expresso no artigo 51, capítulo VII da Carta das Nações Unidas (UN, 1945).
58
Congo (1998-2003), também conhecida como Guerra Mundial Africana que, apesar de ter
sido formalmente encerrada em 2003 com o estabelecimento do Governo de Transição, as
hostilidades não cessaram e seguem vitimando a população congolesa, sobretudo na região
leste do país (Nord Kivu, Sud Kivu e Province Orientale). Este conflito deu continuidade a
Primeira Guerra do Congo (1996-1997) e teve como resultado a desestabilização, a
desestruturação e a produção de um Estado de Violência na República Democrática do Congo
que não foi superado até os dias de hoje.
No caso da República Democrática do Congo (RDC), buscando tardiamente reagir
na defesa aos direitos humanos da população congolesa com a finalidade de cessar os
conflitos, proteger a população e promover a paz, as Nações Unidas interviram com
negociações diplomáticas e o envio de uma missão de peacekeeping, em 30 de novembro de
1999, a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC), que
tinha como mandato inicial o monitoramento do Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka entre os
beligerantes (UNSC, 1999a e 1999b). Após diversas renovações de mandato, altos custos de
manutenção da missão e poucos resultados, em 2010 a MONUC foi reformulada e passou a
ser chamada de Missão das Nações Unidas de Estabilização da República Democrática do
Congo (MONUSCO).
Contudo, a situação da RDC é complexa, envolve uma diversidade de atores internos
e externos, públicos e privados, com a participação de adultos e crianças como combatentes,
envolvendo exércitos, milícias e mercenários, estupros como arma de guerra e disseminação
do vírus HIV como arma biológica resultante. A realidade congolesa extrapola as definições
clássicas de guerra e paz, se consubstanciando um Estado de Violência (GROS, 2009).
O Estado de Violência se caracteriza por haver agressões unilaterais, geralmente
cometidas contra a população; pelo envolvimento de atores para além dos exércitos nacionais,
havendo uma corrente indistinção entre o interno e o externo e, fronteiras que anteriormente
delimitavam espaços, se apresentam porosas e permeáveis (GROS, 2009). O contexto
congolês reflete exatamente este desenquadramento à guerra clássica, tipificada nas
Convenções de Genebra (1949), entre atores estatais racionais que buscam objetivos claros e
visam atacar combatentes do exército inimigo.
De forma sintética, podemos afirmar que o Estado de Violência atual na RDC têm
suas raízes na corrosão do Estado e colapso do regime de Mobutu Sese Seko (1965-1997),
que desencadeou a Primeira Guerra do Congo (1997-1998), sendo sucedida pela Segunda
Guerra do Congo (1998-2003) e o atual estado de conflito latente e falência estatal. A política

59
de apoio de movimentos oposicionistas dos regimes vizinhos feita pelo governo de Mobutu
foi uma das causas para a sua deposição, fazendo o estadista provar do seu próprio veneno,
pois sua queda do poder ocorreu pelo agravamento da crise em seu governo, provocada em
parte pela ação de por grupos oposicionistas que lutavam por procuração (grupos proxies),
grupos estes apoiados pelos mesmos países que anteriormente sofreram com os
financiamentos externos congoleses à grupos internos oposição (Ruanda, Uganda, Burundi e
Angola).
Laurent Désiré Kabila, líder e combatente da Aliança de Forças Democráticas pela
Liberação do Congo-Zaire (AFDL), assumiu o governo da RDC finda a Primeira Guerra do
Congo, contudo, não soube apaziguar os múltiplos interesses conflitantes das guerrilhas e de
seus respectivos apoiadores externos (sobretudo Ruanda, Uganda e Burundi). O Estado não
desenvolveu capacidades próprias para assegurar o “monopólio do uso legítimo da força física”
(WEBER, 1999, p.56), porém, contou com o auxílio de apoiadores externos ao longo dos
embates da Segunda Guerra do Congo (1998-2003), como o Zimbábue, a Angola, a Namíbia.
Portanto, a multiplicidade de atores que atuou em combate, que giram em torno de
vinte grupos, foi um dos fatores que levaram à ausência de uma definição militar do conflito87
e, levou ao desmoronamento do Acordo de Paz de Lusaka (1999), que não abarcou todos os
grupos envolvidos. A deterioração do arranjo de cessar-fogo, o assassinato de Laurent Kabila,
seguido da ascensão do seu filho ao poder, Joseph Kabila, levou a uma nova tentativa de
acordo, com maior colaboração do governo e uma tentativa de envolver a totalidade dos
atores, com o Acordo Global e Todo-Inclusivo de Paz, assinado em 2002 na cidade de
Pretória (CASTELLANO, 2012).
O desfecho formal da Segunda Guerra do Congo, em 2003, não foi precedido de uma
definição militar do conflito e, teve como política a acomodação dos diversos grupos rebeldes
no aparato estatal através do mecanismo de power sharing (distribuição de poder). A não
definição militar do conflito, combinada com a incapacidade do Estado de deter o monopólio
da força, monopólio este que foi corroído desde a independência, leva a impossibilidade de
coerção, por parte do Estado, tanto interna quanto externa. Já a estratégia de power sharing
como meio de resolução de conflito foi optada como uma forma de corrigir o desfecho do
conflito entre as múltiplas partes involucradas de uma maneira alternativa à que foi levada a
cabo por Laurent Kabila.

87
A definição militar do conflito se dá quando uma das partes vence a contenda, fica em posição de
superioridade de capacidade militar em comparação com o vencido e estabelece a coerção ou a ameaça de
coerção sobre a parte vencida, fazendo com que esta seja dissuadida a não reiniciar o confronto.
60
Contudo, a incorporação de grande parcela dos membros de grupos armados
insurgentes ao Estado, sobretudo na formação dos quadros das Forças Armadas, em uma
versão hard de power sharing, prestigiou os beligerantes em detrimento da sociedade civil no
processo de reconstrução estatal “pós-conflito” (CASTELLANO, 2012). Ademais, na região
de Ituri, um conflito armado se desdobrou a parte e incitou ainda mais as rivalidades entre
milícias locais. No mais, a MONUC auxiliou a manutenção do cessar-fogo e promoveu um
Programa de Desarmamento, Desmobilização, Repatriamento, Reassentamento e
Reintegração de combatentes (DDRRR), que contribuiu na afirmação do Estado Nacional,
mas não conseguiu desmantelar a totalidade dos grupos beligerantes.
Do fim formal da Segunda Guerra do Congo, em 2003, até os dias atuais, há uma
persistência de ciclos de violência na RDC, produzidas por estes grupos armados, que matam
civis, realizam estupros, sequestros e pilhagens, desestabilizando as regiões onde atuam. “Um
fator agravante que possibilitou, e continua possibilitando em alguns casos, a continuidade
das operações dos grupos armados dentro do território congolês” conforme assevera Igor
Castellano da Silva, baseado nos dados sobre as riquezas disponíveis na RDC de recursos
naturais históricos (ouro e diamante), atuais (cobalto, urânio, cobre, petróleo e água) e, da era
digital (coltan e cassiterita) “é o controle da extração e do comércio ilegais de recursos
naturais de enclaves no leste do país” (CASTELLANO, 2012, p.205).
Aliado ao Estado de Violência existente na RDC há uma falência estatal, na medida
em que o Estado não logra se consubstanciar nos termos weberianos como o monopólio da
coerção, o meio de exercício de poder estatal. O Estado Falido se caracteriza, segundo
Jackson, por ser incapaz de assegurar “condições mínimas, como paz, ordem e segurança”
(1998, p.2). Se formos analisar a situação da RDC, há uma flagrante falência atestada pelo
Estado de Violência existente, onde a população é confrontada com o oposto do que um
Estado de facto teria como finalidade de prover: conflito, caos e insegurança.
Entretanto, há um fenômeno descrito por Ian Taylor (2010) o qual podemos
visualizar no caso de falência estatal congolesa. Os “Estados Falidos Bem Sucedidos” 88 são
caracterizados pela tolerância dos atores externos aos governos, em geral autocráticos, de
países que detém recursos naturais estratégicos, como o petróleo. No caso do Congo, o
petróleo existente não se destaca regionalmente frente a vizinhos, como a Angola, que tem
uma produtividade bem superior. Os recursos naturais estratégicos que dão destaque a RDC
são os recursos da era digital: o coltan, utilizado na indústria espacial, militar e de eletrônicos,
88
Do inglês: “phenomena of the successful Failed state”, onde o autor traz como exemplos a Nigéria e a Guiné
Equatorial pela produção de petróleo (TAYLOR, 2010, p.142).
61
onde a RDC possui uma participação de 80% das reservas mundiais e uma condição de
extração favorável; e, a cassiterita, com uso nas superligas por ser um material resistente a
corrosão.
Tanto o coltan quanto a cassiterita estão localizados nas regiões de Nord Kivu, Sud
Kivu, Maniema e Tshopo, sendo que as duas primeiras coincide com o foco atual dos conflitos.
A extração de recursos naturais na África em geral se constitui como fonte de renda para as
milícias quando o Estado apresenta debilidades para controlar o monopólio da coerção interna,
fazendo desta renda um meio para sustentar a multipolaridade de atores domésticos que
controlam recursos do Estado (território, população, governo no caso dos “senhores da
guerra”), tornando este fragmentário e débil.
Além da concorrência pelo controle da força há uma tendência de o governo não
investir as rendas provenientes da extração de recursos naturais no desenvolvimento do país e
desviá-la dos bens públicos para os bens próprios da elite governamental, através da prática da
corrupção. Estes recursos estratégicos que deveriam trazer riquezas aos miseráveis países
africanos paradoxalmente só aprofunda a condição subdesenvolvida do país. Taylor (2010) os
chama de “recursos amaldiçoados”, pois inibem as reformas políticas destes países ao gerar
uma classe rentista, um governo autoritário e uma dependência econômica externa.
A situação de falência estatal aliada ao Estado de Violência na RDC já contabilizou
como vítimas direta ou indiretamente atingidas pela Segunda Guerra do Congo (1998-2003)
5,4 milhões de mortes, de 1998 a 2007, em torno de 45 mil mortes mensais (IRC, 2008). Este
é o conflito com o maior número de vítimas desde a Segunda Guerra Mundial.
Conforme o analista sênior do Grupo Crise Internacional, Marc-Andre Lagrange,
expressou em entrevista concedida à Al Jazeera89, a proteção de pessoas e de civis não se
delimita meramente no ato de assistir pessoas sendo mortas e fazer um relatório sobre o
ocorrido, não basta saber que o conflito está resultando em um número aproximado de vítimas,
mas buscar solucioná-lo definitivamente, para que as mortes deixem de ser apenas
contabilizadas. Por isso, a intervenção humanitária na RDC deve vislumbrar a construção de
bases sólidas para que o Estado possa cumprir a sua função, além da pacificação, para que no
futuro não perdure uma dependência externa crônica de forças internacionais para manter a
ordem, a segurança e a paz.

89
Do original: "protecting the people and protecting civilians is not just watching people being killed and
making a report” (BROOKS, 2013).
62
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da década de 1990, as relações internacionais passaram por uma série de


modificações, desde a polaridade do sistema até a ampliação da agenda de estudos. Novos
temas de segurança internacional surgiram acompanhados de novas abordagens. Neste
contexto efervescente surgem os debates sobre três novas gramáticas: Responsabilidade de
Proteger (tida como um desdobramento da concepção de Segurança Humana), Securitização e
Estados Falidos.
O trabalho buscou analisar como intervenções humanitárias são legitimadas. Para tal,
o estudo partiu dos conceitos de Estado, Soberania, Guerra Justa e Não Intervenção, para
poder então compreender como ocorre o processo de legitimação internacional e porque,
apesar dos princípios de soberania estatal e não intervenção, intervenções humanitárias se
constituíam uma nova categoria aceitável do ponto de vista político e legal.
Tendo em vista a emergência de uma nova norma de proteção aos direitos humanos,
a Responsabilidade de Proteger, e novas adjetivações para o Estado e para a prática da
soberania (Estado Falido, boa/má soberania), juntamente com a associação da visão de Paz e
Segurança Internacional a proteção dos Direitos Humanos, é observada uma securitização dos
direitos humanos. Esta securitização se dá quando temas não tradicionais de segurança
(direitos humanos, meio ambiente) são aceitos para servirem a interesses nacionais de
segurança tradicionais (defesa, segurança nacional), e não porque a defesa de suas causas
impacta na ordem internacional de maneira coletiva, ou seja, os interesses geoestratégicos das
potências contaminam as ações que deveriam ter em primeiro plano a proteção do indivíduo e,
a partir deste ponto abre-se espaço para uma instrumentalização política da questão
humanitária.
Deste modo, as intervenções motivadas pela questão humanitária dispõem de causa
justa, mas é ressaltado que a razão humanitária é necessária, mas não suficiente para que a
intervenção seja legítima. Estar de acordo com os requisitos da teoria da Guerra Justa, jus ad
bellum, jus in belo e jus post bellum, nos períodos temporais antes, durante e depois da
intervenção, a faz justa. Já a legitimidade se dá ela confluência da vontade geral com a
variável do poder nas relações internacionais.
Na análise do caso da República Democrática do Congo, foi implementada a
intervenção humanitária para cessar o conflito da chamada “Guerra Mundial Africana” (1998-
2003). A Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) foi

63
autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 1999 com a finalidade de fazer
cumprir o Acordo de Cessar Fogo de Lusaka (1999), proteger a população e promover a paz.
O conflito foi finalizado formalmente em 2003, contudo a crise humanitária não foi
contida com o término das conflagrações. Após diversas renovações de mandato, altos custos
de manutenção da missão e poucos resultados, em 2010 a MONUC foi reformulada e passou
a ser chamada de Missão das Nações Unidas de Estabilização da República Democrática do
Congo (MONUSCO), sofrendo uma ampliação do mandato e obtendo autorização para
utilizar todos os meios necessários para cumpri-lo (UNSC, 2010).
Portanto, a legitimação da intervenção humanitária na RDC deve ser vista antes da
implementação da MONUC, no dilema de intervir ou não, durante e depois do processo de
intervenção, visto que a finalidade de proteção humanitária e a conduta justa devem ser
mantidas para que a legitimidade da ação continue. Esta visão concorda com a proposta
brasileira de observar tanto a Responsabilidade de Proteger quanto a Responsabilidade ao
Proteger.
Tendo em vista que em 30 novembro de 2014 a MONUSCO completou 15 anos de
mandato (lembrando que a MONUSCO é uma continuação reformulada da MONUC) e, em
2016 serão completados 20 anos desde o início da Primeira Guerra do Congo (1996-1997), se
avaliarmos em termos de resultados, a reformulação da MONUC foi necessária para dar
continuidade ao status de intervenção legítima na RDC, a partir do momento em que a
condução da missão não estava atingindo seus fins de proteção da população.
Portanto, analisando o caso do Estado de Violência na RDC, a intervenção
humanitária legítima não deve apenas ter como objetivo a proteção da população, mas sim
auxiliar o Estado a desenvolver capacidades próprias para atuar na proteção de sua
responsabilidade primária e no reforço de suas instituições, para que suas riquezas naturais
passem a gerar bens públicos que desenvolvam o país. É desta maneira que a intervenção
humanitária conseguirá cumprir o seu mandato por completo, cessando o conflito armado, de
facto, acabando com a crise humanitária e auxiliando na reconstrução nacional.

64
ANEXOS

ANEXO 1 – África: mapa político

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81frica#mediaviewer/File:African_continent-pt.svg

65
ANEXO 2 – RDC: mapa político

Fonte: http://eadev-ead.blogspot.com.br/2012_06_01_archive.html

66
REFERÊNCIAS

ABBOTT, Chris. Rights and Responsibilities: the dilemma of humanitarian intervention.


Global Dialogue.Vol.7, n.1-2, winter/spring 2005.

ABRI. Transformações nas Operações de Paz e Proteção Humanitária no Pós-Guerra Fria. In:
3º ENCONTRO NACIONAL ABRI 2011. 3., 2011, São Paulo. Proceedings Online...
Associação Brasileira de Relações Internacionais Instituto de Relações Internacionais – USP.
Available from:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC00000001220110
00300018&lng=en&nrm=iso>. Acess on 10 July. 2014.

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 14ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.

ANNAN, Kofi. Two Concepts of Sovereignty. The Economist. 18 de setembro de 1999.

ARON. Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Prefácio de Antônio Paim; Trad. Sérgio
Bath (1ª ed.). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

BIERRENBACH, Ana Maria. O Conceito de Responsabilidade de Proteger e o Direito


Internacional Humanitário. Brasília: FUNAG, 2011.

BODIN, Jean. Os Seis Livros da República – livro primeiro. Trad. José Carlos Orsi Morel.
Rev. José Ignácio Coelho Mendes Neto. 1ª Ed. São Paulo: Ícone Editora, 2011. Coleção
Fundamentos do Direito.

BRASIL. Decreto nº 19.841. 22 DE OUTUBRO DE 1945. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em 18 de
novembro de 2014.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 8 de
setembro de 2014.

_______. Palácio do Planalto. Presidência da República. Discurso da Presidenta da


República, Dilma Rousseff, na abertura da 67ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Nova
Iorque, 25 de Setembro de 2012. Disponível em <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-
planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-
rousseff-na-abertura-da-67a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua>. Acesso
em 05 de setembro de 2014.

BROOKES, Courtney. UN tests combat brigade in Democratic Republic of Congo. Al


Jazeera America, 6 de setembro de 2013. Disponível em
<http://america.aljazeera.com/articles/2013/9/5/un-tests-combat-
brigadeindemocraticrepublicofcongo.html>. Acesso em 23 de setembro de 2014.

BULL, Hedley. Intervention in World Politics. Oxford: Claredon Press, 1986.

67
______. A Sociedade Anárquica: um estudo da ordem na política mundial. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

BUZAN, Barry; HANSEN, Lene. A Evolução dos Estudos de Segurança Internacional. Trad.
Flávio Lira. São Paulo: Ed. Unesp, 2012. Coleção Paz, Defesa e Segurança Internacional.

BUZAN, Barry; WÆVER, Ole; WILDE, Jaap de. Security: a new framework for analysis.
Londres, Lynne Rienner Publishers, 1998.

BUZAN, Barry; WÆVER, Ole. Regions and Power: the structure of international security.
Nova Iorque, Cambridge University Press, 2003.

CARR, Edward Hallet. Vinte Anos de Crise 1919 – 1939 uma introdução ao estudo das
relações internacionais. Tradução Luiz Alberto Figueiredo Machado. 2ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2001.

CASTELLANO DA SILVA, Igor. Congo, a Guerra Mundial Africana: conflitos armados,


construção do Estado e alternativas para a paz. 1ª ed. Porto Alegre: Leitura
XXI/CEBRAFRICA/UFRGS, 2012. Série Africana.

CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. Brasília, FUNAG, 2012.

CEASEFIRE AGREEMENT. Lusaka, 1999. Disponível em


<http://www.un.org/Docs/s815_25.pdf>. Acesso em 23 de setembro de 2014.

CEPIK, Marco Aurélio Chaves. A política da cooperação espacial chinesa: contexto


estratégico e alcance internacional. Revista de Sociologia Política. Vol.19, 2011, pp. 81-104.

CLAUSEWITZ, Carl von. On War. Trad. Michael Howard e Peter Paret. Nova Iorque:
Oxford University Press, 2007.

CICV. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Disponível em <https://www.icrc.org/por/>.


Acesso em 08 de dezembro de 2014.

CONVENÇÃO DE MONTEVIDÉO OU CONVENÇÃO PAN-AMERICANA SOBRE


DIREITOS E DEVERES DOS ESTADOS. 1933. Disponível em
<http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-40.html>. Acesso em 7 de junho de 2014.

CONVENÇÕES DE GENEBRA. 1949. Disponível em <http://www.icrc.org/por/war-and-


law/treaties-customary-law/geneva-conventions/>. Acesso em 3 de setembro de 2014.

CONVENÇÕES DE HAIA. 1899. Disponível em


<http://avalon.law.yale.edu/subject_menus/lawwar.asp>. Acesso em 3 de setembro de 2014.

________. 1907. Disponível em <http://avalon.law.yale.edu/subject_menus/lawwar.asp>.


Acesso em 3 de setembro de 2014.

COUR PERMANENTE D‟ARBITRAGE. Convention de 1899 pour le règlement pacifique


68
des conflits internationaux. Disponível em <http://www.pca-
cpa.org/showpage.asp?pag_id=1203>. Acesso em 25 de julho de 2014.

________. Convention de 1907 pour le règlement pacifique des conflits internationaux.


Disponível em <http://www.pca-cpa.org/showpage.asp?pag_id=1203>. Acesso em 25 de
julho de 2014.

CSNHS. The Civil Society Network for Human Security. The Human Security Approach in
Conflict Prevention and Peacebuilding. Haia: Fundação GPPAC, 2013. Disponível em
<http://www.gppac.net/documents/130221585/0/Civil+Society+HS+Position+Paper_FinalAp
ril2013.pdf/cd04a657-2b0a-4508-979b-f1e13239d410>. Acesso em 22 de setembro de 2014.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1998.

DELGADO, Vladimir Chaves. A Soberania dos Estados Face a Questão da Ingerência


Humanitária no Direito Internacional Público. Revista Jurídica. Brasília, v. 7, n. 76, p. 61-69,
dez/2005 a jan/2006.

DIAS, Guilherme Moreira. Soberania e Intervenção Humanitária: dilemas da agenda de


segurança internacional. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos
Estratégicos da Defesa e da Segurança. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007.

DUARTE, Érico Esteves. Military Power, Financial Crisis and International Security
Panorama in the 21st Century. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International
Relations. Porto Alegre: International Strategic Studies Doctoral Program. Vol. 2, N. 3. Pp. 9-
43. 2013.

FELDBERG, Samuel. Estados Unidos da América e Israel: uma aliança em questão. São
Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.

FFP. The Fund for Peace. The Failed States Index. 2013. Disponível em
<http://ffp.statesindex.org/rankings-2013-sortable>. Último acesso em: 10 set. 2013.

FINNEMORE, Martha. The Purpose of Intervention: changing beliefs about the use of force.
New York: Cornell University Press, 2003.

FONSECA JR., Gelson. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. São Paulo: Paz e
Terra, 1998.

FUJITA, Edmundo Sussumo. O Brasil e o Conselho de Segurança. Notas sobre uma década
de transição 1985 - 1995. Revista Parcerias Estratégicas, Dez.1996, p.p 95-110.

FUKUYAMA, Francis. The End of History and the last men. New York, The Free Press, 1992.

_________. Construção de Estados. Rio de Janeiro, Rocco, 2004.

GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos Humanos e Segurança Internacional: o tratamento dos


temas de Direitos Humanos no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.
69
GLOBAL AND INCLUSIVE AGREEMENT ON TRANSITION IN DEMOCRATIC
REPUBLIC OF CONGO. Pretória, 16 de Dezembro de 2002. Disponível em
<http://www.issafrica.org/cdDRCReader/bin/6global.pdf>. Acesso em 23 de setembro de
2014.

GROS, Frédéric. Estados de violência: ensaio sobre o fim da guerra. Trad. José Augusto da
Silva. Aparecida: Ideias & Letras, 2009.

GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. Trad. Ciro Mioranza. Ijuí: Editora da Unijuí,
2004.

HAASS, Richard N. The Age of Non Polarity: what will follow U.S. dominance. Foreign
Affairs. Council of Foreign Relations. May/June 2008.

HELMAN, Gerald B. e RATNER, Steven R. Saving Failed States. Foreign Policy. N.89,
Winter, 1992, pp. 3-18.

HERMANN, Breno. Soberania, Não Intervenção e Não Indiferença: reflexões sobre o


discurso diplomático brasileiro. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Safe, 1991

HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil.


Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Editor Victor Civita,
1983.

HOBSBAWM. Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

HOLZGREFE, J.L. The Humanitarian Intervention Debate. Em: HOLZGREFE, J.L;


KEOHANE, Robert O. (eds.). Humanitarian Intervention: ethical, legal and political
dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p.p. 15-52.

HUME, David. Of the Balance of Power. In Essays Moral, Political and Literary.
Indianapolis: Liberty Classics, 1987.

HUNTINGTON, Samuel P. The Clash of Civilizations? Foreign Affairs, Summer 1993, p.p.
22-49. Available in
<http://www.polsci.wvu.edu/faculty/hauser/ps103/readings/huntingtonclashofcivilizationsfora
ffsummer93.pdf>. Access in May, 8, 2013.

_______. America in the World. The Hedgehog Review, vol.5, nº1, spring 2003, p.p. 7-18.
Available in <http://www.iasc-culture.org/THR/hedgehog_review_2003-Spring.php>. Access
in May, 12, 2013.

IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

_______. A Era do Globalismo. 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

70
_______. A Sociedade Global. 13ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

ICC. International Criminal Court. The Rome Statute. 1998. Disponível em <http://www.icc-
cpi.int/NR/rdonlyres/ADD16852-AEE9-4757-ABE7-
9CDC7CF02886/283503/RomeStatutEng1.pdf>. Acesso em 4 de setembro de 2014.

ICCPR. International Covenant on Civil and Political Rights. 1966. Disponível em


<http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.aspx>. Acesso em 6 de setembro de
2014.

ICESCR. International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. 1966. Disponível
em <http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CESCR.aspx>. Acesso em 6 de
setembro de 2014.

ICISS. International Commission on Intervention and State Sovereingty. Report of the ICISS.
The Responsibility to Protect. Ottawa: International Development Centre, 2001. Disponível
em: <http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>. Último acesso em: 09 jun.
2013.

ICJ. International Court of Justice. Statute of International Court of Justice. 1945. Disponível
em <http://legal.un.org/avl/pdf/ha/sicj/icj_statute_e.pdf>. Acesso em 08 de dezembro de 2014.

ILC. International Law Commission. Book 25: Materials on the Responsibility of States for
Internationally Wrongful Acts. Chapter III - Serious Breaches of Obligations Under
Peremptory Norms of General International Law. Nova Iorque: Nações Unidas, 2012.
Disponível em
<http://legal.un.org/legislativeseries/documents/Book25/Book25_part2_ch3.pdf>. Acesso em
24 de julho de 2014. (United Nations Legislative Series)

IRC. International Rescue Committee. Forgotten Crisis. Nova Iorque, 2008. Disponível em
<http://www.rescue.org/special-reports/special-report-congo-y>. Acesso em 24 de setembro
de 2014.

JACKSON, Robert. Surrogate Sovereignty? Great Power Responsibility and “Failed States”.
The University of British Columbia, Institute of International Relations Working Paper no. 25,
November. 1998.

JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. Buenos Aires: Maipú, 1970.

KEEGAN, John. Uma História da Guerra. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.

KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências: transformação econômica


conflito militar de 1500 a 2000. 20 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1989.

KISSINGER, Henry. A World Restored. Nova Iorque: NY Grossel & Dunlap, 1964.

71
_______. A diplomacia das grandes potências. 2. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999.

KRASNER, Stephen D. Sovereignty: organized hypocrisy. Nova Iorque: Princenton


University Press, 1999.

KRAUTHAMER, Charles. The Unipolar Moment. Foreign Affairs [online], n. 1, v. 70, pp.
23-33, Winter, 1990-1991.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia


científica. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1991.

LAYNE, Christopher. This Time It‟s Real: The End of Unipolarity and the Pax Americana.
International Studies Quarterly. Vol. 56, Nº 1. International Studies Association, 2012.

MAGALHÃES, Debora Gonsales Rocca. Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais.


2005. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2320/Solucao-pacifica-de-
controversias-internacionais>. Acesso em 9 de setembro de 2014.

MARTINS, José Miguel Quedi. Considerações Finais: Recomposição Hegemônica e as


Relações Internacionais do Brasil. In: MARTINS, José Miguel Quedi (org.) Relações
Internacionais Contemporâneas 2012/02: Estudos de Caso em Política Externa e de
Segurança. Porto Alegre: ISAPE, 2013.

MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. New York: Cambridge
University Press, 2007.

MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro:


Renovar, 1992.

MINGST, Karen; KARNS, Margaret. The United Nations in the Post-Cold War Era. 2ª ed.
Boulder: Westview Press, 2000.

NYE JR., Joseph. Compreender os Conflitos Internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002.

_______. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Editora Gente,
2009.

_______. O Futuro do Poder. São Paulo: Editora Benvirá, 2012.

_______. The Twenty-First Century Will Not Be a Post-American World. International


Studies Quarterly. Vol. 56, Nº 1. International Studies Association, 2012.

OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional Público da Integração. Trad. S. Duarte. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2009

OLIVEIRA, Ariana Bazzano de. O Fim da Guerra Fria e as Novas Concepções de Segurança
Internacional. Em I Seminário Nacional de Ciência Política da UFRGS, Democracia em
Debate. Setembro, 2008.

72
OREND, Brian. War. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall Edition. Standford:
Edward N. Zalta, 2008. Disponível em <http://plato.stanford.edu/entries/war/>. Acesso em 02
de Setembro de 2014.

PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às Relações Internacionais: temas, atores e


visões. Petrópolis. Vozes, 2004.

PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório de Desenvolvimento


Humano. Novas Dimensões da Segurança Humana. 1994. Disponível em:
<http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr1994/chapters/>. Último acesso em: 05 jun. 2013.

POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultix, 1993.

POSEN, Barry R. Command of the Commons: The Military Foundation of U.S. Hegemony.
International Security. Vol. 28, Nº 1. MIT Press Journals, 2003.

REDIN, Giuliana; BARBOSA, Juliana Graffunder. Da Segurança Internacional à Segurança


Humana: implicações do instituto jurídico do Refúgio e o caso da política externa bilateral
Brasil-Haiti na questão imigratória. Boletim Meridiano 47, vol.15, n.141, jan.-fev. 2014, pp.
10-17.

RODRIGUES, Thiago. Segurança Planetária: entre o climático e o humano. Ecopolítica. Vol.


3, 2012. Pp. 04-41.

ROSENAU, James N. The Concept of Intervention. Journal of International Affairs. Vol 22,
n.2, 1968, p.p. 165-176.

ROUSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. 3ª Ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.

RUDZIT, Gunther. O Debate Teórico em Segurança Internacional – mudanças frente ao


terrorismo? Revista Civitas, Porto Alegre, vol. 05, n° 02, jul/dez 2005, pp. 297-323.

SATO, Eiiti. A Agenda Internacional Depois da Guerra Fria: novos temas e novas percepções.
Revista Brasileira de Política Internacional. vol. 43, nº1, 2000. pp. 138-169.

SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria


do Advogado Editora, 2003.

________. Relações Internacionais. Barueri: Manole, 2004.

SOUZA, Graziene Carneiro de. Responsabilidade de Proteger e sua “Responsabilidade de


Reagir”: nova modalidade de intervenção militar? Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal Fluminense. Instituto de Estudos Estratégicos. Programa de Pós-Graduação em
Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança. Niterói: 2012.

TANNO, Grace. A Contribuição da Escola de Copenhague aos Estudos de Segurança


Internacional. Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 25, nº1, jan.-jun. 2003, pp. 47-80.

73
TAYLOR, Ian. The International Relations of Sub-Saharan Africa. Nova Iorque: Continuum,
2010.

TESÓN. Fernando. The Liberal Case for Humanitarian Intervention. In: KEOHANE, Robert
et. al. Humanitarian Intervention: Ethical, Legal and Political Dilemmas. Cambridge
University Press, 2003.

THÜRER, Daniel. The “Failed State” and International Law. International Review of the Red
Cross. N.836, 31 de dezembro de 1999. Disponível em
<http://www.icrc.org/eng/resources/documents/misc/57jq6u.htm>. Acesso em 22 de
novembro de 2014.

TOMÉ, Luiz Leitão. Novo Recorte Geopolítico Mundial: uma ordem uni-multipolar, uma
grande guerra e o jogo de “contenções múltiplas”. Revista Nação e Defesa. n.º 106 - 2.ª Série.
Outono-Inverno 2003, pp. 77-119

TUCIDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Prefácio de Helio Jaguaribe; Trad. do grego


de Mário da Gama Kury. - 4'. edição -Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de
Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2001.

TZU, Sun. A Arte da Guerra. Trad. Sueli Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2011.

UN. United Nations. Charter of the United Nations. San Francisco, 1945. Disponível em
<http://www.un.org/en/documents/charter/>. Último acesso em: 06 mai. 2014.

________. Report of the UN Secretary-General: "Agenda for Peace". A/47/277 - S/24111.


June 17th, 1992. Available in http://www.cfr.org/peacekeeping/report-un-secretary-general-
agenda-peace/p23439. Access in June 7th, 2013.

________. Report of the UN Secretary-General to the UN Security Concil on the Protection


of Civilians in Armed Conflicts, number S/1999/957. September 8th, 1999. Available in
<http://daccess-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N99/258/15/PDF/N9925815.pdf?OpenElement>. Access in
June 9th, 2013.

_______. Resolution n. 1279. Nov. 1999. Disponível em


<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1279(1999)>. Último acesso
em: 30 agosto 2013.

_______. MONUC Mission de l'Organisation des Nations Unies en République


Démocratique du Congo. 1999.

_______. Millenium Report of the Secretary-General. We the Peoples: the role of the United
Nations in the 21st Century. Nova Iorque: UN Departament of Public Information, 2000.

UNSC. United Nations Security Council. Resolution nº. 0688. 1991. Disponível em
<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/688(1991)>. Acesso em 22
de julho de 2014.

74
USA. United States of America. Selected Speeches of the President George W. Bush 2001-
2008. Disponível em <http://georgewbush-
whitehouse.archives.gov/infocus/bushrecord/documents/Selected_Speeches_George_W_Bush
.pdf>. Acesso em 12 de novembro de 2013.

VAZ, Nuno Mira. Guerra Justa em Tempo de Terrorismo: reflexão em louvor a Michael
Walzer. Nação e Defesa. Nº113, 3ª série. Primavera, 2006. P.p. 91 – 106.

VCDR. Vienna Convention on Diplomatic Relations. 1961. Disponível em


<http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/conventions/9_1_1961.pdf>. Acesso em 6 de
setembro de 2014.

VCLT. Vienna Convention on the Law of Treaties. 1969. Disponível em


<https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%201155/volume-1155-I-18232-
English.pdf>. Acesso em 6 de setembro de 2014.

WALZER, Michael. Just ans Injust Wars: a moral argument with historical illustrations.
Nova Iorque: Basic Books, 2000.

WÆVER, Ole. Securitization and Desecuritization. Em Ronnie Lipschutz (ed.), On Security.


Nova Iorque, Columbia University Press. 1995.

WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1999.

WHEELER, Nicolas J. Saving Strangers: humanitarian interventions in international society.


Nova Iorque: Oxford University Press, 2000.

WIGHT, Martin. A Política do Poder. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de


Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2002.

WOHLFORTH, William. How Not to Evaluate Theories. International Studies Quarterly.


Vol. 56, Nº 1. International Studies Association, 2012.

“X” (George F. Kennan). The Souces of Soviet Conduct. Foreign Affairs. Vol. 25, nº 4. Jul.
1947. Disponível em <http://www.foreignaffairs.com/articles/23331/x/the-sources-of-soviet-
conduct>. Acesso em 02 de dez. de 2013.

75

Você também pode gostar