Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BRASÍLIA
2018
Ficha Institucional Ficha Técnica
Diretor-Geral
CARLOS FELIPE ALENCASTRO
FERNANDES DE CARVALHO Autoras
Ouvidora Nacional dos Serviços Penais CAROLINA COSTA FERREIRA
MARIA GABRIELA VIANA PEIXOTO
Corregedor-Geral ROSIER BATISTA CUSTÓDIO
PAULO RODRIGUES DA COSTA
Colaboradores
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD ANDRÉ CASTANHO GIROTTO
ANTONIO JOSÉ MAFFEZOLI LEITE
Representante-residente
NIKY FABIANCIC CLÉRISTON CAVALCANTE DE MACÊDO
Diretor de País EDUARDO NUNES DE QUEIROZ
DIDIER TREBUCQ
KATLIN NAYARA BIANCO MONTEIRO
Representante Residente Assistente para
Programa LUCIANA ZAFFALON LEME CARDOSO
MARISTELA BAIONI MARIA GABRIELA VIANA PEIXOTO
Coordenadora da Unidade de Paz e
Governança MARÍLIA MONTENEGRO PESSOA DE
MELO
MOEMA FREIRE
Assistente de Programa MARLON VINÍCIOS DE SOUZA
CARIME GUIOTTI BARCELLOS
PATRÍCIA FONSECA CARLOS MAGNO
DE OLIVEIRA
COLÉGIO NACIONAL DE DEFENSORES
PAULO RODRIGUES DA COSTA
PÚBLICOS GERAIS
PEDRO DANIEL STROZENBERG
Presidente PEDRO PAULO CASALI BAHIA
CLÉRISTON CAVALCANTE DE MACÊDO
TAINÁ PORTO COTRIM
TATIANA WHATELY DE MOURA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
VICTOR MARTINS PIMENTA
DEFENSORES PÚBLICOS
VILMA MARIA DOS SANTOS REIS
Presidente
ANTONIO JOSÉ MAFFEZOLI LEITE
Sumário
Apresentação ............................................................................................................ 04
Introdução ................................................................................................................. 06
Referências ............................................................................................................... 57
Apresentação
A publicação Princípios para a atuação associados a elas, a exemplo da
da Defensoria Pública nas áreas contratação de mais defensores públicos, a
criminal e de execução penal é o melhor organização dos serviços de defesa
primeiro resultado de parceria entre o criminal em âmbito local e a visibilização das
Colégio Nacional de Defensores Públicos graves violações de direitos humanos
Gerais, a Associação Nacional dos perpetradas pelo sistema de justiça, em
Defensores Públicos, o Departamento processos criminais e de execução penal
Penitenciário Nacional e o Programa das que correm sem a possibilidade de uma
Nações Unidas para o Desenvolvimento, defesa efetiva.
voltada à construção de um modelo de
gestão para a atuação de defensoras e As Defensorias Públicas ainda possuem
federal data, pelo menos, de 2009, com o que a União, os Estados e o Distrito Federal
Desde então, foram realizadas ações em públicos ser proporcional à efetiva demanda
Minas Gerais, Pernambuco, Santa pelo serviço. Não obstante, vencido metade
Amazonas, Rio Grande do Norte, Roraima distante de ser alcançada, sendo o órgão
que podem, direta ou indiretamente, ser segundo plano a garantia dos direitos e
a a 4
garantias fundamentais das pessoas Nesse contexto, é essencial que as
submetidas aos processos de Defensorias Públicas possam encontrar
criminalização. diretrizes para a organização de seus
serviços na área criminal. Ter clareza sobre
Ainda assim, é preciso reconhecer que o papel político que desempenham frente
estamos em novo momento. Com o aos processos de seletividade e exclusão
fortalecimento das Defensorias Públicas que estão na raiz do sistema de justiça
pelo país, o amadurecimento institucional criminal brasileiro é um caminho para
desses órgãos e o avanço de pesquisas e orientar a atividade e pode ser
indicadores na área, novos desafios transformador para os rumos dos órgãos.
surgiram. Discute-se, hoje, as melhores
formas de atuação estratégica no Respeitada a autonomia de cada instituição,
enfrentamento ao encarceramento, as esse documento pretende orientar política e
formas de se incidir sobre a realidade tecnicamente o fortalecimento das
prisional do país e de cada estado, o Defensorias Públicas estaduais no país. Os
caminho para o atendimento digno dos subsídios aqui apresentados serão
usuários dos serviços. O foco deixa de referência para os próximos passos dessa
estar somente na criação ou fornecimento parceria em âmbito nacional e podem,
de condições materiais mínimas para o desde já, inspirar transformações das
exercício da defesa criminal, passando a práticas de defensores públicos e outros
englobar também o modo como essa atores do sistema de justiça criminal.
defesa deve ser exercida e como as
instituições devem se organizar para o Desejamos a todas e todos uma ótima
5
Introdução
O mesmo art. 134 estabelece, em seu §4º, que “são princípios institucionais
da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. A
Lei Complementar nº 80/1994, substancialmente alterada pela Lei Complementar
nº 132/2009, também estabelece objetivos para a atuação da Defensoria Pública,
consistentes na primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das
desigualdades sociais; a afirmação do Estado Democrático de Direito; a
prevalência e a efetividade dos direitos humanos e a garantia dos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 3º-A da lei – BRASIL,
1994).
6
Pública, além de sérios problemas estruturais, pode contribuir para o agravamento
do encarceramento em massa do país.
7
de assistência aos usuários e às suas famílias; a prevenção e o combate à tortura
e a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
8
Capítulo 1: Encarceramento em massa e cultura punitiva: quadro
atual e possíveis caminhos
formais de controle sobre os corpos das pessoas presas, desde a polícia, a Justiça Criminal e a
execução penal. Por todos, ver COSTA, 2015.
9
criminal. Nesse sentido, significa dizer que este documento busca a base de como
o atendimento da Defensoria Pública deve se nortear para atingir uma defesa
integral, diligente e qualificada no atendimento às pessoas investigadas e
processadas perante o Sistema de Justiça Criminal brasileiro.
11
TABELA 1 – POPULAÇÃO CARCERÁRIA MASCULINA BRASILEIRA (2000-2016)
12
Fonte: DEPEN (MJ)
4
Para o DEPEN, na primeira publicação específica sobre a população carcerária feminina, “esse
dado revela a persistência da pena de prisão como medida sancionatória, inclusive para os casos
de crimes menos graves, impactando de forma mais geral o total da população de mulheres
encarceradas no Brasil” (BRASIL, 2015d, p. 20). A mesma avaliação subsiste para os dados
atualizados.
13
TABELA 2 – POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA BRASILEIRA (2000-2014)
ANO POPULAÇÃO
2000 10.112
2001 9.873
2002 10.285
2003 9.863
2004 16.473
2005 8.914
2006 17.216
2007 19.034
2008 21.604
2009 24.292
2010 26.411
2011 28.188
2012 34.058
2013 35.218
2014 37.380
2016 42.355
Fonte: DEPEN (MJ)
5É importante ressaltar que, justamente entre 2002 e 2003 há alteração na alimentação dos dados
do sistema penitenciário, que passam a ser publicados considerando a separação por Unidades da
Federação, de acordo com as informações prestadas pelas Secretarias Estaduais de Segurança
Pública.
14
21. A média de aumento da população carcerária no período estudado chega a
6,93% ao ano, enquanto a média de leis penais ou processuais penais publicadas
chega a 9,36%.
Portanto, pode-se dizer que o Brasil passa, desde 1940, por uma
ascensão punitiva e pelo aumento desenfreado da população carcerária.
Percebe-se que o encarceramento em massa brasileiro se torna possível pela
sistemática violação de direitos e garantias constitucionais e legais das pessoas
acusadas e condenadas. Essas violações devem ser entendidas como processos
racializados, que encontram lugar enquanto mecanismos de produção e
reprodução de relações sociais racistas na sociedade brasileira. O discurso
legitimante do direito penal, de direitos e de garantias que, em tese, abarcam a
todos e protegem contra prisões e condenações arbitrárias e ilegais, é
cotidianamente desconstruído nas práticas dos tribunais, possível de ser
enxergado no dia-a-dia da atuação de defensores públicos e demais servidores
dos órgãos. É nesse sentido que, como aponta Silva (2018, p. 269), “o mito da
paridade de armas é a materialização processual do mito da democracia racial”.
A falta de uma mudança de identidade em nossos sistemas processuais
penais – que se dizem de natureza acusatória, considerando-se os princípios
6 A mesma publicação resume o perfil das mulheres encarceradas, atualmente, no Brasil: “Em
geral, as mulheres em submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela
provisão do sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais
desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao
aprisionamento. Em torno de 68% dessas mulheres possuem vinculação penal por envolvimento
com o tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria
dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de
drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de
gerência do tráfico” (BRASIL, 2015d, p. 5).
15
processuais previstos na Constituição Federal de 1988, mas que, em suas
práticas, continuam a se caracterizar por seu autoritarismo, típico de um sistema
processual de natureza inquisitória (PRADO, 2005).
Por consequência, percebe-se a falta de segurança institucional na
manutenção das garantias processuais penais, revelada pela fragilidade da
produção de provas no processo penal brasileiro, em que sentenças
condenatórias são geralmente baseadas em provas testemunhais, de forma
predominante nos casos de tráfico de drogas (RIO DE JANEIRO, 2018). Também
merece destaque a análise da criminalização da pobreza e os recortes
necessários sobre gênero, raça e classe, que precisam orientar um pensamento
crítico sobre a atuação do sistema de justiça criminal no Brasil7.
Em um sistema processual de natureza acusatória e de práticas
inquisitórias, esses mecanismos podem ser especialmente mais violentos e duros
em relação às mulheres encarceradas, tanto pela falta de estrutura estatal para o
cumprimento da Lei de Execução Penal em relação às mulheres e às suas
crianças, quanto em relação aos processos penais, seja em que fase estejam– em
audiências de custódia ou na execução penal -, quando recebem toda sorte de
discriminações em razão do gênero8, ou quando acessam a justiça para demandar
sua proteção, na condição de familiares de vítimas de crimes ou de familiares de
pessoas condenadas, que estejam submetidas à execução penal (LAGO, 2017).
Nesse sentido, as demandas típicas do acesso à justiça são cada vez
mais intensas – para administrar tamanha população carcerária, é necessário
dispor de recursos e aportes para a Defensoria Pública exercer suas funções
institucionais. Para lidar com a dura realidade do encarceramento em massa, é
preciso que a Defensoria Pública disponha de ferramentas e instrumentos que
reforcem seus princípios, com o objetivo de prestar um serviço público de
qualidade aos seus usuários.
7 Sobre o assunto, são relevantes os trabalhos de Evandro Piza (2017), Camila Prando (2018),
Thula Pires (2013), Ana Luiza Flauzina (2008), Felipe Freitas (2016).
8 Sobre a situação das mulheres transgênero no sistema carcerário, ver ROSA, 2016 e sobre a
9 Como se verá no diagnóstico nacional (produto 2 desta Consultoria), nem todas as Defensorias
Públicas no Brasil dispõem de estrutura para o acompanhamento de todas essas fases: muitas se
valem de estruturas como os núcleos de prática jurídica de Instituições de Ensino Superior em
Direito para uma atuação mais ampla nas ações penais, mas deixam a desejar no
acompanhamento de egressos e de suas famílias. A falta de estruturação na atuação
multidisciplinar, tão relevante para o esclarecimento da atuação na assistência jurídica, é um fator
que precisa ser levado em consideração para a definição do que se chama de atuação
integralizada da Defensoria Pública.
18
Capítulo 2: Assistência Jurídica e o papel da Defensoria: articulando
princípios, objetivos e funções institucionais, garantias
constitucionais e o modelo conceitual de postulados, princípios e
diretrizes
19
da representação legal das pessoas que não possuem condições financeiras para
contratar a própria defesa por meio de associações de advogados privados, que
atuam por meio de tais associações, mas mantém sua carreira no âmbito privado;
e o salaried staff model, consistente em advogados públicos, integralmente
financiados pelo Estado, e de dedicação exclusiva às atividades de assistência
(ROCHA, 2009, p. 60).
10 “O direito a contar com um advogado defensor, em seu sentido mais genuíno, significa contar
com um defensor de confiança; só no sentido subsidiário existe a obrigação de que o Estado
designe um defensor a quem não possa tê-lo, tal como veremos mais diante. Devido aos altíssimos
níveis de casos que são atendidos pela defensoria pública, isso provocou que se perca de vista,
em numerosas ocasiões, o sentido básico do direito que implica uma relação de confiança entre o
acusado e seu defensor. A orientação do sistema penal para setores empobrecidos que não
podem nomear diretamente um advogado deu essa centralidade aos sistemas de defensoria
pública que, felizmente, puderam fortalecer-se nos últimos anos. A questão passa a ser, então, a
de estabelecer mecanismos que permitam, dentro do possível, construir essa relação de confiança
dentro dos sistemas de defensoria pública” (BINDER et al, 2016, p. 70).
11 Cf. caso Cabrera García e Montiel Flores, de 2010 (BINDER et al, 2016, p. 71).
20
jurídica processual, alcançando as possibilidades de atendimento multidisciplinar
(psicológico, social, dentre outros), refletindo sobre o indivíduo que se torna
usuário dos serviços públicos, bem como de sua família, caso necessário.
22
considerada, para os fins desta publicação, toda as fases em que se deve realizar
tal representação – em delegacia, desde o acompanhamento do interrogatório e
as diligências no inquérito policial, a chamada “fase processual” (desde o
recebimento da denúncia, instrução, sentença e eventuais recursos) até a
execução penal (cumprimento de pena, progressão de regime e benefícios), tendo
por objetivo comum a contenção do encarceramento em massa no Brasil e a
garantia da dignidade de usuárias e usuários dos serviços da Defensoria.
23
Capítulo 3: Postulados para a atuação da Defensoria Pública nas áreas
criminal e de execução penal
24
criminalidade” – fatos cuja detecção é mais fácil e, assim, mais facilmente
identificada pela polícia e pela justiça. Segundo os mesmos autores, a “regra geral
da criminalização secundária” – processo de criminalização que analisa a atuação
do sistema de justiça criminal, cumprindo os pressupostos da criminalização
primária (aquilo que é definido, nas leis penais, como fato típico, antijurídico e
culpável) – é alcançar “pessoas que causem menos problemas”, por já serem
excluídas de políticas públicas e não terem poder político ou econômico.
15Exemplo desta falta de articulação é a pesquisa realizada pela Profa. Debora Diniz (2017),
considerando a dificuldade de mulheres presas no Distrito Federal para acessar políticas sociais,
como o Bolsa Família.
28
V. Gestão participativa e transparente
30
Capítulo 4: Princípios para a atuação da Defensoria Pública nas áreas
criminal e de execução penal
16
Sobre o conceito de racismo institucional, ver SOUZA, 2010.
31
reprodução do racismo e do sexismo em nossa sociedade e de
como é preciso, urgente e necessário lançar mão de outros
olhares sobre estes temas (FLAUZINA; FREITAS, 2015, p. 11).
32
Princípio I.b. Enfrentamento à criminalização da pobreza e à desigualdade social.
34
defendidas, para que seu contexto e sua adequação à lei acima citada sejam
protegidos.
Especialmente em relação ao sistema de justiça criminal, é importante
dizer que a luta antimanicomial é uma forma de defender a cidadania das pessoas
com transtornos mentais, lembrando aqui, também, que a alternativa do
encarceramento – no caso das pessoas com transtornos mentais, encarceramento
este realizado em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico – não consiste
em uma possibilidade que se relacione com a defesa dos direitos humanos; muito
ao contrário: a Defensoria deve dar especial atenção ao cenário da política de
drogas no Brasil, responsável pelo aumento do número de internações
compulsórias em todo o país17.
17 Sobre o assunto, ver pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cuja parte final
ainda está em andamento, sobre o perfil das comunidades terapêuticas no Brasil (BRASIL, 2017).
35
atuação são as audiências de custódia: em sua segunda fase do procedimento, é
função do juiz perguntar se a pessoa presa sofreu mais tratos ou tortura, como
indica o Protocolo II da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça
(BRASIL, 2015).
36
o controle preventivo. Nesse sentido, desenvolver uma política de justiça social é
também política criminal, bem como sugere que os sujeitos de necessidades e
direitos humanos devem passar de uma posição passiva para uma posição ativa
da definição de conflitos e de suas formas de resolução, mediante comunicação
não condicionada pelo poder, democrática e soberana, o que possibilita a
transformação de um Estado de Direito, mas também de um Estado de Direitos
Humanos.
37
II. Centralidade, dignidade e protagonismo das/dos usuárias/os do
serviço.
38
priorizar a centralidade na pessoa, e não no processo. Assim, as necessidades
individuais deverão orientar o atendimento de cada caso, para que se verifique a
necessidade de apoio interdisciplinar, de atuação ou encaminhamento a outros
setores de acolhimento e atendimento psicossociais, para a real promoção do
acesso integral à justiça.
39
violação a direitos humanos. A garantia de manutenção de espaços de escuta
qualificada passa, também, pela concretização do acesso à justiça e da ampla
defesa.
41
Como explica Isabela Medeiros (2013, p. 123), a ideia de acesso à justiça
se relaciona com “acesso ao direito e à ordem jurídica justa”, tomando um sentido
de integralidade, como disposto na Constituição, em seu art. 5º, LXXIV. O acesso
à justiça, assim, é direito fundamental e, como tal, precisa ser respeitado e
implementado em todos os meios – judiciais, extrajudiciais, penais e não-penais. A
Defensoria Pública deve contar, portanto, com a estrutura adequada para a
consecução de tão importante fim, ainda que “o modelo hegemônico tenda a
operar a redução de tal direito” (MEDEIROS, 2013, p. 127). A luta por acesso à
justiça é, ao mesmo tempo, constitucional e contra-hegemônica, pois nesta
residem muitos desafios, simples e complexos, que dialogam com a própria
concepção de Estado, de lutas por direitos, de reivindicações, sem nos
esquecermos de que o cenário para a atuação dos Defensores Públicos, em
matéria criminal, é o encarceramento em massa. Assim, a integralidade do acesso
à justiça, no sentido de acesso a direitos, é meio de realização da justiça como
efetivação dos Direitos Humanos, e isso só pode se cumprir se houver o
adequado fortalecimento da Defensoria Pública20.
20 Para André de Carvalho Ramos, “o direito de acesso à justiça possui duas facetas: a primeira é a
faceta formal, e consiste no reconhecimento do direito de acionar o Poder Judiciário. A
segundafaceta é a material ou substancial, e consiste na efetivação desse direito: (i) por meio do
reconhecimento da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem a insuficiência de
recursos (art. 5º, LXXIV); (ii) pela estruturação da Defensoria Pública como instituição
essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134); (iii) pela aceitação da tutela coletiva de
direitos e da tutela de direitos coletivos, que possibilita o acesso a justiça de várias demandas
reprimidas; e (iv) pela exigência de um devido processo legal em prazo razoável, pois não basta
possibilitar o acesso à justiça em um ambiente judicial marcado pela morosidade e delonga”
(RAMOS, 2015, p. 596).
42
acesso a outras políticas públicas relacionadas aos serviços prestados pela justiça
criminal estará presente, quando do atendimento ao usuário ou à sua família.
Assim, questões relacionadas a saúde, educação, trabalho e emprego devem ser
de conhecimento dos Defensores e das Defensoras que atuem em relação ao
sistema de justiça criminal, para que tais políticas possam ser acessadas com
maior facilidade. Uma maior integração dos sistemas dentro das próprias
Defensorias Estaduais ou entre a Defensoria e as secretarias estaduais
responsáveis por tais políticas também é desejável.
43
O enfoque restaurativo implica, assim, em um olhar sistêmico para conflitos
e violências, buscando-se “fornecer aos principais interessados – vítima, autor e
grupo social diretamente afetado pelo delito – os meios suficientes para
compreender e lidar com a infração. Diante da impossibilidade de saber com
antecedência o que é melhor para cada caso, tem-se que o caminho a ser seguido
deve abranger a confiança na capacidade das pessoas e a desconfiança do
paternalismo das instituições” (ACHUTTI, 2012, p. 21). Essa compreensão se
refere às “novas abordagens pedagógicas, psicossociais, socioeducativas e
penais, baseadas em elementos restaurativos tais como: a) a participação dos
envolvidos; b) a participação das comunidades; c) o foco na reparação dos danos
e d) o foco na (co)responsabilização” (PORTO ALEGRE, 2015, p. 26).
44
interdisciplinaridade em seu corpo interno, será importante a articulação com as
políticas públicas à disposição em níveis municipal, estadual e federal.
45
Princípio III.g. Atuação estratégica
46
garantias de que terá uma “defesa de qualidade” (SCARANCE FERNANDES,
2010).
49
Capítulo 5: Diretrizes para a atuação da Defensoria Pública nas áreas
criminal e de execução penal
50
1. Produzir informações e qualificar o debate e a atuação das
Defensorias Públicas.
O DEPEN, o CONDEGE e a ANADEP devem apoiar e promover
pesquisas que analisem os dados produzidos pelas Defensorias
Públicas, especialmente em relação à sua atuação no sistema
prisional. O objetivo desta ação é analisar dados e produzir
informações para:
1.c. Tornar sua atuação menos reativa e muito mais potente, diante
de um Sistema de Justiça Criminal que reproduz suas decisões em
massa, quase sempre sem a devida reflexão sobre suas ações e
reiterações. A produção de informação pode dar luz, inclusive, à
atuação judicial.
53
estabelecimentos destinados à privação da liberdade devem ser realizadas
por, no mínimo, três Defensoras/es Públicas/os e esta equipe deve ser
constituída por pelo menos duas/dois Defensoras/es Públicas/os que não
atuem na unidade inspecionada.
54
17.c. Promover treinamento, reflexão e debate permanentes para a
realização de inspeção de monitoramento dos estabelecimentos
destinados à privação da liberdade.
55
25. As Defensorias Públicas devem elaborar plano de cargos, carreira e salário
para os servidores, atuando politicamente para sua aprovação e
implementação junto ao Poder Executivo e Legislativo.
56
Referências
BARATTA, Alessandro. Princípios del Derecho Penal Mínimo: para una teoría de
los derechos humanos como objeto y límite de la ley penal. In: BARATTA,
alessandro. Criminología y sistema penal: compilación in memoriam.
Montevideo/Buenos Aires: Julio César Faira Editor, 2006, p. 299-333.
BINDER, Alberto, et al. Defesa criminal efetiva na América Latina. São Paulo:
IDDD / Conectas, 2016. Disponível em:
http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/WEB%20DEFESA%20CRIMINAL.pdf
Acesso em 5 abr. 2018.
57
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 18
fev. 2018.
58
Mulheres. Org. Thandara Santos, colaboração Marlene Inês da Rosa. 2 ed.
Brasília: 2017. Disponível em:
http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-
mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf Acesso em 14 mai. 2018.
CHRISTIE, Nils. Uma razoável quantidade de crime. Trad. André Nascimento. Rio
de Janeiro: Revan, 2011.
59
DUARTE, Evandro Charles Piza. Formação do sistema penal no Brasil:
perspectivas criminológicas a partir da crítica à modernidade. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, v. 130, p. 27, 2017.
ESCRIVÃO FILHO, Antonio Sérgio; SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Para um
debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2016.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o
projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
LAGO, Natália Bouças do. Mulher de preso nunca está sozinha: gênero e violência
nas visitas à prisão. Aracê: Direitos Humanos em Revista, ano 4, n. 5, fev. 2017, p.
35-53.
60
LAVALLE, Adrian. Participação, (des)igualdade política e democracia. In: MIGUEL,
Luís Felipe (org). Desigualdades e democracia: o debate da teoria política. São
Paulo: Unesp.
MELO, Felipe Athayde Lins de. Modelo de gestão para a política prisional. Brasília:
Departamento Penitenciário Nacional, 2016. Disponível em:
http://www.justica.gov.br/modelo-de-gestao_documento-final.pdf Acesso em 5 fev.
2018.
61
PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis
processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
62
SOUSA, Nair Bicalho de. Cidadania planetária: um projeto plural, solidário e
participativo. In: SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de; SOUSA, Nair Bicalho de;
SANT’ANNA, Alayde Avelar Freire; ROMÃO, José Eduardo Elias; SANTANA,
Marilson dos Santos; CÔRTES, Sara da Nova Quadros. Educando para os
Direitos Humanos: pautas pedagógicas para a cidadania na universidade. Brasília:
Universidade de Brasília, / Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 19-25.
TONRY, Michael. Thinking about crime: sense and sensibility in American penal
culture. Oxford: Oxford University Press, 2004.
63
64