Você está na página 1de 8

Navigator 10 A presença da Marinha do Brasil em missão pioneira de manutenção de paz

A presença da Marinha do Brasil


em missão pioneira de manutenção
de paz – a comissão especial da
ONU nos Bálcãs (UNSCOB),
1948 - 1951
Armando de Senna Bittencourt
Vice-Almirante (Refo-EN) da Marinha e Diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto de Geografia e História Militar
do Brasil (IGHMB).

RESUMO ABSTRACT

O Brasil participou da UNSCOB (1948-1951), Brazil participated in the UNSCOB (1948-1951),


missão pioneira de manutenção de paz da ONU, pioneering mission of UN peacekeeping dur-
durante a Guerra Civil na Grécia. A Marinha foi ing the Civil War in Greece. The Navy was rep-
representada pelo Capitão-Tenente John Ander- resented by Lieutenant John Anderson Munro,
son Munro, que atuou como Observador. Coube who served as an Observer.
aos Observadores das Nações Unidas acompa- It was up to United Nations observers monitor
nharem as operações do Exército Nacional Gre- the operations of the Greek National Army at
go, nas fronteiras da Grécia com a Albânia, Iu- the borders of Greece with Albania, Yugosla-
goslávia e Bulgária, países que eram acusados via and Bulgaria, countries that were accused
de apoiar ativamente o Exército Democrático of actively supporting the Democratic Army of
da Grécia, de ideologia comunista, que tenta- Greece, Communist ideology, which tried to
va derrubar o governo eleito e constitucional- overthrow the elected government and consti-
mente instituído no país. Esses Observadores tutionally established in the country. These ob-
passaram por situações difíceis e arriscadas e servers have gone through difficult situations
presenciaram episódios de barbárie, típicos de and risky and witnessed episodes of barbarism,
uma guerra civil de motivação ideológica. typical of a civil war of ideological motivation.

PALAVRAS-CHAVE: CT Munro, ONU, Grécia KEY-WORDS: CT Munro, UN, Greece

I - INTRODUÇÃO

Pouco tempo depois do término da Segunda Guerra Mundial, o Conselho de Seguran-


ça da recém-criada ONU se reuniu para analisar o conflito armado que ocorria na Grécia,
onde forças de ideologia comunista tentavam derrubar o governo constitucionalmente
instituído no país, por meios violentos, que incluíam guerrilha, sabotagem e assassi-
natos. O início desse conflito ocorreu ainda durante a ocupação do país na Segunda
Guerra Mundial e ele se intensificou a partir de 1946. Os dissidentes foram derrotados
em 1949 e, em 1989, uma lei foi promulgada pelo Parlamento grego, promovendo uma

85
Armando de Senna Bittencourt

reconciliação no país e reconhecendo que Coube aos Observadores atuar nas fron-
o que ocorreu foi, de fato, uma guerra civil. teiras da Grécia com a Albânia, a Iugoslávia
Como acontece geralmente, em guerras e a Bulgária, registrando o movimento, exa-
civis, ambas as partes cometeram barba- minando armas capturadas e interrogando
ridades, que causaram grande sacrifício à prisioneiros, para avaliar as dimensões do
população grega. apoio recebido dos países limítrofes pelos
Havia, desde o início desse conflito, dissidentes. Como esses países vizinhos não
acusações de que a Albânia, a Iugoslávia permitiram que os Observadores entrassem
e a Bulgária, então países comunistas, em seus territórios, eles permaneceram o
apoiavam os comunistas gregos: forne- tempo todo no lado grego, acompanhando
cendo-lhes armamento, munição e víveres; as operações do Exército Nacional Grego,
permitindo-lhes livre trânsito pela fronteira, muitas vezes na linha de frente, em regi-
inclusive com cobertura de fogo quando ões montanhosas e de difícil acesso. Eles
perseguidos; e franqueando-lhes seu terri- constataram que a maioria das acusações
tório para finalidades táticas, treinamento era verdadeira. Seus relatórios também re-
e atendimento médico. gistraram histórias de barbárie e desuma-
Uma comissão de investigação da ONU nidade, de ambos os beligerantes, em que
foi ao local da crise, no início de 1947, e não havia escrúpulos para alcançar os ob-
recomendou a criação de uma comissão jetivos desejados. Provavelmente, a pior de
especial para verificar a veracidade dessas todas foi o sequestro, pelos comunistas, de
acusações. Consequentemente, a Assem- 28 mil crianças gregas, de 3 a 13 anos de
bleia Geral criou, sem o apoio da União So- idade, em 1948, chamado, pelos gregos de
viética e de seus satélites, em outubro de paidomazoma. Essas crianças foram sepa-
1947, a UNSCOB (United Nations Special radas de seus pais – algumas, de fato, à for-
Comittee on the Balkans), subordinada di- ça, como comprovado por Observadores da
retamente à ONU e composta por um Cor- UNSCOB1 –, retiradas da Grécia através das
po de Observadores, que deveriam atuar na fronteiras desses países limítrofes e envia-
região do conflito, e um Corpo de Delega- das para serem educadas em países do blo-
dos, para analisar os relatórios desses ob- co comunista europeu, de onde, a maioria
servadores e apresentar à ONU conclusões somente regressou no período entre 1975 e
e sugestões. 1990, já adulta, até porque não era fácil sair
Os membros da UNSCOB foram os desses países durante a chamada “Guerra
representantes de sete países, Brasil, Fria”. Foram submetidas a ensino em lín-
EUA, França, China, México, Holanda e guas estrangeiras e muitas vezes passaram
Grã-Bretanha, que se voluntariaram para por dificuldades e desconfortos, além de
participar dessa missão de paz, pionei- não poderem, depois do término do conflito,
ra das Nações Unidas. Três militares das regressar ao lar. Algumas faleceram no ex-
Forças Armadas brasileiras fizeram parte terior. Muitas mães passaram o restante de
do grupo de 36 Observadores voluntários, suas vidas procurando por seus filhos. Exis-
desses países. Eram eles o Capitão-Tenen- te relato do próprio Tenente Munro a respei-
te John Anderson Munro (Marinha), o Ca- to dessas crianças.
pitão Hervé Berlandez Pedrosa (Exército) Ainda há, no entanto, controvérsia, que
e o Capitão-Aviador João Camarão Telles pode ser constatada por meio da internet
Ribeiro (Força Aérea). Como Delegados, o (Civil War in Greece), sobre a paidomazoma,
Brasil designou diplomatas. Inicialmente pelo fato de, simultaneamente ao ocorrido, a
foram enviados os Ministros Vasco Lei- Rainha da Grécia estabeleceu campos para
tão da Cunha e Sílvio Rangel de Castro e, crianças nas Ilhas Gregas, para afastá-las do
depois, o serviço passou para diplomatas conflito. Alguns argumentam que cerca de
brasileiros que serviam em Atenas. 25 mil crianças de pais comunistas, alguns

1
MUNRO, John Anderson et ali. A Crise da Grécia – 50 Anos, A presença da Marinha no Grupo de Observadores da
ONU, in Revista Marítima Brasileira, 4º T, 1999.

86
Navigator 10 A presença da Marinha do Brasil em missão pioneira de manutenção de paz

ausentes da Grécia após a derrota, foram todo o mundo e reconhecidos como uma ex-
levadas para esses campos e muitas entre- celente tropa para missões expedicionárias.
gues, mais tarde, para adoção por famílias Para as Forças Armadas do País, é um im-
dos EUA. Após se tornarem adultas, várias portante emprego em tempo de paz. Ao de-
procuraram restabelecer contato com suas monstrarem capacidade e competência para
origens gregas2. lidar com situações difíceis, contribuem para
Os Observadores da ONU atuaram de- o cumprimento de sua missão mais impor-
sarmados e sem capacetes. As equipes tante em tempo de paz: dissuadir o emprego
eram, em geral, compostas por militares da força contra os interesses nacionais, ga-
de diferentes nacionalidades, no mínimo rantindo a manutenção da paz que é especi-
dois, acompanhados por funcionário civil da ficamente desejada pela Nação.
ONU, intérprete e oficiais de ligação gregos.
Passaram por situações de grande perigo II - O CONFLITO NA GRÉCIA4
e ocorreram atos de bravura. Como quase
sempre acontece em missões de manuten- Na Segunda Guerra Mundial, a Grécia
ção de paz internacionais, “pagou-se o preço foi invadida por forças de países do Eixo. A
da paz”, com mortes, ferimentos e doenças; primeira ofensiva foi italiana, mas, tendo em
os brasileiros não sofreram infortúnios, mas vista o fraco desempenho demonstrado por
dois dos Observadores estrangeiros foram seus aliados, que foram rechaçados pelo
mortos e vários foram feridos. Exército grego, Hitler enviou tropas alemãs,
A experiência então obtida na UNSCOB ser- que garantiram a vitória completa sobre os
viu como base para estabelecer regras a serem gregos e a ocupação do país, em abril de
obedecidas nas futuras missões da ONU. 1941, com a participação da Itália (no Sul da
Atualmente, por exemplo, Observado- Grécia) e da Bulgária (na Trácia).
res continuam desarmados, agora usando O Governo da Grécia se estabeleceu fora
a boina azul, como identificação; por outro do país, no Egito, e a parcela de militares que
lado, militares em operações com tropas conseguiu escapar se juntou aos britânicos
atuam armados, com o capacete azul das e passou a combater no Norte da África.
forças mantenedoras de paz das Nações Como, em geral, ocorreu nas ocupações
Unidas. Existem princípios básicos que de- nazistas, reações eram punidas severamen-
vem ser obedecidos, como, entre outros, o te, muitas vezes com fuzilamentos. Nos
uso da força exclusivamente em legítima casos em que não era possível identificar
defesa, a participação voluntária dos países os autores, fuzilavam ou providenciavam o
fornecedores de pessoal e a imparcialidade desaparecimento de pessoas inocentes da
dos participantes da operação. comunidade subjugada, de forma aleatória.
Após 1948, mais de um milhão de milita- Essa violência, relativamente comum dos
res e civis, de um total de 130 países mem- governos e movimentos totalitários, em to-
bros da ONU, participaram de cerca de 70 das as partes do mundo em que existiram,
operações de paz das Nações Unidas, de obtinha a docilidade dos ocupados e, até
diferentes tipos3. mesmo, a cooperação da grande maioria
A participação do Brasil em operações da população contra possíveis resistências
de manutenção da paz das Nações Unidas organizadas, pelo temor das represálias que
é frequente e consistente, em consonância certamente ocorreriam. Isto fez com que os
com sua política externa. A Marinha tem partidos comunistas, que já possuíam uma
principalmente enviado seus Fuzileiros Na- organização clandestina, principalmente nos
vais, que têm se desempenhado com muita países em que tinham sido proscritos antes
eficácia, o que os faz serem respeitados em da Segunda Guerra Mundial, como a Grécia,

2
Greek Civil War – Wikipédia, www. en.wikipedia.org/wiki/Greek_Civil_War, em 23-5-09, pag. 11
3
FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse. Brasil: 60 anos de Operações de Paz, Rio de Janeiro, Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Editora Serviço de Documentação da Marinha, 2009.
4
Greek Civil War – Wikipedia.

87
Armando de Senna Bittencourt

fossem os únicos com condições de iniciar no colaboracionista, com forças paramilita-


resistências efetivas contra as ocupações. res, e sem a ajuda dos italianos, pois a Itália
O Partido Comunista Grego (KKE) foi saíra da Segunda Guerra Mundial, controla-
declarado ilegal no Governo do General Me- vam somente as cidades e não tinham poder
taxas, no final da década de 1930. Metaxas para entrar em diversas regiões. Sentindo-se
assumira o poder por meio de um golpe de mais forte, o ELAS iniciou ostensivamente a
estado, em 1936, com o apoio do Rei Geor- hostilizar os nacionalistas anticomunistas
ge II, da Grécia. Logo o KKE passou a existir gregos e ocorreram diversos confrontos
na clandestinidade e formou-se um grupo entre grupos de guerrilheiros de ideologias
de resistência à ditadura, denominado EAM distintas. Em 1944, antes da ofensiva aliada,
(Ethniokón Apeleftherotikón Métopon - Fren- que ocorreu no final desse ano, o ELAS já
te de Libertação Nacional), pluripartidário, ocupava quase toda a região montanhosa
mas, de fato, liderado por comunistas, com do Norte da Grécia. Os outros guerrilheiros
seu componente militar ELAS (Ethnikós dominavam apenas a região montanhosa
Laïkós Apeleftherotikós Strátos - Exército de do Épiro, no Sudoeste.
Libertação do Povo Grego). Quando se ini- Em outubro de 1944, as tropas aliadas
ciou a resistência ativa contra os alemães, invadiram a Grécia. Conforme as tropas ale-
em dezembro de 1941, principalmente com mãs se retiravam, o ELAS ia se apossando
ataques a comboios de suprimentos, os co- do equipamento e armamento abandonado
munistas eram os únicos que já contavam por eles, ocupando as aldeias e recrutando
com uma organização centralizada, que seus habitantes. Em seguida, estabelece-
controlava o EAM-ELAS. Tiveram o apoio, ram-se, firmemente, na região de monta-
de muitos não comunistas, que pragmati- nhas do Norte. Em março de 1944, o EAM
camente viam neles a resistência contra o havia estabelecido o PEEA (Politiki Epitropi
inimigo invasor. Além disso, apareceram pe- Ethnikis Apeleftherosis), um governo inde-
quenos grupos de ladrões, que saqueavam pendente, paralelo ao que existia, no exílio,
o inimigo em benefício próprio, pelo butim, no Egito. Contavam com artilharia tomada
e, também, grupos de nacionalistas antico- dos alemães e o apoio da Albânia, Iugoslá-
munistas, que não possuíam inicialmente via e Bulgária, com que se comunicavam
nenhuma organização semelhante à que o pela fronteira. Mais tarde, receberam o ma-
Partido Comunista podia prover, para pros- terial alemão deixado nesses países, que se
perarem em igualdade de condições, até reequiparam com material militar soviético.
porque o que restara do Exército Nacional Com a liberação de Atenas, por tropas
Grego estava lutando no Norte da África, britânicas, o governo que estava exilado, li-
com os britânicos. derado por George Papandreou, instalou-se,
Sabendo da existência da guerrilha na poucos dias depois, nessa capital.
Grécia, o QG das Forças da Grã-Bretanha No início, o KKE evitou o confronto com
no Egito, no Cairo, enviou oficiais britânicos o Governo Papandreou. O ELAS, embora
para organizar a reação e adestrar os guerri- dominando quase todo o território do país,
lheiros; também passou a enviar armamen- adiou o confronto, mas começou a resistir
to, principalmente para o ELAS. Pouco im- a ser desarmado e um incidente em Atenas
portava, no início, desde que combatessem, iniciou o conflito. Seguiu-se a tentativa co-
sabotassem os invasores alemães e ajudas- munista de tomar a cidade, que foi contida
sem a vencer a guerra. com o apoio de tropas britânicas. Mais tar-
O ELAS passou, desde então, a arma- de, em janeiro de 1945, os britânicos aceita-
zenar recursos militares, que capturavam ram cessar fogo contra o ELAS, que, por sua
dos alemães ou que recebiam dos aliados vez, aceitou ser desmobilizado.
por meio dos britânicos, em esconderijos, Em seguida, grupos de direita ampliaram
principalmente nas montanhas do interior seus ataques a comunistas, assassinando
do país. e torturando muitas pessoas. A explicação
Em 1943, os alemães, já muito enfraque- que davam era de que estavam retaliando o
cidos na Grécia, onde se formara um gover- que haviam sofrido do ELAS.

88
Navigator 10 A presença da Marinha do Brasil em missão pioneira de manutenção de paz

Logo, porém, o KKE se sentiu incenti- mente depois dessa vitória, aterrorizando os
vado com a escalada da “Guerra Fria”. O aldeões de povoações que cooperaram com
apoio da União Soviética, no entanto, era os comunistas.
restrito, porque a Grécia não estava no con-
texto que era tolerado, pelos britânicos e III - A ATUAÇÃO DO CAPITÃO-TENENTE
americanos, como de influência soviética. MUNRO NA ÚLTIMA FASE DA GUERRA
CIVIL
Concluindo que não alcançaria o poder
por meios pacíficos, o KKE boicotou as
eleições gregas de março, em que foi elei- Em seu relatório, transmitido ao Minis-
to o partido monarquista, não reconheceu tro da Marinha em 4 de março de 1951, o
os resultados e reiniciou, em fevereiro de CT Munro participou que se apresentou na
1946, o confronto armado. Organizou, em Base Geral de Observadores, em Salonika,
seguida, o DSE (Dimokratikos Stratos Ella- no verão de 1948, ou seja, em meados desse
das, ou Exército Democrático da Grécia), ano, quando o Exército Nacional Grego des-
que contava, no final de 1946, com 16 mil fechava uma ofensiva na região do Gram-
participantes, e passou-se para uma situa- mos, reduto da “Grécia Livre”. Em agosto, os
ção de guerra civil. combatentes do DSE se retiraram, segundo
De seus redutos montanhosos, o DSE o relato do CT Munro, organizadamente para
fazia sortidas no território grego que não território da Albânia e, depois, voltaram para
ocupava e estabelecia campos minados, a Grécia, mais ao Norte, na região do Vitsi.
que causavam mortes e aleijões, indiscri- O ataque a esta nova posição não logrou re-
minadamente. Salônika e Florina chegaram sultados imediatos e o Exército Nacional de-
a sofrer bombardeios de artilharia. Nas al- cidiu manter a região que já ocupara, sem
deias, utilizavam métodos de coerção e inti- avançar, até o início de nova campanha,
midação, inclusive recorrendo a fuzilamen- após o inverno.
tos. Ninguém nas aldeias ousava cooperar O CT Munro recebeu seu batismo de fogo
com o governo, com medo de represálias quando seguia, de jipe, com outro Observa-
dos comunistas. Uma mãe, cujo nome é dor da ONU, para a frente de combate, pela
Eleni Gatzoyiannis, que enviou seus filhos primeira vez. Foi perto de Vourbiani, no leito
para os Estados Unidos da América, para seco do Rio Sarandoporos. A área foi bom-
viver com o pai que lá residia, foi condena- bardeada por canhões de 75mm, enquanto
da a morte pelo Conselho Comunista de passavam, prosseguindo a viagem.
sua aldeia, próxima da cidade de Florina, Coube ao CT Munro diversas missões pe-
e fuzilada5. A história foi contada pelo filho, rigosas, como utilizar postos de observação
muitos anos depois6. de fronteira que não eram suficientemente
O Exército Nacional Grego se mantinha protegidos, como no Grammos, em agosto
na defensiva, somente iniciando sua ofensi- de 1948, durante a ofensiva do Exército Na-
va em meados de 1948, depois que recebeu cionalista Grego, ou caminhadas de quatro
armamento e auxílio norte-americano su- dias, através de montanhas, reconhecendo a
ficiente, inclusive o de uma Missão Militar fronteira da Grécia com a Albânia, sob chu-
dos Estados Unidos. No Peloponeso, logo va e granizo, em trilhas com risco de minas
obteve uma grande vitória sobre as forças terrestres. Essas minas eram uma ameaça
do DSE, que estavam carentes de munição. frequente, nas estradas e trilhas. Às vezes
Os combatentes do DSE foram derrotados, era preciso pisar no mesmo lugar no qual
sendo muitos mortos em combate. Vários a mula, que ia na frente, pisara, ou passar
civis foram presos por apoiarem o DSE. exatamente sobre as marcas dos pneus do
As tropas paramilitares que combatiam carro que seguia na dianteira, para evitar
ao lado do Exército Nacional Grego no Pe- surpresas. O CT Munro presenciou explo-
loponeso cometeram excessos, principal- sões de minas, que causaram baixas, du-

5
MUNRO, - idem.
6
GAGE, Nicholas. Eleni, Ballantine Books, EUA, 1996.

89
Armando de Senna Bittencourt

rante seus deslocamentos juntamente com a partir de então dependeu principalmente


comboios militares do Exército Grego. da Albânia.
Em seu avanço o Exército Nacional Gre- No início de 1949, os Observadores da
go também cometeu seus excessos, evacu- ONU receberam quatro aviões de reconhe-
ando aldeias para que o DSE não tivesse cimento, que tornaram suas missões me-
apoio e matando inimigos feridos. Os obser- nos difíceis. Do ar, relatou o CT Munro, foi
vadores da ONU estavam presentes e acom- possível confirmar a entrada de comboios
panharam, muitas vezes na linha de frente, de carros, vindos da Albânia, em território
essa fase final da Guerra Civil. ocupado pelos combatentes do DSE.
O CT Munro relatou em seu artigo na Em agosto de 1949, o Exército Nacional
Revista Marítima Brasileira7 que, certa vez, Grego lançou uma contra-ofensiva no Norte
viu um combatente do DSE ferido, que se da Grécia contra o DSE, que sofreu muitas
arrastava. Chamou soldados gregos, para perdas e não pôde mais continuar sua guerra
que o socorressem, e presenciou, pasmo, a formal e logo a guerrilha também se tornou
execução do ferido. impraticável. Em setembro, os sobreviven-
Quando o relatório da UNSCOB foi apre- tes do DSE, no Grammos e Vitsi, cruzaram
sentado à Assembleia Geral da ONU, em a fronteira com a Albânia, outros foram para
outubro de 1948, com evidências da cum- a Bulgária, para não mais regressar como
plicidade da Albânia, Iugoslávia e Bulgária combatentes. Muitos se refugiaram nesses
com o DSE, que atuava contra o governo países e em outros do bloco comunista. Em
legalmente constituído da Grécia, encon- outubro desse ano, terminou, portanto, a
trou forte oposição da URSS e da Iugoslá- Guerra Civil na Grécia.
via. O relatório foi, no entanto, reconhecido A UNSCOB permaneceu na Grécia, com
pela maioria dos representantes de paí- o efetivo de Observadores reduzido, e foi
ses, que consideraram essa cumplicida- substituída em 1951 pela Comissão de Ob-
de como uma ameaça aos princípios das servação da Paz das Nações Unidas, com
Nações Unidas à paz nos Bálcãs e à inde- sede fora do país. Suas atividades se encer-
pendência política e integridade territorial raram em 1954.
da Grécia. Entre as recomendações, desta
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assembleia Geral, destaca-se o convite aos
três países que apoiavam o DSE para que Verifica-se, nos relatos do brasileiro John
cessassem a colaboração e o auxílio que Anderson Munro, que a opinião que ele for-
prestavam e para que cooperassem com a mou, observando no local o que ocorria e
UNSCOB. Sem o apoio da URSS, que pro- entrevistando aldeões e prisioneiros, é bas-
pôs a extinção da UNSCOB, a retirada da tante desfavorável aos comunistas gregos e
Missão Americana, a anistia geral a todos seus métodos. Cabe observar que ele não
os combatentes do DSE e novas eleições omitiu barbaridades cometidas pelas duas
na Grécia, pouco ou nada adiantaram as forças que se enfrentavam.
recomendações da ONU. Adaptando a frase muito conhecida do
A principal causa da derrota do DSE e do famoso almirante britânico Sir John Fisher
KKE, no entanto, foi o rompimento das rela- – “All nations want peace, but they want a
ções entre o Presidente Tito, da Iugoslávia, e peace that suits them” –, que muito prova-
a URSS e seus satélites, em junho de 1948. velmente resume a razão dos conflitos e
Tito era o principal apoio com que contava guerras entre nações, pode-se também di-
o KKE, mas, apesar disto, o partido preferiu zer que todas as ideologias desejam a forma
Stalin e a URSS, demitindo de seus postos de paz que especificamente lhes convém.
os partidários de Tito. Após um ano de de- Esta tem sido a causa de muitas catástrofes
sentendimentos, em junho de 1949, a fron- geradas pela presunção do ser humano de
teira da Iugoslávia fechou para o DSE, que poder ser o dono da verdade.

7
MUNRO - idem.

90
Navigator 10 A presença da Marinha do Brasil em missão pioneira de manutenção de paz

Equipe de Observadores do Capitão-Tenente John Mun- Capitão-Tenente John Munro, de boné no centro, obser-
ro (de chapéu escuro) acompanha do topo do monte va do alto do monte Tsigla, a 1.800 metros de altitude, o
Steno e Golio, a dois mil metros de altitude, a investida assalto do Exército grego a posições inimigas na fron-
do Exército grego contra posições dos guerrilheiros no teira grego-búlgara em 1949
Grammos, em 1948

91
Armando de Senna Bittencourt

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse. Brasil: 60 Anos de Operações de Paz, Rio de
Janeiro: Editora Serviço de Documentação da Marinha, 2009;

GAGE, Nicholas. Eleni, USA: Ballantine Books, 1996;

MUNRO, John Anderson et ali. A Crise da Grécia – 50 Anos, A Presença da Marinha do


Brasil no grupo de Observadores da ONU,in Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, Edi-
tora Serviço de Documentação da Marinha, 1997.

92

Você também pode gostar