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RESUMO ABSTRACT
I - INTRODUÇÃO
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Armando de Senna Bittencourt
reconciliação no país e reconhecendo que Coube aos Observadores atuar nas fron-
o que ocorreu foi, de fato, uma guerra civil. teiras da Grécia com a Albânia, a Iugoslávia
Como acontece geralmente, em guerras e a Bulgária, registrando o movimento, exa-
civis, ambas as partes cometeram barba- minando armas capturadas e interrogando
ridades, que causaram grande sacrifício à prisioneiros, para avaliar as dimensões do
população grega. apoio recebido dos países limítrofes pelos
Havia, desde o início desse conflito, dissidentes. Como esses países vizinhos não
acusações de que a Albânia, a Iugoslávia permitiram que os Observadores entrassem
e a Bulgária, então países comunistas, em seus territórios, eles permaneceram o
apoiavam os comunistas gregos: forne- tempo todo no lado grego, acompanhando
cendo-lhes armamento, munição e víveres; as operações do Exército Nacional Grego,
permitindo-lhes livre trânsito pela fronteira, muitas vezes na linha de frente, em regi-
inclusive com cobertura de fogo quando ões montanhosas e de difícil acesso. Eles
perseguidos; e franqueando-lhes seu terri- constataram que a maioria das acusações
tório para finalidades táticas, treinamento era verdadeira. Seus relatórios também re-
e atendimento médico. gistraram histórias de barbárie e desuma-
Uma comissão de investigação da ONU nidade, de ambos os beligerantes, em que
foi ao local da crise, no início de 1947, e não havia escrúpulos para alcançar os ob-
recomendou a criação de uma comissão jetivos desejados. Provavelmente, a pior de
especial para verificar a veracidade dessas todas foi o sequestro, pelos comunistas, de
acusações. Consequentemente, a Assem- 28 mil crianças gregas, de 3 a 13 anos de
bleia Geral criou, sem o apoio da União So- idade, em 1948, chamado, pelos gregos de
viética e de seus satélites, em outubro de paidomazoma. Essas crianças foram sepa-
1947, a UNSCOB (United Nations Special radas de seus pais – algumas, de fato, à for-
Comittee on the Balkans), subordinada di- ça, como comprovado por Observadores da
retamente à ONU e composta por um Cor- UNSCOB1 –, retiradas da Grécia através das
po de Observadores, que deveriam atuar na fronteiras desses países limítrofes e envia-
região do conflito, e um Corpo de Delega- das para serem educadas em países do blo-
dos, para analisar os relatórios desses ob- co comunista europeu, de onde, a maioria
servadores e apresentar à ONU conclusões somente regressou no período entre 1975 e
e sugestões. 1990, já adulta, até porque não era fácil sair
Os membros da UNSCOB foram os desses países durante a chamada “Guerra
representantes de sete países, Brasil, Fria”. Foram submetidas a ensino em lín-
EUA, França, China, México, Holanda e guas estrangeiras e muitas vezes passaram
Grã-Bretanha, que se voluntariaram para por dificuldades e desconfortos, além de
participar dessa missão de paz, pionei- não poderem, depois do término do conflito,
ra das Nações Unidas. Três militares das regressar ao lar. Algumas faleceram no ex-
Forças Armadas brasileiras fizeram parte terior. Muitas mães passaram o restante de
do grupo de 36 Observadores voluntários, suas vidas procurando por seus filhos. Exis-
desses países. Eram eles o Capitão-Tenen- te relato do próprio Tenente Munro a respei-
te John Anderson Munro (Marinha), o Ca- to dessas crianças.
pitão Hervé Berlandez Pedrosa (Exército) Ainda há, no entanto, controvérsia, que
e o Capitão-Aviador João Camarão Telles pode ser constatada por meio da internet
Ribeiro (Força Aérea). Como Delegados, o (Civil War in Greece), sobre a paidomazoma,
Brasil designou diplomatas. Inicialmente pelo fato de, simultaneamente ao ocorrido, a
foram enviados os Ministros Vasco Lei- Rainha da Grécia estabeleceu campos para
tão da Cunha e Sílvio Rangel de Castro e, crianças nas Ilhas Gregas, para afastá-las do
depois, o serviço passou para diplomatas conflito. Alguns argumentam que cerca de
brasileiros que serviam em Atenas. 25 mil crianças de pais comunistas, alguns
1
MUNRO, John Anderson et ali. A Crise da Grécia – 50 Anos, A presença da Marinha no Grupo de Observadores da
ONU, in Revista Marítima Brasileira, 4º T, 1999.
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ausentes da Grécia após a derrota, foram todo o mundo e reconhecidos como uma ex-
levadas para esses campos e muitas entre- celente tropa para missões expedicionárias.
gues, mais tarde, para adoção por famílias Para as Forças Armadas do País, é um im-
dos EUA. Após se tornarem adultas, várias portante emprego em tempo de paz. Ao de-
procuraram restabelecer contato com suas monstrarem capacidade e competência para
origens gregas2. lidar com situações difíceis, contribuem para
Os Observadores da ONU atuaram de- o cumprimento de sua missão mais impor-
sarmados e sem capacetes. As equipes tante em tempo de paz: dissuadir o emprego
eram, em geral, compostas por militares da força contra os interesses nacionais, ga-
de diferentes nacionalidades, no mínimo rantindo a manutenção da paz que é especi-
dois, acompanhados por funcionário civil da ficamente desejada pela Nação.
ONU, intérprete e oficiais de ligação gregos.
Passaram por situações de grande perigo II - O CONFLITO NA GRÉCIA4
e ocorreram atos de bravura. Como quase
sempre acontece em missões de manuten- Na Segunda Guerra Mundial, a Grécia
ção de paz internacionais, “pagou-se o preço foi invadida por forças de países do Eixo. A
da paz”, com mortes, ferimentos e doenças; primeira ofensiva foi italiana, mas, tendo em
os brasileiros não sofreram infortúnios, mas vista o fraco desempenho demonstrado por
dois dos Observadores estrangeiros foram seus aliados, que foram rechaçados pelo
mortos e vários foram feridos. Exército grego, Hitler enviou tropas alemãs,
A experiência então obtida na UNSCOB ser- que garantiram a vitória completa sobre os
viu como base para estabelecer regras a serem gregos e a ocupação do país, em abril de
obedecidas nas futuras missões da ONU. 1941, com a participação da Itália (no Sul da
Atualmente, por exemplo, Observado- Grécia) e da Bulgária (na Trácia).
res continuam desarmados, agora usando O Governo da Grécia se estabeleceu fora
a boina azul, como identificação; por outro do país, no Egito, e a parcela de militares que
lado, militares em operações com tropas conseguiu escapar se juntou aos britânicos
atuam armados, com o capacete azul das e passou a combater no Norte da África.
forças mantenedoras de paz das Nações Como, em geral, ocorreu nas ocupações
Unidas. Existem princípios básicos que de- nazistas, reações eram punidas severamen-
vem ser obedecidos, como, entre outros, o te, muitas vezes com fuzilamentos. Nos
uso da força exclusivamente em legítima casos em que não era possível identificar
defesa, a participação voluntária dos países os autores, fuzilavam ou providenciavam o
fornecedores de pessoal e a imparcialidade desaparecimento de pessoas inocentes da
dos participantes da operação. comunidade subjugada, de forma aleatória.
Após 1948, mais de um milhão de milita- Essa violência, relativamente comum dos
res e civis, de um total de 130 países mem- governos e movimentos totalitários, em to-
bros da ONU, participaram de cerca de 70 das as partes do mundo em que existiram,
operações de paz das Nações Unidas, de obtinha a docilidade dos ocupados e, até
diferentes tipos3. mesmo, a cooperação da grande maioria
A participação do Brasil em operações da população contra possíveis resistências
de manutenção da paz das Nações Unidas organizadas, pelo temor das represálias que
é frequente e consistente, em consonância certamente ocorreriam. Isto fez com que os
com sua política externa. A Marinha tem partidos comunistas, que já possuíam uma
principalmente enviado seus Fuzileiros Na- organização clandestina, principalmente nos
vais, que têm se desempenhado com muita países em que tinham sido proscritos antes
eficácia, o que os faz serem respeitados em da Segunda Guerra Mundial, como a Grécia,
2
Greek Civil War – Wikipédia, www. en.wikipedia.org/wiki/Greek_Civil_War, em 23-5-09, pag. 11
3
FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse. Brasil: 60 anos de Operações de Paz, Rio de Janeiro, Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Editora Serviço de Documentação da Marinha, 2009.
4
Greek Civil War – Wikipedia.
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Logo, porém, o KKE se sentiu incenti- mente depois dessa vitória, aterrorizando os
vado com a escalada da “Guerra Fria”. O aldeões de povoações que cooperaram com
apoio da União Soviética, no entanto, era os comunistas.
restrito, porque a Grécia não estava no con-
texto que era tolerado, pelos britânicos e III - A ATUAÇÃO DO CAPITÃO-TENENTE
americanos, como de influência soviética. MUNRO NA ÚLTIMA FASE DA GUERRA
CIVIL
Concluindo que não alcançaria o poder
por meios pacíficos, o KKE boicotou as
eleições gregas de março, em que foi elei- Em seu relatório, transmitido ao Minis-
to o partido monarquista, não reconheceu tro da Marinha em 4 de março de 1951, o
os resultados e reiniciou, em fevereiro de CT Munro participou que se apresentou na
1946, o confronto armado. Organizou, em Base Geral de Observadores, em Salonika,
seguida, o DSE (Dimokratikos Stratos Ella- no verão de 1948, ou seja, em meados desse
das, ou Exército Democrático da Grécia), ano, quando o Exército Nacional Grego des-
que contava, no final de 1946, com 16 mil fechava uma ofensiva na região do Gram-
participantes, e passou-se para uma situa- mos, reduto da “Grécia Livre”. Em agosto, os
ção de guerra civil. combatentes do DSE se retiraram, segundo
De seus redutos montanhosos, o DSE o relato do CT Munro, organizadamente para
fazia sortidas no território grego que não território da Albânia e, depois, voltaram para
ocupava e estabelecia campos minados, a Grécia, mais ao Norte, na região do Vitsi.
que causavam mortes e aleijões, indiscri- O ataque a esta nova posição não logrou re-
minadamente. Salônika e Florina chegaram sultados imediatos e o Exército Nacional de-
a sofrer bombardeios de artilharia. Nas al- cidiu manter a região que já ocupara, sem
deias, utilizavam métodos de coerção e inti- avançar, até o início de nova campanha,
midação, inclusive recorrendo a fuzilamen- após o inverno.
tos. Ninguém nas aldeias ousava cooperar O CT Munro recebeu seu batismo de fogo
com o governo, com medo de represálias quando seguia, de jipe, com outro Observa-
dos comunistas. Uma mãe, cujo nome é dor da ONU, para a frente de combate, pela
Eleni Gatzoyiannis, que enviou seus filhos primeira vez. Foi perto de Vourbiani, no leito
para os Estados Unidos da América, para seco do Rio Sarandoporos. A área foi bom-
viver com o pai que lá residia, foi condena- bardeada por canhões de 75mm, enquanto
da a morte pelo Conselho Comunista de passavam, prosseguindo a viagem.
sua aldeia, próxima da cidade de Florina, Coube ao CT Munro diversas missões pe-
e fuzilada5. A história foi contada pelo filho, rigosas, como utilizar postos de observação
muitos anos depois6. de fronteira que não eram suficientemente
O Exército Nacional Grego se mantinha protegidos, como no Grammos, em agosto
na defensiva, somente iniciando sua ofensi- de 1948, durante a ofensiva do Exército Na-
va em meados de 1948, depois que recebeu cionalista Grego, ou caminhadas de quatro
armamento e auxílio norte-americano su- dias, através de montanhas, reconhecendo a
ficiente, inclusive o de uma Missão Militar fronteira da Grécia com a Albânia, sob chu-
dos Estados Unidos. No Peloponeso, logo va e granizo, em trilhas com risco de minas
obteve uma grande vitória sobre as forças terrestres. Essas minas eram uma ameaça
do DSE, que estavam carentes de munição. frequente, nas estradas e trilhas. Às vezes
Os combatentes do DSE foram derrotados, era preciso pisar no mesmo lugar no qual
sendo muitos mortos em combate. Vários a mula, que ia na frente, pisara, ou passar
civis foram presos por apoiarem o DSE. exatamente sobre as marcas dos pneus do
As tropas paramilitares que combatiam carro que seguia na dianteira, para evitar
ao lado do Exército Nacional Grego no Pe- surpresas. O CT Munro presenciou explo-
loponeso cometeram excessos, principal- sões de minas, que causaram baixas, du-
5
MUNRO, - idem.
6
GAGE, Nicholas. Eleni, Ballantine Books, EUA, 1996.
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MUNRO - idem.
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Equipe de Observadores do Capitão-Tenente John Mun- Capitão-Tenente John Munro, de boné no centro, obser-
ro (de chapéu escuro) acompanha do topo do monte va do alto do monte Tsigla, a 1.800 metros de altitude, o
Steno e Golio, a dois mil metros de altitude, a investida assalto do Exército grego a posições inimigas na fron-
do Exército grego contra posições dos guerrilheiros no teira grego-búlgara em 1949
Grammos, em 1948
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FONTES BIBLIOGRÁFICAS
FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse. Brasil: 60 Anos de Operações de Paz, Rio de
Janeiro: Editora Serviço de Documentação da Marinha, 2009;
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