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GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 5
8.4 Tecrur....................................................................................................................... 31
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9.4 Grande Zimbabue e o Reino de Monotapa .............................................................. 37
14 A ESCRAVIDÃO ISLÂMICA....................................................................................... 44
37 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA................................................................................ 93
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1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
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2 HISTÓRIA DA ÁFRICA
Com uma ampla diversidade cultural, a África é banhada pelos oceanos Índico e
Atlântico, além do Mar Mediterrâneo, cujo primeiro estado a se formar foi o Egito. Apesar
disso, povos de todos os continentes já a exploravam desde a Antiguidade atrás de
riquezas, como o ouro e o sal.
Considerada como o continente de origem do ser humano, a África foi dominada
por diferentes povos e civilizações, como árabes, romanos e fenícios estes foram
fundamentais para o comércio, explorando o território do Mediterrâneo ao Índico. No
século VII, os árabes dominaram a região, salientando o Norte e a proximidade com a
Europa. Já no século XIX, os países europeus dividiram-na entre Portugal, Bélgica,
Espanha, Holanda, Alemanha, Itália e Inglaterra. Atualmente, a África é considerada o
continente mais rico em recursos naturais, mas o mais pobre, com diversos problemas
sociais que atingem a sua população (FERRACINI,2019).
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milhões de anos, cujas tendências evolutivas se orientam para os traços que
caracterizam o gênero Homo, ao qual pertencemos: locomoção sobre os membros
posteriores com as consequentes transformações dos pés, das pernas, da bacia, da
orientação do crânio, das proporções da coluna vertebral, desenvolvimento da caixa
craniana, redução da face, arredondamento da arcada dentária, redução dos caninos,
curvatura do palato etc.
O Propliopithecus do Oligoceno Superior apresenta alguns discretos sinais
dessas tendências, o que explica o entusiasmo, sem dúvida prematuro, de certos
autores, em considerá-lo como pertencente ao nosso gênero.
As tendências observadas no Ramapithecus são mais relevantes: seu cérebro
parece ter atingido 400cm³, o tamanho da face é reduzido, a arcada dentária é
arredondada, e os incisivos e caninos, também reduzidos, estão implantados
verticalmente. Um outro primata, o Oreopithecus, de quem conhecemos o esqueleto
completo, apresenta essas mesmas características cranianas e uma bacia de bípede
ocasional (SILVEIRO, 2013).
Por outro lado, as tendências evolutivas do Australopithecus não deixam margem
a dúvidas. Esses bípedes permanentes têm pés humanos, mãos modernas, cérebro
com nítido aumento de volume, caninos pequenos e face reduzida. Não podemos deixar
de considerá-los hominídeos.
O gênero Homo, fim da cadeia, distingue-se dos Australopithecus por aumento
da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento do volume do cérebro que, a partir
da espécie mais antiga, pode atingir 800cm3, e transformação da dentição com maior
desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais, em consequência da
mudança do regime alimentar, de vegetariano para onívoro.
Há 30 milhões de anos, havia no nordeste da África uma grande variedade de
pequenos primatas prenunciando todos os que existem hoje: Cercopithecidae,
Pongidae, Hylobatidae e Hominidae. As linhas fundamentais estavam traçadas.
No Plioceno e no Pleistoceno, entre 10 e 1 milhão de anos atrás, encontramo-
nos na presença de um grupo ao mesmo tempo polimorfo e muito localizado, os
australopitecíneos. Um breve histórico de sua descoberta vai nos permitir, também,
delimitá-los geograficamente. O conjunto de descobertas feitas ao longo de vários anos,
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desde 1924 até finais da década de 1970 por diferentes expedições, limita a área de
distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África. Os
australopitecíneos parecem ter surgido entre aproximadamente 6 e 7 milhões de anos
atrás e ter desaparecido há cerca de 1 milhão de anos. Vários hominídeos foram
descobertos nas diferentes jazidas dessas áreas, alguns contemporâneos entre si.
Pela primeira vez na história dos primatas esses restos se encontram associados
a utensílios fabricados. Essa primeira indústria da história é constituída por uma grande
quantidade de lascas obtidas artificialmente por percussão e utilizadas por causa de seu
gume, de seixos cuja ponta ou gume foi aguçado e de ossos ou dentes trabalhados ou
utilizados diretamente, quando sua forma assim o permitia. Não estamos, há 2.500.000
anos, na origem dos utensílios, mas provavelmente nos aproximamos dos limites de
sua percepção; antes daquela data, o artefato se confunde com os objetos naturais
(SILVEIRO, 2013).
A partir das camadas mais antigas de Olduvai (1.800.000 anos), os instrumentos
estão em toda parte, abundantes e constantes na forma; os seixos lascados,
particularmente frequentes, tornaram essa indústria conhecida como Pebble Culture ou
Olduvaiense (do topônimo Olduvai). Escavando o nível mais antigo de Olduvai
(Tanzânia), o Dr. Leakey descobriu restos de uma estrutura que poderia ter sido de uma
construção. Estaríamos na presença de uma estrutura de habitação de 2 milhões de
anos!
Foi no interior desse grupo de Australopithecus de início limitados ao leste e ao
sul da África, e em seguida (sob a forma de Australopithecus ou sob forma já mais
evoluída) estendendo-se até a Ásia ao sul do Himalaia que apareceram o gênero Homo
e o utensílio fabricado. Este logo se torna a característica distintiva de seu artesão;
vários tipos de instrumentos são rapidamente criados para finalidades precisas; sua
fabricação é ensinada. Por último, aparecem estruturas de habitação. É a partir desse
ponto de vista que se pode falar de uma origem africana da humanidade.
O homem aparece, portanto, ao fim de uma longa história, como um primata que
um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo. Utensílios fabricados
e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê, aprende e transmite, constrói
a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura (SILVEIRO, 2013).
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E como se, há 6 ou 7 milhões de anos, nascesse no quadrante sudeste do
continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos, e, entre
2,5 e 3 milhões de anos atrás, emergisse desse grupo polimorfo um ser, ainda
Australopithecus ou já Homem, capaz de trabalhar a pedra e o osso, construir cabanas
e viver em pequenos grupos, representando, através de todas as suas manifestações,
a origem propriamente dita da humanidade criadora, do Homo faber.
O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu, durante os últimos
séculos, à sua alarmante proliferação. Foram necessários 115 anos para que a
população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos, 35 anos para
que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões. E a
aceleração continua (SILVEIRO, 2013).
Fonte: www.ambientalistasemrede.wordpress.com.br
Charles Darwin foi o primeiro cientista a publicar uma teoria importante sobre a
origem e a evolução do homem e a apontar a África como o seu lugar de origem.
Pesquisas realizadas nos últimos cem anos confirmaram inúmeros aspectos do seu
trabalho pioneiro. Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde
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os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde desenvolveram a postura ereta e o
bipedismo, elementos decisivos à sua adaptação. O período evolutivo é longo, sendo
possível que muitas de suas fases não estejam representadas por espécimes fósseis.
A diversidade de habitats é uma das razões pelas quais certas partes da África
são tão ricas em testemunhos pré-históricos. Parece que o continente africano sempre
ofereceu um habitat adequado ao homem. Quando uma determinada área se tornava
muito quente ou fria, era possível migrar para ambientes mais apropriados.
O homem atual, que pertence integralmente à espécie Homo sapiens, é capaz
de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico. Os
requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso, mãos livres
de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação, e o bipedismo
permanente. Essas características podem ser identificadas no tempo, assim como os
vestígios não perecíveis da atividade técnica do homem. O grau de desenvolvimento do
cérebro, a habilidade da manipulação e o bipedismo podem ser considerados os
melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela
nossa espécie ao longo do tempo (SILVEIRO, 2013).
Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo
no continente africano há mais de 100 mil anos. É provável que pesquisas futuras
possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio, cuja idade talvez esteja próxima
dos 200 mil anos. Em 1921, um crânio e alguns fragmentos de esqueleto foram
encontrados em Broken Hill, Zâmbia; sendo esse país a antiga Rodésia do Norte, o
espécime tornou-se conhecido como Homo sapiens rhodesiensis. Data
aproximadamente de 35.000, ao que se crê, e pertence à nossa espécie. Traços ainda
mais antigos do Homo sapiens foram descobertos na África Oriental. Em 1932, o Dr. L.
S. B. Leakey encontrou fragmentos de dois crânios no sítio de Kanjera, no oeste do
Quênia. Pareciam estar associados a uma fauna fóssil do fim do Pleistoceno Médio
tardio, o que implicaria uma idade de cerca de 200 mil anos. Esse sítio ainda não foi
datado com precisão, fato lamentável, visto que os fósseis aí encontrados dois crânios
e um fragmento de fêmur parecem pertencer à espécie Homo sapiens e poderiam
constituir as evidências mais antigas da espécie conhecidas até agora na África.
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Em 1967, foram descobertos restos de dois indivíduos em um sítio do Vale do
Omo, no sudoeste da Etiópia. Consistem em um fragmento de crânio, partes de um
esqueleto pós-craniano e a calota de um segundo crânio. Os dois fósseis provêm de
camadas com idade estimada em pouco mais de 100 mil anos. Embora existam poucos
espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis, parece razoável supor que essa
espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo.
Consideraremos aqui a origem do Homo sapiens dentro de uma linhagem que
pode remontar a vários milhões de anos. Em diferentes épocas, provavelmente
existiram nessa linhagem vários tipos distintos do ponto de vista morfológico, devendo
a composição genética do homem moderno refletir, em parte, essa herança compósita.
Os restos humanos fósseis da África, por suas características, podem ser unidos
em dois grupos principais considerados como linhagens evolutivas, uma das quais,
representada pelo gênero Homo, pode ser seguida até hoje, sendo que a outra,
representada pelo gênero Australopithecus, aparentemente extinguiu-se há cerca de 1
milhão de anos. Consideramos os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base
nessas duas linhagens.
A forma ancestral comum a ambas não pode ser facilmente identificada, pois os
testemunhos fósseis são bastante fragmentários. O mais antigo hominídeo da África
provém de Fort Ternan, no Quênia. O sítio foi datado de 14 milhões de anos, e seus
fósseis provam que nessa época já havia ocorrido a diferenciação entre os hominídeos
e os pongídeos. Os testemunhos fósseis entre 14 milhões e 3,5 milhões de anos estão
bastante incompletos. Dispomos apenas de quatro espécimes que podem ser
relacionados a esse período, todos provenientes do Quênia (SILVEIRO, 2013).
A amostra bastante grande de espécimes encontrados em sítios com menos de
3 milhões de anos indica a existência de dois gêneros distintos de hominídeos
primitivos, que por vezes ocupavam a mesma área. Presume-se que essas duas
formas, Homo e Australopithecus, habitassem nichos ecológicos diferentes, mas é fato
comprovado atualmente a coexistência dos dois gêneros por um período superior a
1.500.000 anos.
Foi o Australopithecus o ancestral do Homo? Alguns especialistas tendem a
pensar que as duas formas têm um ancestral comum, distinto de ambas. Cabe observar
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que alguns pesquisadores classificam todos esses fósseis num mesmo gênero, o qual
apresentaria uma grande variabilidade intragenérica e um acentuado dimorfismo sexual.
A forma pré-sapiens mais conhecida do gênero Homo é a que foi atribuída a uma
espécie morfológica bastante diversificada que se expandiu amplamente: Homo
erectus, espécie encontrada pela primeira vez no Extremo Oriente e na China, depois
na África. Essa espécie encontrava-se amplamente distribuída na África. A datação dos
sítios da África do Norte e do Sul, onde se descobriu o Homo erectus, foi inferida,
situando os aparentemente no Pleistoceno Médio (SILVEIRO, 2013).
Os espécimes da África Oriental, datados de aproximadamente 1.600.000 anos,
levam a crer que ele seja originário deste continente, tendo depois emigrado.
Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta, adaptação para a
marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno. O Homo
erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas,
na África. Os especialistas são unânimes em relacionar o biface da indústria acheulense
ao Homo erectus. A questão de se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento
que levou ao Homo sapiens está em aberto. Os fósseis atribuídos à linhagem Homo,
anteriores ao Homo erectus, limitam-se, atualmente, à África Oriental. Essa espécie
intermediária poderia ser chamada Homo habilis.
Durante o Pleistoceno Inferior, por volta de 1.600.000 anos atrás, apareceram
instrumentos bifaces rudimentares. Ainda não foi provado, mas podemos levantar a
hipótese de que o aparecimento das indústrias pós-acheulenses está ligado à
emergência do Homo sapiens (SILVEIRO, 2013).
No momento, existem claras evidências de uma considerável diversidade
morfológica dos hominídeos do Pliopleistoceno na África. A presença simultânea de
pelo menos três espécies na África Oriental pode ser determinada com base no material
craniano e pós-craniano. Qualquer reexame desta matéria deve incluir a análise do
conjunto dos fósseis descoberto.
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5 A FORMAÇÃO DOS REINOS, IMPÉRIOS, CIDADES E ESTADOS
Contudo, você deve ter em mente que ainda não há informações disponíveis
sobre algumas sociedades africanas da Antiguidade. A respeito de outras, existem
apenas informações escritas vagas, provenientes de outros povos. De muitas, restam
vestígios materiais (ruínas de cidades, templos, lugares de enterramento, etc.) em maior
ou menor quantidade, já em processo de escavação e/ou pesquisa. Há ainda aquelas
que se encontram enterradas e as que, como Cirta, antiga capital da Numídia, atual
Constantina, continuam a existir, porém sobre ou ao lado da cidade antiga. Muito falta
a escavar, decifrar, comparar e trabalhar para reconstituir a história dessas sociedades.
A região norte africana, que vai do oeste do Egito Antigo até a Mauritânia, do
Mediterrâneo ao norte até a região desértica do Saara, era inicialmente conhecida com
Líbia, e seus habitantes, chamados líbios, eram diversos povos berberes. A região foi
dominada alternada ou simultaneamente dado o seu tamanho, de forma pontual ou
permanente, por diversos outros povos (egípcios, fenícios, gregos, romanos). Tais
ocupações se deram a partir de negociações amigáveis ou em situações de conflitos
Os fenícios e gregos, por conta do comércio, das navegações ou mesmo da
busca por espaço para o excedente de seu povo, foram fundando cidades e colônias ao
longo da costa, com tamanhos que podiam ir de um pequeno porto e entreposto
comercial a cidades. Na longa duração, as populações pertencentes a uma variedade
de tribos berberes e as das diversas povoações cidades estados de origem Fenícia,
colônias gregas e, posteriormente, províncias tomadas pelos romanos aos demais
povos mantiveram relações amistosas ou inamistosas, variando em grau e no tempo
conforme as situações, os locais, os costumes e os interesses dos envolvidos (ALVES
2019).
Uma das cidades fundadas pelos fenícios foi Cartago, que, segundo o mito, foi
construída em um território comprado de um chefe local. Era, como a maioria das
cidades fenícias, uma cidade de mercadores e navegantes que comerciavam por todo
o Mediterrâneo, desde a Síria Palestina ao Atlântico. Nem sempre o comércio era direto,
pois na região da Hispânia os fenícios fundaram a colônia de Nova Cartago, a partir de
onde provavelmente partiam para comerciar com a Grã-Bretanha.
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Os cartagineses eram excelentes navegadores e tinham em sua cidade dois
portos: um comercial e outro militar. Eles guerrearam com diversas cidades ao longo do
tempo, preferindo, na maioria das vezes, contratar mercenários para fazer a guerra, seja
porque a sua população era pequena, seja porque o comércio era o seu negócio real.
Cartago se tornou independente com a queda de Tiro, no século VI a.C., mas a derrota
das cidades fenícias não foi o fim de seu componente civilizacional, pois Cartago
manteve em sua essência os elementos fenícios de sua fundação: organização política,
linguagem, panteão, comércio e desenvolvimento marítimo (CARAYON, 2008).
No século IV a.C., a cidade-estado de Cartago dominava a cena comercial e
política no Ocidente. Segundo Warmington (2010, p. 476), após a queda de Tiro e das
demais cidades fenícias sob o Império Neobabilônico, ela passou a “[...] exercer
supremacia sobre as outras povoações fenícias do Ocidente, assumindo a liderança de
um império na África do Norte, cuja criação teria profundas repercussões na história de
todos os povos do Mediterrâneo ocidental [...]”
Segundo Carayon (2008), Cartago controlava seus territórios por meio de
acordos e tratados, sabendo como usar a força quando necessário para se defender ou
atacar, como pode ser constatado nas Guerras Sicilianas, contra os gregos, ou nas
Guerras Púnicas, contra os romanos. Ela era um império naval comercial que dominava
o comércio mediterrâneo e tinha portos em lugares estratégicos. As disputas pela
hegemonia no Mediterrâneo eram equilibradas enquanto ocorriam entre cartagineses e
gregos. Contudo, lutando contra as forças romanas, os cartagineses não foram capazes
de resistir e, depois de três guerras, chamadas Guerras Púnicas, sucumbiram
(ALVES,2019).
Essas guerras envolveram outros povos, como munidas e mauritanos,
diretamente ou como mercenários. Elas custaram a Cartago não somente a hegemonia
do Mediterrâneo, mas dinheiro, vidas, o próprio território e a existência. Os cartagineses
sofreram a derrota final em 146 a.C. e tiveram a sua cidade destruída pelos romanos.
Ela viria a ser refundada pelos próprios romanos posteriormente. A destruição da cidade
foi completa, incluiu o Senado e a biblioteca. Foram derrubados prédios, casas e
templos, depois incendiou-se tudo, não restando nada, nenhum escrito sobre Cartago
para contar a história da cidade. Roma dizimou todo o povo da cidade e, com ele, uma
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civilização; os que não morreram em batalha, de fome ou doenças, morreram
assassinados pelos romanos.
No espaço norte oriental da África Antiga, havia três grandes reinos: Egípcio,
Kush e Axum.
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Reino Médio (2.055–1.665 a.C.);
Segundo Período Intermediário (1.650–1.550 a.C.);
Reino Novo (1.550–1.070 a.C.).
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se expandiram, dominaram o Egito e fundaram a XXV dinastia egípcia, só
se retirando do Egito quando foram derrotados pelos assírios);
Período merolítico (250 a.C–350 d.C), com capital em Meroé, situada ao sul
de Napata, sendo um período marcado por mudanças culturais e materiais,
incluindo a introdução da escrita merolítica, ainda não de todo decifrada.
Por volta de +330, o reino de Axum, que se desenvolvera nos elevados planaltos
da Etiópia atual, chegara rapidamente ao ápice de seu poder; Ezana, o primeiro
monarca a adotar o cristianismo, atingiu a confluência do Atbara e se vangloriou
de ter preparado uma expedição “contra os Nubas” que rendeu muitas presas de
guerra. De tudo isso pode-se concluir que o reino meroíta já havia ruído na época
da campanha de Ezana (LECLANT, 2010, p. 290).
Assim, tem início o terceiro dos reinos orientais do norte da África, o reino de
Axum.
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6.3 O reino de Axum (I–VII a.C.)
A região onde surgiu o reino de Axum era ocupada desde a Pré-História. A época
pré-axumita pode ser subdividida em dois períodos: o período sul-arábico e o período
intermediário (ANFRAY, 2010). A partir do século V a.C., surgiu e estabeleceu-se no
planalto etíope do Norte uma civilização marcada pela influência sul-arábica, em que a
agricultura era o principal meio de sustento e que prosperou durante os séculos V e IV
a.C., entrando em decadência logo depois. Esse era um povo de agricultores e criadores
de gado. A sua cultura não desapareceu totalmente nos séculos seguintes, mesmo após
a sua decadência.
Os axunitas preservaram parte de suas tradições agrícolas e arquitetônicas,
traços da língua e da escrita. Além disso, muitas de suas construções se encontram nos
mesmos sítios do período da civilização anterior à de Axum (ANFRAY, 2010). No
período intermediário, “[...] vestígios arqueológicos evidenciam já uma cultura local com
assimilação de influências estrangeiras. Percebe-se ainda, sem dúvida, elementos sul-
arábicos, mas não se trata mais de um influxo direto e, sim, de uma evolução interna a
partir de contribuições anteriores [...]” (CONTENSON, 2010, p. 368).
Os sítios desse período estão sendo estudados, mas ainda existem poucas
informações a respeito deles.
A região onde se forma o Império de Axum volta a florescer em meados do século
III a.C., com a criação do porto de Adulis, no mar Vermelho, pelo rei Ptolomeu Filadelfo,
espaço posteriormente ampliado por seu filho. Esse porto foi um dos maiores da
Antiguidade e é citado no Périplo do Mar da Eritreia, editado no século I d.C.
O reflorescimento, nesse período, é cultural, comercial e linguístico.
Desenvolvem-se a agricultura, a criação de gado diversificado, as manufaturas, a
metalurgia, a arquitetura, a navegação e o comércio de larga escala. Contenson (2010)
afirma que, com o declínio de Meroé (reino de Kush) e dos povos sul-arábicos, os
etíopes passaram a controlar o comércio da região, o que favoreceu a criação do reino
no século II a.C. A religião é inicialmente politeísta, praticando-se culto a deuses de
lugares diversos, como os do sul da Arábia e Meroé, além de deuses próprios. Ao
mesmo tempo, o povo se considera descendente de Salomão, portanto judeu, até que
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se converte ao cristianismo, quando os templos dos deuses antigos são transformados
em igrejas. Assim, tal espaço era ocupado por um povo de variadas crenças que
convivem entre si por determinadas temporalidades (ALVES,2019).
Com relação ao judaísmo, considere o seguinte:
Alguns detalhes que merecem atenção dizem respeito à língua antiga, que se
manteve apesar de algumas alterações, como o sentido da escrita e da leitura. Convém
notar que a Igreja Ortodoxa Etíope mantém a sua força até os dias atuais no antigo
território axunita, hoje Etiópia. Eles ainda utilizam a língua ge’ez como língua ritual em
suas cerimônias, da mesma forma como faziam os cristãos europeus em suas missas,
embora não existam falantes cotidianos desse idioma (ALVES,2019).
A lenda de que esse império foi fundado por um filho de Salomão e da rainha de
Sabá persiste no imaginário, e supõe-se que um dos túmulos encontrados na região
seja o da rainha. O local onde se desenvolveu Axum está cheio de sítios arqueológicos
que são escavados e estudados; assim, espera-se que, no futuro, seja possível
esclarecer mais sobre a história desse povo. Sabe-se sobre os reis de Axum
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especialmente por meio da numismática, já que eles marcaram época ao realizar a
cunhagem de moedas.
Desde 4000 a.C., antes dos egípcios, os povos do Saara já trabalhavam com
barro e praticavam o pastoreio. Devido à desertificação do Saara, contudo, eles não se
fixaram na região. Os poucos que se mantiveram por lá tornaram-se nômades, como os
líbio-berberes, antepassados dos atuais tuaregues (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA,
2007).
O deslocamento dos caucasoides para o norte e o nordeste da África, enquanto
os negroides se direcionavam para o sul, inclusive para o Sahel (Figura 1), gerou um
aumento populacional e, consequentemente, o desenvolvimento da agricultura para
manter a população em crescimento (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). Para
Silva (2011), predominava uma “agricultura deambulante”, em que se explorava a terra
por alguns anos e, quando se chegava ao esgotamento dela, buscava-se uma nova
área para o cultivo. Além disso, acontecia o deslocamento mais frequente com os povos
pastores.
A organização social dos povos sahelianos fez com que alguns grupos se
dividissem em reinos e impérios, ou se mantivessem em agrupamentos muito
pequenos. Esses agrupamentos praticavam a caça e a coleta ou a plantação para a
subsistência. Enquanto ocupassem a terra para a sua sobrevivência, detinham o seu
usufruto, sendo que tudo o que era cultivado ou nascesse nela era da posse da família
ou do grupo. A terra era distribuída para os chefes de família pelo conselho de anciões,
pelo chefe da aldeia ou pelo rei. Os chefes podiam cultivar um ou mais lotes de terra.
Esse regime ocorria em regiões em que era possível a rotatividade do solo alguns
anos de cultivo e outros de repouso. No momento em que a terra entrava em descanso,
o chefe de família precisava ter um novo trato de terra. Dessa maneira, a alocação da
terra passava por várias gerações, ficando na família, que assim herdava o uso da terra
(SILVA, 2011). Mesmo detendo o usufruto da terra, na África ela não se tornava uma
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propriedade da família, do chefe da aldeia ou do rei. A consciência de poder político
estava calcada nas concepções religiosas e morais.
Tanto se a organização social fosse simples quanto se fosse complexa, o núcleo
de base, nos povos do Sahel, era a família estendida (clã ou linhagem). Ela era
organizada em uma ordem patrimonial ou matrimonial. Veja o que afirma Souza (2006,
p. 31):
[...] do Norte vinham sal, tecidos, contas, utensílios e armas de metal. Do Sul
vinham ouro, noz-de-cola, marfim, peles, resinas, corantes, essências, que eram
levados para o norte pelos comerciantes fulas, mandigas e hauças. Estes eram
guiados pelos tuaregues e outros povos do deserto.
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8.1 Reino de Gana
O império do Mali, localizado no alto do Níger entre o século XIII e o XV, era
considerado o império mais importante da savana ocidental. O seu início está
relacionado ao desenvolvimento de um pequeno Estado chamado Kangaba
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). A origem desse império está nos povos de
língua mandê que habitavam em um kafu (conjunto de aldeias cercadas por terras
cultivadas) no vale do Níger, governado pelos famas (descendentes dos primeiros
habitantes do vale do Níger), donos da terra. Eles expandiram-se pela região até o
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deserto e a floresta, também nas províncias conquistadas, mantendo vassalos semi-
independentes.
Por volta do século XIII, o guerreiro Sundiata (responsável pela junção de várias
comunidades maliquês) foi coroado como o grande rei do Mali devido à expansão em
territórios maliquês, vencendo os nossos (antigos subordinados de Gana). Sundiata
fundou uma nova capital, Niani. Além disso, incorporou ao seu domínio o império de
Gana, incluindo os territórios ao longo dos rios Gâmbia e Senegal e pelo alto Níger,
assim como as minas de ouro de Bambuk e de Buré (MATTOS, 2007).
Dessa forma, passou a controlar todo o comércio de ouro e sal transaariano. A
organização política do Mali abrangia desde os reinos até as aldeias, tudo sob a
influência do rei, que cobrava tributos, gerenciados pelo conselho de anciões. A
sociedade era organizada de forma hierárquica. No topo, ficava o rei do Mali,
denominado mansa; logo abaixo, a linhagem real, o clã dos Queitas, a nação mandinga
e outras nações. Em cada nação, existiam famílias reais, nobreza, homens livres, servos
e escravos.
A sucessão do reino podia ser patrilinear ou fratilinear. Ou seja, tanto o filho
quanto o irmão do rei poderiam substitui-lo no poder. Foi no século XIII que o filho de
Sundiata, Uli, o sucedeu no trono do Mali e passou a controlar os grandes centros
comerciais do Sahel, Tombuctu, Ualata, Djenné e Gaô. Tombuctu localizava-se ao
noroeste do Níger e era a cidade mais famosa da região, por ser um ponto de encontro
de várias rotas comerciais e local de descanso de muitas caravanas que atravessavam
o deserto. Djenné ficava na região do rio Bani e era considerada um grande centro
agropecuário e comercial, ligando a savana, o cerrado e a floresta. Tombuctu e Djenné
se desenvolveram mais ainda no século XIV, devido à integração do comércio
transaariano.
O comércio era realizado pelos soninquês e mandingas, também conhecidos
como uângaras ou diulas, que atravessavam a savana e a floresta. No século XIV, o
Mali começou a entrar em decadência devido às disputas de sucessão entre os
descendentes de Sundiata Keita, o que ocasionou a desintegração do reino em
pequenos Estados.
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8.3 Império de Songhai
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8.4 Tecrur
O reino Tecrur ficava localizado nas margens do rio Senegal, ponto privilegiado
pela ligação entre o deserto, a savana e também o litoral Atlântico e o interior. Por volta
do século IX, esse reino era constituído por agricultores sererês, que deram origem aos
tuculores, e pelos pastores fulas, do Saara. Os tuculores eram os grandes comerciantes
islamitas de ouro e escravos.
A primeira dinastia do reino foi a Diáogo, composta pelas fulas ou berberes. No
final do século X, essa dinastia foi substituída pelas manas, do Estado de Diara, que
permaneceram por 300 anos no poder. No século seguinte, o rei tuculor Uar-Jabe ibn
Rabis se converteu ao islamismo, propagando essa doutrina religiosa por meio da força
e pela catequese, com o auxílio dos mercadores tuculores. Segundo Mattos (2007, p.
27), “Os mercadores de Tecrur comercializavam ouro, escravos, âmbar, cobre, goma,
contas, lã e sal pelas rotas do Atlântico ou por Audagoste, fazendo chegar esses
produtos até Marrocos, Gana e Níger”. Tecrur tornou-se concorrente de Gana ao
expandir o seu território até Barisa, que era um ponto comercial de ouro sob influência
desse reino.
No século XIV, as manas perderam o poder para os sereres e mandês da dinastia
de Tondions, que no século seguinte acabaram sendo substituídos pelas fulas de Lam-
Termes. Nesse mesmo período, o Tecrur foi invadido por guerreiros externos, o que
ocasionou a sua divisão em pequenos reinos (MATTOS, 2007).
Os reinos Kanem e Bornu surgiram a leste de Songhai, entre o rio Níger e o lago
Chade. Muitos povos se instalaram nessa região para fugir da seca do Saara. O reino
de Kanem tem a sua fundação atribuída aos zagauas, nômades do Sahel. Outra versão
está relacionada à ideia de fortalecer a conversão de Kanem ao islamismo e levar a
dinastia Sefau ao poder. Segundo Mattos (2007, p. 29), “Ibrahim, o filho de um grande
herói árabe Saife inb Dhi Yazan viajou para o Sudão Central e tornou-se líder dos
magumis, nômades do nordeste do lago Chade, conquistando vários grupos dessa
31
área”. Enfim, existem várias versões sobre a origem do Kanem, todas relacionadas à
submissão entre povos, os mais fracos sob o comando dos mais fortes em função da
supremacia militar, do domínio da metalurgia do ferro, do uso do cavalo ou da estratégia
comercial. Nessa região, havia comércio de escravos, que eram vendidos para o norte
da África como concubinas, eunucos, soldados e criados.
No reino de Kanem, o escravizado era utilizado para pagar tributos e compor
exércitos, bem como para o trabalho na agricultura e no pastoreio. Os escravos eram
adquiridos pelo reino por meio de sequestros e ataques às aldeias próximas. Esses
ataques também serviam para a expansão territorial do reino; os vizinhos tornavam-se
vassalos em troca de proteção. No século XIV, Kanem entrou em decadência devido a
várias guerras contra os saôs e por ser invadido pelos reinos vizinhos, que queriam
escravizar a sua população. Por volta do século VII, os saôs chegaram à região, vindos
do Norte, e se instalaram no curso inferior do rio Logone e no delta do Chari (LOPES,
2011). O rei Umar ibn Idris abandonou Kanem e foi com o seu exército para Bornu, no
planalto de Chade.
Bornu era uma região com inúmeras terras fertéis e, conforme Mattos (2007),
tinha possíveis fontes para a captura de indivíduos. Além disso, era a saída de rotas
comerciais para a África do Norte e para o Egito. A população em Bornu era canúri, ou
seja, uma mistura dos povos canembus e saôs. O reino de Bornu era formado por
aldeias, que se organizavam em torno dos chefes tradicionais, os bulamas, que se
submetiam aos representantes militares do rei, os maína. O rei governava com o apoio
dos maína e pela influência da rainha mãe, magira, e da rainha irmã (MATTOS, 2007).
Os produtos que comercializavam eram escravos, que trocavam por cavalos
vindos da África do Norte. Conforme Mattos (2007, p. 30), “Cada cavalo valia em torno
de 15 a 20 escravos”. Além disso, como Kanem, Bornu guerreava com povos vizinhos
para adquirir o seu produto.
32
8.6 Reinos iorubás: Ifé e Benin
33
inhame, melão, feijão, pimentas-de-rabo, anileiras e algodão. O que mantinham era o
comércio, pois eram entrepostos de mercadores. Eles se expandiram em direção às
rotas comerciais com o intuito de controlar as atividades mercantis e dominar outros
pontos, como Aboh, Onistsha e Eko (MATTOS, 2007).
O Reino do Congo teve origem entre 1350 e 1375, com Nimia Nzima, que, ao
longo do tempo, expandiu o território e domínios mediante conquistas e alianças com
diferentes regiões, sobretudo, aquelas ao sul do rio do Congo. Seu filho e sucessor,
34
Lukeni lua Nimi, empreendeu uma política semelhante e estendeu o poder sobre
organizações políticas na região norte do rio do Congo, anexando áreas como Vugu,
Ngoyo e Kakongo. Esse mesmo rei conseguiu alcançar domínios até a região de
Mbanza Kongo, para onde mudou a capital e fundou, por volta do século XV, um estado
que se chamaria Congo (ou Kongo), formado por comunidades que compartilhavam o
grupo linguístico banto, sobretudo os bakongo (CORREIA, 2012).
Em termos de atividades agrícolas, a região do Congo possuía terras férteis,
onde os povos plantavam coco, banana, dendê, sorgo, milho, inhame, cola. O sal era
um elemento importante a ser extraído, e muitos dedicavam-se à caça, à pesca, à
criação de porcos, cabras, galinhas e cães. Outras atividades também se destacavam,
como a tecelagem, artesanato e metalurgia (MATTOS, 2007).
Em termos de estrutura social e política, os nobres moravam nas cidades e
somente se deslocavam para as províncias quando alçavam algum cargo
político/administrativo. A alta nobreza, por sua vez, era composta por parentes do rei ou
um de seus predecessores, constituindo, assim, casas bilaterais interligadas por
alianças matrimoniais. Frente às aldeias, a nobreza formava um bloco que era
determinante no acesso às terras (CORREIA, 2012).
Devido a essa estrutura, pode-se dizer que a nobreza era caracterizada como
um dos elementos mais importantes e significativos para a coesão social, sobretudo nas
cidades. Por fim, ao final do século XV, os domínios do Congo englobavam territórios
da costa oeste do Atlântico, do rio Zaire até Luozi (norte), rio Inquisi (leste) rio Loje ou
Dande (sul) e a ilha de Luanda (MATTOS, 2007; CORREIA, 2012).
De acordo com Mattos (2007), por volta do século VI, nas terras próximas ao rio
Juba ou a Lamu existia o reino Xunguaia, que supostamente tenha originado a cultura
suaíli. Seus habitantes eram caçadores e agricultores bantos e pastores cuxitas. Alguns
historiadores acreditam que os suaílis seriam agricultores bantos, vindos dos Grandes
Lagos e das montanhas de Kwale, que desde o ano 500 se expandiram pela costa. Em
várias cidades-estado da África Oriental, como Quíloa, Mogadixo, Mombaça,
Moçambique, Zanzibar, Mafi a, Melinde, a organização política concentrava-se na figura
de um sultão ou xeque, que governava com o apoio de um conselho, aparentemente
com base nas leis islâmicas (MATTOS, 2007, p. 44).
Na região da costa índica, as cidades já desenvolviam intensas atividades
mercantis, o que, por sua vez, permitiu que os habitantes dessa região entrassem em
contato com os povos árabes, persas e romanos, permitindo também diferentes trocas
culturais. Mattos (2007) aponta que, de fora do Continente Africano, chegavam em
grandes navios árabes e indianos diversos mercadores de luxo, dentre elas o vidro e
cauris, das Maldivas. Grupos mais abastados realizavam suas refeições em louças
chinesas ou persas, já os mais pobres comiam em torno de uma grande panela de
cerâmica, comunitária.
Entre os séculos XII e XIII, por exemplo, a cidade de Quiloa tornou-se um
importante centro comercial, o que permitiu o desenvolvimento dessa região. Seus
habitantes eram pescadores bantos, mas que possuíam grande conhecimento em
metalurgia do ferro e cobre e produziam artefatos de cerâmica vermelha. Os produtos
36
comercializados giravam em torno de frutas, peixes, sal, cereais e o gado. Mais tarde,
incluíram produtos como marfim e peles, no intuito de estabelecer relações comerciais
com a Arábia, Índia, Pérsia e China.
A partir do século XV, a cidade de Quiloa declinou em termos comerciais devido
à concorrência com outras regiões, entretanto, outras cidades da região do Índico
também se desenvolveram, como é o caso de Mombaça, Zanzibar e Melinde.
Os povos bantos que chegaram a região dos rios Zambeze e Limpopo, por volta
do primeiro milênio, desenvolveram práticas como a da agricultura, do pastoreio e da
metalurgia. No século XII iniciou-se a exploração de ouro nessa região, onde havia
diversas jazidas (CAMPO,2019).
Segundo Fagan (2010), no século XV o Grande Zimbábue tornou-se um
importante centro comercial e os seus soberanos exerciam monopólio sobre as
atividades de trocas. Era vantajoso para o negociante estrangeiro trabalhar em
cooperação com os dirigentes, pois isso poderia garantir maior segurança e lucros.
Mattos (2007) aponta que também no século XV o Grande Zimbábue entrou em
decadência e isso se deu por diferentes motivos: a diminuição das águas do rio Save,
a presença o mosquito tsé-tsé, que prejudicava a criação de gado, o crescimento
populacional, o esgotamento do solo e de animais de caça. Esses fatores levaram o
soberano Niatsimba Mutota a estabelecer, na segunda metade do século XV, uma nova
capital do reino, ao norte, na região do Dande, entre os rios Mazoé e Hunyani. Nessa
área surgiram diferentes dinastias carangas, cujos reis eram conhecidos como
Monomotapa, que significa “senhor dos cativos” ou “senhor de tudo”. Fagan (2010)
afirma que o soberano Mutope expandiu o território monomotapa para a região norte,
transferindo a capital para uma área setentrional, longe da Grande Zimbábue. Por volta
de 1490, as partes meridionais do reino romperam com a autoridade central.
O reino Monomotapa estava restrito à região dos rios Zambeze, Mazoé, Lueanha,
Dande e Huambe, bem como a cordilheira de Unvucué e ao vale do Zambeze. Conforme
nos aponta Mattos (2007), a principal cidade era Ingombe Ilede, principal concorrente
37
da Grande Zimbábue, além de Cafué. Desde o século XIV, essas regiões tornaram-se
centros de produção de sorgo, algodão, sal, da criação de bois e cabras, bem como
produtos de cobre e cerâmica. Além disso, eram importantes pontos comerciais em que
se trocavam o sal pelo marfim de Guembe e o cobre de Urungué. A partir do século XVI
até XVII o domínio monomotapa caiu sob a influência dos portugueses (CAMPOS,
2019).
10 CULTURA AFRICANA
38
A diversidade étnica dos negros diasporizados e a presença imperativa do
catolicismo ibérico tornaram o sincretismo religioso em um ato estratégico a fim de
garantir a identidade africana (QUEIROZ, 2017).
O candomblé possibilitou a reunião de negros escravizados de diversas etnias
africanas, de línguas e culturas diferentes, em uma mesma matriz religiosa. Diferentes
deuses celebrados no mesmo espaço religando povos africanos distintos a partir da
fabricação de religiosidade afro-brasileira.
A constante perseguição religiosa, no século XIX, e a persistência do candomblé
como identidade negra até os dias de hoje demonstram-nos que as práticas religiosas
de matriz africana estão alicerçadas na identidade brasileira. Ao contrário do catolicismo
que adveio do topo da hierarquia ibérica para a América Latina, o candomblé nasce
como criação popular de extensão africana. Realmente, o que caracteriza a cultura afro-
brasileira é o popular, a africanidade que está no povo. Há uma independência
surpreendente dos negros na formação das teias de significados culturais que escapa
ao poder do Estado (QUEIROZ, 2017).
O candomblé, além de ligar o continente africano à América e, de mesma forma,
africanos aos afro-brasileiros, também produzia uma mistura geral: étnica, racial e
social.
39
11 COLONIALISMO NA ÁFRICA: A ESCRAVIDÃO E O TRÁFICO DE ESCRAVOS
40
castigos cruéis e era desprezado por ser “[...] preguiçoso, desasseado, curto de ideias,
inepto e tonto [...]”.
O processo de escravização na África variava de acordo com a região, a cultura
e o povo dominante. É preciso considerar o contexto histórico e as características de
cada grupo ou povo (COSTA; 2006).
Figura 1. Mapa político da África. Fonte: Guia Geográfico (2019, documento on-line).
41
“Isto quer dizer que o lugar social das pessoas era dado pelo seu grau de parentesco
em relação ao patriarca ou à matriarca da linhagem familiar [...]” (ALBUQUERQUE,
2006, p. 13). Dessa relação de parentesco, surge a escravidão de linhagem ou
linhageira, também conhecida como “escravidão doméstica”.
Havia diversas formas de alguém se tornar escravo. A mais comum era sendo
prisioneiro de guerra. Contudo, em muitas sociedades, a escravização era uma forma
de punição por um crime cometido (roubo, assassinato e até adultério). Pessoas
acusadas de feitiçaria também podiam ser escravizadas. Albuquerque (2006, p. 15)
indica outras formas de se tornar escravo:
42
A mão de obra dos escravos domésticos era normalmente usada na agricultura
familiar, para garantir o sustento de uma família ou de um grupo. Mas o uso do escravo
doméstico podia variar de acordo com o interesse do senhor em aumentar o seu poder
político:
43
13 ALVO DA ESCRAVIDÃO RACIAL E DOS TRÁFICOS NEGREIROS
TRANSOCÊNICOS
14 A ESCRAVIDÃO ISLÂMICA
44
sob a lei divina, e a conversão dos povos infiéis fazia parte dessa expansão. Durante
esse processo, os povos que não aceitavam a conversão podiam ser escravizados.
A primeira área de expansão do islã fora da Ásia foi a região do Magreb, na África,
que corresponde aos atuais Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. Os berberes, do norte
da África, foram um dos primeiros povos africanos a se converterem ao islamismo. As
grandes caravanas que percorriam o deserto do Saara eram compostas por berberes
islamizados. Seguindo essas rotas, o islamismo foi ganhando adeptos na região
sudanesa e na região do Sahel (extensa faixa de terra situada imediatamente ao sul do
deserto do Saara). Utilizando os camelos como meio de transporte, os berberes
percorriam longas distâncias, cruzando o deserto. As rotas percorridas ligavam a região
do Magreb e o Egito às margens dos rios Senegal e Níger, ao sul da Mauritânia e ao
lago Chade. No século IX, cerca de 300 mil pessoas eram transportadas por essas rotas
na condição de escravos (ALBUQUERQUE, 2006).
As caravanas que partiam do norte da África em direção ao Sahel levavam
artefatos de metal, como utensílios de cobre, bronze e estanho, além de ferramentas,
tecidos, adornos e pedras preciosas que vinham do Egito, do Oriente Médio e da
Europa. Também transportavam: burros e cavalos; produtos alimentícios, como
tâmaras, passas e raízes, bastante apreciadas pelas comunidades islâmicas do Sahel;
e sal, produto essencial para a conservação dos alimentos nas áreas tropicais e que
também servia de moeda nas trocas comerciais. Da região do Sahel, essas caravanas
traziam ouro, peles, marfim, noz-de-cola (fruto utilizado pelas sociedades africanas
tradicionais em cerimônias e rituais e para controlar o cansaço e a fome) e
principalmente escravos, que eram enviados para trabalhar nas salinas do Saara, nas
sociedades islâmicas do norte da África e nos países europeus, sobretudo na Península
Ibérica muçulmana. Segundo Albuquerque (2006, p. 16), entre os anos 650 e 1800,
calcula-se que o tráfico transaariano tenha vitimado “[...] 7 milhões de pessoas, sendo
que 20 por cento delas morreram no deserto [...]”.
A conversão ao Islã não se deu de forma homogênea na África. Algumas regiões
foram receptivas à nova crença, mas outras seguiam fiéis às crenças tradicionais e eram
mais resistentes. Em alguns lugares, o islamismo e as crenças tradicionais coexistiram;
em outras regiões, “[...] a conversão ficou restrita ao soberano e à aristocracia, enquanto
45
as pessoas comuns continuavam a professar as crenças herdadas dos antepassados”.
Houve também regiões em que toda a população se converteu “para escapar do risco
do cativeiro”, uma vez que “apenas os infiéis podiam ser escravizados [...]”
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 18). Mas como o islamismo encarava a escravização?
O Alcorão não justifica nem condena a escravidão. Tem-na como natural. Se dela
fala em algumas passagens, é para recomendar, como obra pia, reparadora ou
expiatória, a manumissão [alforria] dos escravos, preceituar que devem ser
tratados com bondade e estabelecer regras de comportamento entre os escravos
e entre eles e seus senhores. Em outros textos [...] preceitua-se que o senhor
abrigue, vista e alimente de forma correta o escravo e o poupe de trabalhos
excessivos. [...]. Para o islã, a condição normal do homem é a liberdade. Foi a
partir desse princípio que as várias escolas jurídicas muçulmanas [...]
compuseram doutrinas, leis e jurisprudência sobre a escravidão. Nenhuma
pessoa livre podia ser escravizada por crime, dívida ou indigência. Não era lícito,
como na Grécia ou em Roma, fazer escrava, por exemplo, a criança abandonada.
Escravo era quem nascia nessa condição ou era a ela reduzido em guerra santa.
Ou, ainda, quem era importado de terras de infiéis (SILVA, 2002, p. 32).
Para o Islã, havia apenas dois grupos de pessoas: os fiéis, que seguiam as leis
divinas, e os infiéis. Quem não se convertera ao islamismo no primeiro chamado poderia
ser salvo por meio da escravidão. Dessa forma, o jihad contribuía para a purificação do
mundo, “[...] eliminando fisicamente o infiel, ou lhe arrancando, pela escravização, a
existência legal e moral (COSTA,2006).
A essência humana do escravizado não lhe seria devolvida senão com a alforria,
para o que era indispensável que antes se houvesse convertido [...]” (SILVA, 2002, p.
33). A conversão, no entanto, não garantia necessariamente a liberdade do escravo:
46
a trabalhos domésticos. “Alguns deles, transformados em eunucos, eram incorporados
aos exércitos (havia exércitos específicos de eunucos) ou alocados nos haréns, como
vigilantes. Muitos eunucos ocupavam, também, cargos administrativos e funções de
governo [...]” (MARZANO, 2013a, p. 138). O comércio de escravos na África foi
intensificado pela presença muçulmana, como pontua Silva (2002, p. 35):
15 OS PORTUGUESES NA ÁFRICA
47
ouro e pedras preciosas. Após conquistar Ceuta e tomar a ilha da Madeira, em 1419, e
o arquipélago dos Açores, em 1431, no Oceano Atlântico, os portugueses foram
margeando o litoral africano, seguindo para o sul. Os primeiros contatos entre
portugueses e africanos se deram na região do rio Senegal, em terras que faziam parte
do Império Jalofo (ALBUQUERQUE, 2006).
Logo, os portugueses começaram a comercializar escravos entre os portos
africanos. O comércio de escravos não foi, no entanto, o primeiro interesse dos
portugueses na África, como indica Marzano (2013b, p. 159):
A intenção dos portugueses não era apenas ter acesso ao mercado do ouro, mas
chegar ao centro produtor do metal precioso e eliminar os intermediários. Assim, em
1445, os portugueses iniciaram a construção da fortaleza e da feitoria de Arguim (ilha
situada na costa da Mauritânia atual), “[...] para onde pretendiam desviar o comércio
transaariano [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 22).
Aos poucos, os portugueses foram se apropriando, com suas caravelas, de parte
do transporte que até então era feito com camelos; assim, os negócios com os africanos
da região do rio Gâmbia, perto do poderoso Império do Mali, foram crescendo. Por volta
de 1460, os portugueses mantinham boas relações comerciais com os malineses.
Contudo, o principal objetivo, atingir as ricas minas de ouro, ainda não havia sido
atingido.
Embora o comércio de escravos não fosse o seu principal objetivo, os
portugueses passaram a lucrar com ele. Esse lucro representou a desgraça de alguns
povos, pois a captura de escravos estimulava as guerras entre os africanos. “A presença
portuguesa redimensionou a vida de populações litorâneas que, até então, não tinham
poder econômico e político significativo e que passaram a ter na captura de cativos uma
atividade corriqueira, sistemática [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 24).
48
A prosperidade dos negócios portugueses fez surgir a necessidade de
estabelecer mais feitorias no litoral africano. Dessa forma, em 1482, os portugueses
construíram a feitoria de São Jorge da Mina (Figura 2), na Costa do Ouro (atual Gana).
A construção imponente demonstrava que os portugueses pretendiam ficar por muito
tempo na região, pois, de acordo com Silva (2002, p. 212), “[...] não se tratava de um
simples entreposto, mas, sim, de uma fortaleza, que se erguia a quase quatro mil
quilômetros da pátria dos que a levantavam [...]”. A partir de São Jorge da Mina, os
portugueses conseguiram interceptar quase todo o metal transportado pelo Saara. De
posse do ouro, puderam negociar com vantagens nos mercados africanos e, com os
lucros, obter mercadorias sofisticadas que não eram fabricadas em Portugal.
49
16 RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E CONGO
51
governou o Congo entre 1506 e 1543. Ao longo desse período, o comércio do próspero
reino com os portugueses expandiu-se e a venda de escravos tornou-se monopólio real.
Aos poucos, porém, esse monopólio foi sendo quebrado. Desrespeitando as
regras estabelecidas pelo rei, os mercadores promoviam capturas ilegais (no Congo, só
era permitida a escravização de prisioneiros de guerra e de pessoas endividadas) e
transportavam escravos por rotas alternativas para fugir da fiscalização e não recolher
os impostos devidos aos cofres reais, o que causou grande prejuízo ao governo do
Congo. Afonso I também enfrentou disputas pela sucessão do trono e revoltas de chefes
das províncias do reino que discordavam do controle excessivo do governo sobre seus
territórios.
Em paralelo a isso, os portugueses intensificaram o comércio de escravos com
povos vizinhos subordinados ao Congo, como Angola, sem contar com o intermédio de
Afonso I. Ao estreitar relações com esses povos vizinhos, os portugueses almejavam
encontrar minas de prata na região. Quando as pretensões colonialistas dos
portugueses se tornaram evidentes, os africanos resistiram. Além de confrontar os
africanos, os portugueses tinham de enfrentar outros inimigos: “[...] as febres, a
escassez de comida, os insetos, a estiagem e a frustração diante da inexistência de
prata e ouro nas proximidades. Os portugueses concluiriam, então, que a empreitada
conquistadora não valia a pena e resolveram concentrar suas forças no comércio de
escravos [...]”, atividade mais lucrativa e que demandava menos trabalho
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 33).
No início do século XVII, o contato entre os reinos de Portugal e do Congo
diminuiu. O Congo se mantinha como um reino autônomo e estabelecia relações
políticas e comerciais com a Holanda. O catolicismo permaneceu como religião oficial
da monarquia congolesa e padres italianos e espanhóis foram enviados diretamente
pelo papado para prosseguir o trabalho missionário no reino, como você vai ver a seguir.
O reino do Congo manteve-se unificado e autônomo até 1665, quando o rei Antônio I
morreu numa batalha travada contra os portugueses, agora estabelecidos em Angola.
A derrota nos campos de batalha e a morte do rei abriram caminho para a fragmentação
do reino do Congo.
52
17 A DOMINAÇÃO PELA CRUZ: O PAPEL DO CATOLICISMO NA COLONIZAÇÃO
DA ÁFRICA
54
Assim começa a história fascinante e controvertida do cristianismo no reino do
Congo. Alguns consideram que não houve uma conversão verdadeira, pois,
fundada num “mal-entendido colossal”: os portugueses teriam conquistado os
ouvidos dos congueses porque eram brancos vindos do mar e, como tais, seres
sacrossantos. Outros julgam que o cristianismo do rei e das elites teria sido
superficial ou apenas de fachada, para ganhar audiência nas cortes europeias,
subsistindo entre os congos a religião tradicional, ainda que incorporasse alguns
rituais e objetos de culto católico às suas cerimônias e aos seus altares. Não falta
quem acrescente que a conversão dos manicongos foi um expediente de política
interna: como o rei não controlava o culto dos antepassados, nem o dos espíritos
das águas e da terra, [...] percebeu que poderia ter no cristianismo uma fonte de
legitimidade independente do beneplácito, da sagração ou do apoio dos chefes
das candas (ou clãs e linhagens matrilineares) [...]. Houve também quem julgasse
que o cristianismo teria sido, desde o início, apropriado pela religião local, que o
reinterpretou segundo o seu sistema de crenças e o acomodou à sua concepção
do universo e do sagrado. Para outros, o chamado catolicismo dos congos não
seria sequer um culto híbrido, pois tinha por base uma visão do mundo que era
inteiramente africana.
De acordo com Silva (2002), a conversão dos congos teria se dado para alguns
pela fé e, para outros, por conveniência. O autor cita como exemplo o caso do
manicongo, que teria se convertido por impulso, imaginando que sem a conversão não
haveria aliança com os portugueses.
O governo de D. Afonso foi de suma importância para a consolidação do
cristianismo no Reino do Congo e serviu para estabelecer as bases da organização
política que vigoraria pelos séculos subsequentes. O cristianismo sustentou
politicamente a conquista do poder, a sua consolidação e a sua ampliação. Ainda de
acordo com Souza (2016, p. 453), “[...] a elite conguesa refundiu ideias heterogêneas,
locais e estrangeiras, em novas partes inter-relacionadas, em uma visão de mundo que
constituiu o cristianismo congo: um novo sistema de pensamento religioso, expressão
artística e organização política [...]”
As ações de D. Afonso foram fundamentais para o fortalecimento do cristianismo
no Congo, que serviu para os portugueses, sustentarem o comércio de escravos e
suplantarem a autoridade dos reis congos, que controlavam, além do comércio, o
cristianismo. Souza (2016) defende que as redes comerciais estabelecidas e a adoção
do cristianismo deram ao Congo uma posição de destaque no mundo atlântico entre os
séculos XVII e XVIII (COSTA,2019).
55
18 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA
56
Fatores econômicos: a grande concorrência entre as potências industriais as
levou a ampliar os investimentos em tecnologias para diminuir os custos de produção,
reduzindo, em contrapartida, a oferta de empregos. A produção de mercadorias
cresceu, enquanto o mercado consumidor, afetado pelo desemprego e pelos baixos
salários, não era capaz de absorvê-las. O resultado foi uma grave crise econômica entre
1873 e 1896, marcada pela falência de empresas e pela queda generalizada dos preços.
A saída encontrada pelos países europeus para resolver a crise foi a conquista
de novos mercados para os seus produtos industrializados e para a aplicação dos seus
capitais excedentes, além de novas fontes de energia e de matérias-primas para as
indústrias (COSTA,2019).
Fatores políticos e sociais: os governos europeus utilizaram a conquista de
colônias como propaganda política. A expansão do poderio nacional por meio da
obtenção de colônias serviu para despertar na população o orgulho patriótico e para
obter o apoio dela aos governos das potências imperialistas. Para isso, também era
necessário transferir para as áreas coloniais a mão de obra ociosa na Europa,
minimizando as tensões sociais e enfraquecendo o movimento operário.
Como você pode ver na Figura 1, até 1880 não havia domínios europeus no
interior do continente africano. Conforme Visentini e Pereira (2008, p. 92), desde a
metade do século XIX, expedições exploratórias eram organizadas ao interior dos
continentes, principalmente da África; os exploradores, “[...] geralmente financiados por
sociedades geográficas, por mais idealistas que fossem, objetivamente abriam caminho
para as potências colonialistas, na medida em que elaboravam um inventário dos povos
e dos recursos naturais das regiões a serem conquistadas [...]”. A essas expedições
exploratórias soma-se a ação de missionários, inaugurando uma nova fase da
evangelização, que serviria para combater a “selvageria e salvar a alma" dos africanos.
Essas expedições tiveram um efeito pragmático: “[...] todo o interior do continente
e as bacias dos grandes rios africanos tornaram-se conhecidos dos europeus,
57
facilitando uma penetração que fora, por séculos, evitada [...]” (CHAGASTELLES, 2008,
p. 114).
A partir dessas missões exploratórias e das ações missionárias, o interesse dos
europeus pelo continente africano cresceu exponencialmente. A cobiça pelo continente
despertou grandes rivalidades entre os principais países industrializados do século XIX.
Para evitar um conflito de grandes proporções, representantes de 15 potências
organizaram, entre o final de 1884 e o início de 1885, o Congresso de Berlim, em que
foram definidas as regras de ocupação do território africano.
58
19 O CONGRESSO DE BERLIM
A carta geopolítica da África estava basicamente pronta, sendo boa parte das
fronteiras conservada, no seu conjunto, até os dias atuais. Com isso foram
desconsiderados os direitos dos povos africanos e suas especificidades
históricas, religiosas e linguísticas. Em outras palavras, as fronteiras da nova
carta geopolítica da África, aprovada no Congresso de Berlim, raramente
coincidiram com as da África antes dos portugueses. Mas cerca de trinta anos
depois, por volta de 1920, quase todo o continente estava sob administração,
proteção colonial ou ainda era reivindicado por outra potência europeia.
60
Figura 2. A África em 1914. Fonte: Adaptada de Uzoigwe (2010).
61
O Estado nacional alemão se formou tardiamente, em 1871; por isso, o país
entrou depois das outras potências na disputa colonial. Mesmo assim, a Alemanha
obteve a sua parte na divisão da África Ocidental, conquistando territórios que deram
origem às colônias do Togo e de Camarões (CHAGASTELLES, 2008).
62
“Meu desejo é que nós, nações fracas, nos levantemos contra os alemães [...] Que a
África inteira combata os alemães, e antes morrer juntos que em consequência de
sevícias, de prisões ou de qualquer outra maneira [...]” (RANGER, 2010, p. 57)
Muitos movimentos de resistência foram rapidamente derrotados pelos
conquistadores. Outros, como na região dos atuais Egito, Somália e Sudão, além de
expressarem forte capacidade de organização, se prolongaram por vários anos.
Algumas ações conseguiram deter, ainda que temporariamente, o avanço das nações
industrializadas pelo continente e impor pesadas derrotas aos europeus.
Uma das revoltas mais significativas contra o domínio britânico ocorreu na então
Costa do Ouro, atual Gana, entre 1890 e 1900, a chamada Rebelião Ashanti. A cultura
do povo ashanti baseava-se em uma longa tradição de nações guerreiras e em uma
história de mulheres orgulhosas e respeitadas. Os tambores, objetos importantes da
tradição guerreira dos ashantis, eram usados por eles para se comunicarem a grandes
distâncias.
[O] levante dos Ashanti, em 1890, foi provocado pela vontade dos britânicos de
consolidar o seu domínio sobre aquele povo graças à destituição de vários chefes
que lhes eram hostis, à nomeação de indivíduos que, conforme a tradição, não
estavam qualificados para substituí-los e à imposição de uma taxa de quatro
xelins por cabeça, a título de indenização da guerra de 1897. A insatisfação
irrompeu quando o governador britânico, Arnold Hodgson, exigiu o Tamborete de
Ouro para se sentar. Ora, o Tamborete de Ouro era para os Ashanti o que de
mais sagrado possuíam no mundo, pois o consideravam o símbolo de sua alma
e de sua sobrevivência como nação (GUEYE; BOAHEN, 2010, p. 161).
63
21 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA
64
herero, que datam da passagem do século XIX para o século XX. Esses movimentos
de resistência, no entanto, eram de caráter regional. Portanto, era necessário um
movimento que impulsionasse o projeto de independência da África. “O movimento pan-
africano, ou pan-africanismo, teve um papel determinante na emancipação dos povos
do continente negro: foi, por excelência, a ideologia da descolonização [...]” (FERRO,
1996, p. 295).
Fundado por antilhanos e estadunidenses no começo do século XX, o pan- -
africanismo pregava a união dos negros na luta contra a segregação racial que sofriam.
Inicialmente, esse movimento não teve tanta representatividade na África. De acordo
com Hernandez (2008, p. 138), “[...] foi nos Estados Unidos que [...] o pan-africanismo
surgiu com mais força e radicalismo, expressando, de forma variada, em maior ou
menor grau, o descontentamento em relação à situação degradante do negro em todo
o mundo [...]”
Em 1945, foi realizado em Manchester, na Grã-Bretanha, o V Congresso Pan-
Africano. Esse congresso marcou a transição de um movimento que era essencialmente
de negros americanos para um importante instrumento na luta pela emancipação da
África, principalmente em relação à porção britânica. O Congresso contou com a
participação de políticos, sindicalistas e estudantes, representantes, em sua maioria,
das colônias inglesas (HERNANDEZ, 2008).
Outro movimento de grande relevância no processo de independência das
colônias africanas foi o da negritude. O movimento teve início com o senegalês Leopold
Senghor e o martinicano Aimé Césaire, estudantes negros que moravam em Paris, onde
estudavam. Senghor e Césaire se deram conta de que a identidade cultural negra era
reprimida pela dominação imperialista e pelo racismo.
23 AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA
O ano de 1960 ficou conhecido como “ano da África”. Ao longo dele, 17 países
africanos conquistaram a independência: Camarões, Togo, Senegal, Mali, Madagascar,
Zaire (atual República Democrática do Congo), Somália, Benin, Níger, Burkina Faso,
Costa do Marfim, Chade, República Centro Africana, Congo-Brazzaville (atual
República do Congo), Gabão, Nigéria e Mauritânia. A maioria desses países estava sob
domínio francês (HERNANDEZ, 2008).
Com isso, a expressão “Império Colonial Francês” foi substituída por “União
Francesa”. Essa mudança teve um caráter formal, pois o controle das colônias
66
continuou sendo exercido pelo Estado francês. No referendo popular realizado em 1958,
foi proposta a criação da Comunidade Francesa, que concederia mais autonomia às
colônias francesas, “[...], mas o governo francês conservava toda uma série de
atribuições essenciais e a independência era explicitamente apresentada como
incompatível com o pertencimento à Comunidade Francesa [...]” (SURET-CANALE;
BOAHEN, 2010, p. 212).
Mesmo com essas mudanças, o governo francês não conseguiu impedir que as
colônias conquistassem a independência. A Guiné Francesa declarou a sua
independência em 1958, sendo seguida pelas demais colônias francesas da África
Ocidental.
As independências da África Ocidental Francesa, em 1960, aconteceram de
maneira menos violenta, em comparação ao caso da Argélia. Situada na região norte
da África, este país vivenciou, entre 1954 e 1962 um conflito intenso, responsável pela
morte de 1 milhão de pessoas.
Em 1954, contando também com membros das elites culturais e políticas, foi
formada a Frente de Libertação Nacional (FLN), que em novembro daquele ano
iniciou uma guerra de guerrilhas na qual a violência [...] era uma forma de
libertação, inclusive espiritual. O movimento cresceu também como reação à
repressão militar do governo francês, tornando-se um movimento nacional que
contava com a simpatia da opinião pública de todo o mundo (HERNANDEZ,
2010, p. 480).
67
23.2 As colônias britânicas
68
em setembro de 1963, fixou o dia 12 de dezembro de 1963 como o dia da independência
do Quênia.
70
As fronteiras desses países eram artificiais, tanto no que se refere ao mínimo
critério de racionalidade geoeconômica como histórico-cultural. Grupos
etnolinguísticos rivais eram reunidos em um mesmo Estado, enquanto outros O
imperialismo e a África contemporânea 17 afins encontravam-se separados por
uma linha traçada à régua no mapa. O Estado antecedia a existência de uma
nação. Na ausência de um idioma comum, oficializava-se o do ex-colonizador,
enquanto a massa camponesa analfabeta continuava a utilizar os diversos
dialetos tribais. As rivalidades entre os distintos grupos haviam sido estimuladas
pelos colonizadores como forma de dominação, e deixavam uma herança trágica,
expressa no problema das minorias e do “tribalismo”, além do antagonismo entre
assimilados à cultura europeia e não assimilados.
Uma visão mais positiva da África no século XXI é apresentada por Saraiva
(2015, p. 11–12), que usa a expressão “renascença africana”. Para ele, as novas
gerações africanas têm ao seu alcance “[...] uma vida material, intelectual e socialmente
saudável ao desenvolver suas possibilidades educacionais e de renda em Estados
capazes de garantir o processo de democratização e o respeito à diversidade cultural
[...]”. A renascença africana, embora pareça um fenômeno recente, iniciou-se quase
concomitantemente aos processos de independência, nas décadas de 1950 e 1960. Ela
surgiu como um movimento em busca de uma identidade pós-colonial que valorizasse
a realidade africana. “Seu centro foi sempre, ainda hoje o é, a recusa ao tratamento da
realidade africana como eternamente primitiva e tradicional. E seu alcance universal é
a afirmação de uma visão global a partir da África [...]” (SARAIVA, 2015, p. 14).
A África celebrou, no início do século XXI, dois marcos importantes da história da
sua descolonização. Em 2007, Gana completou 50 anos de independência; o país foi o
primeiro da África subsaariana a conquistar a independência. Em 2013, ocorreu a
celebração dos 50 anos da Organização da Unidade Africana (OUA), transformada
posteriormente na União Africana (UA). Entre esses dois momentos históricos, Saraiva
(2015, p. 32) destaca:
72
25 A DIÁSPORA AFRICANA
O fim dos impérios coloniais foi uma das grandes consequências da Segunda
Guerra Mundial. O final arrebatador da Guerra, com as bombas atômicas lançadas em
Hiroshima e Nagasaki, no Japão, injetou combustível nos movimentos nacionalistas que
cresciam nos países colonizados, por exemplo. Ainda na década de 1940, várias
declarações de independência foram promulgadas, aproveitando o próprio status de
crise das nações europeias, como a Inglaterra, a França, a Itália e a Bélgica. A primeira,
73
sobretudo, viu seu império desvanecer e os problemas econômicos e políticos
crescerem.
O caráter subalterno das histórias não ocidentais, bem como o de certos grupos
sociais, foi revelado dentro daquelas histórias que existem à sombra da Europa,
não somente devido à poderosa intrusão da colonização em outros continentes,
mas também em virtude da auto percepção europeia de um movimento voltado
à construção do Estado, do desenvolvimento capitalista e da modernidade, ter
marcado, e continuar marcando, a visão histórica de progresso, contra a qual a
história da África, da Ásia, da América Latina apresentam-se como o fracasso de
uma nação em se tornar nação e da liderança da classe burguesa e trabalhadora.
O continente africano é diverso, porém, até hoje, é visto como uma massa
homogênea, o que tem explicação. Essas narrativas históricas exaltam o imperialismo
europeu e o colocam como uma necessidade crescente para o progresso. Em nome
deste, levar os ideais de civilização para esse continente, bem como para a Ásia, era
uma forma de disseminar o ideal de progresso. Com isso, os europeus silenciaram todo
o encaminhamento próprio das mais variadas organizações sociais dos dois
continentes. O século XIX africano, por exemplo, foi recheado de reformas políticas e
religiosas, seja por motivos internos, seja pela natureza reformadora do Islã (AJAYI,
2010).
Isso demonstra um esforço interno de modernização política e econômica, bem
como estrutural. É importante deixar claro que as representações imagéticas e utópicas
daquela “África selvagem”, que são encontradas, inclusive, na literatura da época, são
74
fruto da visão preconceituosa da Europa oitocentista e da própria historiografia feita
posteriormente.
Com a Ásia, a perspectiva era semelhante. Em virtude de a Ásia ser o maior dos
continentes, as diversas tradições e organizações sociais, políticas e econômicas são
maximizadas. A China, por exemplo, não foi colonizada em sua totalidade (apenas
territórios pontuais), ao passo que a Índia se tornou de posse inglesa no século XIX e
foi dividida em duas durante a independência. O Sudeste Asiático foi dominado pelos
franceses, mas se tornou independente ainda nos anos 1950. Japão, Filipinas e
Indonésia contrapunham esse cenário colonial. Embora a cronologia histórica seja
definida a partir de efemérides europeias, a Ásia viveu diferentes impérios ao longo dos
séculos. Por exemplo, nos atuais Camboja, Laos, Tailândia, Myanmar e Vietnã reinou,
durante 802 a 1432, o Império Khmer, que controlava a produção agrícola a partir da
compreensão do regime de monções. A religião também era um elemento importante
para a legitimidade cultural e social de qualquer governo e, nesse caso, o budismo e o
hinduísmo eram proeminentes. O amálgama de representações simbólicas das duas
seitas criou uma tradição própria, que eventualmente é contestada (GOUCHER;
WALTON, 2011).
Esse novo período imperial diferia das anexações simples e diretas realizadas na
Antiguidade e/ou na Modernidade. O domínio era econômico, e os países europeus
coordenavam a administração política. Contudo, havia lideranças locais que mantinham
a conexão com o povo. No caso da Ásia, foram criadas “áreas de influência”, que eram
manipuladas economicamente pelas potências capitalistas, mas tinham governo
próprio. Todavia, a África e as ilhas do Pacífico tiveram um destino diferente
(HOBSBAWM, 1995, p. 89):
75
daquela parte do Marrocos que ainda resistia à conquista completa. A Ásia, como
vimos, conservava uma extensa área nominalmente independente, embora os
mais antigos dos impérios europeus tenham ampliado e completado seus vastos
domínios [...].
No caso do Vietnã, uma identidade histórica comum como Estado e povo foi
forjada na resistência contra a expansão imperial chinesa, e a identidade
nacionalista moderna foi um produto da resistência contra os franceses,
japoneses, e, finalmente, contra o imperialismo norte-americano nos séculos XIX
e XX.
78
que a primeira estabeleceu um posto comercial no Cabo da Boa Esperança (VISENTINI;
PEREIRA, 2010).
Essa região do extremo sul do que virá a ser a África do Sul era muito frequentada
por navegadores. Os ingleses e, em menor número, os franceses também faziam
paradas estratégicas no Cabo no caminho para as Índias. Assim, a Holanda e a
Inglaterra logo iniciaram o escambo e o comércio com a população local, estabelecendo
alianças que se mostravam mais vantajosas aos europeus. Cada vez mais, eles
planejavam se dirigir ao norte da região em busca de pedras e metrais preciosos. Esses
movimentos políticos e econômicos também eram usufruídos pelas lideranças locais do
litoral, que ficavam mais poderosas em relação a outros grupos rivais. A Holanda
conseguiu criar e manter feitorias, ao passo que a tentativa inglesa fracassou. Esse foi
o início da colonização holandesa no sul da África no século XVII (VISENTINI;
PEREIRA, 2010).
O processo de dominação foi conflituoso, com a deflagração constante de
guerras. As entradas para o interior foram rechaçadas pelo povo, que destruiu as
possessões ilegais dos holandeses, obrigando-os a se refugiar na cidade do Cabo.
Apenas em 1660, com quase seis décadas de confrontos, o povo Khoikhoi acordou
sobre a delimitação das terras, estabelecendo que os europeus deviam permanecer ao
redor da região do Cabo. Como de costume na história, a paz durou pouco tempo, e os
bôeres (holandeses que permaneceram na África) avançaram para outras regiões,
subjugando os Khoikhoi para, finalmente, começarem a colonizar o país. Vale destacar
que, desde o século XVII, um tipo de sistema de separação de etnias se tornou comum
na África do Sul. Apesar de a maioria da população ser negra e muito diversa
culturalmente, a minoria europeia começou a comandar as práticas econômicas ao
setorizar e distribuir terras a franceses, soldas, alemães, imigrantes que eram
perseguidos religiosamente na Europa, entre outros. Os nativos, por sua vez, eram
marginalizados ou transformados em escravos, aumentando o abismo social
(VISENTINI; PEREIRA, 2010).
Todavia, a Inglaterra voltou a disputar o domínio sul-africano no século XVIII. O
nascimento do capitalismo industrial e a necessidade de se criar áreas de influência
pelo mundo levaram os ingleses à África. Segundo Chagastelles (2008), o período
79
imperialista conseguiu quebrar os obstáculos formados por nações africanas no centro
do continente, pois, até esse período, elas ficaram livres da dominação. O litoral, por
sua vez, já tinha sido ocupado no processo colonial da Idade Moderna, porém as
investidas eram localizadas em pontos estratégicos para o caminho das Índias. Além
disso, uma combinação de fatores auxiliou a partilha da África entre os europeus no
século XIX, sendo um deles a expansão dos programas missionários cristãos em tanto
católicos quanto protestantes, seguido pela disseminação das expedições científicas
com o objetivo de mapear o continente. A Real Sociedade de Geografia Inglesa, por
exemplo, financiou muitas viagens de reconhecimento territorial, o que ajudou na
criação de mapas e na exploração feita pelos ingleses.
No caso da África do Sul, a região da cidade do Cabo era dominada pelos bôeres,
o que causou conflitos diretos com os britânicos. A tomada de poder, entre 1805 e 1806,
aproveitando-se da crise e da instabilidade política causada por Napoleão Bonaparte
(1769–1821), não significou a saída dos colonos holandeses. O ápice disso foi a Guerra
Anglo-Bôer ou a Guerra dos Bôeres, que ocorreu entre 1899 e 1902. Embora o conflito
tenha sido sangrento para os dois países, isso não impediu que as nações africanas
fossem colonizadas. De acordo com Chanaiwa (2010b, p. 219):
80
1940 que outro evento impactante para a sociedade teve início: o apartheid. A
segregação racial começou oficialmente em 1948, porém tem origens mais antigas.
Na Inglaterra, o filósofo Herbert Spencer (1820–1903) analisou o evolucionismo
promulgado por Charles Darwin (1809–1822), transpondo-o para a ótica social. Ao
defender que os seres humanos são diferentes por natureza, institucionaliza-se
cientificamente o preconceito, pois essa definição servia tanto para raças quanto para
a divisão de classes. A elite, em sua maioria branca, seria prejudicada pela ação do
Estado, que limitava o seu desenvolvimento natural (BOLSANELLO, 1996).
Essas teorias serviram de base para as políticas segregacionistas, como as que
ocorriam nos Estados Unidos e as que foram estabelecidas na África do Sul. Nesse
caso, existia um choque entre os afrikaners (descendentes dos bôeres) e os negros.
Ambos viviam em semelhante estado social, o que aumentava a hostilidade branca.
Nesse contexto, medidas segregacionistas foram adotadas pela Inglaterra, antes de a
política do apartheid ter sido de fato instituída, como o Native Labour Act, de 1913, que
dividia o território urbano em duas partes: 93% para os brancos e 7% para os negros,
que eram a maioria nacional. O Quadro 1, a seguir, apresenta a constituição da
população sul-africana.
81
Em 1923, foi decretado o Native Urban Act, que proibia a entrada de negros em
determinados centros urbanos. Para regulamentar a segregação do trabalho negro, foi
assinado o Native Affairs Act (PEREIRA, 2008). Entre os conservadores e nacionalistas
afrikaners e os britânicos, havia diferenças basilares, pois, os últimos tinham uma visão
mais expansionista e dominadora do que nacionalista, como era o caso dos primeiros.
Além disso, os brancos nativos flertavam com o nazismo e o fascismo, em virtude da
identificação com as políticas de superioridade racial.
O apartheid foi institucionalizado no governo do primeiro-ministro Daniel François
Malan (1874–1959), que fazia parte da ala ufanista e nacionalista do país. O Partido
Nacionalista Africâner acreditava na superioridade branca e não queria perder os seus
privilégios. Com essa política de governo, a separação entre brancos e negros foi total,
mas só os últimos tiveram a liberdade de circulação tolhida. Assim como nos Estados
Unidos, transporte público, educação, hospitais, parques e igrejas eram segregados.
Contudo, isso não impedia as relações econômicas entre brancos e negros. Para evitar
a miscigenação, em 1949, foi proibido o casamento entre os dois grupos, pois era
considerado crime imoral o relacionamento inter-racial. Em 1950, por sua vez, foi
instituída a Lei de Registro da População, que classificava a população a partir do
critério racial e espacial. Para limitar a circulação dos negros, cada deslocamento para
outras zonas que não fossem a deles deveria ser aprovado sob pena de prisão (LOWE,
2011).
Nesse cenário, surgiu a oposição, que enfrentava uma poderosa máquina estatal
e o clima polarizado da Guerra Fria. Para justificar as repressões violentas, muitas
vezes, o governo classificava os opositores como comunistas, enquadrando-os na Lei
de Repressão do Comunismo, assinada em 1950. O Congresso Nacional Africano
(ANC, African National Congress) se organizava contra o regime e era violentamente
reprimido (PEREIRA, 2011).
É nesse contexto que nos deparamos com a figura de Nelson Mandela (1918–
2013).
O controle exercido pelo apartheid auxiliou na cisão interna dos movimentos. Por
exemplo, em 1959, foi criado o Bantu Self-Government Act, uma espécie de autonomia
82
interna para o povo bantu. Contudo, os bantu eram agrupados em reservas, as
homelands, que, segundo Chanaiwa (2010a, p. 307):
O que parece ser autonomia é, na verdade, uma forma de segregar ainda mais
a população e manipular as disputas internas entre os negros, que existiam há séculos
entre as diferentes etnias. Mandela fazia parte do Congresso Nacional Africano, criado
em 1912, organizado por negros de diversas etnias, e coordenava ações contra a
segregação e a logística, ou seja, se as ações seriam pacíficas ou violentas, onde
ocorriam, entre outros. Mandela participava da ala mais radical, que queria ações mais
duras contra o governo. Dessa forma, junto a Oliver Tambo (1917–1993), o Congresso
Pan-Africanista (PAC) tinha atuações pontuais e convocava protestos pelo país. Em
1960, contudo, após o massacre da cidade de Shaperville, toda a oposição foi colocada
na ilegalidade e, em 1963, Mandela e outros líderes foram condenados à prisão
perpétua (PEREIRA, 2010).
Assim, o investimento externo caiu na África do Sul, devido ao apartheid, o que
impulsionou o seu fim. Na década de 1980, algumas medidas foram tomadas, como a
permissão da sindicalização dos negros, o direito à greve, ao voto distrital e ao livre
relacionamento, o fim do passe para negros, entre outros. Todavia, eles não foram
suficientes, pois havia o elemento social por trás, visto que uma parcela minoritária, rica,
se beneficiava da desigualdade (LOWE, 2011).
Quem iniciou o processo de transição para uma sociedade livre foi o primeiro-
ministro Frederik Willem de Klerk (1936), eleito em 1989, que prometeu acabar com o
apartheid. Entre as suas ações, estava a pacificar uma nação dividida. Para isso, ele
contou com o apoio de lideranças negras, como Nelson Mandela, que foi liberto da
prisão em 1990. Como figura mais importante do ANC, Mandela negociou diretamente
com as autoridades brancas para que as reivindicações do partido e da sociedade
fossem aplicadas. Em 1993, foi aprovada a Transitional Executive Coucil Bill, lei que
83
determinava o fim da segregação, e, em 1994, Mandela foi eleito o primeiro presidente
negro da África do Sul.
A Índia foi colonizada pelos britânicos no final do século XVII, no mesmo processo
imperialista que ocorreu na África. A diferença é que a região era de interesse europeu
há séculos. Os portugueses formaram feitorias e se estabeleceram em Goa desde o
século XV. A dominação inglesa começou a ser contestada ainda no século XIX, com a
criação do Partido do Congresso Nacional Indiano, em 1885, que tinha caráter
nacionalista (LOWE, 2011).
A organização social indiana angariava mais adeptos para a causa
independentista e, por ser um país muito populoso, causava temor ao governo britânico.
Em 1935, foi criada a Lei sobre o Governo da Índia, que dava mais liberdade aos
políticos indianos. Contudo, desde o início do século, os protestos contra os
colonizadores eram frequentes e ficavam cada vez mais perigosos, com as rivalidades
internas, sobretudo em relação à natureza das campanhas de emancipação, tornando-
se embates violentos. Além disso, a própria Inglaterra não tinha recursos para controlar
a situação, uma vez que a crise econômica no pós-guerra era profunda.
Em 1942, dois líderes com grande apoio popular Mohandas Karamchand Gandhi
(1869–1948) e Jawaharial Nehru (1889–1964) escreveram manifestos reiterando a
reivindicação do Partido: a saída dos ingleses definitivamente do território indiano. Eles
buscavam a modernização do país e defendiam que a dominação colonial se mostrara
infrutífera e limitante para o progresso (FREITAS NETO; TASINAFO, 2006).
O próprio Gandhi havia sido pró-britânicos anteriormente, mas mudou seu ponto
de vista ao estudar de modo mais profundo as desigualdades dentro da Índia.
O movimento pacifista tinha como foco o boicote econômico, que estava dentro
das medidas de desobediência civil, isto é, desconhecer e protestar contra a legislação
colonial. Gandhi adotou mudanças profundas em sua rotina, como passar a vestir
apenas o dhoti, vestimenta típica do país, símbolo da negação aos produtos ingleses,
inclusive os tecidos, que deram início à Revolução Industrial. Segundo Goucher e
84
Walton (2011), em 1908, o boicote resultou em uma queda de mais de 25% das
importações têxteis da Inglaterra, causando perdas financeiras significativas. O alto
volume de consumo entre os indianos estabelecia uma renda garantida aos ingleses,
que sofreram, portanto, mais um golpe nos cofres públicos.
Quando a Inglaterra percebeu que um conflito armado nos moldes da Revolução
Americana do século XVIII seria inviável e pioraria tanto a imagem pública perante os
britânicos quanto a situação financeira do país, ela assinou o acordo de independência
da Índia, em 15 de agosto de 1947. Contudo, não houve paz. A Índia era uma região
muito vasta, tanto territorial quanto culturalmente, sendo a religião um dos aspectos
principais e que mais causava conflitos. Havia duas crenças majoritárias e
contrastantes: o hinduísmo e o islamismo.
A maioria da população indiana era hindu (cerca de 2/3), e sua mobilização
política era significativa. O Partido do Congresso era hindu, assim como Gandhi e Nehru
e boa parte das lideranças que faziam diferença no processo independentista. Os
muçulmanos, por sua vez, organizaram-se em torno da Liga Muçulmana, partido que
tinha o intuito de vigiar e assegurar os interesses dessa parcela da população. Portanto,
existia uma rivalidade profunda entre os dois povos, causando uma divisão social no
país. A Liga não acreditava nas intenções do Partido hindu, por exemplo, o que
dificultava o surgimento de uma coalisão unificada para lutar contra os britânicos.
Em 1946, o governo colonizador tentou apaziguar a situação, que se tornara
ainda mais violenta. Para isso, deram a Nehru um cargo governamental, e este se
comprometeu a formar um gabinete misto, com representantes das duas religiões. A
Liga novamente desconfiou e convocou protestos em todo o país, os quais deixaram
milhares de mortos. Só na região de Calcutá, morreram cerca de 5 mil pessoas,
deixando o país em situação análoga a uma guerra civil (LOWE, 2011).
A solução, portanto, foi a divisão territorial. No mesmo dia em que a Inglaterra
assinava a independência da Índia, o Paquistão foi criado, separando os dois povos em
territórios diferentes.
Nesse processo, Gandhi acreditava que a divisão traria benefícios, mas a sua
luta era, novamente, no campo pacífico. Ele se formou advogado em Londres e exerceu
a profissão na África do Sul por suas décadas, quando viu de perto o nascimento do
85
apartheid e como isso influenciava a vida dos indianos no país. A liderança de Gandhi
na Índia inspirou milhões de pessoas a lutarem contra o regime imperialista britânico,
porém o seu método perdia a relevância dentro do cenário de instabilidade e violência
que se instalava rapidamente. No entanto, ele mantinha os seus ideais e protestos
individuais, que chamavam a atenção das autoridades, como os jejuns alimentares.
Segundo Mello e Guerreiro (2013, p. 5):
32 ORIENTE MÉDIO
86
Além disso, essa expansão, e suas causas e consequências, ajudou a criar outro
problema: o antissemitismo.
87
França o termo corrente era carrière; na Alemanha a denominação preferida foi
Judengasse. Os guetos existiam também na Polônia e na Rússia. Em Portugal e
na Espanha, a partir do século XVI, a vida do judeu no gueto era obrigatória. Tal
reclusão explica em parte a unidade judaica através do tempo, mediante, por
exemplo, a criação e conservação de dialetos próprios. Esta situação de
autossegregação [...] foi muito importante para que, mais adiante, os judeus
desejassem a formação de um Estado essencialmente judeu.
88
A Palestina foi invadida diversas vezes e, no século XIX, tornou-se um estado
independente, com o declínio do Império Otomano, que a dominou, assim como a Síria,
há mais de quatro séculos (CHEMERIS, 2009). Dessa forma, era uma região ativa
economicamente, e não apenas o alvo de disputas religiosas. Esse foi um dos maiores
problemas imediatos da criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, na
Palestina, dividindo o território.
A reação internacional europeia e americana foi apoiar a ação no Oriente Médio.
Karnal (1994) aponta que essa mudança não foi aceita pelos árabes, causando o início
de conflitos que contestavam o domínio israelense na região. Em contrapartida à
decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), os árabes queriam um estado
próprio também, mantendo a Palestina como domínio muçulmano, o que não
aconteceu. A justificativa que o autor apresenta é a falta de unidade entre os árabes,
que têm origens e interesses diversos, ao passo que os judeus se reuniram em torno
de uma causa. Além disso, Israel teve amplo reconhecimento internacional, pois é um
local estratégico dentro do Oriente Médio, o que chamava a atenção dos Estados
Unidos e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), além do eco do
Holocausto, que era sentido com pesar por líderes europeus que não impediram o
genocídio, assim como pela população que apoiou os regimes nazista e fascista. Logo,
Israel se aliou ao Ocidente e criou políticas de povoamento dos espaços para evitar uma
invasão, por exemplo.
Foi uma humilhação para os países árabes, principalmente para Nasser, que
agora entendia que os árabes precisariam de ajuda externa para conseguir
libertar a Palestina. Os russos foram uma decepção para ele, e não enviaram
ajuda. Para tentar melhorar suas relações com Egito e Síria, eles começaram a
fornecer armamentos modernos. Mais cedo ou mais tarde, os árabes tentariam,
de novo, destruir Israel e libertar a Palestina.
A Guerra dos Seis Dias foi rápida, mas ajudou a incandescer a disputa entre
israelenses e árabes, sobretudo com a anexação dos territórios conquistados por Israel.
A OLP foi pressionada a agir com mais veemência, já que não havia ajudado no conflito
anterior. Nessa época, início dos anos 1970, dissidentes radicais da OLP executaram
diversos ataques terroristas para que a sua causa fosse vista como prioridade mundial.
Essas ações levaram a uma crise diplomática entre a Liga Árabe e a Jordânia, já que
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três aviões foram sequestrados e levados para a capital desta em 1970, sendo abatidos
ali. Isso causou a expulsão da OLP do território jordão e tentativas de acordos de paz
por parte do rei, o que desestabilizou o movimento árabe (LOWE, 2011).
Quem iniciou o ataque dessa vez foram Egito e Síria, no dia do Yom Kippur (dia
do perdão judaico). Apesar de a iniciativa de ter tido êxito, logo os israelenses contra-
atacaram. Entretanto, havia outro desenrolar político nos bastidores. Nassar morreu em
1970, e seu lugar foi ocupado por Anwar Al Sadat (1918–1981), que, apesar de querer
manter a luta contra Israel, percebeu a clara diferença bélica entre os países. Dessa
forma, ele articulou acordos de paz, pois acreditava serem mais benéficos naquela
situação. O terrorismo de grupos radicais desviava a imagem de uma causa palestina
legítima para as explosões de violência que marcavam negativamente o movimento. Se
a opinião pública se voltava totalmente contra eles, Sadat reivindicava que não
conseguiriam recuperar os territórios. Dessa forma, o ataque foi planejado para que o
mundo ocidental promovesse o acordo (KARNAL, 1994).
Israel era muito superior, porém o Egito e a Síria pareciam não dar trégua. Havia
o medo geral de que o conflito se tornasse mundial e atingisse, sobretudo, as refinarias
e os postos de petróleo do Oriente Médio. No mesmo ano, os Estados Unidos e a URSS
pressionaram por um acordo de paz, que foi selado. Israel manteria a Faixa de Gaza e
as Colinas de Golan, ao passo que o Egito recuperaria a Península do Sinai e, até 1975,
liberaria Suez. Tudo foi selado definitivamente em 1978, com os Acordos de Camp
David, mediados pelo presidente norte-americano Jimmy Cartes (1924) (LOWE, 2011).
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37 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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