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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 5

2 HISTÓRIA DA ÁFRICA ................................................................................................ 6

3 A HOMINIZAÇÃO: PROBLEMAS GERAIS. ................................................................. 6

4 OS HOMENS FÓSSEIS AFRICANOS ....................................................................... 10

5 A FORMAÇÃO DOS REINOS, IMPÉRIOS, CIDADES E ESTADOS ......................... 14

5.1 Reinos berberes....................................................................................................... 16

6 O NORTE ORIENTAL DA ÁFRICA ............................................................................ 17

6.1 O Egito (3.200–32 a.C.) ........................................................................................... 17

6.2 Núbia, o reino de Kush (2.700 a.C.–350 d.C.) ......................................................... 18

6.3 O reino de Axum (I–VII a.C.) .................................................................................... 22

7 OS POVOS AFRICANOS DO SAHEL: CARACTERÍSTICAS SOCIAIS .................... 24

8 AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS NA CONSTITUIÇÃO DAS


SOCIEDADES SAHELIANAS ........................................................................................ 27

8.1 Reino de Gana ......................................................................................................... 28

8.2 Império do Mali ........................................................................................................ 28

8.3 Império de Songhai .................................................................................................. 30

8.4 Tecrur....................................................................................................................... 31

8.5 Kanem e Bornu ........................................................................................................ 31

8.6 Reinos iorubás: Ifé e Benin ...................................................................................... 33

9 AS CARACTERÍSTICAS DA ÁFRICA CENTRO-OCIDENTAL E ORIENTAL ............ 34

9.1 Reino do Congo ....................................................................................................... 34

9.2 Reino de Ndongo (Angola)....................................................................................... 35

9.3 África Oriental .......................................................................................................... 36

2
9.4 Grande Zimbabue e o Reino de Monotapa .............................................................. 37

10 CULTURA AFRICANA ............................................................................................... 38

11 COLONIALISMO NA ÁFRICA: A ESCRAVIDÃO E O TRÁFICO DE ESCRAVOS .... 40

12 CARACTERÍSTICAS E DEFINIÇÕES DA ESCRAVIDÃO EM TERRITÓRIO


AFRICANO.. ................................................................................................................... 41

13 ALVO DA ESCRAVIDÃO RACIAL E DOS TRÁFICOS NEGREIROS


TRANSOCÊNICOS ........................................................................................................ 44

14 A ESCRAVIDÃO ISLÂMICA....................................................................................... 44

15 OS PORTUGUESES NA ÁFRICA ............................................................................. 47

16 RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E CONGO ............................................................ 50

17 A DOMINAÇÃO PELA CRUZ: O PAPEL DO CATOLICISMO NA COLONIZAÇÃO DA


ÁFRICA........ .................................................................................................................. 53

18 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA ................................................................................. 56

19 O CONGRESSO DE BERLIM .................................................................................... 59

20 A RESISTÊNCIA AFRICANA AO DOMÍNIO IMPERIALISTA .................................... 62

21 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA .......................................................................... 64

22 O PAN-AFRICANISMO E O MOVIMENTO DA NEGRITUDE .................................... 64

23 AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA ......................................................................... 66

23.1 A África Ocidental Francesa ................................................................................ 66

23.2 As colônias britânicas .......................................................................................... 68

23.3 O fim do Império Português ................................................................................. 69

24 ÁFRICA CONTEMPORÂNEA: DESAFIOS ................................................................ 70

25 A DIÁSPORA AFRICANA .......................................................................................... 73

26 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA E DA ÁSIA E A QUESTÃO ÁRABE-ISRAELENSE


NA PALESTINA.............................................................................................................. 73

27 NEOCOLONIALISMO: NOVAS PERSPECTIVAS ..................................................... 74


3
28 OS ANTECEDENTES PARA AS INDEPENDÊNCIAS ............................................... 75

29 ÁFRICA E ÁSIA: DOIS CONTINENTES EM CONFLITO ........................................... 77

30 ÁFRICA DO SUL E O APARTHEID ........................................................................... 78

31 ÍNDIA E O MOVIMENTO PACIFISTA ........................................................................ 84

32 ORIENTE MÉDIO ...................................................................................................... 86

33 QUESTÃO HISTÓRICA: ISRAEL E PALESTINA ...................................................... 87

34 GUERRA DO CANAL DE SUEZ (1956–1957) ........................................................... 89

35 GUERRA DOS SEIS DIAS (1967) ............................................................................. 90

36 GUERRA DO YOM KIPPUR (1973)........................................................................... 91

37 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA................................................................................ 93

37.1 Bibliografia básica ................................................................................................ 93

37.2 Bibliografia complementar ................................................................................... 93

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da


sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para
que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça
a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual,
é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância
exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A
vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A
organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos
definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 HISTÓRIA DA ÁFRICA

Com uma ampla diversidade cultural, a África é banhada pelos oceanos Índico e
Atlântico, além do Mar Mediterrâneo, cujo primeiro estado a se formar foi o Egito. Apesar
disso, povos de todos os continentes já a exploravam desde a Antiguidade atrás de
riquezas, como o ouro e o sal.
Considerada como o continente de origem do ser humano, a África foi dominada
por diferentes povos e civilizações, como árabes, romanos e fenícios estes foram
fundamentais para o comércio, explorando o território do Mediterrâneo ao Índico. No
século VII, os árabes dominaram a região, salientando o Norte e a proximidade com a
Europa. Já no século XIX, os países europeus dividiram-na entre Portugal, Bélgica,
Espanha, Holanda, Alemanha, Itália e Inglaterra. Atualmente, a África é considerada o
continente mais rico em recursos naturais, mas o mais pobre, com diversos problemas
sociais que atingem a sua população (FERRACINI,2019).

3 A HOMINIZAÇÃO: PROBLEMAS GERAIS.

Os humanos são mamíferos, mais precisamente mamíferos placentários.


Pertence ao primata. Os primatas diferenciam-se dos outros mamíferos placentários
pelo desenvolvimento precoce do cérebro, pelo aperfeiçoamento da visão, que se torna
estereoscópica, pela redução da face, pela substituição das garras por unhas chatas e
pela oposição do polegar aos outros dedos. Os primatas classificam-se em prossímios
e símios.
O homem pertence ao segundo grupo, que se caracteriza por um aumento da
estatura, pelo deslocamento das órbitas na face e consequente melhoria da visão, e
pela independência das fossas temporais (SILVEIRO, 2013).
Uma repentina proliferação de formas ocorre entre esses símios no Oligoceno
Superior, há cerca de 30 milhões de anos, o que leva a supor que a diferenciação da
família Hominidae poderia datar dessa época. Para poder escrever a história desses
hominídeos, devemos pesquisar, portanto, entre os fósseis de símios dos últimos 30

6
milhões de anos, cujas tendências evolutivas se orientam para os traços que
caracterizam o gênero Homo, ao qual pertencemos: locomoção sobre os membros
posteriores com as consequentes transformações dos pés, das pernas, da bacia, da
orientação do crânio, das proporções da coluna vertebral, desenvolvimento da caixa
craniana, redução da face, arredondamento da arcada dentária, redução dos caninos,
curvatura do palato etc.
O Propliopithecus do Oligoceno Superior apresenta alguns discretos sinais
dessas tendências, o que explica o entusiasmo, sem dúvida prematuro, de certos
autores, em considerá-lo como pertencente ao nosso gênero.
As tendências observadas no Ramapithecus são mais relevantes: seu cérebro
parece ter atingido 400cm³, o tamanho da face é reduzido, a arcada dentária é
arredondada, e os incisivos e caninos, também reduzidos, estão implantados
verticalmente. Um outro primata, o Oreopithecus, de quem conhecemos o esqueleto
completo, apresenta essas mesmas características cranianas e uma bacia de bípede
ocasional (SILVEIRO, 2013).
Por outro lado, as tendências evolutivas do Australopithecus não deixam margem
a dúvidas. Esses bípedes permanentes têm pés humanos, mãos modernas, cérebro
com nítido aumento de volume, caninos pequenos e face reduzida. Não podemos deixar
de considerá-los hominídeos.
O gênero Homo, fim da cadeia, distingue-se dos Australopithecus por aumento
da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento do volume do cérebro que, a partir
da espécie mais antiga, pode atingir 800cm3, e transformação da dentição com maior
desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais, em consequência da
mudança do regime alimentar, de vegetariano para onívoro.
Há 30 milhões de anos, havia no nordeste da África uma grande variedade de
pequenos primatas prenunciando todos os que existem hoje: Cercopithecidae,
Pongidae, Hylobatidae e Hominidae. As linhas fundamentais estavam traçadas.
No Plioceno e no Pleistoceno, entre 10 e 1 milhão de anos atrás, encontramo-
nos na presença de um grupo ao mesmo tempo polimorfo e muito localizado, os
australopitecíneos. Um breve histórico de sua descoberta vai nos permitir, também,
delimitá-los geograficamente. O conjunto de descobertas feitas ao longo de vários anos,
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desde 1924 até finais da década de 1970 por diferentes expedições, limita a área de
distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África. Os
australopitecíneos parecem ter surgido entre aproximadamente 6 e 7 milhões de anos
atrás e ter desaparecido há cerca de 1 milhão de anos. Vários hominídeos foram
descobertos nas diferentes jazidas dessas áreas, alguns contemporâneos entre si.
Pela primeira vez na história dos primatas esses restos se encontram associados
a utensílios fabricados. Essa primeira indústria da história é constituída por uma grande
quantidade de lascas obtidas artificialmente por percussão e utilizadas por causa de seu
gume, de seixos cuja ponta ou gume foi aguçado e de ossos ou dentes trabalhados ou
utilizados diretamente, quando sua forma assim o permitia. Não estamos, há 2.500.000
anos, na origem dos utensílios, mas provavelmente nos aproximamos dos limites de
sua percepção; antes daquela data, o artefato se confunde com os objetos naturais
(SILVEIRO, 2013).
A partir das camadas mais antigas de Olduvai (1.800.000 anos), os instrumentos
estão em toda parte, abundantes e constantes na forma; os seixos lascados,
particularmente frequentes, tornaram essa indústria conhecida como Pebble Culture ou
Olduvaiense (do topônimo Olduvai). Escavando o nível mais antigo de Olduvai
(Tanzânia), o Dr. Leakey descobriu restos de uma estrutura que poderia ter sido de uma
construção. Estaríamos na presença de uma estrutura de habitação de 2 milhões de
anos!
Foi no interior desse grupo de Australopithecus de início limitados ao leste e ao
sul da África, e em seguida (sob a forma de Australopithecus ou sob forma já mais
evoluída) estendendo-se até a Ásia ao sul do Himalaia que apareceram o gênero Homo
e o utensílio fabricado. Este logo se torna a característica distintiva de seu artesão;
vários tipos de instrumentos são rapidamente criados para finalidades precisas; sua
fabricação é ensinada. Por último, aparecem estruturas de habitação. É a partir desse
ponto de vista que se pode falar de uma origem africana da humanidade.
O homem aparece, portanto, ao fim de uma longa história, como um primata que
um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo. Utensílios fabricados
e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê, aprende e transmite, constrói
a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura (SILVEIRO, 2013).
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E como se, há 6 ou 7 milhões de anos, nascesse no quadrante sudeste do
continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos, e, entre
2,5 e 3 milhões de anos atrás, emergisse desse grupo polimorfo um ser, ainda
Australopithecus ou já Homem, capaz de trabalhar a pedra e o osso, construir cabanas
e viver em pequenos grupos, representando, através de todas as suas manifestações,
a origem propriamente dita da humanidade criadora, do Homo faber.
O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu, durante os últimos
séculos, à sua alarmante proliferação. Foram necessários 115 anos para que a
população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos, 35 anos para
que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões. E a
aceleração continua (SILVEIRO, 2013).

Fonte: www.ambientalistasemrede.wordpress.com.br

Ao tratar do problema da “hominização” na África, o procedimento do pré-


historiador é bastante diferente daquele empregado pelo paleontólogo. Para este último,
a hominização é o desenvolvimento progressivo do cérebro, que permite ao homem
conceber e criar, aplicando técnicas cada vez mais elaboradas, um conjunto de
utensílios tão diversificado e eficiente que multiplica, ao longo dos milênios, sua ação
sobre o meio ambiente, a ponto de romper, em seu próprio proveito, o equilíbrio
biológico. A evolução paleontológica que conduz ao homem não permite definir
facilmente o “limiar” da hominização; a pedra lascada demonstra que esse limiar já foi
transposto.
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A posição do pré-historiador justifica-se: o verdadeiro (elo perdido) não é a forma
intermediária entre australopitecíneos e pitecantropíneos, entre o homem de Neandertal
e o Homo sapiens. Está entre as pedras ou os ossos lascados e esses fósseis. As
indústrias pré-históricas, atribuídas com absoluta certeza ao Homo sapiens, a partir do
Paleolítico Superior, e com uma evidência pouco discutível ao homem de Neandertal no
Paleolítico Médio, só podem ser relacionadas hipoteticamente aos pitecantropíneos e
australopitecíneos.
Portanto, se para o paleontólogo existe um “limiar “da hominização a capacidade
cerebral de 800cm3, para o pré-historiador existe um “limiar técnico” que, uma vez
transposto, abre o caminho do progresso até nós. A definição desse limiar exige a
solução de dois problemas: como e quando. O primeiro problema implica eliminar todas
as causas naturais para poder reconhecer no utensílio a mão do homem. O segundo
implica dispor de esquemas cronológicos que permitam datar as mais remotas
evidências da indústria humana (SILVEIRO, 2013).
Até o presente momento, somente a África forneceu respostas para esses dois
problemas.
Visto que a teoria do monogenismo é universalmente aceita, a África é
considerada hoje como o berço da humanidade, fixado, por enquanto, na África Oriental.
Esse fato teria ocorrido há uns 3 milhões de anos, no mínimo
O homem fez sua entrada em silêncio, e são as pedras por ele lascadas que,
muito tempo depois, denunciam sua existência. A responsabilidade do pré-historiador
torna-se enorme pois, ao identificar os mais antigos traços perceptíveis de indústrias
humanas, ele fornece um elemento de prova que a Paleontologia é incapaz de dar:
“Através do utensílio, chegar ao homem. Esta é a finalidade admirável da pré-história”

4 OS HOMENS FÓSSEIS AFRICANOS

Charles Darwin foi o primeiro cientista a publicar uma teoria importante sobre a
origem e a evolução do homem e a apontar a África como o seu lugar de origem.
Pesquisas realizadas nos últimos cem anos confirmaram inúmeros aspectos do seu
trabalho pioneiro. Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde
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os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde desenvolveram a postura ereta e o
bipedismo, elementos decisivos à sua adaptação. O período evolutivo é longo, sendo
possível que muitas de suas fases não estejam representadas por espécimes fósseis.
A diversidade de habitats é uma das razões pelas quais certas partes da África
são tão ricas em testemunhos pré-históricos. Parece que o continente africano sempre
ofereceu um habitat adequado ao homem. Quando uma determinada área se tornava
muito quente ou fria, era possível migrar para ambientes mais apropriados.
O homem atual, que pertence integralmente à espécie Homo sapiens, é capaz
de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico. Os
requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso, mãos livres
de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação, e o bipedismo
permanente. Essas características podem ser identificadas no tempo, assim como os
vestígios não perecíveis da atividade técnica do homem. O grau de desenvolvimento do
cérebro, a habilidade da manipulação e o bipedismo podem ser considerados os
melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela
nossa espécie ao longo do tempo (SILVEIRO, 2013).
Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo
no continente africano há mais de 100 mil anos. É provável que pesquisas futuras
possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio, cuja idade talvez esteja próxima
dos 200 mil anos. Em 1921, um crânio e alguns fragmentos de esqueleto foram
encontrados em Broken Hill, Zâmbia; sendo esse país a antiga Rodésia do Norte, o
espécime tornou-se conhecido como Homo sapiens rhodesiensis. Data
aproximadamente de 35.000, ao que se crê, e pertence à nossa espécie. Traços ainda
mais antigos do Homo sapiens foram descobertos na África Oriental. Em 1932, o Dr. L.
S. B. Leakey encontrou fragmentos de dois crânios no sítio de Kanjera, no oeste do
Quênia. Pareciam estar associados a uma fauna fóssil do fim do Pleistoceno Médio
tardio, o que implicaria uma idade de cerca de 200 mil anos. Esse sítio ainda não foi
datado com precisão, fato lamentável, visto que os fósseis aí encontrados dois crânios
e um fragmento de fêmur parecem pertencer à espécie Homo sapiens e poderiam
constituir as evidências mais antigas da espécie conhecidas até agora na África.

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Em 1967, foram descobertos restos de dois indivíduos em um sítio do Vale do
Omo, no sudoeste da Etiópia. Consistem em um fragmento de crânio, partes de um
esqueleto pós-craniano e a calota de um segundo crânio. Os dois fósseis provêm de
camadas com idade estimada em pouco mais de 100 mil anos. Embora existam poucos
espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis, parece razoável supor que essa
espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo.
Consideraremos aqui a origem do Homo sapiens dentro de uma linhagem que
pode remontar a vários milhões de anos. Em diferentes épocas, provavelmente
existiram nessa linhagem vários tipos distintos do ponto de vista morfológico, devendo
a composição genética do homem moderno refletir, em parte, essa herança compósita.
Os restos humanos fósseis da África, por suas características, podem ser unidos
em dois grupos principais considerados como linhagens evolutivas, uma das quais,
representada pelo gênero Homo, pode ser seguida até hoje, sendo que a outra,
representada pelo gênero Australopithecus, aparentemente extinguiu-se há cerca de 1
milhão de anos. Consideramos os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base
nessas duas linhagens.
A forma ancestral comum a ambas não pode ser facilmente identificada, pois os
testemunhos fósseis são bastante fragmentários. O mais antigo hominídeo da África
provém de Fort Ternan, no Quênia. O sítio foi datado de 14 milhões de anos, e seus
fósseis provam que nessa época já havia ocorrido a diferenciação entre os hominídeos
e os pongídeos. Os testemunhos fósseis entre 14 milhões e 3,5 milhões de anos estão
bastante incompletos. Dispomos apenas de quatro espécimes que podem ser
relacionados a esse período, todos provenientes do Quênia (SILVEIRO, 2013).
A amostra bastante grande de espécimes encontrados em sítios com menos de
3 milhões de anos indica a existência de dois gêneros distintos de hominídeos
primitivos, que por vezes ocupavam a mesma área. Presume-se que essas duas
formas, Homo e Australopithecus, habitassem nichos ecológicos diferentes, mas é fato
comprovado atualmente a coexistência dos dois gêneros por um período superior a
1.500.000 anos.
Foi o Australopithecus o ancestral do Homo? Alguns especialistas tendem a
pensar que as duas formas têm um ancestral comum, distinto de ambas. Cabe observar
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que alguns pesquisadores classificam todos esses fósseis num mesmo gênero, o qual
apresentaria uma grande variabilidade intragenérica e um acentuado dimorfismo sexual.
A forma pré-sapiens mais conhecida do gênero Homo é a que foi atribuída a uma
espécie morfológica bastante diversificada que se expandiu amplamente: Homo
erectus, espécie encontrada pela primeira vez no Extremo Oriente e na China, depois
na África. Essa espécie encontrava-se amplamente distribuída na África. A datação dos
sítios da África do Norte e do Sul, onde se descobriu o Homo erectus, foi inferida,
situando os aparentemente no Pleistoceno Médio (SILVEIRO, 2013).
Os espécimes da África Oriental, datados de aproximadamente 1.600.000 anos,
levam a crer que ele seja originário deste continente, tendo depois emigrado.
Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta, adaptação para a
marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno. O Homo
erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas,
na África. Os especialistas são unânimes em relacionar o biface da indústria acheulense
ao Homo erectus. A questão de se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento
que levou ao Homo sapiens está em aberto. Os fósseis atribuídos à linhagem Homo,
anteriores ao Homo erectus, limitam-se, atualmente, à África Oriental. Essa espécie
intermediária poderia ser chamada Homo habilis.
Durante o Pleistoceno Inferior, por volta de 1.600.000 anos atrás, apareceram
instrumentos bifaces rudimentares. Ainda não foi provado, mas podemos levantar a
hipótese de que o aparecimento das indústrias pós-acheulenses está ligado à
emergência do Homo sapiens (SILVEIRO, 2013).
No momento, existem claras evidências de uma considerável diversidade
morfológica dos hominídeos do Pliopleistoceno na África. A presença simultânea de
pelo menos três espécies na África Oriental pode ser determinada com base no material
craniano e pós-craniano. Qualquer reexame desta matéria deve incluir a análise do
conjunto dos fósseis descoberto.

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5 A FORMAÇÃO DOS REINOS, IMPÉRIOS, CIDADES E ESTADOS

Contudo, você deve ter em mente que ainda não há informações disponíveis
sobre algumas sociedades africanas da Antiguidade. A respeito de outras, existem
apenas informações escritas vagas, provenientes de outros povos. De muitas, restam
vestígios materiais (ruínas de cidades, templos, lugares de enterramento, etc.) em maior
ou menor quantidade, já em processo de escavação e/ou pesquisa. Há ainda aquelas
que se encontram enterradas e as que, como Cirta, antiga capital da Numídia, atual
Constantina, continuam a existir, porém sobre ou ao lado da cidade antiga. Muito falta
a escavar, decifrar, comparar e trabalhar para reconstituir a história dessas sociedades.
A região norte africana, que vai do oeste do Egito Antigo até a Mauritânia, do
Mediterrâneo ao norte até a região desértica do Saara, era inicialmente conhecida com
Líbia, e seus habitantes, chamados líbios, eram diversos povos berberes. A região foi
dominada alternada ou simultaneamente dado o seu tamanho, de forma pontual ou
permanente, por diversos outros povos (egípcios, fenícios, gregos, romanos). Tais
ocupações se deram a partir de negociações amigáveis ou em situações de conflitos
Os fenícios e gregos, por conta do comércio, das navegações ou mesmo da
busca por espaço para o excedente de seu povo, foram fundando cidades e colônias ao
longo da costa, com tamanhos que podiam ir de um pequeno porto e entreposto
comercial a cidades. Na longa duração, as populações pertencentes a uma variedade
de tribos berberes e as das diversas povoações cidades estados de origem Fenícia,
colônias gregas e, posteriormente, províncias tomadas pelos romanos aos demais
povos mantiveram relações amistosas ou inamistosas, variando em grau e no tempo
conforme as situações, os locais, os costumes e os interesses dos envolvidos (ALVES
2019).
Uma das cidades fundadas pelos fenícios foi Cartago, que, segundo o mito, foi
construída em um território comprado de um chefe local. Era, como a maioria das
cidades fenícias, uma cidade de mercadores e navegantes que comerciavam por todo
o Mediterrâneo, desde a Síria Palestina ao Atlântico. Nem sempre o comércio era direto,
pois na região da Hispânia os fenícios fundaram a colônia de Nova Cartago, a partir de
onde provavelmente partiam para comerciar com a Grã-Bretanha.
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Os cartagineses eram excelentes navegadores e tinham em sua cidade dois
portos: um comercial e outro militar. Eles guerrearam com diversas cidades ao longo do
tempo, preferindo, na maioria das vezes, contratar mercenários para fazer a guerra, seja
porque a sua população era pequena, seja porque o comércio era o seu negócio real.
Cartago se tornou independente com a queda de Tiro, no século VI a.C., mas a derrota
das cidades fenícias não foi o fim de seu componente civilizacional, pois Cartago
manteve em sua essência os elementos fenícios de sua fundação: organização política,
linguagem, panteão, comércio e desenvolvimento marítimo (CARAYON, 2008).
No século IV a.C., a cidade-estado de Cartago dominava a cena comercial e
política no Ocidente. Segundo Warmington (2010, p. 476), após a queda de Tiro e das
demais cidades fenícias sob o Império Neobabilônico, ela passou a “[...] exercer
supremacia sobre as outras povoações fenícias do Ocidente, assumindo a liderança de
um império na África do Norte, cuja criação teria profundas repercussões na história de
todos os povos do Mediterrâneo ocidental [...]”
Segundo Carayon (2008), Cartago controlava seus territórios por meio de
acordos e tratados, sabendo como usar a força quando necessário para se defender ou
atacar, como pode ser constatado nas Guerras Sicilianas, contra os gregos, ou nas
Guerras Púnicas, contra os romanos. Ela era um império naval comercial que dominava
o comércio mediterrâneo e tinha portos em lugares estratégicos. As disputas pela
hegemonia no Mediterrâneo eram equilibradas enquanto ocorriam entre cartagineses e
gregos. Contudo, lutando contra as forças romanas, os cartagineses não foram capazes
de resistir e, depois de três guerras, chamadas Guerras Púnicas, sucumbiram
(ALVES,2019).
Essas guerras envolveram outros povos, como munidas e mauritanos,
diretamente ou como mercenários. Elas custaram a Cartago não somente a hegemonia
do Mediterrâneo, mas dinheiro, vidas, o próprio território e a existência. Os cartagineses
sofreram a derrota final em 146 a.C. e tiveram a sua cidade destruída pelos romanos.
Ela viria a ser refundada pelos próprios romanos posteriormente. A destruição da cidade
foi completa, incluiu o Senado e a biblioteca. Foram derrubados prédios, casas e
templos, depois incendiou-se tudo, não restando nada, nenhum escrito sobre Cartago
para contar a história da cidade. Roma dizimou todo o povo da cidade e, com ele, uma
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civilização; os que não morreram em batalha, de fome ou doenças, morreram
assassinados pelos romanos.

5.1 Reinos berberes

Os reinos das regiões central e oeste do norte da África se constituíram a partir


dos limites de Cartago, em direção oeste. Eles resultaram de confederações formadas
por povos de origem berbere. Originaram-se de três linhagens: a dos mauros (mais
tarde chamados “mouros”), situada na Mauritânia, na parte mais ocidental do norte
africano; a dos massilos, que faziam fronteira com Cartago a leste e com a região central
da Berbéria a oeste; e a dos masesilos, que se radicou nesta última região
(BUSTAMANTE, 2012; KORMIKIARI, 2007).
Esses reinos foram fundados por povos de origem e tradição berbere: nômades,
seminômades, alguns em processo de sedentarização. Tais povos eram
originariamente compostos por pastores transumantes, cavaleiros e agricultores de
zona única ou temporária que praticavam igualmente o comércio e a guerra. São
classificados como indígenas ou autóctones, a depender do autor. Sua tradição é tribal,
com divisões clânicas e agnastícias (que descendem de linhagem masculina)
(KORMIKIARI, 2007). São guerreiros, especialmente os númidas, cuja cavalaria era
famosa na Antiguidade e que também aparecem na história como mercenários.
Os massilos e os masesilos são chamados pelos autores antigos de “númidas”.
Após a Batalha de Zama (202 a.C.), Siphax, o rei dos masesilos, é encurralado pelos
massilos e derrotado. Dessa forma, a Numídia passa a ser um reino unificado sob
Massinissa (ALVES,2019).
Do Sul de toda a região ocupada por Mauritânia, Numídia, Cartago e demais
cidades-estados vinculadas aos fenícios, aos gregos ou à própria Cartago até as
fronteiras do Egito, os gétulos, também berberes e nômades, dominam o espaço no
limite setentrional do Saara. Segundo Warmington (2010, p. 474), os gétulos são “[...]
os verdadeiros nômades do Saara [...]”. Além disso, há diversos outros povos e tribos
berberes e descendentes de gregos, fenícios e cartagineses (residentes em cidades e
colônias) que convivem e dividem esses espaços.
16
As regiões próximas à costa mediterrânea, onde ficavam os reinos da Mauritânia
e o dos munidas, eram favoráveis à agricultura e forneciam frutas em quantidade. Essa
boa terra, também devido à sua posição geográfica, interessou aos romanos, que
acabaram por transformá-la pouco a pouco em províncias romanas, após a queda de
Cartago.

6 O NORTE ORIENTAL DA ÁFRICA

No espaço norte oriental da África Antiga, havia três grandes reinos: Egípcio,
Kush e Axum.

6.1 O Egito (3.200–32 a.C.)

O Egito é o mais conhecido e pesquisado império oriental da Antiguidade. Ele


exerce uma atração imensa sobre pessoas e pesquisadores do mundo todo. É um lugar
exótico, carregado de mistérios a desvendar, a maioria deles relacionados às suas
pirâmides e ao seu povo, sobre os quais foram tecidas as mais diversas teorias. O Egito
encantou Napoleão, os ingleses e Hitler (ALVES,2019).
O Egito é reconhecidamente um grande reino nilótico que, inicialmente, por suas
características geográficas, viveu “para dentro” de seu território. Por volta do século VII
a.C., formam-se agrupamentos de agricultores e pastores que, posteriormente,
constituem os nomos, divisões territoriais com política e administração próprias, onde já
havia divisões de trabalho, especialistas e desigualdade social. Por volta de 4.000 a.C.,
os dirigentes dos nomos se agrupam inicialmente em dois reinos, o do Sul e o do Norte,
unificados em aproximadamente 3.200 a.C. por Menés (ou Narmer), na época rei do
Alto Egito. Menés formou, assim, o Império Unificado do Alto e do Baixo Egito,
submetendo os nomarcas e tornando-se o primeiro faraó. A história política do Egito
Antigo se divide em:
 Reino Antigo (3.200–2.100 a.C.)
 Primeiro Período Intermediário (2.100–2.055 a.C.);

17
 Reino Médio (2.055–1.665 a.C.);
 Segundo Período Intermediário (1.650–1.550 a.C.);
 Reino Novo (1.550–1.070 a.C.).

Os reinos foram intercalados por fases denominadas “períodos intermediários”,


usualmente representantes de épocas de convulsão social e desgoverno. Os egípcios
desenvolveram uma civilização hierarquizada com diversos níveis de estratificação.
Eles cultuavam diversos deuses, eram grandes arquitetos, artistas e escritores.
Desenvolveram a navegação, a pesquisa médica e científica e os processos de
mumificação. Além disso, praticavam o comércio de Estado (ALVES,2019).
Com o passar do tempo, no Reino Novo, período em que se desenvolveu o
imperialismo, os egípcios voltaram-se “para fora”, guerreando e conquistando territórios,
até que foram conquistados pelos persas, em 525 a.C. Mais tarde, foram conquistados
por Alexandre, o Grande (356–323 a.C.). Após a morte de Alexandre, na divisão do
Império Alexandrino, o Egito ficou sob o domínio de Ptolomeu, que se tornou faraó.
Posteriormente, no reinado de Cleópatra VII (69–30 a.C.), O Egito foi dominado e
tornou-se província de Roma sob o governo de Augusto (63–14 a.C.).

6.2 Núbia, o reino de Kush (2.700 a.C.–350 d.C.)

Núbia é o nome dado a uma civilização antiga que se desenvolveu no território


que vai da primeira à sexta catarata do Nilo, onde hoje se encontra o Sudão. Nesse
território, começaram a se formar pequenas comunidades aproximadamente a partir de
4.000 a.C. O reino se estendeu até o mar Vermelho. Os seus habitantes praticavam
como atividades principais a agricultura e o pastoreio (carneiros, cabras, gado de chifre,
cavalos e burros). Além disso, praticavam o comércio, produziam cerâmica, extraíam e
exportavam minerais diversos (especialmente ouro e pedras preciosas). Ademais,
realizavam trabalhos de metalurgia. Posteriormente, desenvolveram a escrita meroítica.
O Império Kush era também rota de caravanas que circulavam “[...] entre o mar
Vermelho, o alto Nilo e a savana nilo-chadiana [...]” (HAKEM; HRBEK; VERCOUTTER,
2010, p. 322). Esse povo cultuava vários deuses, incluindo Amon, Ísis e Osíris, além de
18
outros de origem egípcia, como Apedemak (Figura 1), o deus-leão ou o deus
Sebiumeker (Sbomeker). Como os egípcios, eles se dividiam geograficamente em Alta
e Baixa Núbia, sendo unificados por volta de 2.400 a.C.

Fonte: Hakem, Hrbeck e Vercoutter (2010, p.329).

A arqueologia divide a cronologia do reino de Kush em etapas, aqui simplificadas


(LEMOS, 2018):

 Período de Kerma (2.700–1.550 a.C), com capital situada próxima à terceira


catarata;
 Período colonial (1.500–1.070 a.C), no qual o reino estava submetido ao
Egito (ALVES,2019).
 Período de Napata (1.100–250 a.C), com capital situada próxima à quarta
catarata (entre 745 e 655 a.C., durante o segundo reino de Kush, os núbios

19
se expandiram, dominaram o Egito e fundaram a XXV dinastia egípcia, só
se retirando do Egito quando foram derrotados pelos assírios);
 Período merolítico (250 a.C–350 d.C), com capital em Meroé, situada ao sul
de Napata, sendo um período marcado por mudanças culturais e materiais,
incluindo a introdução da escrita merolítica, ainda não de todo decifrada.

Para Hakem, Hrbek e Vercoutter (2010), a principal característica do poder


político na Núbia e no Sudão central, desde o século VIII antes da Era Cristã até o século
IV da Era Cristã, parece ter sido a sua extraordinária estabilidade e a sua continuidade.
O povo que deu origem ao Império Núbio era de cultura autóctone. Ele praticava a
eleição de reis e parece ter mantido a mesma linhagem em todo o período, assim como
é patente o importante papel exercido pelas rainhas-mães “candaces” e outras mulheres
da família real. Por outro lado, os seus ritos funerários sofreram algumas pequenas
modificações a partir da colonização egípcia, sem, no entanto, se alterarem em sua
essência. Os reis eleitos eram escolhidos entre candidatos designados pelos
sacerdotes e, depois da coroação, eram reverenciados como deuses (DIODORO apud
HAKEM; HRBEK; VERCOUTTER, 2010),
Segundo Lemos (2018), há mais pirâmides na antiga Núbia, atual Sudão, do que
no Egito. O autor explora e compara “[...] as dinâmicas e negociações culturais coloniais
e imperiais, procurando discutir como a Núbia pôde utilizar elementos da cultura egípcia
para criar seu próprio poder imperial [...]” (LEMOS, 2018, documento on-line).
As relações entre núbios e egípcios ocorreram desde o início de suas histórias,
com altos e baixos, atritos, paz e guerra, além de tomadas de território e poder. A Núbia
possuía muito ouro, o que chamou a atenção dos egípcios a partir do Reino Médio. A
partir do período colonial, as interações culturais envolveram aspectos como
alimentação e formas de enterramento adaptadas ou subvertidas ao padrão cultural
núbio.
De acordo com Lemos (2018, documento on-line), “[...] no Período de Napata
(1.100–250 a.C.), os núbios subverteram elementos egípcios para criar e reafirmar seu
próprio poder e cultura [...]”. Nesse período construíram pirâmides e templos,
desenvolvendo a complexidade cultural e expressando a grandeza que seu império
20
atingiu. É possível perceber a presença da refinada técnica egípcia de escrita
hieroglífica em paredes que apresentam formas alimentares especificamente núbias.
Essas técnicas, depois de apropriadas da arte egípcia, foram utilizadas como “[...]
instrumento para representar símbolos de poder tipicamente núbios [...]” (LEMOS, 2018,
documento on-line). No período seguinte, os cuxitas mudam a capital de Napata para
Meroé; ainda hoje, discute-se se isso ocorreu por conta da guerra ou de alguma questão
climática.
Segundo Leclant (2010, p. 285), “[...] com a rainha Shanakdakhete (por volta de
170 a 160) parece ter ascendido ao poder um matriarcado tipicamente local. É numa
edificação em honra de seu nome, em Naga, que se encontram inscrições gravadas em
hieróglifos meroítas [...]”. Em Meroé, as candaces, rainhas-mães, se tornam importantes
elementos da política e da ritualística do poder. As meroítas eram rainhas guerreiras
que governavam e comandavam exércitos e que negociaram com Augusto. Segundo
Leclant (2010), o auge do Império Meroíta, atestado por diversas construções, ocorreu
no período próximo ao início da Era Cristã (ALVES,2019).
Os últimos anos do Império são pouco conhecidos: as pirâmides reais têm seu
tamanho reduzido e os objetos importados se tornam raros, indicando o
empobrecimento e a decadência do reino (ou o fechamento ao mundo externo), que se
torna alvo para seus vizinhos territoriais a leste, os blênios, ao sul, os axunitas, e a
oeste, os nubas. Leclant (2010) acredita que tenham sido os nubas vindos do Oeste os
responsáveis pela queda do Império Meroíta. Veja:

Por volta de +330, o reino de Axum, que se desenvolvera nos elevados planaltos
da Etiópia atual, chegara rapidamente ao ápice de seu poder; Ezana, o primeiro
monarca a adotar o cristianismo, atingiu a confluência do Atbara e se vangloriou
de ter preparado uma expedição “contra os Nubas” que rendeu muitas presas de
guerra. De tudo isso pode-se concluir que o reino meroíta já havia ruído na época
da campanha de Ezana (LECLANT, 2010, p. 290).

Assim, tem início o terceiro dos reinos orientais do norte da África, o reino de
Axum.

21
6.3 O reino de Axum (I–VII a.C.)

A região onde surgiu o reino de Axum era ocupada desde a Pré-História. A época
pré-axumita pode ser subdividida em dois períodos: o período sul-arábico e o período
intermediário (ANFRAY, 2010). A partir do século V a.C., surgiu e estabeleceu-se no
planalto etíope do Norte uma civilização marcada pela influência sul-arábica, em que a
agricultura era o principal meio de sustento e que prosperou durante os séculos V e IV
a.C., entrando em decadência logo depois. Esse era um povo de agricultores e criadores
de gado. A sua cultura não desapareceu totalmente nos séculos seguintes, mesmo após
a sua decadência.
Os axunitas preservaram parte de suas tradições agrícolas e arquitetônicas,
traços da língua e da escrita. Além disso, muitas de suas construções se encontram nos
mesmos sítios do período da civilização anterior à de Axum (ANFRAY, 2010). No
período intermediário, “[...] vestígios arqueológicos evidenciam já uma cultura local com
assimilação de influências estrangeiras. Percebe-se ainda, sem dúvida, elementos sul-
arábicos, mas não se trata mais de um influxo direto e, sim, de uma evolução interna a
partir de contribuições anteriores [...]” (CONTENSON, 2010, p. 368).
Os sítios desse período estão sendo estudados, mas ainda existem poucas
informações a respeito deles.
A região onde se forma o Império de Axum volta a florescer em meados do século
III a.C., com a criação do porto de Adulis, no mar Vermelho, pelo rei Ptolomeu Filadelfo,
espaço posteriormente ampliado por seu filho. Esse porto foi um dos maiores da
Antiguidade e é citado no Périplo do Mar da Eritreia, editado no século I d.C.
O reflorescimento, nesse período, é cultural, comercial e linguístico.
Desenvolvem-se a agricultura, a criação de gado diversificado, as manufaturas, a
metalurgia, a arquitetura, a navegação e o comércio de larga escala. Contenson (2010)
afirma que, com o declínio de Meroé (reino de Kush) e dos povos sul-arábicos, os
etíopes passaram a controlar o comércio da região, o que favoreceu a criação do reino
no século II a.C. A religião é inicialmente politeísta, praticando-se culto a deuses de
lugares diversos, como os do sul da Arábia e Meroé, além de deuses próprios. Ao
mesmo tempo, o povo se considera descendente de Salomão, portanto judeu, até que

22
se converte ao cristianismo, quando os templos dos deuses antigos são transformados
em igrejas. Assim, tal espaço era ocupado por um povo de variadas crenças que
convivem entre si por determinadas temporalidades (ALVES,2019).
Com relação ao judaísmo, considere o seguinte:

Mesmo deixando de lado a narrativa do Kbre Neguest (Glória dos Reis),


considerado pelos clérigos etíopes como um livro basilar de história e literatura,
e no qual todos os reis de Axum são erroneamente ligados a Salomão e Moisés,
certas tradições, transmitidas através dos séculos, aludem à presença de fiéis da
religião judaica. Os indícios são a circuncisão e a excisão infantil, além do relativo
respeito pelo sabá. Os cantos sagrados e as danças litúrgicas acompanhadas de
tambores, sistros e palmas evocam a dança dos judeus e do rei Davi diante da
arca da aliança (MEKOURIA, 2010, p. 427).

Já a conversão do rei de Axum ao cristianismo é atribuída ao bispo Frumêncio,


primeiro bispo de Axum, posteriormente santificado. Considere o seguinte:

Do Século I ao século IV d.C., no Norte e Nordeste de África, assiste-se à


presença da vanguarda intelectual do Cristianismo, que veio a sucumbir com o
aparecimento do Islamismo e do seu ímpeto a partir do século VII. Assim, no
Egito, na Núbia, no Sudão e na Etiópia o Cristianismo foi convictamente adaptado
pelos povos africanos dessas regiões às suas próprias culturas e assumiu
prestígio relevante nessa época. Documentos históricos, nomeadamente
arquitetônicos e monumentais, dão conhecimento dessa mesma realidade
(BRANCO, 2010, p. 64).

Alguns detalhes que merecem atenção dizem respeito à língua antiga, que se
manteve apesar de algumas alterações, como o sentido da escrita e da leitura. Convém
notar que a Igreja Ortodoxa Etíope mantém a sua força até os dias atuais no antigo
território axunita, hoje Etiópia. Eles ainda utilizam a língua ge’ez como língua ritual em
suas cerimônias, da mesma forma como faziam os cristãos europeus em suas missas,
embora não existam falantes cotidianos desse idioma (ALVES,2019).
A lenda de que esse império foi fundado por um filho de Salomão e da rainha de
Sabá persiste no imaginário, e supõe-se que um dos túmulos encontrados na região
seja o da rainha. O local onde se desenvolveu Axum está cheio de sítios arqueológicos
que são escavados e estudados; assim, espera-se que, no futuro, seja possível
esclarecer mais sobre a história desse povo. Sabe-se sobre os reis de Axum

23
especialmente por meio da numismática, já que eles marcaram época ao realizar a
cunhagem de moedas.

7 OS POVOS AFRICANOS DO SAHEL: CARACTERÍSTICAS SOCIAIS

Desde 4000 a.C., antes dos egípcios, os povos do Saara já trabalhavam com
barro e praticavam o pastoreio. Devido à desertificação do Saara, contudo, eles não se
fixaram na região. Os poucos que se mantiveram por lá tornaram-se nômades, como os
líbio-berberes, antepassados dos atuais tuaregues (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA,
2007).
O deslocamento dos caucasoides para o norte e o nordeste da África, enquanto
os negroides se direcionavam para o sul, inclusive para o Sahel (Figura 1), gerou um
aumento populacional e, consequentemente, o desenvolvimento da agricultura para
manter a população em crescimento (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). Para
Silva (2011), predominava uma “agricultura deambulante”, em que se explorava a terra
por alguns anos e, quando se chegava ao esgotamento dela, buscava-se uma nova
área para o cultivo. Além disso, acontecia o deslocamento mais frequente com os povos
pastores.

Fonte: Sahel Map (2018, documento on-line).


24
No período de chuva, os animais eram levados da savana para o Sahel para fugir
da expansão da tsé-tsé (uma mosca condutora de um tipo de protozoário que infecta
insetos e vários mamíferos e que se abriga em matas úmidas). Assim, os povos
aproveitavam o ressurgimento do verde nas margens do Saara. No verão, retornavam
para a savana em busca de bons pastos. A transumância favorecia a relação comercial
entre pastores e agricultores. Na savana, eles trocavam leite e estrume por tubérculos,
cereais e cabaças. No período de seca, os agricultores eram favorecidos pela presença
do gado em suas terras, pois o esterco adubava o solo. Contudo, eles temiam o
crescimento desse rebanho ou a sua chegada antes do período sazonal, por ameaçar
as colheitas (CAMPOS,2019).
Segundo Niane (2010, p. 172–174), no Sahel, os povos:

[...] se encontravam nas cidades setentrionais do Sudão, como Takrur,


Awdaghust, Kumbi-Sleh, Walata e Tombuctu. Da foz do Senegal, no Atlântico,
até a curva do Níger, viviam os nômades Fulbe (Fulani), criadores de bovinos.
[…] no século XIV, contudo, alguns grupos Fulbe haviam se infiltrado bem ao sul
e tendiam a sedentarizar-se, especialmente na região de Djenné, bem como na
margem direita do rio Sankarani, perto de Niani, e na zona do Takrur. Os
agricultores sahelianos — Tukuloor, Soninke e Songhai —, todos eles
islamizados já nos séculos XI e XII, viviam em grandes aldeias. Nessa região de
planícies, as comunicações eram fáceis, o que favorecia a fundação de cidades
novas e a constituição de cultura comum, mesmo entre povos que não falavam a
mesma língua.

A organização social dos povos sahelianos fez com que alguns grupos se
dividissem em reinos e impérios, ou se mantivessem em agrupamentos muito
pequenos. Esses agrupamentos praticavam a caça e a coleta ou a plantação para a
subsistência. Enquanto ocupassem a terra para a sua sobrevivência, detinham o seu
usufruto, sendo que tudo o que era cultivado ou nascesse nela era da posse da família
ou do grupo. A terra era distribuída para os chefes de família pelo conselho de anciões,
pelo chefe da aldeia ou pelo rei. Os chefes podiam cultivar um ou mais lotes de terra.
Esse regime ocorria em regiões em que era possível a rotatividade do solo alguns
anos de cultivo e outros de repouso. No momento em que a terra entrava em descanso,
o chefe de família precisava ter um novo trato de terra. Dessa maneira, a alocação da
terra passava por várias gerações, ficando na família, que assim herdava o uso da terra
(SILVA, 2011). Mesmo detendo o usufruto da terra, na África ela não se tornava uma

25
propriedade da família, do chefe da aldeia ou do rei. A consciência de poder político
estava calcada nas concepções religiosas e morais.
Tanto se a organização social fosse simples quanto se fosse complexa, o núcleo
de base, nos povos do Sahel, era a família estendida (clã ou linhagem). Ela era
organizada em uma ordem patrimonial ou matrimonial. Veja o que afirma Souza (2006,
p. 31):

O chefe de família, cercado de seus dependentes e agregados, era o núcleo


básico da organização na África. Assim, todos ficavam unidos pela autoridade de
um dos membros do grupo, geralmente mais velho e que tinha dado mostras ao
longo da vida da sua capacidade de liderança, de fazer justiça, de manter a
harmonia na vida de todo dia.

Conforme Souza (2006), percebe-se que a concepção de chefe nas sociedades


sahelianas é diferente da concepção moderna, a de um indivíduo autoritário e temido.
Naquela sociedade, um chefe não estava acima do grupo; ele pregava a união entre
todos, fazendo com que exercessem a solidariedade em uma estrutura complexa de
interdependência. Além disso, o poder não era hereditário, apesar de muitas vezes
acontecer a sucessão dentro da mesma família. Segundo Pereira (apud VISENTINI;
RIBEIRO; PEREIRA, 2013, p. 27), o “[...] herdeiro natural e direto do chefe morto, por
exemplo, não necessariamente assumia o lugar do mesmo”.
Na sociedade africana, a religião estava presente no exercício do poder, pois a
autoridade das lideranças era calcada no sobrenatural. Depois de serem reconhecidos
pelos membros do seu grupo, os chefes deviam ser legitimados pelos sacerdotes, que
trabalhavam pelo bem-estar da comunidade. Os sacerdotes consultavam entidades
sobrenaturais como os deuses locais, espíritos ancestrais que tinham relação com a
fundação da comunidade e eram responsáveis pelos recursos naturais da região. A
cosmovisão africana era decifrada e controlada pela religiosidade nessas sociedades
(SOUZA, 2006).
O comércio interno de produção simples e a organização do trabalho com base
na pequena família (clã ou linhagem) e na terra geraram uma sociedade tributária-
mercantil que sobrepôs um reino a outro ou a um grupo. Isso promoveu o poder e a
riqueza de alguns impérios que, calcados no excedente, deram origem ao comércio de
longa distância (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2013). A cultura e a religião são dois
26
elementos fundamentais para o entendimento da sociedade tradicional africana e dos
desdobramentos de sua relação tributária-mercantil com outros povos.

8 AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS NA CONSTITUIÇÃO DAS


SOCIEDADES SAHELIANAS

O islamismo teve forte influência nas questões político-administrativas dos povos


do Sahel. No momento em que estados africanos tornavam-se muçulmanos, isso os
favorecia e permitia o maior desenvolvimento do seu comércio. Os azanegues e os
tuarengues eram os povos que faziam a intermediação entre o Mediterrâneo e o Sahel.
Eles montavam seus acampamentos nas áreas mais férteis, próximas aos rios e lagos,
onde deixavam seus animais descansarem. Nessas regiões, aproveitavam para criar
vínculos com os povos locais e estabelecer comércio. Em torno desses acampamentos
temporários, formaram-se cidades como Tombuctu. As cidades se concentravam
principalmente em locais de comércio. Os agricultores e pastores se estabeleciam perto
dos mercados para abastecer com alimentos o grupo de nômades e os comerciantes
locais (SOUZA, 2006). Segundo Souza (2006, p. 34):

[...] do Norte vinham sal, tecidos, contas, utensílios e armas de metal. Do Sul
vinham ouro, noz-de-cola, marfim, peles, resinas, corantes, essências, que eram
levados para o norte pelos comerciantes fulas, mandigas e hauças. Estes eram
guiados pelos tuaregues e outros povos do deserto.

Como as cidades abrigavam uma população voltada para atividades diversas e


com interesses distintos, precisaram de um sistema de governo complexo. Algumas
centralizavam o poder em um governante e em seus auxiliares. Assim, buscavam o
sucesso de seu reino expandindo seus limites, acumulando riquezas e ampliando sua
influência sobre povos vizinhos. O Mali é um dos impérios que foi além do seu próprio
território (SOUZA, 2006).

27
8.1 Reino de Gana

O reino de Gana localizava-se entre o deserto do Saara e os rios Níger e Senegal


ele foi fundado no século IV, pelos povos da etnia Soninke ou Sarakolle (NIANE, 2010).
Entretanto, era governado pela dinastia dos Magas, uma família berbere que
ficou no poder até o século XVIII. A capital de Gana era Kumbi Saleh e abrigava
aproximadamente 15 mil pessoas. A maior parte da população era formada por
agricultores. O enriquecimento do reino ocorreu devido à sua localização, no extremo
sul da rota comercial do Saara, e pela existência de reservas de metal. Desde o século
VIII, no Marrocos, a região já era conhecida como a “terra do ouro”. Ela mantinha
comércio com o norte da África, trocando tecidos, noz-de-cola e ouro. Trocava-se
principalmente ouro por sal, pois o tempero era raro na região das savanas e, por isso,
considerado valioso.
Por volta do século X, o reino de Gana atingiu o seu apogeu e atraiu a atenção
dos árabes. Segundo Assumpção (2008), após diversos ataques dos povos
Almorávidas do Magreb, isto é, grupos de muçulmanos cujos primeiros adeptos viviam
no Saara Meridional e que procuravam expandir o Islã nessa região, Gana acabou
sucumbida e por volta de 1240, o reino de Gana entrou em declínio, sendo destruído
pelo povo do Mali. Outro motivo do declínio foi a perda do domínio do comércio do ouro,
assim como a ascensão de outros impérios sudaneses, como Tecrur, Zafum e Sosso.

8.2 Império do Mali

O império do Mali, localizado no alto do Níger entre o século XIII e o XV, era
considerado o império mais importante da savana ocidental. O seu início está
relacionado ao desenvolvimento de um pequeno Estado chamado Kangaba
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007). A origem desse império está nos povos de
língua mandê que habitavam em um kafu (conjunto de aldeias cercadas por terras
cultivadas) no vale do Níger, governado pelos famas (descendentes dos primeiros
habitantes do vale do Níger), donos da terra. Eles expandiram-se pela região até o

28
deserto e a floresta, também nas províncias conquistadas, mantendo vassalos semi-
independentes.
Por volta do século XIII, o guerreiro Sundiata (responsável pela junção de várias
comunidades maliquês) foi coroado como o grande rei do Mali devido à expansão em
territórios maliquês, vencendo os nossos (antigos subordinados de Gana). Sundiata
fundou uma nova capital, Niani. Além disso, incorporou ao seu domínio o império de
Gana, incluindo os territórios ao longo dos rios Gâmbia e Senegal e pelo alto Níger,
assim como as minas de ouro de Bambuk e de Buré (MATTOS, 2007).
Dessa forma, passou a controlar todo o comércio de ouro e sal transaariano. A
organização política do Mali abrangia desde os reinos até as aldeias, tudo sob a
influência do rei, que cobrava tributos, gerenciados pelo conselho de anciões. A
sociedade era organizada de forma hierárquica. No topo, ficava o rei do Mali,
denominado mansa; logo abaixo, a linhagem real, o clã dos Queitas, a nação mandinga
e outras nações. Em cada nação, existiam famílias reais, nobreza, homens livres, servos
e escravos.
A sucessão do reino podia ser patrilinear ou fratilinear. Ou seja, tanto o filho
quanto o irmão do rei poderiam substitui-lo no poder. Foi no século XIII que o filho de
Sundiata, Uli, o sucedeu no trono do Mali e passou a controlar os grandes centros
comerciais do Sahel, Tombuctu, Ualata, Djenné e Gaô. Tombuctu localizava-se ao
noroeste do Níger e era a cidade mais famosa da região, por ser um ponto de encontro
de várias rotas comerciais e local de descanso de muitas caravanas que atravessavam
o deserto. Djenné ficava na região do rio Bani e era considerada um grande centro
agropecuário e comercial, ligando a savana, o cerrado e a floresta. Tombuctu e Djenné
se desenvolveram mais ainda no século XIV, devido à integração do comércio
transaariano.
O comércio era realizado pelos soninquês e mandingas, também conhecidos
como uângaras ou diulas, que atravessavam a savana e a floresta. No século XIV, o
Mali começou a entrar em decadência devido às disputas de sucessão entre os
descendentes de Sundiata Keita, o que ocasionou a desintegração do reino em
pequenos Estados.

29
8.3 Império de Songhai

Desde o final do século XIII, Songhai tentava obter gradativamente a sua


independência do domínio do império do Mali, sendo que a conquistou um século
depois. Mas foi no século XV, com sonni Ali Ber, que Songhai atingiu o seu apogeu e
expandiu o seu território, tomando Djenné, Tombuctu e Ualata do Mali. Nessas cidades
conquistadas, passou a explorar a agricultura e o comércio. Além disso, tomou as
aldeias bambaras e o reino de Mema e recuperou o controle das rotas comerciais
caravaneiras em Gaô. O império de Songhai tentou ainda tomar as terras dos mossis,
fulas e dogons, que foram de domínio do Mali, entretanto não conseguiu incorporá-las.
Com a morte de sonni Ali Ber, em 1492, os membros da família real e a nobreza
militar começaram a disputar o poder, o que gerou a divisão do Estado (MATTOS,
2007).
Em 1493, ocorreu um golpe de Estado militar, chegando ao poder a dinastia
Ásquia, sob o governo de Ásquia Muhammed (M’BOKOLO, 2009). No seu governo, ele
criou um exército profissional, melhorando a qualidade dos guerreiros. Além disso,
reduziu os tributos cobrados à população, liberando a produção agrícola, artesanal e
comercial. Com a expansão do território de Songhai, foi implantada uma política
administrativa para cada região, mas todas sob o controle do rei. Da região de Dendi,
para além de Djenné, os vassalos e um núcleo de várias províncias eram comandados
por parentes ou pessoas próximas ao rei, denominados farma ou farima. A parte
ocidental era governada por um vice-rei, chamado curmina-fari. E a região oriental ficava
sob o comando de outro vice-rei, com a denominação dendi-fari (MATTOS, 2007).
O fim do reinado de Muhammed iniciou uma luta entre as dinastias, e os ataques
dos impérios vizinhos geraram o enfraquecimento do Estado. Além disso, a invasão dos
berberes e do império marroquino, em 1591, terminou de vez com o império de Songhai
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2007).

30
8.4 Tecrur

O reino Tecrur ficava localizado nas margens do rio Senegal, ponto privilegiado
pela ligação entre o deserto, a savana e também o litoral Atlântico e o interior. Por volta
do século IX, esse reino era constituído por agricultores sererês, que deram origem aos
tuculores, e pelos pastores fulas, do Saara. Os tuculores eram os grandes comerciantes
islamitas de ouro e escravos.
A primeira dinastia do reino foi a Diáogo, composta pelas fulas ou berberes. No
final do século X, essa dinastia foi substituída pelas manas, do Estado de Diara, que
permaneceram por 300 anos no poder. No século seguinte, o rei tuculor Uar-Jabe ibn
Rabis se converteu ao islamismo, propagando essa doutrina religiosa por meio da força
e pela catequese, com o auxílio dos mercadores tuculores. Segundo Mattos (2007, p.
27), “Os mercadores de Tecrur comercializavam ouro, escravos, âmbar, cobre, goma,
contas, lã e sal pelas rotas do Atlântico ou por Audagoste, fazendo chegar esses
produtos até Marrocos, Gana e Níger”. Tecrur tornou-se concorrente de Gana ao
expandir o seu território até Barisa, que era um ponto comercial de ouro sob influência
desse reino.
No século XIV, as manas perderam o poder para os sereres e mandês da dinastia
de Tondions, que no século seguinte acabaram sendo substituídos pelas fulas de Lam-
Termes. Nesse mesmo período, o Tecrur foi invadido por guerreiros externos, o que
ocasionou a sua divisão em pequenos reinos (MATTOS, 2007).

8.5 Kanem e Bornu

Os reinos Kanem e Bornu surgiram a leste de Songhai, entre o rio Níger e o lago
Chade. Muitos povos se instalaram nessa região para fugir da seca do Saara. O reino
de Kanem tem a sua fundação atribuída aos zagauas, nômades do Sahel. Outra versão
está relacionada à ideia de fortalecer a conversão de Kanem ao islamismo e levar a
dinastia Sefau ao poder. Segundo Mattos (2007, p. 29), “Ibrahim, o filho de um grande
herói árabe Saife inb Dhi Yazan viajou para o Sudão Central e tornou-se líder dos
magumis, nômades do nordeste do lago Chade, conquistando vários grupos dessa

31
área”. Enfim, existem várias versões sobre a origem do Kanem, todas relacionadas à
submissão entre povos, os mais fracos sob o comando dos mais fortes em função da
supremacia militar, do domínio da metalurgia do ferro, do uso do cavalo ou da estratégia
comercial. Nessa região, havia comércio de escravos, que eram vendidos para o norte
da África como concubinas, eunucos, soldados e criados.
No reino de Kanem, o escravizado era utilizado para pagar tributos e compor
exércitos, bem como para o trabalho na agricultura e no pastoreio. Os escravos eram
adquiridos pelo reino por meio de sequestros e ataques às aldeias próximas. Esses
ataques também serviam para a expansão territorial do reino; os vizinhos tornavam-se
vassalos em troca de proteção. No século XIV, Kanem entrou em decadência devido a
várias guerras contra os saôs e por ser invadido pelos reinos vizinhos, que queriam
escravizar a sua população. Por volta do século VII, os saôs chegaram à região, vindos
do Norte, e se instalaram no curso inferior do rio Logone e no delta do Chari (LOPES,
2011). O rei Umar ibn Idris abandonou Kanem e foi com o seu exército para Bornu, no
planalto de Chade.
Bornu era uma região com inúmeras terras fertéis e, conforme Mattos (2007),
tinha possíveis fontes para a captura de indivíduos. Além disso, era a saída de rotas
comerciais para a África do Norte e para o Egito. A população em Bornu era canúri, ou
seja, uma mistura dos povos canembus e saôs. O reino de Bornu era formado por
aldeias, que se organizavam em torno dos chefes tradicionais, os bulamas, que se
submetiam aos representantes militares do rei, os maína. O rei governava com o apoio
dos maína e pela influência da rainha mãe, magira, e da rainha irmã (MATTOS, 2007).
Os produtos que comercializavam eram escravos, que trocavam por cavalos
vindos da África do Norte. Conforme Mattos (2007, p. 30), “Cada cavalo valia em torno
de 15 a 20 escravos”. Além disso, como Kanem, Bornu guerreava com povos vizinhos
para adquirir o seu produto.

32
8.6 Reinos iorubás: Ifé e Benin

Os reinos iorubás foram constituídos da diversidade de povos e sociedades que


habitavam as regiões ao sul, ao sudeste e ao sudoeste dos rios Níger e Benué há
milhares de anos. Nessa área, viviam os povos de línguas edo, idoma, iorubano, ibo,
ijó, igala, nupe, entre outros de origem linguística níger-congo (MATTOS, 2007).
Por volta do século VI, Ifé começou a se estruturar em pequenas aldeias
agrícolas que desenvolviam um comércio simples entre si. Alguns anos mais tarde,
tornou-se um centro comercial importante devido ao desenvolvimento da metalurgia do
ferro e à sua localização geográfica, na rota entre o rio Níger e Cotonu, constituindo um
entreposto entre a savana, a floresta e o litoral. Conforme Mattos (2007), o comércio se
dava de Ifé para Gaô, que fica ao norte, para as cidades hauças e para os povos de
Ijebu, ao sul. Os produtos levados eram sal, ouro, marfim, dendê, pimentas, noz-de-
cola, inhame, peixe seco e gomas.
Além de ser um entreposto comercial, Ifé era uma cidade-estado e recebia
tributos de outros minis estados. Era considerado um centro religioso do povo iorubá
por ser o núcleo de origem de outras cidades. Segundo Lopes (2011, p. 164), “[...] de
Ilê-Ifé, especificamente da localidade de Itajerô, teriam saído 27 descendentes de
Odudua para fundar várias cidades e províncias, inclusive a que constituiria, mais tarde,
o reino de Benin”
Benin era um dos minis estados subordinados a Ifé e foi fundado pelos povos
edos. Era organizado por um chefe (ovie/ogie), representante da unidade de várias
comunidades administrativas, pelas linhagens e pelos grupos de anciões. Os mais
velhos tinham o poder de legislar sobre as terras e os costumes das aldeias agrícolas,
além de orientar o trabalho de alguns grupos. Os problemas e disputas na comunidade
eram resolvidos nos santuários criados em homenagem aos ancestrais. As funções
administrativas e políticas eram divididas de acordo com a hierarquia de geração. Os
adultos cuidavam da proteção e das atividades principais, enquanto os mais novos eram
encarregados de pagar os tributos ao obá (rei).
Em termos econômicos, os reinos iorubás não eram grandes produtores
agrícolas, pois as terras da floresta não eram muito fertéis. Apesar disso, cultivavam

33
inhame, melão, feijão, pimentas-de-rabo, anileiras e algodão. O que mantinham era o
comércio, pois eram entrepostos de mercadores. Eles se expandiram em direção às
rotas comerciais com o intuito de controlar as atividades mercantis e dominar outros
pontos, como Aboh, Onistsha e Eko (MATTOS, 2007).

9 AS CARACTERÍSTICAS DA ÁFRICA CENTRO-OCIDENTAL E ORIENTAL

O objetivo desta seção é apresentar as características gerais dos povos e reinos


da chamada África Centro-Ocidental. Conforme Mattos (2007), próximo ao rio Zaire e
das savanas ao sul da floresta equatorial, predominavam os povos bantos. Por volta do
século XIII, surgiu o Estado de Luba, que mais tarde incorporou outras aldeias e formou
um império.
O Reino de Luba era composto por diferentes aldeias e pelo rei, descendente das
linhas de guerreiros (Kalala Ilunga e Kongolo), o qual era o grande responsável pela
proteção, fertilidade e prosperidade de todos, com a ajuda dos representantes
escolhidos pelas aldeias.
Já no vale do Kalany, às margens do rio Bushimai, viviam pescadores e
agricultores de origem Lunda. Os chefes das diferentes aldeias (Cabungu) eram
senhores respeitados entre as comunidades e considerados líderes espirituais. À
medida em que as aldeias cresciam, um novo indivíduo era erguido à condição de chefe
dos grupos, sempre mantendo os laços de parentesco e políticos. Por volta do século
XV, ocorreu a centralização do poder e a expansão dos limites do reino (como a
incorporação de aldeias dos vales Kalany, Lulua e Cassai), formando uma nova
estrutura política em torno do Império Lunda. Aos poucos, diferentes grupos opositores
abandonaram o Império e seguiram para regiões do Oeste em direção à Angola.

9.1 Reino do Congo

O Reino do Congo teve origem entre 1350 e 1375, com Nimia Nzima, que, ao
longo do tempo, expandiu o território e domínios mediante conquistas e alianças com
diferentes regiões, sobretudo, aquelas ao sul do rio do Congo. Seu filho e sucessor,
34
Lukeni lua Nimi, empreendeu uma política semelhante e estendeu o poder sobre
organizações políticas na região norte do rio do Congo, anexando áreas como Vugu,
Ngoyo e Kakongo. Esse mesmo rei conseguiu alcançar domínios até a região de
Mbanza Kongo, para onde mudou a capital e fundou, por volta do século XV, um estado
que se chamaria Congo (ou Kongo), formado por comunidades que compartilhavam o
grupo linguístico banto, sobretudo os bakongo (CORREIA, 2012).
Em termos de atividades agrícolas, a região do Congo possuía terras férteis,
onde os povos plantavam coco, banana, dendê, sorgo, milho, inhame, cola. O sal era
um elemento importante a ser extraído, e muitos dedicavam-se à caça, à pesca, à
criação de porcos, cabras, galinhas e cães. Outras atividades também se destacavam,
como a tecelagem, artesanato e metalurgia (MATTOS, 2007).
Em termos de estrutura social e política, os nobres moravam nas cidades e
somente se deslocavam para as províncias quando alçavam algum cargo
político/administrativo. A alta nobreza, por sua vez, era composta por parentes do rei ou
um de seus predecessores, constituindo, assim, casas bilaterais interligadas por
alianças matrimoniais. Frente às aldeias, a nobreza formava um bloco que era
determinante no acesso às terras (CORREIA, 2012).
Devido a essa estrutura, pode-se dizer que a nobreza era caracterizada como
um dos elementos mais importantes e significativos para a coesão social, sobretudo nas
cidades. Por fim, ao final do século XV, os domínios do Congo englobavam territórios
da costa oeste do Atlântico, do rio Zaire até Luozi (norte), rio Inquisi (leste) rio Loje ou
Dande (sul) e a ilha de Luanda (MATTOS, 2007; CORREIA, 2012).

9.2 Reino de Ndongo (Angola)

Os territórios do Reino de Ndongo compreendiam faixas de terras entre dois


importantes rios: o Kwanza e o Bengo. Cercado por importantes reinos como o Congo
e Matamba, Ndongo era habitado por povos Mbundus de origem banto, falando língua
Kimbindu. A principal autoridade entre os Mbundus era o Ngola, título que deu origem
à designação Angola. Entretanto, conforme afirma Carvalho (2011), o poder do Ngola
era restrito e muitos dos chefes das tribos (sobas) locais reconheciam sua autoridade
35
apenas como mística ou espiritual, como, por exemplo, o dom de fazer a chuva, mas
não reconheciam a sua legitimidade política.
No século XVI, o poder de Ngola aumentou e Kiluanji efetivou a centralização do
poder. Com isso, passou a controlar a religião, a política, o comércio e os depósitos de
ferro. Desse modo, o Reino de Ndongo era um estado organizado, sendo o rei
assessorado pelo tendala, que o auxiliava administrativamente em tempos de guerra e
paz, pelo Ngolambole que era o chefe de guerra.

9.3 África Oriental

De acordo com Mattos (2007), por volta do século VI, nas terras próximas ao rio
Juba ou a Lamu existia o reino Xunguaia, que supostamente tenha originado a cultura
suaíli. Seus habitantes eram caçadores e agricultores bantos e pastores cuxitas. Alguns
historiadores acreditam que os suaílis seriam agricultores bantos, vindos dos Grandes
Lagos e das montanhas de Kwale, que desde o ano 500 se expandiram pela costa. Em
várias cidades-estado da África Oriental, como Quíloa, Mogadixo, Mombaça,
Moçambique, Zanzibar, Mafi a, Melinde, a organização política concentrava-se na figura
de um sultão ou xeque, que governava com o apoio de um conselho, aparentemente
com base nas leis islâmicas (MATTOS, 2007, p. 44).
Na região da costa índica, as cidades já desenvolviam intensas atividades
mercantis, o que, por sua vez, permitiu que os habitantes dessa região entrassem em
contato com os povos árabes, persas e romanos, permitindo também diferentes trocas
culturais. Mattos (2007) aponta que, de fora do Continente Africano, chegavam em
grandes navios árabes e indianos diversos mercadores de luxo, dentre elas o vidro e
cauris, das Maldivas. Grupos mais abastados realizavam suas refeições em louças
chinesas ou persas, já os mais pobres comiam em torno de uma grande panela de
cerâmica, comunitária.
Entre os séculos XII e XIII, por exemplo, a cidade de Quiloa tornou-se um
importante centro comercial, o que permitiu o desenvolvimento dessa região. Seus
habitantes eram pescadores bantos, mas que possuíam grande conhecimento em
metalurgia do ferro e cobre e produziam artefatos de cerâmica vermelha. Os produtos
36
comercializados giravam em torno de frutas, peixes, sal, cereais e o gado. Mais tarde,
incluíram produtos como marfim e peles, no intuito de estabelecer relações comerciais
com a Arábia, Índia, Pérsia e China.
A partir do século XV, a cidade de Quiloa declinou em termos comerciais devido
à concorrência com outras regiões, entretanto, outras cidades da região do Índico
também se desenvolveram, como é o caso de Mombaça, Zanzibar e Melinde.

9.4 Grande Zimbabue e o Reino de Monotapa

Os povos bantos que chegaram a região dos rios Zambeze e Limpopo, por volta
do primeiro milênio, desenvolveram práticas como a da agricultura, do pastoreio e da
metalurgia. No século XII iniciou-se a exploração de ouro nessa região, onde havia
diversas jazidas (CAMPO,2019).
Segundo Fagan (2010), no século XV o Grande Zimbábue tornou-se um
importante centro comercial e os seus soberanos exerciam monopólio sobre as
atividades de trocas. Era vantajoso para o negociante estrangeiro trabalhar em
cooperação com os dirigentes, pois isso poderia garantir maior segurança e lucros.
Mattos (2007) aponta que também no século XV o Grande Zimbábue entrou em
decadência e isso se deu por diferentes motivos: a diminuição das águas do rio Save,
a presença o mosquito tsé-tsé, que prejudicava a criação de gado, o crescimento
populacional, o esgotamento do solo e de animais de caça. Esses fatores levaram o
soberano Niatsimba Mutota a estabelecer, na segunda metade do século XV, uma nova
capital do reino, ao norte, na região do Dande, entre os rios Mazoé e Hunyani. Nessa
área surgiram diferentes dinastias carangas, cujos reis eram conhecidos como
Monomotapa, que significa “senhor dos cativos” ou “senhor de tudo”. Fagan (2010)
afirma que o soberano Mutope expandiu o território monomotapa para a região norte,
transferindo a capital para uma área setentrional, longe da Grande Zimbábue. Por volta
de 1490, as partes meridionais do reino romperam com a autoridade central.
O reino Monomotapa estava restrito à região dos rios Zambeze, Mazoé, Lueanha,
Dande e Huambe, bem como a cordilheira de Unvucué e ao vale do Zambeze. Conforme
nos aponta Mattos (2007), a principal cidade era Ingombe Ilede, principal concorrente
37
da Grande Zimbábue, além de Cafué. Desde o século XIV, essas regiões tornaram-se
centros de produção de sorgo, algodão, sal, da criação de bois e cabras, bem como
produtos de cobre e cerâmica. Além disso, eram importantes pontos comerciais em que
se trocavam o sal pelo marfim de Guembe e o cobre de Urungué. A partir do século XVI
até XVII o domínio monomotapa caiu sob a influência dos portugueses (CAMPOS,
2019).

10 CULTURA AFRICANA

A cultura, em essência, representa uma espécie de lente na qual olhamos o


mundo e que nos condiciona a valores e práticas que compartilhamos com o grupo
social no qual convivemos (LARAIA, 2008). O conceito de cultura de que nos
reportamos é o de sentido antropológico. A cultura africana, nessa perspectiva,
corresponde, em poucas palavras, à totalidade de práticas carregadas de significado,
desenvolvidas por grupos sociais africanos e afrodescendentes em unidade na
diversidade que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, ou seja,
hábitos adquiridos e presentes nos homens (e em cada indivíduo) como integrantes de
uma sociedade (MUNANGA, 2009).
Efetivamente, somos resultado de práticas carregadas de significados que
compõe nossa herança cultural. A cultura africana está alinhada ao cotidiano brasileiro
no quadro de uma longa herança cultural construída por inúmeras gerações de afro-
brasileiros, desde o período colonial até o tempo presente. Os africanos foram
compulsoriamente conduzidos ao Brasil no processo de diáspora negra que
transformou seres humanos, de diversas etnias e culturas, em escravos na América
Portuguesa.
As práticas religiosas africanas já estão incorporadas aos ritos de fé no Brasil
desde o período colonial. No século XVII, já há informações de manifestação de cultos
africanos. Os atos religiosos iam além do mero ritual sagrado, congregando em si,
também, práticas de curas do corpo enfermo e de adivinhação.

38
A diversidade étnica dos negros diasporizados e a presença imperativa do
catolicismo ibérico tornaram o sincretismo religioso em um ato estratégico a fim de
garantir a identidade africana (QUEIROZ, 2017).
O candomblé possibilitou a reunião de negros escravizados de diversas etnias
africanas, de línguas e culturas diferentes, em uma mesma matriz religiosa. Diferentes
deuses celebrados no mesmo espaço religando povos africanos distintos a partir da
fabricação de religiosidade afro-brasileira.
A constante perseguição religiosa, no século XIX, e a persistência do candomblé
como identidade negra até os dias de hoje demonstram-nos que as práticas religiosas
de matriz africana estão alicerçadas na identidade brasileira. Ao contrário do catolicismo
que adveio do topo da hierarquia ibérica para a América Latina, o candomblé nasce
como criação popular de extensão africana. Realmente, o que caracteriza a cultura afro-
brasileira é o popular, a africanidade que está no povo. Há uma independência
surpreendente dos negros na formação das teias de significados culturais que escapa
ao poder do Estado (QUEIROZ, 2017).
O candomblé, além de ligar o continente africano à América e, de mesma forma,
africanos aos afro-brasileiros, também produzia uma mistura geral: étnica, racial e
social.

Fonte: Brasil (2013)

39
11 COLONIALISMO NA ÁFRICA: A ESCRAVIDÃO E O TRÁFICO DE ESCRAVOS

A historiografia ainda não chegou a um consenso sobre o surgimento da


escravidão. Estudos referentes à Antiguidade Clássica revelam que gregos e romanos
escravizavam os prisioneiros de guerra. Por sua vez, mesopotâmicos e egípcios
contavam com escravos na base de suas pirâmides sociais.
Silva (2002) aponta que uma campanha militar do faraó Esneferu, realizada por
volta de 2.680 a.C., retornou da Núbia com 7 mil prisioneiros, no que pode ser
considerada uma bem-sucedida operação de captura de escravos. Portanto, as
expedições militares egípcias à Núbia tinham entre os seus objetivos a captura de
escravos. Silva (2002) avalia que durante 4 mil anos, cerca de 500 escravos por ano
eram traficados da Núbia para o Egito (COSTA, 2006).
Veja o que afirma Souza (2003, p. 13):

Existe uma íntima conexão entre o fenômeno da escravidão e o continente


africano, não apenas como um cenário das mais antigas regiões onde a
escravidão era habitual, mas como a principal fonte de escravos para o mundo
islâmico, para a Índia e para as Américas.

Com a expansão marítima europeia, capitaneada por Portugal, a África passou a


ser vista como o centro fornecedor de escravos para suprir a demanda de mão de obra
na América. A partir dos séculos XV e XVI, o tráfico de escravos realizado por meio do
Oceano Atlântico foi responsável pela diáspora africana, o movimento de migração
forçada mais intenso e volumoso de que se tem notícia. Durante quatro séculos, o tráfico
de escravos foi responsável pelo deslocamento forçado de cerca de 11 milhões de
africanos para a América, dos quais aproximadamente 4 milhões desembarcaram no
Brasil.
Considerando a vasta extensão territorial da África, é correto afirmar que os
escravos não eram tratados da mesma forma em todas as regiões. Da mesma forma, a
escravidão desempenhou papéis diversos ao longo do continente. Ki-Zerbo (2010)
defende que a escravidão possuía um papel marginal nas sociedades africanas, em que
o escravo não era visto como uma propriedade do seu senhor. Já Silva (2002, p. 87)
aponta que em determinadas regiões o escravo era tratado com rigor, sofria injúrias e

40
castigos cruéis e era desprezado por ser “[...] preguiçoso, desasseado, curto de ideias,
inepto e tonto [...]”.
O processo de escravização na África variava de acordo com a região, a cultura
e o povo dominante. É preciso considerar o contexto histórico e as características de
cada grupo ou povo (COSTA; 2006).

Figura 1. Mapa político da África. Fonte: Guia Geográfico (2019, documento on-line).

12 CARACTERÍSTICAS E DEFINIÇÕES DA ESCRAVIDÃO EM TERRITÓRIO


AFRICANO

De acordo com Albuquerque (2006), a organização social e econômica dos


africanos girava em torno de vínculos de parentesco em famílias extensas, de espaços
que eram coabitados por diferentes povos e da exploração de um povo por outro. A
identidade de alguém se definia a partir da vinculação de parentesco com um grupo.

41
“Isto quer dizer que o lugar social das pessoas era dado pelo seu grau de parentesco
em relação ao patriarca ou à matriarca da linhagem familiar [...]” (ALBUQUERQUE,
2006, p. 13). Dessa relação de parentesco, surge a escravidão de linhagem ou
linhageira, também conhecida como “escravidão doméstica”.
Havia diversas formas de alguém se tornar escravo. A mais comum era sendo
prisioneiro de guerra. Contudo, em muitas sociedades, a escravização era uma forma
de punição por um crime cometido (roubo, assassinato e até adultério). Pessoas
acusadas de feitiçaria também podiam ser escravizadas. Albuquerque (2006, p. 15)
indica outras formas de se tornar escravo:

A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se


tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o
pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito,
extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou
menos comuns em diferentes períodos e lugares da África. O rapto e o ataque a
vilas se tornaram mais frequentes quando o tráfico de escravos tomou grandes
proporções.

A escravidão era vista também como uma estratégia de sobrevivência quando a


fome e a seca assolavam um povo. Dessa forma, uma pessoa do grupo podia ser
vendida ou trocada para garantir a sobrevivência dos demais. Essa forma de
escravização era, no entanto, um recurso extremo, pois se tornar escravo numa
sociedade estruturada por laços de parentesco era visto como uma desonra
(ALBUQUERQUE, 2006).
Em comunidades pequenas, os escravos domésticos eram pouco numerosos e
havia a preferência por mulheres e crianças. A posse desses escravos assegurava
prestígio a seus senhores. Considerando isso, a procriação das escravas era estimulada
pelos senhores, que chegavam a tomá-las como concubinas: “[...] assim o grupo podia
crescer com o nascimento de escravos, fortalecendo as relações de parentesco e
aumentando o número de subordinados ao senhor [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 14).
A escravidão doméstica não era utilizada apenas por pequenos grupos. Grandes
reinos e impérios africanos se consolidaram explorando esse tipo de mão de obra para
formar exércitos que poderiam garantir a dominação de povos vizinhos e a expansão
do território.

42
A mão de obra dos escravos domésticos era normalmente usada na agricultura
familiar, para garantir o sustento de uma família ou de um grupo. Mas o uso do escravo
doméstico podia variar de acordo com o interesse do senhor em aumentar o seu poder
político:

Nas sociedades linhageiras, a escravidão era fundamentada na relação


extremamente pessoal entre senhor e escravo, da qual derivava toda a inserção
social deste último. O escravo seria, basicamente, um dependente do senhor; até
podia servir como mercadoria, podendo ser trocado ou vendido; até podia exercer
atividades produtivas, como agricultor, mineiro, carregador, artesão, mas, em
essência, era uma fonte de prestígio social e poder político para o seu senhor
(MARZANO, 2013a, p. 143).

Vista como uma forma mais branda entre as modalidades de escravização


africanas, a escravidão doméstica implica, contudo, as marcas de sofrimento que
qualquer escravidão causa. Apesar de ter sido mais benévola do que a escravidão
praticada no sul dos Estados Unidos e no Brasil, a escravidão doméstica não deve ser
romantizada. Conforme alerta Silva (2002, p. 85), “[...] não devemos nos iludir com os
eufemismos (o dono, por exemplo, ser chamado de ‘pai’, e o escravo, de ‘filho’) que
dissimulavam, em várias regiões do continente, a dureza da realidade [...] Com a
expansão do islamismo, a partir do século VII, os árabes, ocuparam o Egito e o norte
da África (ALBUQUERQUE, 2006).
A partir de então, a escravidão doméstica, praticada em pequena escala, passou
a conviver com o intenso comércio de escravos. Segundo Albuquerque (2006), a
ofensiva muçulmana transformou significativamente a escravidão na África, que passou
a ser organizada e praticada como empreendimento comercial em grande escala. Os
escravos africanos eram comercializados por toda a África, no mundo árabe e, a partir
dos séculos XV e XVI, na América, como você vai ver adiante.

43
13 ALVO DA ESCRAVIDÃO RACIAL E DOS TRÁFICOS NEGREIROS
TRANSOCÊNICOS

A singularidade do continente africano que teve a maior repercussão negativa


sobre o seu destino, determinando o que é a África de hoje, foi a de ter sido o primeiro
e único lugar do planeta onde seres humanos foram submetidos à experiência
sistemática de escravidão racial e de tráfico humano transoceânico em grande escala.
As deportações violentas de africanos foram metodicamente organizadas, primeiro,
pelos árabes do Oriente Médio, desde 800 d.C até o século XIX, com ampla participação
dos iranianos, persas e turcos. A partir de 1500 até a segunda metade do século XIX,
foram os povos da Europa ocidental quem protagonizam o tráfico negreiro, através do
oceano Atlânticos.
O chamado continente negro ainda que nenhum historiador tenha se referido a
Europa como continente “branco” ou a Ásia como o continente amarelo foi transformado,
durante um período de um milênio, num verdadeiro terreno de caça humana e de
carnificina. O impacto negativo cumulativo dessa realidade sobre o desenvolvimento
económico, tecnológico, político, demográfico, cultural e psicológico dos povos
africanos está ainda por ser determinado. Mas as complexas interconexões existentes
entre as singularidades apresentadas e a visão depreciativa que permeia tudo o que se
refere à herança histórica e cultural dos povos africanos começam já aparecer
(COSTA,2006).

14 A ESCRAVIDÃO ISLÂMICA

Nos anos que se seguiram à morte do profeta Maomé, em 632, o islamismo


expandiu os seus domínios por quase todo o Oriente Médio e pela Ásia Menor, na África,
dominou o Egito e os litorais do Norte, até a Tunísia. Ainda no século VII, os
muçulmanos “[...] acrescentariam o Afeganistão a seus domínios, caminhariam para a
Índia e se fariam senhores de quase todo o norte da África [...]” (SILVA, 2002, p. 31).
Para os muçulmanos, a jihad (guerra santa) tinha como objetivo ampliar os territórios

44
sob a lei divina, e a conversão dos povos infiéis fazia parte dessa expansão. Durante
esse processo, os povos que não aceitavam a conversão podiam ser escravizados.
A primeira área de expansão do islã fora da Ásia foi a região do Magreb, na África,
que corresponde aos atuais Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia. Os berberes, do norte
da África, foram um dos primeiros povos africanos a se converterem ao islamismo. As
grandes caravanas que percorriam o deserto do Saara eram compostas por berberes
islamizados. Seguindo essas rotas, o islamismo foi ganhando adeptos na região
sudanesa e na região do Sahel (extensa faixa de terra situada imediatamente ao sul do
deserto do Saara). Utilizando os camelos como meio de transporte, os berberes
percorriam longas distâncias, cruzando o deserto. As rotas percorridas ligavam a região
do Magreb e o Egito às margens dos rios Senegal e Níger, ao sul da Mauritânia e ao
lago Chade. No século IX, cerca de 300 mil pessoas eram transportadas por essas rotas
na condição de escravos (ALBUQUERQUE, 2006).
As caravanas que partiam do norte da África em direção ao Sahel levavam
artefatos de metal, como utensílios de cobre, bronze e estanho, além de ferramentas,
tecidos, adornos e pedras preciosas que vinham do Egito, do Oriente Médio e da
Europa. Também transportavam: burros e cavalos; produtos alimentícios, como
tâmaras, passas e raízes, bastante apreciadas pelas comunidades islâmicas do Sahel;
e sal, produto essencial para a conservação dos alimentos nas áreas tropicais e que
também servia de moeda nas trocas comerciais. Da região do Sahel, essas caravanas
traziam ouro, peles, marfim, noz-de-cola (fruto utilizado pelas sociedades africanas
tradicionais em cerimônias e rituais e para controlar o cansaço e a fome) e
principalmente escravos, que eram enviados para trabalhar nas salinas do Saara, nas
sociedades islâmicas do norte da África e nos países europeus, sobretudo na Península
Ibérica muçulmana. Segundo Albuquerque (2006, p. 16), entre os anos 650 e 1800,
calcula-se que o tráfico transaariano tenha vitimado “[...] 7 milhões de pessoas, sendo
que 20 por cento delas morreram no deserto [...]”.
A conversão ao Islã não se deu de forma homogênea na África. Algumas regiões
foram receptivas à nova crença, mas outras seguiam fiéis às crenças tradicionais e eram
mais resistentes. Em alguns lugares, o islamismo e as crenças tradicionais coexistiram;
em outras regiões, “[...] a conversão ficou restrita ao soberano e à aristocracia, enquanto
45
as pessoas comuns continuavam a professar as crenças herdadas dos antepassados”.
Houve também regiões em que toda a população se converteu “para escapar do risco
do cativeiro”, uma vez que “apenas os infiéis podiam ser escravizados [...]”
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 18). Mas como o islamismo encarava a escravização?

O Alcorão não justifica nem condena a escravidão. Tem-na como natural. Se dela
fala em algumas passagens, é para recomendar, como obra pia, reparadora ou
expiatória, a manumissão [alforria] dos escravos, preceituar que devem ser
tratados com bondade e estabelecer regras de comportamento entre os escravos
e entre eles e seus senhores. Em outros textos [...] preceitua-se que o senhor
abrigue, vista e alimente de forma correta o escravo e o poupe de trabalhos
excessivos. [...]. Para o islã, a condição normal do homem é a liberdade. Foi a
partir desse princípio que as várias escolas jurídicas muçulmanas [...]
compuseram doutrinas, leis e jurisprudência sobre a escravidão. Nenhuma
pessoa livre podia ser escravizada por crime, dívida ou indigência. Não era lícito,
como na Grécia ou em Roma, fazer escrava, por exemplo, a criança abandonada.
Escravo era quem nascia nessa condição ou era a ela reduzido em guerra santa.
Ou, ainda, quem era importado de terras de infiéis (SILVA, 2002, p. 32).

Para o Islã, havia apenas dois grupos de pessoas: os fiéis, que seguiam as leis
divinas, e os infiéis. Quem não se convertera ao islamismo no primeiro chamado poderia
ser salvo por meio da escravidão. Dessa forma, o jihad contribuía para a purificação do
mundo, “[...] eliminando fisicamente o infiel, ou lhe arrancando, pela escravização, a
existência legal e moral (COSTA,2006).
A essência humana do escravizado não lhe seria devolvida senão com a alforria,
para o que era indispensável que antes se houvesse convertido [...]” (SILVA, 2002, p.
33). A conversão, no entanto, não garantia necessariamente a liberdade do escravo:

Havia razões bem mais comerciais e bem menos altruístas a justificar o


crescimento do número de escravos no mundo muçulmano. Primeiro, porque
uma vez escravizado o indivíduo nem sempre dispunha de tempo e condições
para ser educado de acordo com as leis islâmicas, e segundo, porque o
trabalhador escravo era fundamental para a viabilidade do comércio dos
mercadores muçulmanos (ALBUQUERQUE, 2006, p. 18).

No mundo islâmico, os escravos tinham várias funções. Mulheres e crianças


eram destinadas ao serviço doméstico. As mulheres consideradas bonitas eram as mais
caras e podiam ser incorporadas aos haréns. Os homens adultos eram utilizados como
carregadores nas longas viagens percorridas pelas rotas transaarianas, mas podiam
ocupar funções administrativas. Os meninos eram destinados ao treinamento militar ou

46
a trabalhos domésticos. “Alguns deles, transformados em eunucos, eram incorporados
aos exércitos (havia exércitos específicos de eunucos) ou alocados nos haréns, como
vigilantes. Muitos eunucos ocupavam, também, cargos administrativos e funções de
governo [...]” (MARZANO, 2013a, p. 138). O comércio de escravos na África foi
intensificado pela presença muçulmana, como pontua Silva (2002, p. 35):

Com a ocupação do Egito e do norte da África, multiplicaram-se os escravos


pretos. Em pouco tempo, os árabes e seus correligionários organizaram e
desenvolveram o comércio a distância de negros, dando-lhe uma dimensão que
jamais tivera. Partiram para isso dos pequenos mercados já existentes no Egito
e no Magrebe, de rotas milenárias, como as da Núbia, ou de itinerários que
datavam dos primeiros séculos de nossa era, de quando a adoção do camelo
permitiu aos berberes que atravessassem regularmente o Saara e fossem pilhar
as estepes e as savanas ao sul do deserto e ali prear negros, para pô-los nos
oásis, a cultivar cereais e tâmaras, e talvez para vendê-los na África do Norte.

Os muçulmanos exploravam a mão de obra escrava não só da África, mas


também da China, da Índia, do sudeste da Ásia e da Europa Oriental. Mas a África
acabou se tornando uma das principais fornecedoras de escravos. De acordo com
Albuquerque (2006), ainda no século IX, em Bagdá, existiam cerca de 45 mil escravos
negros. Já no século seguinte, os escravos africanos eram numericamente superiores
aos escravos turcos e eslavos. “Esse tráfico voraz de gente de cor preta explica a
presença de negros nas populações árabes [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 19).
Com a presença muçulmana, a escravidão na África foi se transformando de
escravidão doméstica em escravização em larga escala.

15 OS PORTUGUESES NA ÁFRICA

Com a presença europeia no continente africano, a partir do século XV, a


escravização adotou características intercontinentais e a África passou a ser o principal
fornecedor de escravos do mundo moderno. As grandes nações europeias do período
se envolveram no tráfico de escravos, principalmente o Império Português.
A expansão marítima portuguesa começa em 1415, com a conquista de Ceuta,
um importante entreposto comercial no norte da África. Nessa região, os portugueses
ouviram falar que no interior do continente havia regiões muito ricas, abundantes em

47
ouro e pedras preciosas. Após conquistar Ceuta e tomar a ilha da Madeira, em 1419, e
o arquipélago dos Açores, em 1431, no Oceano Atlântico, os portugueses foram
margeando o litoral africano, seguindo para o sul. Os primeiros contatos entre
portugueses e africanos se deram na região do rio Senegal, em terras que faziam parte
do Império Jalofo (ALBUQUERQUE, 2006).
Logo, os portugueses começaram a comercializar escravos entre os portos
africanos. O comércio de escravos não foi, no entanto, o primeiro interesse dos
portugueses na África, como indica Marzano (2013b, p. 159):

Segundo vários autores, a intenção dos portugueses era contornar a costa da


África Ocidental para atingir as minas de ouro localizadas no Gana atual. Apenas
após perceberem a presença da escravidão e o dinamismo do comércio de
escravos no continente africano é que os europeus teriam se dedicado a vender
cativos, primeiro de um porto africano para outro, em troca de ouro. O transporte
de escravos africanos para as ilhas atlânticas — Madeira, Açores e Cabo Verde
ainda no século XV e São Tomé no século XVI — só teria início algum tempo
depois.

A intenção dos portugueses não era apenas ter acesso ao mercado do ouro, mas
chegar ao centro produtor do metal precioso e eliminar os intermediários. Assim, em
1445, os portugueses iniciaram a construção da fortaleza e da feitoria de Arguim (ilha
situada na costa da Mauritânia atual), “[...] para onde pretendiam desviar o comércio
transaariano [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 22).
Aos poucos, os portugueses foram se apropriando, com suas caravelas, de parte
do transporte que até então era feito com camelos; assim, os negócios com os africanos
da região do rio Gâmbia, perto do poderoso Império do Mali, foram crescendo. Por volta
de 1460, os portugueses mantinham boas relações comerciais com os malineses.
Contudo, o principal objetivo, atingir as ricas minas de ouro, ainda não havia sido
atingido.
Embora o comércio de escravos não fosse o seu principal objetivo, os
portugueses passaram a lucrar com ele. Esse lucro representou a desgraça de alguns
povos, pois a captura de escravos estimulava as guerras entre os africanos. “A presença
portuguesa redimensionou a vida de populações litorâneas que, até então, não tinham
poder econômico e político significativo e que passaram a ter na captura de cativos uma
atividade corriqueira, sistemática [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 24).
48
A prosperidade dos negócios portugueses fez surgir a necessidade de
estabelecer mais feitorias no litoral africano. Dessa forma, em 1482, os portugueses
construíram a feitoria de São Jorge da Mina (Figura 2), na Costa do Ouro (atual Gana).
A construção imponente demonstrava que os portugueses pretendiam ficar por muito
tempo na região, pois, de acordo com Silva (2002, p. 212), “[...] não se tratava de um
simples entreposto, mas, sim, de uma fortaleza, que se erguia a quase quatro mil
quilômetros da pátria dos que a levantavam [...]”. A partir de São Jorge da Mina, os
portugueses conseguiram interceptar quase todo o metal transportado pelo Saara. De
posse do ouro, puderam negociar com vantagens nos mercados africanos e, com os
lucros, obter mercadorias sofisticadas que não eram fabricadas em Portugal.

Fonte: Brasil (2013)

Na feitoria de São Jorge da Mina, concentrou-se o embarque de escravos para a


América, Brasil, Caribe e América Inglesa até 1637, quando o local foi tomado pelos
holandeses. São Jorge da Mina foi a principal feitoria na costa africana e a mais
importante fonte de lucros para a economia portuguesa até o início do ciclo de comércio
com a Índia. Concomitantemente à construção da feitoria de São Jorge da Mina, outro
importante fato aconteceu: o navegador português Diogo Cão chegou ao reino do
Congo (ALBUQUERQUE, 2006, p. 24).

49
16 RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E CONGO

Por volta do século XIV, comunidades que viviam na África centro-ocidental


foram unificadas, formando o reino do Congo, que abrangeu territórios que hoje
correspondem a Angola, República do Congo, República Democrática do Congo e
Gabão. Nesse reino, o poder era exercido pelo manicongo, que governava com o auxílio
de um conselho real, cujos membros eram representantes destacados de cada
comunidade, formando uma espécie de nobreza.
O reino do Congo era próspero. O seu solo era fértil e havia bons suprimentos
de água, que favoreciam a agricultura e a criação de animais. Os rios forneciam peixes
e, nas savanas, a caça era abundante. Para garantir a continuidade das atividades
agrícolas, o manicongo procurava ampliar as suas terras produtivas, o que fazia por
meio de guerras com povos vizinhos ou associando-se a eles por meio de casamentos.
A escravidão praticada no reino era do tipo doméstica, “[...] embora nas cidades fosse
comum que um número significativo de prisioneiros de guerra estivesse a serviço da
nobreza [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 32).
O navegador português Diogo Cão aportou na foz do rio Zaire em 1483. Logo se
espalhou pela região a notícia de que grandes barcos, que se assemelhavam a
pássaros gigantes, haviam chegado ao litoral. Os habitantes locais ficaram espantados
com os homens que saíam das embarcações: “[...] pensava -se que os europeus vinham
de outro mundo, que eram seres sobrenaturais [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 29).
Os portugueses foram recebidos pelo mani de Sônio, província do noroeste do
reino. Alguns mensageiros portugueses foram enviados à Mbanza Congo, cidade real
onde vivia o manicongo. Curioso com a presença dos homens brancos que diziam ter
cruzado o oceano, o manicongo resolveu manter os mensageiros em seu palácio. Como
os mensageiros tardavam a retornar, “Diogo Cão tomou por reféns quatro congueses
que visitavam, atentos para todas as novidades, um de seus navios e os levou consigo
para Portugal [...]”, com a promessa de trazê-los de volta depois de 15 luas (SILVA,
2002, p. 361). Os mensageiros portugueses puderam conhecer um pouco da
organização administrativa complexa e centralizada do reino do Congo. Já os quatro
africanos levados por Diogo Cão retornaram “[...] vestidos como europeus e falando
50
português [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 30). Tanto os mensageiros tinham muito para
contar a Diogo Cão como os africanos tinham muito a narrar para o manicongo:

O manicongo Nzinga a Nkuwa ouviu cuidadosamente o que lhe narraram os


quatro súditos que tinham passado vários meses em Portugal. Não só de seus
relatos, das entrevistas concedidas a Diogo Cão e dos mimos que recebeu, mas
também do que vieram os seus dizer-lhe sobre as bombardas, os arcabuzes, os
machados, as bestas e o tamanho dos barcos portugueses, é provável que tenha
concluído que aqueles estrangeiros dispunham de recursos técnicos muito
maiores e mais eficazes do que os conhecidos pela sua gente. E que contavam
com um deus poderosíssimo. Se os congos pudessem captar tudo aquilo, tornar-
se-iam muito mais fortes do que os demais reinos vizinhos e teriam condições de
fazer face aos novos desafios que certamente surgiriam da presença dos que
haviam chegado do oceano (SILVA, 2002, p. 361).

Ainda na década de 1480, os monarcas de ambos os reinos estreitaram as suas


relações trocando presentes e emissários. Em 1489, o manicongo Nzinga a Nkuwa
enviou para Portugal uma comitiva, da qual faziam parte um dos africanos
“sequestrados” por Diogo Cão e o mani Cabunda, sacerdote de Mbanza Congo. A
comitiva levou presentes para serem entregues ao rei português D. João II, entre os
quais destacam-se “[...] dentes de elefante, objetos de marfim e panos de ráfia
congueses, que eram como brocados, damasco, seda acetinada ou tecido de Ormuz
[...]” (SILVA, 2002, p. 361). A comitiva levava também algumas solicitações: “[...]
autorização para que rapazes do reino africano pudessem ser educados na Europa,
conseguir que padres católicos fossem enviados ao Kongo, assim como mestres no
ofício da carpintaria, pedraria e agricultura [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 30).
O rei português acatou as solicitações, pois era de interesse de Portugal
estabelecer uma aliança sólida com um soberano de um reino próspero que se mostrava
disposto a se converter ao cristianismo.
Em 1491, o manicongo Nzinga a Nkuwa se converteu ao cristianismo e promoveu
algumas mudanças na estrutura política de seu reino, inspirando-se no modelo europeu.
A capital Mbanza Congo teve o nome mudado para São Salvador, e foi iniciada no reino
uma linhagem de reis católicos. No entanto, como destaca Albuquerque (2006), nem
todos os congoleses aceitavam a conversão; um filho do manicongo, Mpanzu a Kitima,
se negou a aderir ao catolicismo e foi vencido por Afonso, que herdou o trono. Afonso I

51
governou o Congo entre 1506 e 1543. Ao longo desse período, o comércio do próspero
reino com os portugueses expandiu-se e a venda de escravos tornou-se monopólio real.
Aos poucos, porém, esse monopólio foi sendo quebrado. Desrespeitando as
regras estabelecidas pelo rei, os mercadores promoviam capturas ilegais (no Congo, só
era permitida a escravização de prisioneiros de guerra e de pessoas endividadas) e
transportavam escravos por rotas alternativas para fugir da fiscalização e não recolher
os impostos devidos aos cofres reais, o que causou grande prejuízo ao governo do
Congo. Afonso I também enfrentou disputas pela sucessão do trono e revoltas de chefes
das províncias do reino que discordavam do controle excessivo do governo sobre seus
territórios.
Em paralelo a isso, os portugueses intensificaram o comércio de escravos com
povos vizinhos subordinados ao Congo, como Angola, sem contar com o intermédio de
Afonso I. Ao estreitar relações com esses povos vizinhos, os portugueses almejavam
encontrar minas de prata na região. Quando as pretensões colonialistas dos
portugueses se tornaram evidentes, os africanos resistiram. Além de confrontar os
africanos, os portugueses tinham de enfrentar outros inimigos: “[...] as febres, a
escassez de comida, os insetos, a estiagem e a frustração diante da inexistência de
prata e ouro nas proximidades. Os portugueses concluiriam, então, que a empreitada
conquistadora não valia a pena e resolveram concentrar suas forças no comércio de
escravos [...]”, atividade mais lucrativa e que demandava menos trabalho
(ALBUQUERQUE, 2006, p. 33).
No início do século XVII, o contato entre os reinos de Portugal e do Congo
diminuiu. O Congo se mantinha como um reino autônomo e estabelecia relações
políticas e comerciais com a Holanda. O catolicismo permaneceu como religião oficial
da monarquia congolesa e padres italianos e espanhóis foram enviados diretamente
pelo papado para prosseguir o trabalho missionário no reino, como você vai ver a seguir.
O reino do Congo manteve-se unificado e autônomo até 1665, quando o rei Antônio I
morreu numa batalha travada contra os portugueses, agora estabelecidos em Angola.
A derrota nos campos de batalha e a morte do rei abriram caminho para a fragmentação
do reino do Congo.

52
17 A DOMINAÇÃO PELA CRUZ: O PAPEL DO CATOLICISMO NA COLONIZAÇÃO
DA ÁFRICA

O sucesso de Portugal e da Espanha nas viagens marítimas e na exploração dos


territórios coloniais motivou o papa a colocar nas mãos dos reis ibéricos e das
autoridades eclesiásticas dos dois países a responsabilidade pela expansão do
catolicismo nos novos territórios. Para isso, os reis deveriam construir igrejas e
mosteiros e enviar sacerdotes para evangelizar os habitantes das novas possessões.
A conversão dos africanos ao catolicismo desempenhou um papel muito
importante no processo de expansão portuguesa na África (COSTA,2019).
A presença do catolicismo na África acompanhava a colonização portuguesa em
território africano por meio da instalação de dioceses. De acordo com Marcussi (2012),
as ordens religiosas enviadas à África tinham como objetivo específico a transmissão
da mensagem religiosa aos povos com os quais os portugueses faziam contatos
comerciais.
O início do contato entre os africanos e o catolicismo se deu nas ilhas da costa
africana, onde os portugueses mantinham seus entrepostos comerciais. Marcussi
(2012, p. 39–40) apresenta um panorama da inserção do catolicismo na África a partir
da presença portuguesa:

Na costa da Senegâmbia, ao norte, a Igreja nunca chegou a ter grande


penetração no território continental antes do século XIX, permanecendo restrita
ao arquipélago de Cabo Verde e a algumas poucas feitorias portuguesas na
costa, para além das missões esparsas realizadas pelas ordens religiosas,
sobretudo os jesuítas. Na costa da Mina, sob jurisdição da diocese de São Tomé,
também houve poucas incursões católicas, limitadas à missionação das ordens
religiosas, incluindo uma malsucedida missão ao reino do Benim em 1515, um
breve período de atuação jesuítica em Serra Leoa entre 1604 e 1617 [...]. A costa
de Moçambique, sob administração eclesiástica da diocese de Goa, também
recebeu algumas missões, a maior parte das quais jesuíticas e dominicanas, mas
de penetração igualmente escassa, restringindo-se ao batismo de alguns reis
locais e à assistência de comunidades portuguesas. Porém, no caso da costa
centro-africana ocidental (compreendendo as regiões do Congo, Angola e
Benguela), houve um relativo adensamento e disseminação das instituições
clericais a partir do arquipélago de São Tomé.

Quando os portugueses chegaram ao litoral do reino do Congo, os nativos


daquela região pensaram estar diante de seres sobrenaturais. Isso porque, segundo
53
Albuquerque (2006), na região do Congo-Angola os africanos acreditavam que existia
uma linha divisória chamada Calunga, que separava o mundo dos vivos do mundo dos
mortos. “Quando alguém morria o seu espírito atravessava a fronteira entre a vida e a
morte navegando numa zona transitória que seria o oceano. Para eles [os africanos],
os homens brancos que desembarcaram com Diogo Cão podiam ser espíritos de
antepassados voltando para casa [...]” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 29).
Devido a essa crença, os portugueses foram recebidos de forma calorosa pelo
mani de Sônio e pelos habitantes do litoral. Como você viu anteriormente, em 1483,
Diogo Cão “sequestrou” quatro africanos e levou-os para Portugal, onde ficaram até
1485. Ao retornarem, os africanos descreveram para o manicongo o que viram em
Portugal e afirmaram que os portugueses tinham um “deus poderosíssimo”. Quem
pudesse contar com os recursos técnicos dos portugueses e com esse “deus
poderosíssimo” seria capaz de enfrentar os novos desafios que estavam por vir.
Entusiasmado com os relatos, o manicongo enviou uma comitiva à Portugal com uma
solicitação clara: que os portugueses enviassem padres para instruir os congos na
religião. Um dos primeiros congos a se converter foi o mani de Sônio, batizado “[...] com
o nome de Manuel, em missa cantada, numa igreja de madeira construída para a
ocasião. Depois, ordenou que se queimassem todos os fetiches e, possivelmente, as
imagens dos ancestrais [...]” (SILVA, 2002, p. 363).
O manicongo ordenou que fosse construída uma igreja de pedra e cal para nela
os fiéis receberem o batismo. Devido a uma campanha militar contra povos inimigos, o
manicongo não pôde esperar a conclusão da igreja e recebeu o batismo, em 1491, num
altar improvisado. Seguiram o seu exemplo uma de suas esposas e um filho, que, após
serem batizados, receberam nomes latinos. O manicongo passou a se chamar D. João
I (mesmo nome do rei de Portugal na época); sua esposa, Leonor; e seu filho, Afonso.
“Para a guerra, da qual saiu vitorioso, o manicongo levou, benta pelo papa Inocêncio
VIII, uma bandeira de cruzado que lhe mandara o rei de Portugal, além de barcos e
arcabuzeiros portugueses [...]” (SILVA, 2002, p. 363). Sobre a conversão dos congos
ao cristianismo, Silva (2002, p. 364) apresenta as várias interpretações dadas pela
historiografia:

54
Assim começa a história fascinante e controvertida do cristianismo no reino do
Congo. Alguns consideram que não houve uma conversão verdadeira, pois,
fundada num “mal-entendido colossal”: os portugueses teriam conquistado os
ouvidos dos congueses porque eram brancos vindos do mar e, como tais, seres
sacrossantos. Outros julgam que o cristianismo do rei e das elites teria sido
superficial ou apenas de fachada, para ganhar audiência nas cortes europeias,
subsistindo entre os congos a religião tradicional, ainda que incorporasse alguns
rituais e objetos de culto católico às suas cerimônias e aos seus altares. Não falta
quem acrescente que a conversão dos manicongos foi um expediente de política
interna: como o rei não controlava o culto dos antepassados, nem o dos espíritos
das águas e da terra, [...] percebeu que poderia ter no cristianismo uma fonte de
legitimidade independente do beneplácito, da sagração ou do apoio dos chefes
das candas (ou clãs e linhagens matrilineares) [...]. Houve também quem julgasse
que o cristianismo teria sido, desde o início, apropriado pela religião local, que o
reinterpretou segundo o seu sistema de crenças e o acomodou à sua concepção
do universo e do sagrado. Para outros, o chamado catolicismo dos congos não
seria sequer um culto híbrido, pois tinha por base uma visão do mundo que era
inteiramente africana.

De acordo com Silva (2002), a conversão dos congos teria se dado para alguns
pela fé e, para outros, por conveniência. O autor cita como exemplo o caso do
manicongo, que teria se convertido por impulso, imaginando que sem a conversão não
haveria aliança com os portugueses.
O governo de D. Afonso foi de suma importância para a consolidação do
cristianismo no Reino do Congo e serviu para estabelecer as bases da organização
política que vigoraria pelos séculos subsequentes. O cristianismo sustentou
politicamente a conquista do poder, a sua consolidação e a sua ampliação. Ainda de
acordo com Souza (2016, p. 453), “[...] a elite conguesa refundiu ideias heterogêneas,
locais e estrangeiras, em novas partes inter-relacionadas, em uma visão de mundo que
constituiu o cristianismo congo: um novo sistema de pensamento religioso, expressão
artística e organização política [...]”
As ações de D. Afonso foram fundamentais para o fortalecimento do cristianismo
no Congo, que serviu para os portugueses, sustentarem o comércio de escravos e
suplantarem a autoridade dos reis congos, que controlavam, além do comércio, o
cristianismo. Souza (2016) defende que as redes comerciais estabelecidas e a adoção
do cristianismo deram ao Congo uma posição de destaque no mundo atlântico entre os
séculos XVII e XVIII (COSTA,2019).

55
18 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA

Até meados do século XIX, a presença dos europeus no continente africano se


limitava a algumas feitorias e colônias posicionadas no litoral, geralmente em locais
estratégicos para o comércio. Assim, a maior parte do continente encontrava-se sob o
poder das sociedades africanas, governadas por reis, imperadores ou conselhos de
anciões. Contudo, essa situação mudou a partir dos últimos anos do século XIX. Em
pouco tempo, quase toda a África passou a ser dominada pelas potências europeias.
Esse novo processo de expansão colonial ficou conhecido como “imperialismo”
ou “neocolonialismo”. O conceito de neocolonialismo é utilizado para diferenciar a nova
expansão colonial do século XIX da colonização do período das grandes navegações,
iniciada por portugueses e espanhóis no século XV (COSTA,2019).
Sobre o termo “imperialismo”, Hernandez (2008, p. 71) afirma que foi utilizado
pela primeira vez em 1870, na Grã-Bretanha, “[...] dando nome a uma política orientada
para criar uma federação baseada no fortalecimento da unidade dos Estados
autônomos do império [...]”. Tanto a palavra “imperialismo” como a ideia que ela
representa são carregadas de premissas ideológicas que geram inúmeras polêmicas,
como pontuam Visentini e Pereira (2008, p. 92):

As sociedades metropolitanas justificavam ideologicamente a conquista e


dominação dos povos coloniais através de teorias como o darwinismo social, que
concebia a existência como uma luta pela sobrevivência (onde os mais fortes
predominam), pela consciência de uma missão civilizadora da raça branca e
pelas teorias da superioridade racial.

Vários escritores, religiosos e políticos, por exemplo, consideravam o


colonialismo benéfico para os povos da África e da Ásia, vistos como atrasados do ponto
de vista tecnológico e cultural. Aos olhos dos europeus, as instituições políticas e
econômicas e o desenvolvimento industrial da Europa eram evidências da superioridade
do homem branco. Por isso, os europeus defendiam que cabia a eles libertar os povos
africanos e asiáticos da suposta “barbárie” em que viviam e introduzi-los na chamada
“civilização”. Para além dessas razões “civilizatórias”, a expansão imperialista foi
motivada pelos fatores listados a seguir.

56
Fatores econômicos: a grande concorrência entre as potências industriais as
levou a ampliar os investimentos em tecnologias para diminuir os custos de produção,
reduzindo, em contrapartida, a oferta de empregos. A produção de mercadorias
cresceu, enquanto o mercado consumidor, afetado pelo desemprego e pelos baixos
salários, não era capaz de absorvê-las. O resultado foi uma grave crise econômica entre
1873 e 1896, marcada pela falência de empresas e pela queda generalizada dos preços.
A saída encontrada pelos países europeus para resolver a crise foi a conquista
de novos mercados para os seus produtos industrializados e para a aplicação dos seus
capitais excedentes, além de novas fontes de energia e de matérias-primas para as
indústrias (COSTA,2019).
Fatores políticos e sociais: os governos europeus utilizaram a conquista de
colônias como propaganda política. A expansão do poderio nacional por meio da
obtenção de colônias serviu para despertar na população o orgulho patriótico e para
obter o apoio dela aos governos das potências imperialistas. Para isso, também era
necessário transferir para as áreas coloniais a mão de obra ociosa na Europa,
minimizando as tensões sociais e enfraquecendo o movimento operário.

Todos esses fatos [fatores] indicam uma convergência de interesses econômicos


e políticos em torno do continente africano, abrangendo o estabelecimento de
pontos de ocupação com a assinatura de inúmeros tratados com os potentados
africanos, tornando-os presas fáceis para os colonialismos europeus dos finais
do século XIX (HERNANDEZ, 2008, p. 61).

Como você pode ver na Figura 1, até 1880 não havia domínios europeus no
interior do continente africano. Conforme Visentini e Pereira (2008, p. 92), desde a
metade do século XIX, expedições exploratórias eram organizadas ao interior dos
continentes, principalmente da África; os exploradores, “[...] geralmente financiados por
sociedades geográficas, por mais idealistas que fossem, objetivamente abriam caminho
para as potências colonialistas, na medida em que elaboravam um inventário dos povos
e dos recursos naturais das regiões a serem conquistadas [...]”. A essas expedições
exploratórias soma-se a ação de missionários, inaugurando uma nova fase da
evangelização, que serviria para combater a “selvageria e salvar a alma" dos africanos.
Essas expedições tiveram um efeito pragmático: “[...] todo o interior do continente
e as bacias dos grandes rios africanos tornaram-se conhecidos dos europeus,
57
facilitando uma penetração que fora, por séculos, evitada [...]” (CHAGASTELLES, 2008,
p. 114).
A partir dessas missões exploratórias e das ações missionárias, o interesse dos
europeus pelo continente africano cresceu exponencialmente. A cobiça pelo continente
despertou grandes rivalidades entre os principais países industrializados do século XIX.
Para evitar um conflito de grandes proporções, representantes de 15 potências
organizaram, entre o final de 1884 e o início de 1885, o Congresso de Berlim, em que
foram definidas as regras de ocupação do território africano.

Figura 1. O continente africano em 1880. Fonte: Uzoigwe (2010, p. 2).

58
19 O CONGRESSO DE BERLIM

Três importantes acontecimentos impulsionaram a organização de uma


conferência para decidir sobre a partilha da África. Primeiro, o interesse que o rei da
Bélgica, Leopoldo I, demonstrava pelo continente. Em 1876, foi criada em Bruxelas a
Associação Internacional Africana, cujo objetivo era explorar a região dos Congos.
Segundo, Portugal iniciou uma série de expedições que culminaram com a anexação
das propriedades rurais afro-portuguesas de Moçambique, em 1880. Terceiro, a França
mostrou o seu caráter expansionista entre 1879 e 1880, quando, junto à Grã-Bretanha,
passou a controlar o Egito pelo envio de uma missão exploradora ao Congo com a
ratificação de tratados com o povo beteke, que habitava a bacia do Congo e pela
iniciativa colonial estabelecida na Tunísia e na ilha de Madagascar (UZOIGWE, 2010).
Os interesses dos europeus no continente africano prenunciavam um conflito
entre as potências da época. Por isso, em 1880, Portugal convocou uma conferência
internacional para resolver as disputas na África Central. Em 1884, Otto Von Bismarck,
chanceler alemão, formulou uma declaração por meio da qual todo o sudoeste da África
foi proclamado protetorado alemão. Para evitar um conflito de grandes proporções,
Bismarck organizou o Congresso de Berlim, que reuniu representantes de 14 potências
(França, Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,
Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, SuéciaNoruega e Turquia). As
reuniões aconteceram entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885.
A Conferência tinha como principal objetivo “[...] assegurar as vantagens de livre
navegação e livre comércio sobre os dois principais rios africanos que deságuam no
Atlântico, o Níger o e Congo. Visava também a regulamentar novas ocupações de
territórios africanos, em particular da costa ocidental do continente [...]” (HERNANDEZ,
2008, p. 62). Ficou acordado que o princípio definidor da partilha seria o de áreas de
influência. Isso significava que, uma vez estabelecida no litoral, a nação estrangeira
teria o direito de ocupar a zona do interior.
É interessante você notar que, apesar de se tratar da partilha da África, “[...]
nenhuma ação independente africana foi convidada a participar dos assuntos que
diziam respeito, diretamente, aos seus territórios [...]” (CHAGASTELLES, 2008, p. 119).
59
Se um dos principais objetivos do Congresso de Berlim era evitar rivalidades, ela não
foi proveitosa, pois em vez disso as rivalidades se acirraram e, nas décadas seguintes,
as potências europeias se enfrentaram na disputa pelo controle de regiões da África.
Essa rivalidade é um dos fatores que deram início à Primeira Guerra Mundial, em 1914.
Veja o que Hernandez (2008, p. 64) afirma sobre os resultados do Congresso de Berlim:

A carta geopolítica da África estava basicamente pronta, sendo boa parte das
fronteiras conservada, no seu conjunto, até os dias atuais. Com isso foram
desconsiderados os direitos dos povos africanos e suas especificidades
históricas, religiosas e linguísticas. Em outras palavras, as fronteiras da nova
carta geopolítica da África, aprovada no Congresso de Berlim, raramente
coincidiram com as da África antes dos portugueses. Mas cerca de trinta anos
depois, por volta de 1920, quase todo o continente estava sob administração,
proteção colonial ou ainda era reivindicado por outra potência europeia.

Após o Congresso de Berlim, vários outros acordos foram assinados entre as


potências europeias para assegurar o domínio sobre os territórios. O fato de as
fronteiras culturais dos povos africanos não terem sido respeitadas nessa divisão
desencadeou conflitos que são sentidos na África até os dias de hoje, como você vai
ver adiante. A Figura 2, a seguir, mostra como o continente africano foi dividido entre as
potências europeias por meio do Congresso de Berlim e dos acordos assinados até o
início do século XX.
Partindo de feitorias na costa africana como Dacar, atual Senegal, a França
estendeu o seu domínio sobre uma área que ia do Atlântico ao interior, acompanhando
o curso do rio Níger e criando a África Ocidental Francesa. A esses domínios, somavam-
se a África Equatorial Francesa (atual Gabão e parte do Congo) e as províncias
francesas do norte da África, Marrocos e Tunísia. Na região equatoriana, vizinha a
Angola, grande parte da bacia do rio Congo converteu-se numa espécie de propriedade
particular do rei Leopoldo II, da Bélgica, um dos principais envolvidos no Congresso de
Berlim e em seus resultados (CHAGASTELLES, 2008). A colonização belga na região
do Congo caracterizou-se pela extrema violência contra os nativos (homens, mulheres
e crianças eram mutilados caso não cumprissem as metas estipuladas pelos belgas) e
pelo saque das riquezas naturais da região.

60
Figura 2. A África em 1914. Fonte: Adaptada de Uzoigwe (2010).

Portugal, a partir de suas antigas colônias de Angola e Moçambique, reclamou a


soberania sobre um território mais amplo e obteve, além deste, as terras que formaram
a Guiné Portuguesa, na costa ocidental africana. Aos britânicos couberam os territórios
que viriam a ser o Sudão egípcio, a Rodésia, a Nigéria e a África Oriental Inglesa. Em
1902, com a conquista da região sul do continente africano, a Grã-Bretanha se
consolidou como o maior império colonial na África (UZOIGWE, 2010).

61
O Estado nacional alemão se formou tardiamente, em 1871; por isso, o país
entrou depois das outras potências na disputa colonial. Mesmo assim, a Alemanha
obteve a sua parte na divisão da África Ocidental, conquistando territórios que deram
origem às colônias do Togo e de Camarões (CHAGASTELLES, 2008).

20 A RESISTÊNCIA AFRICANA AO DOMÍNIO IMPERIALISTA

A expansão europeia na África a partir do Congresso de Berlim criou, no


continente, duas realidades que se chocavam: de um lado, o poder tecnológico e militar
das potências industrializadas indicava que a sua vitória era certa; de outro, a reação
dos povos africanos revelava que eles estavam determinados a resistir. As duas
tendências se confirmaram: a resistência dos africanos e o triunfo dos colonizadores.
“Mas a vitória dos europeus não significa que a resistência africana não tenha tido
importância no seu tempo ou que não mereça ser estudada agora [...]” (RANGER, 2010,
p. 52).
A resistência dos povos africanos à colonização era, até a década de 1970, um
assunto pouco investigado pelos historiadores. A partir dos últimos anos do século XX,
contudo, quando os estudos africanos conquistaram um lugar de destaque na
historiografia, a análise de novos documentos tem mostrado que ações de resistência
ocorreram em praticamente todas as terras subjugadas pelos europeus.

Em 1965, o historiador soviético A. B. Davidson fez um apelo aos estudiosos do


assunto para que refutassem “as concepções da historiografia europeia
tradicional”, segundo as quais “os povos africanos viram na chegada dos
colonialistas um feliz acaso, que os libertava das guerras fratricidas, da tirania
das tribos vizinhas, das epidemias e das fomes periódicas”. De acordo com essa
tradição, os povos que não ofereceram resistência foram considerados
“pacíficos”, e os que resistiram, “sedentos de sangue” (RANGER, 2010, p. 52).

Ao contrário do que afirmavam os defensores do colonialismo, os africanos não


viam os europeus como libertadores ou como a porta de entrada para a modernidade e
a civilização. Povos tradicionalmente rivais chegaram a se aproximar com o intuito de
unir forças para derrotar o conquistador. É o que mostra esta mensagem de 1904,
escrita por Maharero, chefe do levante herero, endereçada a Wittboy, um antigo inimigo:

62
“Meu desejo é que nós, nações fracas, nos levantemos contra os alemães [...] Que a
África inteira combata os alemães, e antes morrer juntos que em consequência de
sevícias, de prisões ou de qualquer outra maneira [...]” (RANGER, 2010, p. 57)
Muitos movimentos de resistência foram rapidamente derrotados pelos
conquistadores. Outros, como na região dos atuais Egito, Somália e Sudão, além de
expressarem forte capacidade de organização, se prolongaram por vários anos.
Algumas ações conseguiram deter, ainda que temporariamente, o avanço das nações
industrializadas pelo continente e impor pesadas derrotas aos europeus.
Uma das revoltas mais significativas contra o domínio britânico ocorreu na então
Costa do Ouro, atual Gana, entre 1890 e 1900, a chamada Rebelião Ashanti. A cultura
do povo ashanti baseava-se em uma longa tradição de nações guerreiras e em uma
história de mulheres orgulhosas e respeitadas. Os tambores, objetos importantes da
tradição guerreira dos ashantis, eram usados por eles para se comunicarem a grandes
distâncias.

[O] levante dos Ashanti, em 1890, foi provocado pela vontade dos britânicos de
consolidar o seu domínio sobre aquele povo graças à destituição de vários chefes
que lhes eram hostis, à nomeação de indivíduos que, conforme a tradição, não
estavam qualificados para substituí-los e à imposição de uma taxa de quatro
xelins por cabeça, a título de indenização da guerra de 1897. A insatisfação
irrompeu quando o governador britânico, Arnold Hodgson, exigiu o Tamborete de
Ouro para se sentar. Ora, o Tamborete de Ouro era para os Ashanti o que de
mais sagrado possuíam no mundo, pois o consideravam o símbolo de sua alma
e de sua sobrevivência como nação (GUEYE; BOAHEN, 2010, p. 161).

A combinação dessas medidas levou o povo ashanti a enfrentar os ingleses em


batalhas sangrentas, que culminaram, em 1900, com a prisão e a deportação de sua
líder Yaa Asantewaa, rainha de Edeweso, e de vários generais ashantis. Mesmo diante
da resistência africana, no final do século XIX, o poder das potências europeias no
continente já era uma realidade.

63
21 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA

O processo de descolonização da África se iniciou no século XX, sendo


influenciado por fatores externos e internos. De acordo com Visentini (2012, p. 29), “[...]
as revoluções sempre estão relacionadas a fatores tanto internos quanto externos e, na
sequência de sua concretização, necessariamente geram um impacto internacional, na
medida em que afetam regras internas nas quais a ordem (capitalista) internacional se
baseia [...]”.
Os países europeus que se envolveram na Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
se viram obrigados a retirar das colônias os funcionários de seus países que exerciam
funções administrativas, substituindo-os por africanos. Com isso, a rigidez da
administração colonial foi flexibilizada e os laços com as elites africanas foram
estreitados. Além disso, a África viu muitos de seus habitantes serem enviados para a
guerra, combatendo pelas suas metrópoles.

A participação da África na Segunda Guerra Mundial deve ser apreciada sob a


óptica da “escolha entre vários demônios”. O seu engajamento não foi um
processo de colaboração com o imperialismo, mas uma luta contra uma forma de
hegemonia ainda mais perigosa. Paradoxalmente, o engajamento da África na
guerra representou uma parte integrante da luta do continente contra a
exploração estrangeira e da busca pela dignidade humana (MAZRUI, 2010, p.
133).

A guerra enfraqueceu as potências imperiais e serviu para demonstrar que elas


não eram invencíveis. Ao término da guerra, os grandes vencedores foram Estados
Unidos e União Soviética, “[...] cujas sombras se projetavam doravante muito além do
universo da Europa imperial [...]” (MAZRUI, 2010, p. 133).
Essas duas superpotências pressionaram os colonizadores europeus a
desmantelarem os seus impérios.

22 O PAN-AFRICANISMO E O MOVIMENTO DA NEGRITUDE

Desde o início do domínio europeu no continente africano, houve movimentos de


resistência protagonizados pelos africanos. Você já viu dois deles: dos ashanti e dos

64
herero, que datam da passagem do século XIX para o século XX. Esses movimentos
de resistência, no entanto, eram de caráter regional. Portanto, era necessário um
movimento que impulsionasse o projeto de independência da África. “O movimento pan-
africano, ou pan-africanismo, teve um papel determinante na emancipação dos povos
do continente negro: foi, por excelência, a ideologia da descolonização [...]” (FERRO,
1996, p. 295).
Fundado por antilhanos e estadunidenses no começo do século XX, o pan- -
africanismo pregava a união dos negros na luta contra a segregação racial que sofriam.
Inicialmente, esse movimento não teve tanta representatividade na África. De acordo
com Hernandez (2008, p. 138), “[...] foi nos Estados Unidos que [...] o pan-africanismo
surgiu com mais força e radicalismo, expressando, de forma variada, em maior ou
menor grau, o descontentamento em relação à situação degradante do negro em todo
o mundo [...]”
Em 1945, foi realizado em Manchester, na Grã-Bretanha, o V Congresso Pan-
Africano. Esse congresso marcou a transição de um movimento que era essencialmente
de negros americanos para um importante instrumento na luta pela emancipação da
África, principalmente em relação à porção britânica. O Congresso contou com a
participação de políticos, sindicalistas e estudantes, representantes, em sua maioria,
das colônias inglesas (HERNANDEZ, 2008).
Outro movimento de grande relevância no processo de independência das
colônias africanas foi o da negritude. O movimento teve início com o senegalês Leopold
Senghor e o martinicano Aimé Césaire, estudantes negros que moravam em Paris, onde
estudavam. Senghor e Césaire se deram conta de que a identidade cultural negra era
reprimida pela dominação imperialista e pelo racismo.

Surgido em 1939, no poema lírico “Diário de retorno ao país natal”, do antilhano


da Martinica Aimé Césaire, o termo negritude foi cunhado para apreender a
totalidade do mundo negro fundada na ideia de solidariedade racial, dela
subtraída sua conotação pejorativa. O termo foi retomado por Léopold Senghor,
que foi quem levou Césaire a descobrir a África e a sua cultura, com preferência
pela combinação entre os valores do mundo negro resgatados e combinados com
os valores franceses (HERNANDEZ, 2008, p. 151).

O termo “negritude”, usado inicialmente para representar a resistência negra ao


domínio francês, passou a ser empregado pelos movimentos que lutavam contra o
65
racismo e a favor da descolonização africana. As lutas pela emancipação da África
foram impulsionadas pela valorização da identidade e da cultura negras, que forneciam
aos negros a crença na sua capacidade de autodeterminação, ao mesmo tempo em
que davam a eles um projeto político de independência.

23 AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA

O ano de 1960 ficou conhecido como “ano da África”. Ao longo dele, 17 países
africanos conquistaram a independência: Camarões, Togo, Senegal, Mali, Madagascar,
Zaire (atual República Democrática do Congo), Somália, Benin, Níger, Burkina Faso,
Costa do Marfim, Chade, República Centro Africana, Congo-Brazzaville (atual
República do Congo), Gabão, Nigéria e Mauritânia. A maioria desses países estava sob
domínio francês (HERNANDEZ, 2008).

23.1 A África Ocidental Francesa

Pressionado pelos africanos que lutavam pela emancipação, o general francês


Charles de Gaulle permitiu que, em 1945, delegados africanos participassem da
Assembleia Nacional Constituinte, que elaboraria uma nova Constituição para a França.
“Foi De Gaulle que resolveu introduzir 63 deputados ultramarinos na Assembleia
Constituinte [...]. Entre eles Houphouet-Boigny (Costa do Marfi m), Léopold Senghor
(Senegal), o dr. J. Raseta (Madagascar), Aimé Césaire (Martinica)” (FERRO, 1996, p.
370).

A primeira Constituição dispunha de uma maioria de esquerda (socialistas-


comunistas) à qual se associou a maior parte dos eleitos autóctones de além-
mar. A Constituição da qual o deputado do Senegal, Léopold Sédar Senghor fora,
juntamente com Pierre Cot, um dos redatores, integrava as antigas colônias à
República e introduzia o termo “União Francesa”, mas deixava aberta a porta
para uma evolução rumo à independência (SURET-CANALE; BOAHEN, 2010, p.
207).

Com isso, a expressão “Império Colonial Francês” foi substituída por “União
Francesa”. Essa mudança teve um caráter formal, pois o controle das colônias

66
continuou sendo exercido pelo Estado francês. No referendo popular realizado em 1958,
foi proposta a criação da Comunidade Francesa, que concederia mais autonomia às
colônias francesas, “[...], mas o governo francês conservava toda uma série de
atribuições essenciais e a independência era explicitamente apresentada como
incompatível com o pertencimento à Comunidade Francesa [...]” (SURET-CANALE;
BOAHEN, 2010, p. 212).
Mesmo com essas mudanças, o governo francês não conseguiu impedir que as
colônias conquistassem a independência. A Guiné Francesa declarou a sua
independência em 1958, sendo seguida pelas demais colônias francesas da África
Ocidental.
As independências da África Ocidental Francesa, em 1960, aconteceram de
maneira menos violenta, em comparação ao caso da Argélia. Situada na região norte
da África, este país vivenciou, entre 1954 e 1962 um conflito intenso, responsável pela
morte de 1 milhão de pessoas.

Em 1954, contando também com membros das elites culturais e políticas, foi
formada a Frente de Libertação Nacional (FLN), que em novembro daquele ano
iniciou uma guerra de guerrilhas na qual a violência [...] era uma forma de
libertação, inclusive espiritual. O movimento cresceu também como reação à
repressão militar do governo francês, tornando-se um movimento nacional que
contava com a simpatia da opinião pública de todo o mundo (HERNANDEZ,
2010, p. 480).

A opinião pública internacional passou a pressionar o governo francês, que se


recusava a conceder a independência da Argélia. Devido a essa pressão, acordos foram
assinados em março de 1962, determinando o cessar-fogo na Argélia. Em 3 de julho de
1962, foi realizado um plebiscito, e a maioria dos argelinos optou pela independência.
De acordo com Visentini e Pereira (2008, p. 170), “[...] a Guerra da Argélia teve grande
influência na descolonização da África Subsaariana [...]”. O caso da Argélia passou a
representar um risco a ser evitado pelas metrópoles europeias

67
23.2 As colônias britânicas

As colônias britânicas da África Ocidental conquistaram as suas independências


em 1960, de forma negociada. Dessa forma, tornaram-se independentes Nigéria, Costa
do Ouro, Gâmbia e Serra Leoa, que “[...] apresentaram processos de luta caracterizados
pela ausência de surtos revolucionários [...]” (HERNANDEZ, 2008, p. 193).
Já na África Oriental Britânica, o Quênia viveu oito anos de guerra, liderada pelo
povo kikuyu. Esse movimento de resistência ficou conhecido como Revolta dos Mau
Mau.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Quênia tornou-se o centro do Império


Britânico da África Oriental, sobretudo após a tomada de Cingapura pelos
japoneses. Ao mesmo tempo em que este país ganhava importância como fonte
de matérias-primas e produtos alimentares para a Inglaterra em guerra, a
distância entre ricos e pobres lá aumentava de forma dramática. Estas crescentes
diferenças internas desempenhariam um papel determinante no
desencadeamento da revolta mau-mau — a mais importante das revoltas
anticoloniais que a administração colonial britânica teve de enfrentar na África
tropical (TWADDLE, 2010, p. 261).

Decorrente da Segunda Guerra Mundial, a revolta começou quando imigrantes


ingleses foram para a África e os conflitos por terra se intensificaram. Com isso, a
condição de vida dos camponeses piorou. Hernandez (2008, p. 496) define o movimento
Mau Mau como “[...] uma guerra instrumental, visando a destruir as instituições
existentes para alcançar a emancipação social e política das populações africanas do
Quênia [...]”. Jomo Kenyatta foi identificado como líder da revolta. Kenyatta foi um
importante líder do movimento pan-africano e fundou a União Africana do Quênia (KAU).
Os britânicos iniciaram a repressão ao movimento, causando muitas mortes e
também a prisão de Kenyatta em 1952. A guerra foi marcada por atrocidades cometidas
de ambos os lados. “O número de mortos foi muito grande, chegando a 7.811 entre os
Mau Mau, enquanto do lado da administração colonial, entre militares e civis, morreram
470 africanos e 68 europeus [...]” (HERNANDEZ, 2008, p. 497). Grupos nacionalistas
quenianos pressionaram o governo britânico, que acabou, em 1961, libertando
Kenyatta. Sob a liderança de Kenyatta, em 1963, o Quênia declarou a sua
independência, adotando um programa de conciliação nacional. A Constituição, votada

68
em setembro de 1963, fixou o dia 12 de dezembro de 1963 como o dia da independência
do Quênia.

23.3 O fim do Império Português

Nas colônias portuguesas, assim como nas colônias britânicas e francesas, o


projeto de independência foi articulado por jovens intelectuais. Destacam-se nesse
processo Agostinho Neto, de Angola, Marcelino dos Santos, de Moçambique, e Amílcar
Cabral, de Cabo Verde, que atuavam nos círculos políticos e literários da Europa. Esses
intelectuais aglutinaram em suas lutas políticas o movimento da negritude e as ideias
revolucionárias socialistas.
No período da Guerra Fria, à medida que as ideias socialistas avançavam, os
Estados Unidos, preocupados, pressionavam Portugal para emancipar as suas
colônias. O governo português, no entanto, “[...] se negava a conceder independência
ou, mesmo, autonomia aos povos africanos, inclusive reprimindo com brutalidade as
manifestações políticas [...]” (VISENTINI, 2012, p. 39).
Já na década de 1960, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral, iniciou a guerrilha na Guiné Portuguesa
(contando com o apoio de voluntários cubanos). Em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
dadas as dificuldades geográficas, a luta pela emancipação era apenas política. Em
1973, quando se encontrava na Guiné, Amílcar Cabral foi assassinado por agentes
portugueses (VISENTINI, 2012). Ainda em 1973, com dois terços do território tomado
pelos rebeldes e decorrida mais de uma década de guerrilha, a independência da Guiné
Portuguesa foi proclamada pelo PAIGC, e o país adotou o nome de Guiné-Bissau.
A independência de Moçambique e Angola decorreu de um processo mais
complexo e igualmente violento. A luta pela emancipação angolana teve como pano de
fundo o conflito entre três grupos rivais: o Movimento Popular pela Libertação de Angola
(MPLA), que adotava ideias comunistas, a União Nacional pela Independência Total de
Angola (Unita) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), ambos contrários
às ideias comunistas. A luta entre esses três grupos fez o país mergulhar numa guerra
civil.
69
Em novembro [de 1975], enquanto a invasão de tropas zairenses em apoio à
FNLA era derrotada no Norte (com ajuda cubana), o MPLA proclamava a
República Popular da Angola em Luanda e a Unita (com apoio sul-africano),
proclamava a República Democrática de Angola em Huambo, no planalto
angolano. A invasão sul-africana e o avanço da Unita foram derrotados por forças
cubanas e do MPLA no Sul, mas seguiram-se quase quinze anos de guerras
entre eles, devastando o país (VISENTINI, 2012, p. 41).

As divergências políticas e étnicas entre a Unita e o MPLA geraram uma guerra


civil que se encerrou em 2002. Quinhentas mil mortes aconteceram em decorrência
dessa guerra. Ambos os grupos recebiam apoio externo, sendo que o MPLA recebeu
apoio da China, de Cuba e da União Soviética, enquanto a Unita foi apoiada pela África
do Sul e pelos Estados Unidos.
A luta pela independência em Moçambique se deu de forma semelhante. Para
promover a luta pela emancipação, foram criados partidos e jornais. Em 1962, foi
criada a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), de influência comunista, “[...]
que iniciou suas ações armadas no Norte, em 1964 [...]” (VISENTINI, 2012, p. 40).
Inicialmente, a Frelimo era liderada por Eduardo Mondlane, mas, com seu assassinato,
em 1969, a liderança passou para Samora Machel.
A Frelimo proclamou a independência de Moçambique no dia 25 de junho de
1975, adotando um regime inspirado no socialismo chinês e de países do Leste
Europeu. No entanto, o grupo anticomunista Resistência Nacional Moçambicana
(Renamo), com o apoio da África do Sul, da Rodésia do Sul e dos Estados Unidos,
passou a impor resistência ao governo liderado pela Frelimo. Os dois grupos entraram
em uma guerra civil que devastou a nação moçambicana e só se encerrou em 1992,
quando um acordo de paz foi assinado (VISENTINI, 2008).

24 ÁFRICA CONTEMPORÂNEA: DESAFIOS

As marcas deixadas pelo domínio colonial europeu na África são profundas. A


economia, a sociedade e a cultura africanas foram alteradas. Soma-se a isso o
problema das fronteiras estabelecidas pelos europeus, sobre as quais Visentini (2008,
p. 125) afirma o seguinte:

70
As fronteiras desses países eram artificiais, tanto no que se refere ao mínimo
critério de racionalidade geoeconômica como histórico-cultural. Grupos
etnolinguísticos rivais eram reunidos em um mesmo Estado, enquanto outros O
imperialismo e a África contemporânea 17 afins encontravam-se separados por
uma linha traçada à régua no mapa. O Estado antecedia a existência de uma
nação. Na ausência de um idioma comum, oficializava-se o do ex-colonizador,
enquanto a massa camponesa analfabeta continuava a utilizar os diversos
dialetos tribais. As rivalidades entre os distintos grupos haviam sido estimuladas
pelos colonizadores como forma de dominação, e deixavam uma herança trágica,
expressa no problema das minorias e do “tribalismo”, além do antagonismo entre
assimilados à cultura europeia e não assimilados.

Os Congressos Pan-Africanos, realizados em 1953 e 1958 nas cidades ganesas


de Kumasi e Acra, respectivamente, foram importantes para discutir como seriam
estabelecidas as fronteiras após a descolonização. Dois grupos dividiam opiniões: os
minimalistas e os maximalistas. O primeiro grupo defendia que as fronteiras coloniais
deveriam ser mantidas, dando origem a Estados nacionais. O segundo grupo “[...]
propunha uma estratégia de recomposição da geopolítica instaurada pelo Congresso
de Berlim [...] Propunha a fundação dos Estados Unidos da África, com unidade
econômica, política e militar [...]” (HERNANDEZ, 2008, p. 154).
A posição dos maximalistas representava, na prática, a radicalização das ideias
do pan-africanismo, que haviam servido de projeto político para as lutas pela
independência. De modo geral, pode-se dizer que as fronteiras foram mantidas.
Algumas colônias se desmembraram e formaram países menores.
Os processos de independência decorreram da forma de colonização de cada
país europeu. A colonização teve padrões variados, não havendo uma forma
homogênea. Predominaram as relações construídas por apropriações, tanto dos
colonizados como dos colonizadores. As razões político-ideológicas deram uma mesma
direção a movimentos de independência de territórios colonizados pelo mesmo país. De
modo geral, com relação à formação dos países africanos, Hernandez (2008, p. 613)
aponta o seguinte:

Os países africanos foram, em grande parte, condicionados por sistemas


econômicos, administrativos e políticos, e por um domínio moral e cultural que
alimentou diversas formas de dependência. Esse conjunto de elementos
configurou uma verdadeira estrutura geradora do subdesenvolvimento,
manifestado pelas fomes maciças (um em cada três africanos morre de fome),
por êxodos e guerras civis, fenômenos potencializados pelas catástrofes
geoclimáticas, as epidemias e o alto número de mortos no continente africano.
Esse quadro de carências quase plenas é herança de uma situação de extrema
71
gravidade econômica, de um esgarçamento do tecido social, de um alto grau de
instabilidade política e de um equivocado projeto de nação elaborado por Estados
de partido único.

Uma visão mais positiva da África no século XXI é apresentada por Saraiva
(2015, p. 11–12), que usa a expressão “renascença africana”. Para ele, as novas
gerações africanas têm ao seu alcance “[...] uma vida material, intelectual e socialmente
saudável ao desenvolver suas possibilidades educacionais e de renda em Estados
capazes de garantir o processo de democratização e o respeito à diversidade cultural
[...]”. A renascença africana, embora pareça um fenômeno recente, iniciou-se quase
concomitantemente aos processos de independência, nas décadas de 1950 e 1960. Ela
surgiu como um movimento em busca de uma identidade pós-colonial que valorizasse
a realidade africana. “Seu centro foi sempre, ainda hoje o é, a recusa ao tratamento da
realidade africana como eternamente primitiva e tradicional. E seu alcance universal é
a afirmação de uma visão global a partir da África [...]” (SARAIVA, 2015, p. 14).
A África celebrou, no início do século XXI, dois marcos importantes da história da
sua descolonização. Em 2007, Gana completou 50 anos de independência; o país foi o
primeiro da África subsaariana a conquistar a independência. Em 2013, ocorreu a
celebração dos 50 anos da Organização da Unidade Africana (OUA), transformada
posteriormente na União Africana (UA). Entre esses dois momentos históricos, Saraiva
(2015, p. 32) destaca:

O ano de 2008 inaugurou uma sequência de atos e reflexões acerca do lugar da


África no mundo, fora e dentro do continente. As mensagens são de algum
otimismo cauteloso. O ano de 2011 foi o da projeção do Banco Mundial e seu
relatório relativo às oportunidades do Brasil na África subsaariana. Dados novos
e ricos embalam uma oportunidade de alargamento da operação Sul-Sul da
África, por meio da ampliação do comércio e do investimento, em fase de
crescimento econômico mútuo

A África chama a comunidade internacional para compartilhar o renascimento


africano, não ligado aos movimentos de independência nem ao renascimento político
das décadas de 1960 e 1970. Segundo Saraiva (2015, p. 33), “A mensagem da África
é clara ao mundo. O continente não quer remoer o passado à cata de culpados. Quer
caminhar para frente [...]”.

72
25 A DIÁSPORA AFRICANA

De origem grega, a palavra “diáspora” significa dispersão, sendo utilizada para


designar o deslocamento forçado de um grande número de pessoas. No contexto
africano, a palavra foi inicialmente utilizada para se referir ao deslocamento forçado dos
africanos que foram escravizados e, ao longo de 400 anos, enviados principalmente
para a América.
Essa expressão passou a ser utilizada também para designar o movimento
migratório dos africanos rumo à América e à Europa. “Os africanos emigraram para
encontrar empregos ou maior realização profissional, para rapidamente enriquecer ou
para conhecer a aventura [...]” (HARRIS, 2010, p. 852).
Os vínculos com as antigas colônias normalmente determinam o destino desses
africanos. Assim, grande parte dos africanos que deixam a Argélia, o Marrocos ou o
Senegal vão para a França; já a Grã-Bretanha é o destino dos quenianos e nigerianos;
para Portugal vão os moçambicanos, angolanos e cabo-verdianos
O Brasil tem recebido muitos imigrantes africanos nos últimos anos. O fato de o
País ser lusófono tem atraído muitos angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos,
reforçando os vínculos dos brasileiros com essas nações, que têm uma importante
representação na formação da identidade sociocultural do Brasil.

26 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA E DA ÁSIA E A QUESTÃO ÁRABE-


ISRAELENSE NA PALESTINA

O fim dos impérios coloniais foi uma das grandes consequências da Segunda
Guerra Mundial. O final arrebatador da Guerra, com as bombas atômicas lançadas em
Hiroshima e Nagasaki, no Japão, injetou combustível nos movimentos nacionalistas que
cresciam nos países colonizados, por exemplo. Ainda na década de 1940, várias
declarações de independência foram promulgadas, aproveitando o próprio status de
crise das nações europeias, como a Inglaterra, a França, a Itália e a Bélgica. A primeira,

73
sobretudo, viu seu império desvanecer e os problemas econômicos e políticos
crescerem.

27 NEOCOLONIALISMO: NOVAS PERSPECTIVAS

De forma geral, o neocolonialismo, ou imperialismo europeu, foi fomentado pela


necessidade de mercado consumidor e dominação política, o que levou a um novo
interesse sobre a África. Contudo, a intenção, aqui, é abordar a construção
historiográfica sobre esse período. Houve uma reformulação do olhar acerca da história
africana ao se questionar a produção basicamente eurocêntrica que chegava às
universidades e aos centros de pesquisa. Em relação ao colonialismo, Cooper (2008, p.
22) ressalta que:

O caráter subalterno das histórias não ocidentais, bem como o de certos grupos
sociais, foi revelado dentro daquelas histórias que existem à sombra da Europa,
não somente devido à poderosa intrusão da colonização em outros continentes,
mas também em virtude da auto percepção europeia de um movimento voltado
à construção do Estado, do desenvolvimento capitalista e da modernidade, ter
marcado, e continuar marcando, a visão histórica de progresso, contra a qual a
história da África, da Ásia, da América Latina apresentam-se como o fracasso de
uma nação em se tornar nação e da liderança da classe burguesa e trabalhadora.

O continente africano é diverso, porém, até hoje, é visto como uma massa
homogênea, o que tem explicação. Essas narrativas históricas exaltam o imperialismo
europeu e o colocam como uma necessidade crescente para o progresso. Em nome
deste, levar os ideais de civilização para esse continente, bem como para a Ásia, era
uma forma de disseminar o ideal de progresso. Com isso, os europeus silenciaram todo
o encaminhamento próprio das mais variadas organizações sociais dos dois
continentes. O século XIX africano, por exemplo, foi recheado de reformas políticas e
religiosas, seja por motivos internos, seja pela natureza reformadora do Islã (AJAYI,
2010).
Isso demonstra um esforço interno de modernização política e econômica, bem
como estrutural. É importante deixar claro que as representações imagéticas e utópicas
daquela “África selvagem”, que são encontradas, inclusive, na literatura da época, são

74
fruto da visão preconceituosa da Europa oitocentista e da própria historiografia feita
posteriormente.
Com a Ásia, a perspectiva era semelhante. Em virtude de a Ásia ser o maior dos
continentes, as diversas tradições e organizações sociais, políticas e econômicas são
maximizadas. A China, por exemplo, não foi colonizada em sua totalidade (apenas
territórios pontuais), ao passo que a Índia se tornou de posse inglesa no século XIX e
foi dividida em duas durante a independência. O Sudeste Asiático foi dominado pelos
franceses, mas se tornou independente ainda nos anos 1950. Japão, Filipinas e
Indonésia contrapunham esse cenário colonial. Embora a cronologia histórica seja
definida a partir de efemérides europeias, a Ásia viveu diferentes impérios ao longo dos
séculos. Por exemplo, nos atuais Camboja, Laos, Tailândia, Myanmar e Vietnã reinou,
durante 802 a 1432, o Império Khmer, que controlava a produção agrícola a partir da
compreensão do regime de monções. A religião também era um elemento importante
para a legitimidade cultural e social de qualquer governo e, nesse caso, o budismo e o
hinduísmo eram proeminentes. O amálgama de representações simbólicas das duas
seitas criou uma tradição própria, que eventualmente é contestada (GOUCHER;
WALTON, 2011).

28 OS ANTECEDENTES PARA AS INDEPENDÊNCIAS

Esse novo período imperial diferia das anexações simples e diretas realizadas na
Antiguidade e/ou na Modernidade. O domínio era econômico, e os países europeus
coordenavam a administração política. Contudo, havia lideranças locais que mantinham
a conexão com o povo. No caso da Ásia, foram criadas “áreas de influência”, que eram
manipuladas economicamente pelas potências capitalistas, mas tinham governo
próprio. Todavia, a África e as ilhas do Pacífico tiveram um destino diferente
(HOBSBAWM, 1995, p. 89):

Não restou qualquer Estado independente no Pacífico, então totalmente


distribuído entre britânicos, franceses, alemães, holandeses, norte-americanos e
– ainda em escala modesta – japoneses. Por volta de 1914, a África pertencia
inteiramente aos impérios britânico, francês, alemão, belga, português e,
marginalmente, espanhol, à exceção da Etiópia, da insignificante Libéria e

75
daquela parte do Marrocos que ainda resistia à conquista completa. A Ásia, como
vimos, conservava uma extensa área nominalmente independente, embora os
mais antigos dos impérios europeus tenham ampliado e completado seus vastos
domínios [...].

Hobsbawm (1995) exemplifica o porquê de a historiografia europeia chamar essa


prática de imperialismo, e não de colonialismo. Este último remete a um conceito que
caiu em desuso após as perdas das possessões territoriais americanas e as
manifestações revolucionárias de caráter independentistas dos oitocentos. Já o primeiro
era um movimento que emprestava o nome de impérios milenares, mas era novo, pois
a dimensão econômica era maior do que a política (HOBSBAWM, 1995).
O poder estava concentrado nas mãos de poucos estados, por isso, a memória
desse período diz mais sobre eles do que sobre as nações dominadas. O Oriente
tornou-se um lugar exótico, rico culturalmente e parte da experiência europeia,
destituído de individualidade. Esse foi o discurso de dominação que se aprofundou
conforme o capitalismo tomava corpo no século XIX. Existe, aqui, a questão de
alteridade, da construção da sua imagem a partir do outro, e o Oriente faz parte do
imaginário europeu, assim como a América fazia no século XV. Ou seja, a Europa está
em contraposição aos outros. Vale destacar que o Oriente Médio viu a sua importância
econômica crescer após a descoberta de petróleo, em 1900, porém a dominação
externa e os conflitos não só permaneceram, como recrudesceram (SAID, 1996).
No século XIX, a África passava por crises políticas e econômicas, mas vivia um
período de desenvolvimento. O tráfico de escravos, que se iniciou na modernidade e só
acabou em meados dos oitocentos, trouxe uma nova estrutura de dominação para os
povos da região central e leste, principalmente. O fortalecimento dos estados era a
saída para que intervenções externas fossem contestadas. A busca era por
estruturação, o que nem sempre foi possível. Portanto, o cenário encontrado pelos
europeus era de fragmentação em alguns locais e de conflitos que generalizavam a
ideia de instabilidade política no continente (AJAYI, 2010).
No entanto, no século XX, a situação mudou. A Primeira Guerra Mundial (1914–
1918) já havia testado a política de alianças dos países europeus e foi acompanhada
de uma grande depressão econômica e crise moral. O conflito impactou a Europa de
diversas maneiras, mas, principalmente, por causa da letalidade. Houve uma
76
reconstrução social e o desejo de punição. Sabe-se que os acordos, como o Tratado de
Versalhes, de 1919, afetaram diretamente a Alemanha, que viu crescer, na década
seguinte, movimentos nacionalistas, xenófobos e supremacistas. Quando é deflagrada
a Segunda Guerra Mundial, a situação era outra, apesar de os países em choque serem
praticamente os mesmos. A partir desse momento, a guerra escalonou, com frentes de
batalha na África, na Ásia e nas ilhas do Pacífico. Isso foi fundamental para que o
sentimento nacional crescesse. Dessa maneira, com o fim da Guerra, em 1945,
movimentos contrários à colonização ganharam mais adeptos e força política (LOWE,
2011).
Nesse contexto, restaurar a autonomia tornou-se um esforço em comum entre os
países colonizados e que lidavam, agora, com fronteiras artificiais, criadas após o século
XIX. Segundo Chanaiwa (2010a), a busca pela independência das nações africanas se
conecta ao renascimento do nacionalismo e ocorre em quatro partes. Essa busca tem
início antes de 1939, quando as elites começaram a contestar a dominação. Em
seguida, passa pela união contra o fascismo e o nazismo durante o conflito. De 1945
em diante, manifestações pacíficas, que também ocorreram na Ásia, lutavam em prol
da emancipação. Todavia, ao longo do tempo, as guerras civis e o combate armado
ganham espaço.

29 ÁFRICA E ÁSIA: DOIS CONTINENTES EM CONFLITO

Os primeiros países a se emanciparem, ainda na década de 1940, são do


Sudeste Asiático. No dia 2 de setembro de 1945, pouco tempo depois da rendição
japonesa, o líder nacionalista Ho Chi Minh (1890–1969) publicou a declaração de
independência do Vietnã, que não foi aceita inicialmente pela França. A região
conhecida como Indochina, que abarcava também o Laos e o Camboja, foi colonizada
pelos franceses a partir de 1862. Durante a Segunda Guerra Mundial, os japoneses
invadiram essa parte da Ásia, forçando alianças com os Estados Unidos, que
enfrentavam mais diretamente a falange do Pacífico. Vale destacar que, para os
americanos, as independências eram uma forma de diminuir o poder europeu em dois
importantes continentes e exercer a sua própria influência econômica (LOWE, 2011).
77
As consequências dessa interferência direta na guerra civil vietnamita e da
Indochina foram sentidas com os conflitos que se iniciaram nos anos 1960.
O Vietnã é um ponto estratégico na Ásia e um dos principais produtores de arroz.
Isso não justifica as invasões estrangeiras, mas contextualiza esses movimentos, pois
não foram apenas os franceses que se estabeleceram ali. A China controlou aquele
território entre 111 a.C. e 939 d.C., e, mesmo após a independência, manteve a
influência. A diversidade cultural e étnica na Ásia e na África contribuiu para que os
conflitos internos se mostrassem atrativos aos expansionistas. A diferença entre os
movimentos contestatórios dos séculos X e XX reside na construção do nacionalismo
moderno, galgado na exaltação de uma identidade nacional (GOUCHER; WALTON,
2011). Como reiteram Goucher e Walton (2011, p. 199):

No caso do Vietnã, uma identidade histórica comum como Estado e povo foi
forjada na resistência contra a expansão imperial chinesa, e a identidade
nacionalista moderna foi um produto da resistência contra os franceses,
japoneses, e, finalmente, contra o imperialismo norte-americano nos séculos XIX
e XX.

A experiência vietnamita é um bom estudo de caso para se entender o modus


operandi da dominação europeia, mas não é a regra, pois estudar a descolonização
como um processo homogêneo limita a nossa compreensão sobre o assunto. Isso
porque, apesar de o contexto ser o mesmo, cada país tem a sua especificidade. Além
disso, deve-se levar em consideração que ocorreram movimentos pacíficos e violentos,
bem como lideranças carismáticas que se tornaram símbolos da luta anticolonial.

30 ÁFRICA DO SUL E O APARTHEID

A África do Sul tem uma história centenária de dominação europeia. Durante o


século XVII, portugueses e holandeses entraram em conflito por causa das zonas de
influência no continente africano. O comércio com as Índias ainda era um atrativo para
as companhias mercantis. Enquanto o foco português estava na produção do açúcar no
Brasil e nos problemas políticos resultantes da União Ibérica (1580–1640), a Holanda
investia e dava protagonismo às Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, sendo

78
que a primeira estabeleceu um posto comercial no Cabo da Boa Esperança (VISENTINI;
PEREIRA, 2010).
Essa região do extremo sul do que virá a ser a África do Sul era muito frequentada
por navegadores. Os ingleses e, em menor número, os franceses também faziam
paradas estratégicas no Cabo no caminho para as Índias. Assim, a Holanda e a
Inglaterra logo iniciaram o escambo e o comércio com a população local, estabelecendo
alianças que se mostravam mais vantajosas aos europeus. Cada vez mais, eles
planejavam se dirigir ao norte da região em busca de pedras e metrais preciosos. Esses
movimentos políticos e econômicos também eram usufruídos pelas lideranças locais do
litoral, que ficavam mais poderosas em relação a outros grupos rivais. A Holanda
conseguiu criar e manter feitorias, ao passo que a tentativa inglesa fracassou. Esse foi
o início da colonização holandesa no sul da África no século XVII (VISENTINI;
PEREIRA, 2010).
O processo de dominação foi conflituoso, com a deflagração constante de
guerras. As entradas para o interior foram rechaçadas pelo povo, que destruiu as
possessões ilegais dos holandeses, obrigando-os a se refugiar na cidade do Cabo.
Apenas em 1660, com quase seis décadas de confrontos, o povo Khoikhoi acordou
sobre a delimitação das terras, estabelecendo que os europeus deviam permanecer ao
redor da região do Cabo. Como de costume na história, a paz durou pouco tempo, e os
bôeres (holandeses que permaneceram na África) avançaram para outras regiões,
subjugando os Khoikhoi para, finalmente, começarem a colonizar o país. Vale destacar
que, desde o século XVII, um tipo de sistema de separação de etnias se tornou comum
na África do Sul. Apesar de a maioria da população ser negra e muito diversa
culturalmente, a minoria europeia começou a comandar as práticas econômicas ao
setorizar e distribuir terras a franceses, soldas, alemães, imigrantes que eram
perseguidos religiosamente na Europa, entre outros. Os nativos, por sua vez, eram
marginalizados ou transformados em escravos, aumentando o abismo social
(VISENTINI; PEREIRA, 2010).
Todavia, a Inglaterra voltou a disputar o domínio sul-africano no século XVIII. O
nascimento do capitalismo industrial e a necessidade de se criar áreas de influência
pelo mundo levaram os ingleses à África. Segundo Chagastelles (2008), o período
79
imperialista conseguiu quebrar os obstáculos formados por nações africanas no centro
do continente, pois, até esse período, elas ficaram livres da dominação. O litoral, por
sua vez, já tinha sido ocupado no processo colonial da Idade Moderna, porém as
investidas eram localizadas em pontos estratégicos para o caminho das Índias. Além
disso, uma combinação de fatores auxiliou a partilha da África entre os europeus no
século XIX, sendo um deles a expansão dos programas missionários cristãos em tanto
católicos quanto protestantes, seguido pela disseminação das expedições científicas
com o objetivo de mapear o continente. A Real Sociedade de Geografia Inglesa, por
exemplo, financiou muitas viagens de reconhecimento territorial, o que ajudou na
criação de mapas e na exploração feita pelos ingleses.
No caso da África do Sul, a região da cidade do Cabo era dominada pelos bôeres,
o que causou conflitos diretos com os britânicos. A tomada de poder, entre 1805 e 1806,
aproveitando-se da crise e da instabilidade política causada por Napoleão Bonaparte
(1769–1821), não significou a saída dos colonos holandeses. O ápice disso foi a Guerra
Anglo-Bôer ou a Guerra dos Bôeres, que ocorreu entre 1899 e 1902. Embora o conflito
tenha sido sangrento para os dois países, isso não impediu que as nações africanas
fossem colonizadas. De acordo com Chanaiwa (2010b, p. 219):

Na época da Conferência de Berlim sobre a África Ocidental (1884-1885), que se


caracterizou por uma concorrência fértil entre as nações europeias, ávidas por
ampliar as possessões coloniais africanas, havia mais de 70 anos que britânicos
e afrikaners já disputavam os territórios da África meridional.

Para se consolidarem na região meridional africana, os ingleses articularam


estratégias a partir das rivalidades internas. A resistência dos povos locais tornava-se
violenta se fosse necessário, e foi de posse dessa informação que os britânicos
iniciaram a manipulação da situação interna. Havia os grupos que escolhiam
permanecer sob a tutela europeia, como os Sotho, os Swazi, os Ngwato, os Tzwana e
os Lozi, que tinham estados bem organizados, e os Khoikhoi, os Xhosa, os Mpondo e
os Tembu, que viviam refugiados e queriam a pacificação (CHANAIWAb, 2010).
A África do Sul tornou-se uma união em 1910. Até então, existiam diferentes
nações naquele território, que foram unificadas sob o domínio inglês. O país deixou a
Commonwealth (Comunidade das Nações) apenas em 1961, mas foi na década de

80
1940 que outro evento impactante para a sociedade teve início: o apartheid. A
segregação racial começou oficialmente em 1948, porém tem origens mais antigas.
Na Inglaterra, o filósofo Herbert Spencer (1820–1903) analisou o evolucionismo
promulgado por Charles Darwin (1809–1822), transpondo-o para a ótica social. Ao
defender que os seres humanos são diferentes por natureza, institucionaliza-se
cientificamente o preconceito, pois essa definição servia tanto para raças quanto para
a divisão de classes. A elite, em sua maioria branca, seria prejudicada pela ação do
Estado, que limitava o seu desenvolvimento natural (BOLSANELLO, 1996).
Essas teorias serviram de base para as políticas segregacionistas, como as que
ocorriam nos Estados Unidos e as que foram estabelecidas na África do Sul. Nesse
caso, existia um choque entre os afrikaners (descendentes dos bôeres) e os negros.
Ambos viviam em semelhante estado social, o que aumentava a hostilidade branca.
Nesse contexto, medidas segregacionistas foram adotadas pela Inglaterra, antes de a
política do apartheid ter sido de fato instituída, como o Native Labour Act, de 1913, que
dividia o território urbano em duas partes: 93% para os brancos e 7% para os negros,
que eram a maioria nacional. O Quadro 1, a seguir, apresenta a constituição da
população sul-africana.

 Quadro 1. População da África do Sul

Fonte: Lowe (2011, p.578).

81
Em 1923, foi decretado o Native Urban Act, que proibia a entrada de negros em
determinados centros urbanos. Para regulamentar a segregação do trabalho negro, foi
assinado o Native Affairs Act (PEREIRA, 2008). Entre os conservadores e nacionalistas
afrikaners e os britânicos, havia diferenças basilares, pois, os últimos tinham uma visão
mais expansionista e dominadora do que nacionalista, como era o caso dos primeiros.
Além disso, os brancos nativos flertavam com o nazismo e o fascismo, em virtude da
identificação com as políticas de superioridade racial.
O apartheid foi institucionalizado no governo do primeiro-ministro Daniel François
Malan (1874–1959), que fazia parte da ala ufanista e nacionalista do país. O Partido
Nacionalista Africâner acreditava na superioridade branca e não queria perder os seus
privilégios. Com essa política de governo, a separação entre brancos e negros foi total,
mas só os últimos tiveram a liberdade de circulação tolhida. Assim como nos Estados
Unidos, transporte público, educação, hospitais, parques e igrejas eram segregados.
Contudo, isso não impedia as relações econômicas entre brancos e negros. Para evitar
a miscigenação, em 1949, foi proibido o casamento entre os dois grupos, pois era
considerado crime imoral o relacionamento inter-racial. Em 1950, por sua vez, foi
instituída a Lei de Registro da População, que classificava a população a partir do
critério racial e espacial. Para limitar a circulação dos negros, cada deslocamento para
outras zonas que não fossem a deles deveria ser aprovado sob pena de prisão (LOWE,
2011).
Nesse cenário, surgiu a oposição, que enfrentava uma poderosa máquina estatal
e o clima polarizado da Guerra Fria. Para justificar as repressões violentas, muitas
vezes, o governo classificava os opositores como comunistas, enquadrando-os na Lei
de Repressão do Comunismo, assinada em 1950. O Congresso Nacional Africano
(ANC, African National Congress) se organizava contra o regime e era violentamente
reprimido (PEREIRA, 2011).
É nesse contexto que nos deparamos com a figura de Nelson Mandela (1918–
2013).
O controle exercido pelo apartheid auxiliou na cisão interna dos movimentos. Por
exemplo, em 1959, foi criado o Bantu Self-Government Act, uma espécie de autonomia

82
interna para o povo bantu. Contudo, os bantu eram agrupados em reservas, as
homelands, que, segundo Chanaiwa (2010a, p. 307):

[...] deveriam permitir-lhes alcançar o desenvolvimento em separado. Estas


estruturas correspondiam aos grupos étnicos tradicionais – zulu, sotho, xhosa,
tswana, tsonga, e venda – e detentores de certa autonomia interna, à África do
Sul branca cabia conservar, por sua vez e por intermédio de um administrador, a
última palavra em matéria de defesa, de segurança interna, de relações
internacionais e de orçamento.

O que parece ser autonomia é, na verdade, uma forma de segregar ainda mais
a população e manipular as disputas internas entre os negros, que existiam há séculos
entre as diferentes etnias. Mandela fazia parte do Congresso Nacional Africano, criado
em 1912, organizado por negros de diversas etnias, e coordenava ações contra a
segregação e a logística, ou seja, se as ações seriam pacíficas ou violentas, onde
ocorriam, entre outros. Mandela participava da ala mais radical, que queria ações mais
duras contra o governo. Dessa forma, junto a Oliver Tambo (1917–1993), o Congresso
Pan-Africanista (PAC) tinha atuações pontuais e convocava protestos pelo país. Em
1960, contudo, após o massacre da cidade de Shaperville, toda a oposição foi colocada
na ilegalidade e, em 1963, Mandela e outros líderes foram condenados à prisão
perpétua (PEREIRA, 2010).
Assim, o investimento externo caiu na África do Sul, devido ao apartheid, o que
impulsionou o seu fim. Na década de 1980, algumas medidas foram tomadas, como a
permissão da sindicalização dos negros, o direito à greve, ao voto distrital e ao livre
relacionamento, o fim do passe para negros, entre outros. Todavia, eles não foram
suficientes, pois havia o elemento social por trás, visto que uma parcela minoritária, rica,
se beneficiava da desigualdade (LOWE, 2011).
Quem iniciou o processo de transição para uma sociedade livre foi o primeiro-
ministro Frederik Willem de Klerk (1936), eleito em 1989, que prometeu acabar com o
apartheid. Entre as suas ações, estava a pacificar uma nação dividida. Para isso, ele
contou com o apoio de lideranças negras, como Nelson Mandela, que foi liberto da
prisão em 1990. Como figura mais importante do ANC, Mandela negociou diretamente
com as autoridades brancas para que as reivindicações do partido e da sociedade
fossem aplicadas. Em 1993, foi aprovada a Transitional Executive Coucil Bill, lei que

83
determinava o fim da segregação, e, em 1994, Mandela foi eleito o primeiro presidente
negro da África do Sul.

31 ÍNDIA E O MOVIMENTO PACIFISTA

A Índia foi colonizada pelos britânicos no final do século XVII, no mesmo processo
imperialista que ocorreu na África. A diferença é que a região era de interesse europeu
há séculos. Os portugueses formaram feitorias e se estabeleceram em Goa desde o
século XV. A dominação inglesa começou a ser contestada ainda no século XIX, com a
criação do Partido do Congresso Nacional Indiano, em 1885, que tinha caráter
nacionalista (LOWE, 2011).
A organização social indiana angariava mais adeptos para a causa
independentista e, por ser um país muito populoso, causava temor ao governo britânico.
Em 1935, foi criada a Lei sobre o Governo da Índia, que dava mais liberdade aos
políticos indianos. Contudo, desde o início do século, os protestos contra os
colonizadores eram frequentes e ficavam cada vez mais perigosos, com as rivalidades
internas, sobretudo em relação à natureza das campanhas de emancipação, tornando-
se embates violentos. Além disso, a própria Inglaterra não tinha recursos para controlar
a situação, uma vez que a crise econômica no pós-guerra era profunda.
Em 1942, dois líderes com grande apoio popular Mohandas Karamchand Gandhi
(1869–1948) e Jawaharial Nehru (1889–1964) escreveram manifestos reiterando a
reivindicação do Partido: a saída dos ingleses definitivamente do território indiano. Eles
buscavam a modernização do país e defendiam que a dominação colonial se mostrara
infrutífera e limitante para o progresso (FREITAS NETO; TASINAFO, 2006).
O próprio Gandhi havia sido pró-britânicos anteriormente, mas mudou seu ponto
de vista ao estudar de modo mais profundo as desigualdades dentro da Índia.
O movimento pacifista tinha como foco o boicote econômico, que estava dentro
das medidas de desobediência civil, isto é, desconhecer e protestar contra a legislação
colonial. Gandhi adotou mudanças profundas em sua rotina, como passar a vestir
apenas o dhoti, vestimenta típica do país, símbolo da negação aos produtos ingleses,
inclusive os tecidos, que deram início à Revolução Industrial. Segundo Goucher e
84
Walton (2011), em 1908, o boicote resultou em uma queda de mais de 25% das
importações têxteis da Inglaterra, causando perdas financeiras significativas. O alto
volume de consumo entre os indianos estabelecia uma renda garantida aos ingleses,
que sofreram, portanto, mais um golpe nos cofres públicos.
Quando a Inglaterra percebeu que um conflito armado nos moldes da Revolução
Americana do século XVIII seria inviável e pioraria tanto a imagem pública perante os
britânicos quanto a situação financeira do país, ela assinou o acordo de independência
da Índia, em 15 de agosto de 1947. Contudo, não houve paz. A Índia era uma região
muito vasta, tanto territorial quanto culturalmente, sendo a religião um dos aspectos
principais e que mais causava conflitos. Havia duas crenças majoritárias e
contrastantes: o hinduísmo e o islamismo.
A maioria da população indiana era hindu (cerca de 2/3), e sua mobilização
política era significativa. O Partido do Congresso era hindu, assim como Gandhi e Nehru
e boa parte das lideranças que faziam diferença no processo independentista. Os
muçulmanos, por sua vez, organizaram-se em torno da Liga Muçulmana, partido que
tinha o intuito de vigiar e assegurar os interesses dessa parcela da população. Portanto,
existia uma rivalidade profunda entre os dois povos, causando uma divisão social no
país. A Liga não acreditava nas intenções do Partido hindu, por exemplo, o que
dificultava o surgimento de uma coalisão unificada para lutar contra os britânicos.
Em 1946, o governo colonizador tentou apaziguar a situação, que se tornara
ainda mais violenta. Para isso, deram a Nehru um cargo governamental, e este se
comprometeu a formar um gabinete misto, com representantes das duas religiões. A
Liga novamente desconfiou e convocou protestos em todo o país, os quais deixaram
milhares de mortos. Só na região de Calcutá, morreram cerca de 5 mil pessoas,
deixando o país em situação análoga a uma guerra civil (LOWE, 2011).
A solução, portanto, foi a divisão territorial. No mesmo dia em que a Inglaterra
assinava a independência da Índia, o Paquistão foi criado, separando os dois povos em
territórios diferentes.
Nesse processo, Gandhi acreditava que a divisão traria benefícios, mas a sua
luta era, novamente, no campo pacífico. Ele se formou advogado em Londres e exerceu
a profissão na África do Sul por suas décadas, quando viu de perto o nascimento do
85
apartheid e como isso influenciava a vida dos indianos no país. A liderança de Gandhi
na Índia inspirou milhões de pessoas a lutarem contra o regime imperialista britânico,
porém o seu método perdia a relevância dentro do cenário de instabilidade e violência
que se instalava rapidamente. No entanto, ele mantinha os seus ideais e protestos
individuais, que chamavam a atenção das autoridades, como os jejuns alimentares.
Segundo Mello e Guerreiro (2013, p. 5):

[...] para entender as ações do Mahatma, é necessário apresentar duas classes


de categorias que permearam suas ações: seus princípios e suas virtudes. Os
princípios já citados são [a] satyagraha, a força da verdade contra a injustiça; [b]
ahimsa ou não violência a favor do amor universal. As virtudes que o levaram a
agir sempre de modo irrepreensível são [a] pureza de sentimentos; [b] coragem;
estas ele conseguia manter por meio de uma vida ascética, de meditação diária,
jejuns, vegetarianismo e abstinência de sexo, álcool ou qualquer outra substância
que lhe alterasse o ânimo. Recitava diariamente em suas meditações o
Bhagavad-Gita, o Alcorão, o Sermão da Montanha e poemas de Rabindranath
Tagore.

Apesar de pregar a paz como elemento transformador, Gandhi foi assassinado,


em 1948, pelo hindu nacionalista Nathuram Vinayak Godse (1910–1949), que não
concordava com as alianças feitas com muçulmanos, sobretudo em relação ao acordo
para a criação do Paquistão (LOWE, 2011).

32 ORIENTE MÉDIO

O Oriente Médio é a região mais emblemática para o mundo ocidental. É o berço


das três religiões monoteístas judaísmo, cristianismo e islamismo, no entanto, antes
mesmo de elas surgirem, foi a origem de civilizações da Antiguidade, como fenícios,
babilônios, assírios, caldeus, entre tantas outras. Isso atesta um ponto: os conflitos
dessa região são muito mais antigos do que os que estão presentes neste capítulo.
Contudo, boa parte do alicerce dessa beligerância reside na construção social, política
e cultural feita, sobretudo, após a expansão religiosa. Lembre-se de que, diferentemente
do judaísmo, tanto o cristianismo (seja na versão católica, ortodoxa ou protestante)
quanto o islamismo (seja xiita ou sunita) são universalistas, isto é, buscam a conversão
total por motivos específicos de suas crenças, o que, eventualmente, causa problemas.

86
Além disso, essa expansão, e suas causas e consequências, ajudou a criar outro
problema: o antissemitismo.

33 QUESTÃO HISTÓRICA: ISRAEL E PALESTINA

A relação entre Israel e Palestina é conturbada, o que está diretamente


relacionado com as diferenças religiosas. Os judeus passaram por períodos de
diásporas forçadas ou não desde o início. Como centro das atividades políticas e
econômicas no Mundo Antigo, essa região vivia muitas disputas de poder, e o
deslocamento dos judeus da Palestina é um assunto importante para a compreensão
da identidade do seu povo.
O antissemitismo é uma corrente política que surgiu e se desenvolveu à medida
que os judeus voltavam e se estabeleciam no Oriente Médio. Durante o Império
Romano, por exemplo, essa aversão cresceu, sendo que a própria dificuldade de
participar da comunidade judaica, por característica própria da religião, favorecia esse
posicionamento. Além disso, a crença interna de que o estado judeu data de XI a.C., ou
seja, muito antes dos romanos, causava descontentamento entre aqueles que não
partilhavam da mesma ideia (SANTANA, 2012).
O surgimento do cristianismo marcou um aumento nas atitudes antissemitas
durante o período imperial. À medida que crescia o número de adeptos, o governo voltou
as suas forças contra os cristãos, tentando neutralizá-los. Contudo, a perseguição não
funcionou, e, em 313, foi assinado o Édito de Milão, que proibia a perseguição aos
cristãos, algo comum desde a morte de Cristo, no ano 1. Para os judeus, que aceitavam
a conversão, mas não o proselitismo comum à nova religião, o cenário se tornava mais
hostil. A partir do momento em que a Igreja Católica se tornou a principal instituição da
Antiguidade e do Medievo, o confronto com os judeus ficou explícito (CHEMERIS,
2002).
Chemeris (2002, p. 14) afirma que:

Na Idade Média essa segregação era forçada ou voluntária e, por consequência


das restrições ou perseguições da Igreja Católica, formaram-se guetos por toda
a Europa: em Veneza surgiu a palavra gueto para denominar o bairro judeu; na

87
França o termo corrente era carrière; na Alemanha a denominação preferida foi
Judengasse. Os guetos existiam também na Polônia e na Rússia. Em Portugal e
na Espanha, a partir do século XVI, a vida do judeu no gueto era obrigatória. Tal
reclusão explica em parte a unidade judaica através do tempo, mediante, por
exemplo, a criação e conservação de dialetos próprios. Esta situação de
autossegregação [...] foi muito importante para que, mais adiante, os judeus
desejassem a formação de um Estado essencialmente judeu.

Dessa forma, a animosidade não é apenas causada pelos conflitos políticos do


século XX, mas também alimentada por séculos de segregação, culminando nos crimes
cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, como o Holocausto.
O islamismo, por sua vez, surgiu no século VII, na Península Arábica, porém,
desde a morte de Maomé, em 632, começou se expandir para o Oriente e o norte da
África. Assim como o cristianismo, o islã prega a conversão total e tem as suas próprias
leis, linguagens e códigos de conduta. Ainda em 640, o islamismo havia dominado a
Palestina, a Síria e o Iraque, sendo que as práticas comerciais, que exigiam o
deslocamento constante, auxiliaram muito na evangelização (GOUCHER; WALTON,
2011).
Assim como em outras religiões, começaram a surgir grupos dissidentes dentro
do próprio islã, criando as duas alas majoritárias: sunitas e xiitas. Contudo, o
crescimento dos muçulmanos na Europa e no Oriente Médio causou conflitos, sobretudo
devido ao controle da Palestina. Durante a Idade Média, as cruzadas foram criadas
para, entre várias razões, tomar e legitimar um desses poderes religiosos na Terra
Santa. Portanto, tem-se dois grupos universalizastes e expansionistas em choque pela
posse da Palestina e outro mais antigo, que estava fragmentado e perseguido
(GOUCHER; WALTON, 2011).
Durante o século XIX, o conflito entre árabes muçulmanos e judeus ganhou novos
contornos. Nesse período, desenvolveu-se o movimento sionista, que buscava, por
meios políticos, a construção do Estado de Israel, ou seja, uma pátria judaica. Muitos
dos membros desse movimento eram figuras proeminentes em suas comunidades, o
que atraía publicidade e detratores para a causa. Em 1897, ocorreu o Primeiro
Congresso Sionista, na Basileia, que estabeleceu a Organização Sionista Mundial,
órgão que lutava pela ocupação da Palestina por parte dos judeus (SANTANA, 2012).

88
A Palestina foi invadida diversas vezes e, no século XIX, tornou-se um estado
independente, com o declínio do Império Otomano, que a dominou, assim como a Síria,
há mais de quatro séculos (CHEMERIS, 2009). Dessa forma, era uma região ativa
economicamente, e não apenas o alvo de disputas religiosas. Esse foi um dos maiores
problemas imediatos da criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, na
Palestina, dividindo o território.
A reação internacional europeia e americana foi apoiar a ação no Oriente Médio.
Karnal (1994) aponta que essa mudança não foi aceita pelos árabes, causando o início
de conflitos que contestavam o domínio israelense na região. Em contrapartida à
decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), os árabes queriam um estado
próprio também, mantendo a Palestina como domínio muçulmano, o que não
aconteceu. A justificativa que o autor apresenta é a falta de unidade entre os árabes,
que têm origens e interesses diversos, ao passo que os judeus se reuniram em torno
de uma causa. Além disso, Israel teve amplo reconhecimento internacional, pois é um
local estratégico dentro do Oriente Médio, o que chamava a atenção dos Estados
Unidos e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), além do eco do
Holocausto, que era sentido com pesar por líderes europeus que não impediram o
genocídio, assim como pela população que apoiou os regimes nazista e fascista. Logo,
Israel se aliou ao Ocidente e criou políticas de povoamento dos espaços para evitar uma
invasão, por exemplo.

34 GUERRA DO CANAL DE SUEZ (1956–1957)

Apesar da animosidade entre árabes e judeus ser comum há séculos, desde a


criação do Estado de Israel, ela ganhou novas proporções. Entre os países árabes, o
que se destacava pela organização política interna era o Egito, que foi colônia britânica
até 1922. O canal de Suez fazia a ligação entre o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo
e entre a Península do Sinai e o Egito. O Egito, desde 1954, era governado pelo general
Gamal Abdel Nasser (1918–1970), que decidiu nacionalizar o canal. Tal medida
desagradou tanto a França e a Inglaterra, que lutavam para manter a influência na
região, quanto Israel, que não queria a unificação árabe. Nasser era um líder habilidoso,
89
que conseguia negociar com outros países da Liga Árabe, o que se tornava uma
ameaça ao olhar europeu (KARNAL, 1994).
A grande questão ali era o controle de uma das bases de transporte bélicas mais
importantes da região, perto das principais petrolíferas.
Em 1956, após uma aliança a portas fechadas entre Inglaterra, França e Israel,
estes começaram a bombardear o Cairo e o Canal, dando início à Guerra do Canal de
Suez (DAVIDI, 2006).
A decisão do governo britânico foi muito criticada na época, devido à crise
econômica que o país passava. Além disso, os ingleses tinham perdido diversas
colônias na África e na Ásia, o que, para a opinião pública, significava medidas mais
cautelosas para a reestruturação política. Os egípcios resistiram, causando danos às
tropas israelenses, porém a Guerra Fria influenciou diretamente o resultado do
confronto. A URSS sinalizou e, posteriormente, enviou ajuda para o Egito. Havia o medo
do domínio estadunidense no Oriente Médio, ainda que o país não tenha participado
ativamente dessa guerra. Contudo, conforme os soviéticos interviram, os americanos
pressionaram a aliança anglo-francesa e israelense, forçando a retirada das tropas em
1957. Nasser conseguiu a nacionalização, e a guerra desestabilizou o norte da África,
o que atingiu, sobretudo, a França, que perdeu o domínio da Argélia, em 1962.

35 GUERRA DOS SEIS DIAS (1967)

Na década de 1960, a Guerra Fria atingiu o seu apogeu, exacerbando as tensões


entre as duas potências. A crise dos mísseis de 1962, por exemplo, deixou exposta a
possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial, causando pânico global. Na Ásia e na
África, os movimentos de descolonização continuavam, e a influência dos soviéticos e
dos americanos acelerou o processo de emancipação em vários países. Desde Suez,
a Liga Árabe foi abastecida com armamentos pela URSS, o que aumentou o
financiamento americano em Israel. Quase 20 anos após a criação do Estado, a ONU
deixou o território, pingando mais uma gota no copo já transbordando de tensão melhor
imagem para descrever as relações entre árabes e israelenses nessa época (KARNAL,
1994).
90
Em 1967, foi criada a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), cujo
objetivo era acabar com o Estado de Israel, mais um problema nesse cenário
tumultuoso.
No verão de 1967, Israel bombardeou a Península do Sinai, dando início ao
conflito. Do outro lado, estavam o Egito, a Síria e a Jordânia, que retribuíram o ataque,
mobilizando os seus exércitos. No entanto, a estratégia de guerra israelense estava
bem elaborada e impedia o contra-ataque rápido. Dessa forma, houve a conquista de
vários territórios em um período de seis dias, como a Faixa de Gaza, o Sinai, toda
Jerusalém, a Cisjordânia e as Colinas de Golan (LOWE, 2011).
Isso demonstrou a força bélica de Israel, além da dificuldade de se estabelecer a
paz no Oriente Médio. Um dos motivos que levou os israelenses a atacar era o não
reconhecimento do seu estado por parte dos países árabes
A guerra durou seis dias, pegou as nações árabes desprevenidas e escancarou
a diferença entre os exércitos e o poder armamentista entre eles. A ONU exigiu a
devolução dos territórios anexados, mas Israel não acatou. Os muçulmanos que viviam
nesses locais se deslocaram, formando uma leva de quase 1 milhão de refugiados para
os países vizinhos. Esse cenário não ajudava na tentativa de acordos de paz, pelo
contrário, aumentava o movimento antissemita. De acordo com Lowe (2011, p. 259):

Foi uma humilhação para os países árabes, principalmente para Nasser, que
agora entendia que os árabes precisariam de ajuda externa para conseguir
libertar a Palestina. Os russos foram uma decepção para ele, e não enviaram
ajuda. Para tentar melhorar suas relações com Egito e Síria, eles começaram a
fornecer armamentos modernos. Mais cedo ou mais tarde, os árabes tentariam,
de novo, destruir Israel e libertar a Palestina.

36 GUERRA DO YOM KIPPUR (1973)

A Guerra dos Seis Dias foi rápida, mas ajudou a incandescer a disputa entre
israelenses e árabes, sobretudo com a anexação dos territórios conquistados por Israel.
A OLP foi pressionada a agir com mais veemência, já que não havia ajudado no conflito
anterior. Nessa época, início dos anos 1970, dissidentes radicais da OLP executaram
diversos ataques terroristas para que a sua causa fosse vista como prioridade mundial.
Essas ações levaram a uma crise diplomática entre a Liga Árabe e a Jordânia, já que
91
três aviões foram sequestrados e levados para a capital desta em 1970, sendo abatidos
ali. Isso causou a expulsão da OLP do território jordão e tentativas de acordos de paz
por parte do rei, o que desestabilizou o movimento árabe (LOWE, 2011).
Quem iniciou o ataque dessa vez foram Egito e Síria, no dia do Yom Kippur (dia
do perdão judaico). Apesar de a iniciativa de ter tido êxito, logo os israelenses contra-
atacaram. Entretanto, havia outro desenrolar político nos bastidores. Nassar morreu em
1970, e seu lugar foi ocupado por Anwar Al Sadat (1918–1981), que, apesar de querer
manter a luta contra Israel, percebeu a clara diferença bélica entre os países. Dessa
forma, ele articulou acordos de paz, pois acreditava serem mais benéficos naquela
situação. O terrorismo de grupos radicais desviava a imagem de uma causa palestina
legítima para as explosões de violência que marcavam negativamente o movimento. Se
a opinião pública se voltava totalmente contra eles, Sadat reivindicava que não
conseguiriam recuperar os territórios. Dessa forma, o ataque foi planejado para que o
mundo ocidental promovesse o acordo (KARNAL, 1994).
Israel era muito superior, porém o Egito e a Síria pareciam não dar trégua. Havia
o medo geral de que o conflito se tornasse mundial e atingisse, sobretudo, as refinarias
e os postos de petróleo do Oriente Médio. No mesmo ano, os Estados Unidos e a URSS
pressionaram por um acordo de paz, que foi selado. Israel manteria a Faixa de Gaza e
as Colinas de Golan, ao passo que o Egito recuperaria a Península do Sinai e, até 1975,
liberaria Suez. Tudo foi selado definitivamente em 1978, com os Acordos de Camp
David, mediados pelo presidente norte-americano Jimmy Cartes (1924) (LOWE, 2011).

92
37 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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