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PROUST E A FOTOGRAFIA

• Obra: Proust e a fotografia


Vivendo em Paris, Brassaï tempo, o próprio tempo, o • Autor: Brassaï
(1899-1994) foi um dos mais tempo como tal e em si?”. A Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
renomados fotógrafos do tarefa é cheia de obstáculos
• Resenhista: Regina Rossetti
século XX. Além de jornalis- porque o tempo é algo que Doutora e pós-doutora em
ta, pintor e escultor, publicou decorre, escoa, segue o seu Filosofia pela USP; professo-
algumas obras, entre elas, curso e, portanto, sempre ra de Filosofia (Universidade
Proust e a Fotografia, que foge; e se foge como retê-lo IMES e UMESP).
agora chega até nós traduzi- para narrá-lo? É exatamen-
da por André Teles e publi- te esta a dificuldade central
cada por Jorge Zahar Editor. de qualquer tentativa de nar- e original: um turbilhão de
As interfaces entre Lite- rar o tempo, dificuldade que impressões descritas até a
ratura e Comunicação são Proust teve que enfrentar. exaustão em um estilo que
inúmeras e, neste caso, sur- Frente ao problema e sem busca trazer para a literatura
preendente. Pois o caminho escapar da aporia, Proust a nova forma de expressão
aqui não é o mais comum, fixa em imagens a fugaci- típica da fotografia: os con-
mostrando as influências dade do tempo e das coisas trastes de luz, o movimento
da Literatura na Comunica- que estão sempre em movi- e a fluidez eternizados em
ção, mas o inverso. Trata-se mento. Aplica à criação lite- um único instante.
de mostrar como uma téc- rária a técnica da fotografia. Proust foi como um fotó-
nica surgida no século XIX, É o que nos afirma Brassaï, grafo literário e seu romance
a fotografia, inspirou e até que estudou as obras de um enorme álbum de foto-
mesmo influenciou um dos Proust durante muitos anos grafias, cujo negativo ficou
maiores romancistas france- e fez uma exaustiva pesqui- guardado durante anos nas
ses do século passado, Mar- sa dos momentos em que o profundezas de sua memó-
cel Proust. romancista nos revela seu ria e somente foi revelado no
Proust escreveu um ro- modo fotográfico de narra- momento em que o roman-
mance monumental, Em tiva. Brassaï, assim resume cista escreve seu romance.
busca do tempo perdido, sua tese: “à luz da fotografia, Segundo Brassaï, a técnica
são mais de três mil páginas um novo Proust me apare- narrativa de Proust aproxi-
em que o romancista inten- ceu, uma espécie de foto- ma-se da técnica fotográfica,
tou narrar o tempo. Tarefa grafia mental, considerando ao identificar no romance
nada fácil, porque o roman- seu próprio corpo uma pla- proustiano as mudanças de
cista se viu obrigado a utili- ca ultra-sensível que soube ângulos e de perspectivas,
zar palavras para comunicar captar e armazenar em sua além disso, são algumas das
sua visão do tempo e a pa- juventude milhares de im- inúmeras metáforas foto-
lavra sempre fixa o sentido pressões e que, a partir da gráficas que Proust fez uso:
do que é significado. Narrar busca do tempo perdido, “revelação”, “instantâneos”,
o fluxo essencial do tempo dedicou todo o seu tempo a impressão”, “câmara escu-
é fixá-lo em palavras, mas revelá-las e fixá-las, tornan- ra”, “fixação”.
fixar o fluxo do tempo não do assim visível a imagem Entretanto, a tese de Bras-
é retirar dele o que tem de latente de toda a sua vida, saï não é unânime. Entre os
mais essencial, sua fluidez? nessa fotografia gigantesca estudiosos de Proust existem
Outro escritor literário, Tho- que constitui Em busca do aqueles que aproximariam
mas Mann, num trecho de “A tempo perdido.” Nesse sen- a técnica de narrativa prous-
Montanha Mágica”, também tido, Proust possui uma nova tiana muito mais da técnica
pergunta: “Pode-se narrar o forma de expressão, própria cinematográfica, onde te-

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