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Análise Matemática III

Teoria da medida e integral de Lebesgue

Manuel Guerra
Conteúdo
1 Introdução 3

2 Noções básicas de teoria de conjuntos 5


2.1 Relações de pertença e de inclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Imagens de conjuntos por funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.3 Infinidades numeráveis e infinidades não numeráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3 Álgebras e σ-álgebras de conjuntos 10

4 Medidas positivas 14

5 A medida de Lebesgue em Rn 17

6 Funções mensuráveis 24
6.1 Definição e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
6.2 Aproximações por funções simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

7 Integral de Lebesgue 30
7.1 Aritmética de elementos de R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
7.2 Integrais de funções simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
7.3 Integrais de funções não negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
7.4 Integrais de funções mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

8 Conjuntos de medida nula 37

9 Teoremas de Convergência 40

10 Relação entre o integral de Lebesgue e o integral de Riemann 44

11 Alguns exemplos 45

12 Integrais em espaços produto 46


12.1 Produto de σ-álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
12.2 Produto de medidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
12.3 Teoremas de Fubini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Bibliografia 53

Índice remissivo 54

2
1 Introdução
A teoria do integral de Riemann contém duas importantes fraquezas:

1. Existem muitas funções que não são integráveis no sentido de Riemann.

2. Proposições que envolvam limites de sucessões de funções e/ou de integrais são difı́ceis de provar
no quadro teórico estabelecido pelo integral de Riemann.

Estas duas dificuldades estão estreitamente ligadas.


Neste capı́tulo faz-se um breve estudo de uma definição alternativa de integral, o chamado integral
de Lebesgue. Em relação ao integral de Riemann, este novo conceito de integral é construı́do através
de uma teoria bastante mais elaborada. No entanto, a maior complexidade da definição é largamente
compensada por uma muito maior flexibilidade dos instrumentos teóricos que dela resultam.

A definição de integral proposta por Lebesgue, requer um certo número de conceitos prévios que,
não sendo particularmente difı́ceis, são relativamente abstractos e a razão de ser da sua introdução
só é inteligı́vel uma vez atingida a definição de integral. Para que o aluno tenha alguma justificação
intuitiva dos conceitos apresentados nas próximas secções, segue-se uma comparação não rigorosa
entre as ideias básicas que condizem às definições de integral segundo Riemann e segundo Lebesgue.
Considere-se uma função definida num rectângulo, f : E ⊂ Rn 7→ [0, +∞[. A abordagem proposta
por Riemann consiste em decompor o domı́nio de f num número finito de rectângulos arbitráriamente
pequenos. Para cada um dos rectângulos em que se decompõe o domı́nio escolhe-se um valor ”re-
presentativo”dos valores tomados por f nesse rectângulo e toma-se como aproximação do integral a
soma dos conteúdos dos rectângulos multiplicados pelos correspondentes ”valores representativos”de
R
f . Uma aproximação particular de E f é a soma inferior,
m
X
L (f, P ) = inf f (x) C (Ei ) .
x∈Ei
i=1

Neste caso, o ”valor representativo”da função em cada um dos rectângulos Ei é o valor inf f (x). O
R x∈Ei
integral E f é aproximado pela soma dos conteúdos dos rectângulos de base Ei e altura inf f (x), i =
x∈Ei
1, 2, ..., m. Uma aproximação deste tipo encontra-se ilustrada na figura 1. Uma abordagem alternativa
S
+∞
consistem em decompor o conjunto de chegada em pequenos intervalos: [0, +∞[ = [iε, (i + 1) ε[,
i=0
com ε > 0 arbitráriamente pequeno. Em seguida, definem-se os subconjuntos do domı́nio em que a
função toma valores em cada um destes intervalos: {x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[}, i = 0, 1, 2, .... A
soma análoga à soma inferior neste caso seria
+∞
X
S (f, ε) = iεC ({x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[}) . (1)
i=0

Uma soma deste tipo encontra-se ilustrada na figura 2. Note-se que, mesmo num caso como o
que é ilustrado na figura 2, em que o domı́nio é um subintervalo de R e a função é extremamente
regular, os conjuntos {x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[} não são, em geral, rectângulos. Na figura 2
diferentes tons de cinzento marcam diferentes conjuntos {x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[}. Facilmente
se verifica que o conjunto {x ∈ E : f (x) ∈ [3ε, 4ε[} é a união de três rectângulos disjuntos. Para uma
função f : E ⊂ Rn 7→ [0, +∞[ genérica, os conjuntos {x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[} não se podem

3
Figura 1: Soma inferior associada a uma partição do domı́nio de f

Figura 2:

sequer escrever como união de um número finito de rectângulos (para verificar este facto, basta
considerar uma função como f (x, y) = x2 + y 2 ). Por este motivo, se quizermos atingir algum grau de
generalidade, teremos que substituir o conteúdo C ({x ∈ E : f (x) ∈ [iε, (i + 1) ε[}) na expressão (1)
por algo mais geral.
Nesse sentido, note-se que o conteúdo, como foi definido no capı́tulo sobre o integral de Riemann,
é uma função que faz corresponder a cada rectângulo um número real. Dito por outras palavras, o
conteúdo é uma função cujo domı́nio é o conjunto de todos os rectângulos.
Para generalizar a expressão (1) precisamos de uma função (indiquemo-la por µ), cujo domı́nio
seja mais vasto do que o conjunto de todos os rectângulos e que tome o mesmo valor que o conteúdo
quando o seu argumento é um rectângulo. Temos assim várias questões prévias a resolver antes de
chegar à nova definição de integral:

• Quais são os conjuntos para os quais é possı́vel definir uma generalização do conceito de
conteúdo? Dito de outra forma, quais são os conjuntos ”mensuráveis”? Ou ainda, em que

4
domı́nio será possı́vel definir a função µ, acima referida?

• Qual a maneira ”correcta”de generalizar a função conteúdo, ou seja, como definir a função µ?

• Quais as funções para as quais as somas do tipo (1) podem ser definidas? Por outras palavras,
quais as funções para as quais os conjuntos do tipo {x : f (x) ∈ [a, b[} pertencem ao domı́nio de
µ?

Acontece que estas questões admitem respostas muito genéricas, que são apresentadas nas secções
3 a 6 deste texto. Antes, a Secção 2 contém uma breve revisão de alguns aspectos da teoria de
conjuntos que são essenciais para a abordagem desta matéria. O integral de Lebesgue é definido na
secção 7. As restantes secções tratam algumas propriedades básicas do integral.

2 Noções básicas de teoria de conjuntos


2.1 Relações de pertença e de inclusão
Um conjunto, A, fica definido quando, dado um ”elemento”x, é possı́vel, pelo menos teóricamente,
responder à pergunta
x é um elemento de A? (2)

Alguns conjuntos podem ser definidos indicando exaustivamente os ”elementos”para os quais a per-
gunta (2) tem resposta positiva. Por exemplo, ao escrever
n √ o
A = 1, 2, 3 ,

está-se a definir o conjunto A como sendo o conjunto cujos elementos são os números 1, 2 e 3, com
exclusão de qualquer outro elemento.
Um modo alternativo de definir um conjunto é formular uma lista de condições que são satisfeitas
por todos os elementos do conjunto e que são satisfeitas apenas por elementos do conjunto que se
pretende definir. Por exemplo, o conjunto

A = {x ∈ N : x é número primo}

está claramente definido do ponto de vista matemático: dado um número natural qualquer a que
chamamos x, ”x é número primo”é uma proposição com um valor lógico bem definido. Embora na
prática, ao sermos confrontados com um número ı́mpar muito grande não tenhamos maneira de saber
em tempo útil se esse número é ou não primo, o que conta para saber que o conjunto A está bem
definido é o facto de a proposição ”x é número primo”ter um valor lógico bem definido quando x é
um número natural.
As expressões ”x é elemento de A”, ”x pertence a A”e ”x ∈ A”significam exactamente a mesma
coisa. Escrevemos x ∈ / A para indicar a negação da proposição x ∈ A (i.e., ”x não é elemento de A”ou
”x não pertence a A”). O conjunto vazio merece aqui uma menção especial: trata-se do conjunto
indicado pelo sı́mbolo ∅ e definido como sendo o conjunto para o qual a proposição x ∈ ∅ é falsa,
qualquer que seja o elemento x (dito de outra maneira, é o conjunto que não tem elementos).
Note-se que não damos nenhuma definição do que é que constitui um ”elemento”. Qualquer
”objecto matemático”pode ser um ”elemento”. Em particular, conjuntos podem ser elementos de
outros conjuntos.

5
Exemplo 1 O conjunto
A = {∅, {∅} , {∅, {∅}}} ,
é perfeitamente ”legı́timo”. A é um conjunto de três elementos. São eles o conjunto vazio, o conjunto
{∅} (o conjunto cujo único elemento é o conjunto vazio) e o conjunto de dois elementos {∅, {∅}}.¤

A relação de inclusão é definida a partir da relação de pertença:

Definição 2 Diz-se que o conjunto A está contido no conjunto B e só se a proposição

(x ∈ A) ⇒ (x ∈ B)

for verdadeira. Nesse caso escreve-se A ⊂ B. No caso contrário, escreve-se A ⊂


/ B.
As expressões ”A está contido em B”, ”B contém A”, ”A ⊂ B”e ”A é subconjunto de B”têm o
mesmo significado.¤

Exemplo 3 A proposição ∅ ⊂ B é verdadeira, qualquer que seja o conjunto B: dado que a proposição
x ∈ ∅ é identicamente falsa, a implicação (x ∈ ∅) ⇒ (x ∈ B) é trivialmente verdadeira.¤

Exemplo 4 Considere-se o conjunto A definido no Exemplo 1. As proposições

∅ ⊂ A, {∅} ⊂ A, {{∅}} ⊂ A,

são verdadeiras. As proposições


∅ ∈ A, {∅} ∈ A,
são igualmente verdadeiras, mas a proposição

{{∅}} ∈ A

é falsa.¤

Considerem-se dois conjuntos A, X, e suponha-se que todos os elementos de A são subconjuntos


de X. Por outras palavras, suponha-se que a proposição A ⊂ X é satisfeita por todo e qualquer
elemento A ∈ A ou, de forma equivalente, suponha-se que a proposição

A∈A⇒A⊂X

é verdadeira. Nesse caso diz-se que A é um conjunto de partes de X.

Notação 5 Conjuntos de partes de outro conjunto são geralmente indicadas por letras maiúsculas
do tipo caligráfico: A, B, F, etc....
O conjunto constituı́do por todos os subconjuntos de um dado conjunto X, chama-se conjunto das
partes de X e indica-se por
P (X) = {A : A ⊂ X} .¤

Exemplo 6 Conjuntos de partes de R bem conhecidos são

O = {A ⊂ R : A é aberto} ,
F = {A ⊂ R : A é fechado} ,
K = {A ⊂ R : A é compacto} .¤

Os termos ”conjunto”, ”famı́lia”ou ”classe”são sinónimos. No entanto, é costume usar o termo


”famı́lia”para referir um conjunto cujos elementos são também conjuntos.

6
2.2 Imagens de conjuntos por funções
Dados dois conjuntos X, Y , a expressão
f : X 7→ Y

indica que f é uma função com domı́nio X e conjunto de chagada Y . Isto é, f faz corresponder a
cada elemento x ∈ X um e um só elemento f (x) ∈ Y .

Definição 7 Dado um conjunto A ⊂ X, a sua imagem pela função f : X 7→ Y é conjunto

f (A) = {y ∈ Y : ∃x ∈ A, f (x) = y} .

Dado um conjunto B ⊂ Y , a sua imagem inversa pela função f : X 7→ Y é conjunto

f −1 (B) = {x ∈ X : f (x) ∈ B} .¤

Exemplo 8 A imagem de um conjunto não vazio por uma função é sempre um conjunto não vazio.
No entanto, a imagem inversa de um conjunto não vazio pode ser um conjunto vazio, como mostra
o exemplo seguinte:
Seja f : R 7→ R, definida por f (x) = x2 . Então f −1 (]−∞, 0[) = ∅.¤

2.3 Infinidades numeráveis e infinidades não numeráveis


Um dos factos elementares da teoria dos conjuntos é a existência de vários ”infinitos”distintos, ou seja
a existência de números transfinitos, maiores do que todo e qualquer número natural, mas distintos
entre si. Nesta Secção apresenta-se uma discussão elementar acerca do menor dos números transfinitos
(o chamado ”numerável”), provando-se a existência de pelo menos uma infinidade estritamente maior.

Definição 9 Considerem-se dois conjuntos, X, Y . Diz-se que o cardinal de X não excede o cardinal
de Y se existir uma aplicação injectiva, f : X 7→ Y . Nesse caso escreve-se #X ≤ #Y .
Diz-se que os conjuntos X, Y têm cardinais iguais (têm a mesma cardinalidade) se verificarem
ambas as relações
#X ≤ #Y, #Y ≤ #X.

Nesse caso escreve-se #X = #Y . Se se verificar #X ≤ #Y mas não verificar #Y ≤ #X, então


escreve-se #X < #Y.¤

A Proposição seguinte decorre imediatamente da Definição 9:

Proposição 10 Se X ⊂ Y , então verifica-se #X ≤ #Y .¤

Demonstração. Basta notar que se X ⊂ Y , então f (x) = x define uma aplicação injectiva com
domı́nio X e conjunto de chegada Y .

Definição 11 Diz-se que um conjunto X é finito se existir um conjunto Y = {1, 2, ..., N } tal que
#X = #Y . Nesse caso escreve-se #X = N . Caso contrário, diz-se que o conjunto X é infinito.¤

Se X for um conjunto finito e verificar X ⊂ Y , X 6= Y , então verifica-se #X < #Y . No entanto,


este resultado não é necessáriamente verdadeiro quando X é um conjunto infinito, como mostra o
seguinte exemplo:

7
Exemplo 12 Seja X, o conjunto dos inteiros positivos pares. Então #X = #N.
Para verificar este facto, note-se que X ⊂ N implica imediatamente #X ≤ #N. Para verificar que a
desigualdade recı́proca, #X ≥ #N, é também verdadeira, basta constatar que a função f (n) = 2n é
uma função injectiva com domı́nio N e conjunto de chegada X.¤

Definição 13 Diz-se que um conjunto X é numerável se #X = #N.¤

A seguinte Proposição dá uma caracterização bastante intuitiva dos conjuntos numeráveis.

Proposição 14 Um conjunto X é finito ou numerável se e só se existir uma sucessão que percorre
todos os elementos de X.¤

Demonstração. Suponha-se que X é finito ou numerável, e seja f : X 7→ N, uma função


injectiva. Então f admite inversa f −1 : f (X) 7→ X. Fixe-se um elemento x0 ∈ X. Então a sucessão

 f −1 (n) , se n ∈ f (X) ;
xn =
 x se n ∈
/ f (X) ,
0

percorre todos os elementos de X.


Suponha-se agora que existe uma sucessão xn , percorrendo todos os elementos de x. Então a função
f : X 7→ N, definida por
f (x) = min {n ∈ N : xn = x} , x ∈ X,
é injectiva, logo #X ≤ #N.

Mais adiante mostraremos que existem conjuntos não numeráveis e que, em particular, o conjunto
R é não numerável. Para já, começaremos por provar que a propriedade que consiste em ser numerável
persiste através das operações elementares com conjuntos, desde que elas sejam aplicadas ”não mais
do que uma infinidade numerável de vezes”. Mais precisamente temos a seguinte Proposição:

Proposição 15 Seja {Xn , n ∈ N} uma sucessão de conjuntos finitos ou numeráveis (i.e., para cada
n ∈ N, Xn é um conjunto finito ou numerável). Então, são verdadeiras as seguintes afirmações:
T
1. Xn é um conjunto finito ou numerável;
n∈N
S
2. Xn é um conjunto finito ou numerável;
n∈N

3. O produto cartesiano X1 × X2 é um conjunto finito ou numerável.¤


T
Demonstração. A proposição 1 decorre imediatamente do facto que Xn ⊂ Xk , ∀k ∈ N.
n∈N
Tendo em conta que cada um dos conjuntos Xn , n ∈ N é finito ou numerável, para cada n ∈ N existe
uma sucessão {xn,k ∈ Xn , k ∈ N} que percorre todos os elementos de Xn . Fixe-se uma tal sucessão
para cada conjunto Xn , n ∈ N. Podemos então construir a ”tabela”infinita:

x1,1 x1,2 x1,3 ··· x1,n ···


x2,1 x2,2 x2,3 ··· x2,n ···
x3,1 x3,2 x3,3 ··· x3,n ···
.. .. .. .. .. (3)
. . . . .
xn,1 xn,2 xn,3 ··· xn,n ···
.. .. .. .. ..
. . . . .

8
S
Todos os elementos de Xn se encontram na tabela (3), que pode ser percorrida na sua totalidade
n∈N
pela ordem

x1,1 , x1,2 , x2,1 , x1,3, x2,2 , x3,1 , x1,4 , x2,3 , x3,2 , x4,1 , x1,5 , x2,4 , x3,3 , x4,2 , x5,1 , ...

(percorrendo sucessivas diagonais do lado superior direito para o lado inferior esquerdo). Então,
S
a função que faz corresponder a cada elemento x ∈ Xn o número mı́nimo de passos que são
n∈N
necessários para o encontrar percorrendo aµtabela do
¶ modo indicado é uma função injectiva de domı́nio
S S
Xn e conjunto de chegada N. Logo, # Xn ≤ #N. A proposição 3 prova-se de modo análogo
n∈N n∈N
usando a tabela
(x1,1 , x2,1 ) (x1,1 , x2,2 ) (x1,1 , x2,3 ) ··· (x1,1 , x2,n ) ···
(x1,2 , x2,1 ) (x1,2 , x2,2 ) (x1,2 , x2,3 ) ··· (x1,2 , x2,n ) ···
(x1,3 , x2,1 ) (x1,3 , x2,2 ) (x1,3 , x2,3 ) ··· (x1,3 , x2,n ) ···
.. .. .. .. ..
. . . . .
(x1,n , x2,1 ) (x1,n , x2,2 ) (x1,n , x2,3 ) ··· (x1,n , x2,n ) ···
.. .. .. .. ..
. . . . .

em vez da tabela (3).

Corolário 16 Os seguintes conjuntos são numeráveis:

Z, Q, Qn . ¤

Demonstração. Z = N ∪ {0} ∪ {−n, n ∈ N}, logo a Proposição 15 garante que Z é numerável.


Considere-se o conjunto

X = {(m, n) : m ∈ Z, n ∈ N, m e n não admitem divisor comum} .

Então, X ⊂ Z × N e a aplicação f : X 7→ Q definida por f (m, n) = m


n é bijectiva, logo #Q = #X ≤
# (Z × N). Logo, a Proposição 15 garante que Q é numerável. este resultado, por sua vez permite
concluir, também pela Proposição 15, que Qn é numerável.

Proposição 17 #R > #N (R não é um conjunto numerável).¤

Demonstração. A demonstração faz-se por absurdo.


Suponha-se que R é numerável. Então, o intervalo [0, 1] é também numerável e existe uma sucessão
{xn ∈ [0, 1] , n ∈ N}, que percorre todos os elementos desse intervalo. Para cada elemento xn , fixe-se
uma representação decimal
xn = 0.b1,n b2,n b3,n b4,n ...
(bi,n representa a i-ésima casa decimal do número xn ). Considere-se o número y cuja representação
decimal é
y = 0.c1 c2 c3 c4 ...,
em que 
 6, se bi,i ∈ {0, 1, 2, 3, 4} ;
ci =
 3, se bi,i ∈ {5, 6, 7, 8, 9} .

9
Facilmente se verifica que y ∈ [0, 1] e |y − xn | > 10−n , ∀n ∈ N. Isto prova que não existe nenhum
inteiro n que verifique y = xn , o que contraria a definição da sucessão {xn }. Logo, o intervalo [0, 1]
não pode ser numerável e a fortiori, R também não.

3 Álgebras e σ-álgebras de conjuntos


Definição 18 Considere-se um conjunto X e seja A, um conjunto de partes de X.
Diz-se que A é uma álgebra de partes de X se verificar as seguintes propriedades:

1. X ∈ A;

2. A ∈ A ⇒ Ac ∈ A;

3. A, B ∈ A ⇒ A ∪ B ∈ A.

Diz-se que uma álgebra é uma σ-álgebra se verificar também a condição


µ ¶
S
3.a Qualquer sucessão {An ∈ A, n ∈ N} verifica An ∈ A.¤
n∈N

Observação 19 Qualquer σ-álgebra é também uma álgebra, mas o recı́proco não é verdadeiro, como
mostra o seguinte exemplo:

Exemplo 20 O conjunto

A = {A ⊂ N : A é finito ou Ac é finito}

é uma álgebra de partes de N. O aluno deve tentar verificar que as três condições da Definição são
satisfeitas. No entanto, o conjunto A não é uma σ-álgebra. Para verificar este facto, basta notar que
o conjunto dos números pares é união de uma sucessão de conjuntos finitos (logo, pertencentes a A),
mas nem ele nem o seu complementar são finitos.¤

Exemplo 21 Dado um conjunto não vazio, X, o conjunto das partes de X, P (X), é uma σ-álgebra.
Esta é a maior σ-álgebra de partes de X, no sentido em que contém todas as outras σ-álgebras de
partes de X.
A famı́lia A = {∅, X} é também uma σ-álgebra. Esta é a menor σ-álgebra de partes de X, no sentido
em que está contida em qualquer outra σ-álgebra de partes de X.¤

Exemplo 22 Considere-se uma experiência aleatória com espaço de resultados Ω e espaço de acon-
tecimentos F. F é uma σ-álgebra de partes de Ω.¤

Proposição 23 Considere-se um conjunto X e seja A, um conjunto de partes de X.


A é uma álgebra de partes de X se e só se verificar as seguintes propriedades:

1. ∅ ∈ A;

2. A ∈ A ⇒ Ac ∈ A;

3. A, B ∈ A ⇒ A ∩ B ∈ A.¤

10
Demonstração. Seja A, uma álgebra de partes de X. Pela condição 1 da definição, X ∈ A, logo
a condição 2 da definição garante que ∅ = X c ∈ A, ou seja, A satisfaz a condição 1 da Proposição.
Sejam A, B ∈ A. Pela condição 2 da definição, verifica-se Ac , B c ∈ A. Pela condição 3 da definição,
c
verifica-se (Ac ∪ B c ) ∈ A. Pela condição 2 da definição, verifica-se (Ac ∪ B c ) ∈ A. Tendo em conta
c c c
que (Ac ∪ B c ) = (Ac ) ∩ (B c ) = A ∩ B, fica provado que A satisfaz a condição 3 da Proposição.
Logo, qualquer álgebra de partes de X satisfaz as condições da Proposição.
Agora, seja A um conjunto de partes de X satisfazendo as condições da Proposição. As condições
1 e 2 implicam que X ∈ A. Dados dois conjuntos A, B ∈ A, a condição 2 da Proposição implica
que Ac , B c ∈ A, e a condição 3 implica que (Ac ∩ B c ) ∈ A. Finalmente, a condição 2 da Proposição
c
implica que A ∪ B = (Ac ∩ B c ) ∈ A. Logo, qualquer conjunto de partes de X que verifique as
condições da Proposição é uma álgebra.

Proposição 24 Considere-se um conjunto X e seja A, um conjunto de partes de X.


A é uma σ-álgebra de partes de X se e só se verificar as seguintes propriedades:

1. ∅ ∈ A;

2. A ∈ A ⇒ Ac ∈ A;
µ ¶
T
3. Qualquer sucessão {An ∈ A, n ∈ N} verifica An ∈ A.¤
n∈N

Demonstração. A demonstração é análoga à demonstração da Proposição 23.


Seja A, uma σ-álgebra de partes de X. Ao demonstrar a Proposição 23 já se provou que A satisfaz
c
¶c condição 2, a sucessão {An , n ∈ N}
a condição 1. Considere-se uma sucessão {An ∈ A, nµ∈ N}. Pela
T S c
é uma sucessão de elementos de A, logo An = An ∈ A. Isto prova que A satisfaz as
n∈N n∈N
condições da Proposição. Recı́procamente, suponha-se que A é uma famı́lia de partes de X que
satisfaz as condições da Proposição. Ao demonstrar a Proposição 23 já se provou que X ∈ A. Dada
c
uma sucessão {An ∈ A, n ∈ N},µa condição¶ 2 garante que a sucessão {An , n ∈ N} é uma sucessão de
S T c c
elementos de A, logo An = An ∈ A. Logo, A é uma σ-álgebra de partes de X.
n∈N n∈N

Dado um conjunto não vazio, X, e uma σ-álgebra de partes de X, A, as expressões ”A ∈ A”e


”A é um conjunto mensurável em relação a A”são sinónimas. Quando é claro pelo contexto qual
é a σ-álgebra a que nos referimos, diz-se apenas que ”A é mensurável”(sem indicar explı́citamente a
σ-álgebra).

Proposição 25 Considere-se uma famı́lia {Ai , i ∈ I}, de σ-álgebras de partes de um mesmo con-
T
junto X. Então, o conjunto Ai é também uma σ-álgebra de partes de X.¤
i∈I

Observação 26 Note-se que a Proposição 25 não depende de nenhuma hipótese relativa à cardinal-
idade da famı́lia {Ai , i ∈ I}. Esta pode ser finita, numerável ou não numerável.

Demonstração da Proposição 25. Tendo em conta que cada famı́lia Ai é uma σ-álgebra de
partes de X, verifica-se X ∈ Ai , ∀i ∈ I. Logo, verifica-se
\
X∈ Ai .
i∈I

11
T
Considere-se um conjunto A ∈ Ai . Isso significa que A ∈ Ai , ∀i ∈ I. Tendo em conta que cada
i∈I
famı́lia Ai é uma σ-álgebra de partes de X, isso implica Ac ∈ Ai , ∀i ∈ I, ou seja
\
Ac ∈ Ai .
i∈I
½ ¾
T
Finalmente, considere-se uma sucessão An ∈ Ai , n ∈ N . Então, verifica-se An ∈ Ai , ∀n ∈ N, i ∈
i∈I S
I. Tendo em conta que cada famı́lia Ai é uma σ-álgebra de partes de X, isso implica An ∈ Ai ,
n∈N
∀i ∈ I, ou seja [ \
An ∈ Ai .
n∈N i∈I

Observação 27 A proposição 25 garante que a intersecção de σ-álgebras de partes de um mesmo


conjunto é sempre uma σ-álgebra. O mesmo não é verdade em relação a uniões de σ-álgebras, como
mostra o seguinte exemplo.

Exemplo 28 Sejam:

X = {1, 2, 3, 4} ;
A1 = {∅, {1} , {2, 3, 4} , {1, 2, 3, 4}} ;
A2 = {∅, {4} , {1, 2, 3} , {1, 2, 3, 4}} .

Facilmente se verifica que A1 e A2 são ambas σ-álgebras de partes de X. No entanto,

A1 ∪ A2 = {∅, {1} , {4} , {1, 2, 3} , {2, 3, 4} , {1, 2, 3, 4}}

não é uma σ-álgebra (nem sequer, uma álgebra) dado que {1} , {4} ∈ A1 ∪ A2 , mas {1} ∪ {4} =
{1, 4} ∈/ A1 ∪ A2 .¤

Proposição 29 Seja A, uma σ-álgebra de partes de X. Qualquer que seja o conjunto B ⊂ X, a


famı́lia
{A ∩ B : A ∈ A}
é uma σ-álgebra de partes de B.¤

Demonstração. Seja Ae = {A ∩ B : A ∈ A}. Tendo em n conta que ∅ =


o ∅ ∩ B, B = X ∩ B,
e B ∈ A.
conclui-se que ∅ ∈ A, e Considere-se uma sucessão A
en ∈ A,
e n ∈ N . Por definição existe
en = An ∩ B, ∀n ∈ N. Então, S A
uma sucessão {An ∈ A, n ∈ N} tal que A en = S (An ∩ B) =
µ ¶ n∈N n∈N
S e
An ∩ B ∈ A.
n∈N

Definição 30 Considere-se um conjunto X e seja A, uma famı́lia de partes de X. Chama-se σ-


álgebra gerada por A(indica-se por σ (A)) à menor σ-álgebra de partes de Xque contém A:
\
σ (A) = F.¤ (4)
F é σ-álgebra de partes de X,
A⊂F

12
A Proposição 25 garante que σ (A) existe, qualquer que seja a famı́lia de partes de X, A. Para
verificar isto, basta notar que, por definição, A ⊂ P (X) e P (X) é uma σ-álgebra. Logo, o termo do
lado direito da igualdade (4) está bem definido. Pela Proposição 25, trata-se de uma σ-álgebra.

Proposição 31 Considerem-se duas famı́lias de partes de um mesmo conjunto, A1 , A2 , tais que


A1 ⊂ A2 . Então σ (A1 ) ⊂ σ (A2 ).¤

Demonstração. Basta notar que qualquer σ-álgebra que contenha A2 tem necessariamente que
conter A1 .

Proposição 32 Para que se verifique σ (A) = A é necessário e suficiente que A seja uma σ-álgebra.¤

Demonstração. Decorre imediatamente da Definição.

Uma σ-álgebra particularmente importante é a σ-álgebra gerada pelos conjuntos abertos.


n
Definição 33 Considere-se um caso X ⊂ R . Chama-se σ-álgebra de Borel à σ-álgebra gerada pela
famı́lia dos conjuntos abertos, ou seja

B (X) = σ ({A ⊂ X : A é aberto}) .

A σ-álgebra de Borel de um conjunto X indica-se por B (X).¤

Proposição 34 A σ-álgebra de Borel de R é gerada por qualquer uma das seguintes famı́lias:

1. a famı́lia dos conjuntos fechados;

2. a famı́lia dos intervalos ] − ∞, a], a ∈ R;

3. a famı́lia dos intervalos ] − ∞, a[, a ∈ R;

4. a famı́lia dos intervalos [a, +∞[, a ∈ R;

5. a famı́lia dos intervalos ]a, +∞[, a ∈ R.¤

Demonstração. Seja F = {B ⊂ R : B é fechado}, a famı́lia dos conjuntos fechados. Qualquer


fechado é o complementar de um aberto, logo F ⊂ B (R). Pelas Proposições 31 e 32, isto implica que

σ (F) ⊂ B (R) . (5)

Igualmente, qualquer aberto é o complementar de um fechado, pelo que {A ⊂ R : A é aberto} ⊂


σ (F), logo
B (R) ⊂ σ (F) . (6)

As duas inclusões (5), (6) significam


σ (F) = B (R) .

Vamos agora provar que σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}) = B (R). Note-se que {] − ∞, a] : a ∈ R} ⊂ F. Logo,
a Proposição 31 garante que
σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}) ⊂ B (R) .

13
Para provar que B (R) ⊂ σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}), basta provar que qualquer aberto é elemento de
σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}). Para isso, vamos começar por provar que qualquer intervalo aberto é ele-
mento de σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}). Intervalos do tipo ]c, +∞[ satisfazem esta condição porque são
complementares de intervalos do tipo ]−∞, c]. Intervalos do tipo ]−∞, c[ também são elementos de
σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}) porque são união numerável de intervalos do tipo ] − ∞, a]:
[¸ 1
¸
]−∞, c[ = −∞, c − .
n
n∈N

Tendo em conta que ]a, b[ = ]a, +∞[∩]−∞, b[, conclui-se que todos os intervalos abertos são elementos
de σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}). Considere-se um conjunto aberto, A ⊂ R. Para cada ponto x ∈ A existe
um intervalo ]ax , bx [, tal que x ∈ ]ax , bx [, ax ∈ Q, bx ∈ Q. Logo, verifica-se
[
A= ]ax , bx [ . (7)
a∈A

Dado que o conjunto dos racionais é numerável, a Proposição 15 garante que só existe uma in-
finidade númerável de intervalos ]ax , bx [ com as propriedades indicadas. Logo, acabámos de provar
que qualquer conjunto aberto é união numerável de elementos de σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}) e por isso é
um elemento de σ ({] − ∞, a] : a ∈ R}).
O mesmo raciocı́nio com pequenas adptações mostra que B (R) = σ ({[a, +∞[: a ∈ R}). Além disso,
] − ∞, a] =]a, +∞[c , ] − ∞, a[= [a, +∞[c , pelo que um raciocı́nio análogo ao utilizado para provar que
σ (F) = B (R) mostra que

σ ({[−∞, a] : a ∈ R}) = σ ({]a, +∞] : a ∈ R}) ;


σ ({[−∞, a[: a ∈ R}) = σ ({[a, +∞] : a ∈ R}) .

A demonstração da Proposição 34 não fica completa se não incluir a demonstração de que qualquer
subconjunto aberto de R é união numerável de intervalos abertos. Com efeito, conjuntos que são
união não numerável de elementos de uma σ-álgebra não são necessáriamente elementos dessa σ-
álgebra, como mostra o seguinte exemplo.

Exemplo 35 Seja

A = {A ⊂ R : A é finito ou numerável ou Ac é finito ou numerável} .

O aluno deve verificar que A é uma σ-álgebra.


Os intervalos [0, +∞[, ]−∞, 0[ não são numeráveis, logo [0, +∞[ ∈/ A. No entanto, [0, +∞[ pode ser
representado através da união (não numerável) de conjuntos finitos:
[
[0, +∞[ = {x} . ¤
x∈[0,+∞[

4 Medidas positivas
Definição 36 Considere-se um conjunto X e uma σ-álgebra de partes de X, A. Diz-se que uma
aplicação µ : A 7→ [0, +∞] é uma medida se verificar as seguintes condições:

14
1. µ(∅) = 0;

2. Qualquer que seja a famı́lia {An ∈ A, n ∈ N} que verifique An ∩ Am = ∅ ∀n 6= m, satisfaz


à !
[ X
µ An = µ (An ) .
n∈N n∈N

Nesse caso, o tripleto (X, A, µ) chama-se um espaço de medida.¤

Exemplo 37 Considere-se uma σ-álgebra A, de partes de X, e considere-se a aplicação µ : A 7→


[0, +∞], definida por: (
#A, se A é finito;
µ (A) =
+∞ se A é infinito.
µ é uma medida, chamada medida de contagem.¤

Exemplo 38 Considere-se uma σ-álgebra A, de partes de X, e considere-se um ponto particular


(fixo), x ∈ X. Seja µ : A 7→ [0, +∞], definida por:
(
1, se x ∈ A;
µ (A) =
0 se x ∈
/ A.

µ é uma medida, chamada medida de massa unitária concentrada no ponto x.¤

Definição 39 Um espaço de medida, (X, A, µ) diz-se finito se se verificar

µ (X) < +∞.

(X, A, µ) diz-se σ-finito se existir uma sucessão {Ak ∈ A, k ∈ N} que verifique


[
X= Ak , µ (Ak ) < +∞, ∀k ∈ N. ¤
k∈N

Note-se que o facto de um espaço de medida (X, A, µ) ser finito não implica que o conjunto X
seja um conjunto finito.

Exemplo 40 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), em que µ é uma medida unitária con-
centrada num ponto. Então (X, A, µ) é um espaço de medida finito (qualquer que seja a cardinalidade
de X).¤

Exemplo 41 Considere-se a aplicação µ : P (N) 7→ [0, +∞], definida por


X
µ (A) = 2−k , ∀A ⊂ N.
k∈A

(N, P (N) , µ) é um espaço de medida e verifica µ (N) = 1 (logo, é um espaço de medida finito).¤

Exemplo 42 Considere-se um espaço de medida, (X, P (X) , µ), em que µ é a medida de contagem.
Então,

1. (X, P (X) , µ) é um espaço de medida finito se e só se X for um conjunto finito;

15
2. (X, P (X) , µ) é um espaço de medida σ-finito se e só se X for um conjunto finito ou numerável.
¤

Exemplo 43 Diz-se que um espaço de medida, (X, A, µ), é um espaço de propabilidades se


verificar µ (X) = 1. Esta é uma importante classe de espaços de medida.¤

A Proposição seguinte resume as principais propriedades elementares das medidas.

Proposição 44 Seja µ : A 7→ [0, +∞], uma medida. Então µ verifica as seguintes propriedades:

1. µ (A) ≤ µ (B), sempre que A ⊂ B e A, B ∈ A;


µ ¶
S
2. lim µ (An ) = µ An , sempre que An ∈ A, An ⊂ An+1 , ∀n ∈ N;
n∈N
µ ¶
T
3. lim µ (An ) = µ An , sempre que An ∈ A, An+1 ⊂ An , ∀n ∈ N e µ (A1 ) < +∞.¤
n∈N

Demonstração. Considerem-se dois conjuntos A, B ∈ A, com A ⊂ B. Então B pode ser


decomposto na união de dois conjuntos disjuntos: B = A ∪ (B ∩ Ac ). Pela definição de σ-álgebra,
verifica-se (B ∩ Ac ) ∈ A. Logo, µ (B) = µ (A) + µ (B ∩ Ac ) ≥ µ (A), o que prova a proposição 1.
Para provar a proposição 2, suponha-se que An ⊂ An+1 , ∀n ∈ N e considere-se a sucessão

B1 = A1 ;
Bn = An ∩ Acn−1 , n = 2, 3, 4, ....

Facilmente se verifica que todos os conjuntos Bn são elementos da σ-álgebra A e

Bn ∩ Bm = ∅, ∀n 6= m;
[n
An = Bk , ∀n ∈ N;
k=1
[ [
An = Bn .
n∈N n∈N

Então usando a definição de medida,obtém-se


à n ! n ∞
à ! à !
[ X X [ [
lim µ (An ) = lim µ Bk = lim µ (Bk ) = µ (Bk ) = µ Bn = µ An .
n n
k=1 k=1 k=1 n∈N n∈N

Para provar a proposição 3, suponha-se que An+1 ⊂ An , ∀n ∈ N, com µ (A1 ) < +∞. Então, A1 pode
ser decomposta na união de dois conjuntos disjuntos
à ! à à !c !
\ \
A1 = An ∪ A1 ∩ An .
n∈N n∈N

Logo,
à ! à à !c ! à ! à !
\ \ \ [
µ (A1 ) = µ An + µ A1 ∩ An =µ An +µ (A1 ∩ Acn ) .
n∈N n∈N n∈N n∈N

16
¡ ¢
Note-se que (A1 ∩ Acn ) ⊂ A1 ∩ Acn+1 , ∀n ∈ N. Logo, a proposição anterior garante que
à !
\
µ (A1 ) = µ An + lim µ (A1 ∩ Acn ) .
n∈N

Somando e subtraindo a sucessão µ (An ) ≤ µ (A1 ) < +∞ dentro do limite, obtém-se


à !
\
µ (A1 ) = µ An + lim (µ (A1 ∩ Acn ) + µ (An ) − µ (An )) =
n∈N
à !
\
= µ An + lim (µ (A1 ) − µ (An )) =
n∈N
à !
\
= µ An − lim µ (An ) + µ (A1 ) ,
n∈N
µ ¶
T
o que é equivalente a µ An − lim µ (An ).
n∈N

5 A medida de Lebesgue em Rn
O objectivo desta secção é construir uma medida que a cada rectângulo de Rn faz corresponder o
respectivo conteúdo.

Notação 45 Em tudo o que se segue, E indica um rectângulo aberto de Rn (n fixo mas arbitrário).
Isto é, E é o produto cartesiano de n intervalos abertos limitados:

E = ]a1 , b1 [ × ]a2 , b2 [ × ... × ]an , bn [ .

C (E) indica o conteúdo do rectângulo E:

C (E) = |b1 − a1 | × |b2 − a2 | × ... × |bn − an | .¤

Começamos por definir a seguinte aplicação:

Definição 46 Seja P (Rn ) = {A : A ⊂ Rn }, o conjunto de todas as partes de Rn . Considere-se a


aplicação λ : P (Rn ) 7→ [0, +∞], definida por
( )
X [
λ (A) = inf C (Ek ) : A ⊂ Ek .
k∈N k∈N

A aplicação λ chama-se medida exterior de Lebesgue.¤

Proposição 47 A medida exterior de Lebesgue goza das seguintes propriedades:

1. λ (∅) = 0;

2. λ (A) ≤ λ (B), sempre que A ⊂ B ⊂ Rn ;


µ ¶
S P
3. λ Ak ≤ λ (Ak ), qualquer que seja a sucessão {Ak ⊂ Rn , k ∈ N}.¤
k∈N k∈N

17
Demonstração. A proposição 1 decorre imediatamente da definição.
S S
Considerem-se conjuntos A, B, com A ⊂ B ⊂ Rn . Então, B ⊂ Ek implica A ⊂ Ek . Este facto
k∈N k∈N
implica ( ) ( )
X [ X [
inf C (Ek ) : A ⊂ Ek ≤ inf C (Ek ) : B ⊂ Ek ,
k∈N k∈N k∈N k∈N

e prova a proposição 2.
Considere-se agora uma sucessão {Ak ⊂ Rn , k ∈ N}. Considere-se uma pequena constante ε > 0.
Então, existe uma famı́lia de rectângulos I = {Ek,j , k, j ∈ N}, tal que
[ X ε
Ak ⊂ Ek,j , C (Ek,j ) ≤ λ (Ak ) + k , ∀k ∈ N.
2
j∈N j∈N

I é numerável e verifica [ [ [
Ak ⊂ Ek,j .
k∈N k∈N j∈N
µ ¶
S P P P¡ ε
¢
Logo, λ Ak ≤ C (Ek,j ) ≤ λ (Ak ) + 2k
, o que implica
k∈N k∈N j∈N k∈N
à !
[ X
λ Ak ≤ε+ λ (Ak ) .
k∈N k∈N

Esta desigualdade é verdadeira para qualquer ε > 0, pelo que


à ! à !
[ X X
λ Ak ≤ lim+ ε + λ (Ak ) = λ (Ak ) .
ε→0
k∈N k∈N k∈N

A medida exterior de Lebesgue, λ : P (Rn ) 7→ [0, +∞] não é uma medida porque
µ existem
¶ sucessões
S P
{Ak ⊂ Rn , k ∈ N} que verificam Ak ∩ Aj = ∅, ∀k 6= j e verificam também λ Ak < λ (Ak ).
k∈N k∈N
A construção de tais sucessões não é apresentada neste texto, mas o aluno interessado pode construir
uma tal sucessão baseando-se no Exemplo 51. No entanto, provaremos imediatamente a seguir que a
medida exterior de Lebesgue restringida à σ-álgebra de Borel é uma medida.

Definição 48 Um conjunto A ⊂ Rn diz-se mensurável em relação à medida exterior de


Lebesgue se verificar
λ (B) = λ (A ∩ B) + λ (Ac ∩ B) , ∀B ⊂ Rn . (8)

Também se diz que A é λ-mensurável ou ainda que A é mensurável no sentido de Lebesgue.¤

Teorema 49 Seja M (Rn ) = {A ⊂ Rn : A é λ-mensurável}. Então:

1. M (Rn ) é uma σ-álgebra de partes de Rn ;

2. B (Rn ) ⊂ M (Rn ) ;

3. A medida exterior de Lebesgue, restrita a M (Rn ) é uma medida.¤

18
Demonstração. Note-se que λ (∅) = 0 e B = Rn ∩ B, qualquer que seja B ⊂ Rn . Então:
λ (B) = λ (∅) + λ (Rn ∩ B) = λ (∅ ∩ B) + λ (∅c ∩ B), ou seja,
∅ ∈ M (Rn ) .
c
Tendo em conta que (Ac ) = A, imediatamente resulta da Definição 48 que
A ∈ M (Rn ) ⇒ Ac ∈ M (Rn ) .
Considerem-se dois conjuntos A1 , A2 ∈ M (Rn ). Dado que A1 é λ-mensurável, resulta que
λ (B ∩ (A1 ∪ A2 )) = λ (B ∩ (A1 ∪ A2 ) ∩ A1 ) + λ (B ∩ (A1 ∪ A2 ) ∩ Ac1 ) , ∀B ⊂ Rn .
Logo,
c
λ (B ∩ (A1 ∪ A2 )) + λ (B ∩ (A1 ∪ A2 ) ) = λ (B ∩ A1 ) + λ (B ∩ A2 ∩ Ac1 ) + λ (B ∩ Ac1 ∩ Ac2 ) . (9)
Tendo em conta que A2 é λ-mensurável, verifica-se λ (B ∩ Ac1 ) = λ ((B ∩ Ac1 ) ∩ A2 )+λ ((B ∩ Ac1 ) ∩ Ac2 ).
Logo, a igualdade (9) reduz-se a
c
λ (B ∩ (A1 ∪ A2 )) + λ (B ∩ (A1 ∪ A2 ) ) = λ (B ∩ A1 ) + λ (B ∩ Ac1 ) .
Usando mais uma vez a λ-mensurabilidade de A1 , esta igualdade reduz-se a
c
λ (B ∩ (A1 ∪ A2 )) + λ (B ∩ (A1 ∪ A2 ) ) = λ (B) , ∀B ⊂ Rn .
Isto prova que M (Rn ) é uma álgebra. Considere-se agora uma sucessão {Ak ∈ M (Rn ) , k ∈ N}, a
partir da qual se constrói a sucessão
Ã1 = A1 ;
 c
k
[
Ãk+1 = Ak+1 ∩  Aj  , k ∈ N.
j=1

n
Por construção,
n verifica-se
o Ãk ∩ Ãj = ∅, ∀j 6= k. Dado que M (R ) é uma álgebra, todos os elementos
da sucessão Ãk , k ∈ N são elementos de M (Rn ). Então, qualquer que seja B ⊂ Rn , verifica-se
³ ´ ³ ´
λ (B) = λ B ∩ Ã1 + λ B ∩ Ãc1 =
³ ´ ³ ´ ³ ´ ³ ´
= λ B ∩ Ã1 ∩ Ã2 + λ B ∩ Ã1 ∩ Ãc2 + λ B ∩ Ãc1 ∩ Ã2 + λ B ∩ Ãc1 ∩ Ãc2 =
³ ´ ³ ´ ³ ³ ´c ´
= λ B ∩ Ã1 + λ B ∩ Ã2 + λ B ∩ Ã1 ∪ Ã2 .
Suponha-se que para algum k ∈ N , se verifica
  c 
k
X ³ ´ k
[
λ (B) = λ B ∩ Ãj + λ B ∩  Ãj   . (10)
j=1 j=1

Então,
k ³ ³
P ´ ³ ´´
λ (B) = λ B ∩ Ãj ∩ Ãk+1 + λ B ∩ Ãj ∩ Ãck+1 + .
j=1
à à !c ! à à !c !
S
k S
k
+λ B ∩ Ãj ∩ Ãk+1 +λ B∩ Ãj ∩ Ãck+1 =
j=1 j=1
  c 
k
X ³ ´ ³ ´ k+1
[
= λ B ∩ Ãj + λ∗ B ∩ Ãk+1 + λ B ∩  Ãj   ,
j=1 j=1

19
à !c
S
o que prova que a igualdade (10) se verifica para todo k ∈ N. Tendo em conta que B ∩ Ãj ⊂
j∈N
à !c
S
k
B∩ Ãj , a igualdade (10) implica que
j=1
  c 
k
X ³ ´ [
λ (B) ≥ λ B ∩ Ãj + λ B ∩  Ãj   , ∀k ∈ N.
j=1 j∈N

Fazendo k → ∞, obtém-se
  c 
X ³ ´ [
λ∗ (B) ≥ λ∗ B ∩ Ãj + λ∗ B ∩  Ãj   .
j∈N j∈N

Então, a Proposição 47 implica que


    c 
[³ ´ [
λ (B) ≥ λ  B ∩ Ãj  + λ B ∩  Ãj   =
j∈N j∈N
     c 
[ [
= λ B ∩  Ãj  + λ B ∩  Ãj   =
j∈N j∈N
     c 
[ [
= λ B ∩  Aj  + λ B ∩  Aj   ≥ λ (B) ,
j∈N j∈N
S
ou seja, Aj ∈ M (Rn ), pelo que M (Rn ) é uma σ-álgebra.
j∈N
Considere-se agora uma sucessão {Ak ∈ M (Rn ) , k ∈ N}, em que Ak ∩ Aj = ∅, ∀k 6= j. Então,
mantendo a mesma notação, verifica-se Ãk = Ak , ∀k ∈ N. Aplicando a igualdade (10) ao conjunto
S
B= Aj , obtém-se
j∈N
   
[ k
X ∞
[ k
X
λ Aj  = λ (Aj ) + λ  Aj  ≥ λ (Aj ) .
j∈N j=1 j=k+1 j=1

Fazendo k → ∞, obtém-se  
[ X
λ Aj  ≥ λ (Aj ) .
j∈N j∈N
à !
S P
Uma vez que a Proposição 47 garante que λ Aj ≤ λ (Aj ), provou-se que λ : M (Rn ) 7→
j∈N j∈N
[0, +∞] é uma medida.
Falta apenas provar que B (Rn ) ⊂ M (Rn ). Para isso, começaremos por provar que todos os
semiespaços do tipo Rn−k ×]−∞, a[×Rk−1 , com k ∈ {1, 2, ..., n}, a ∈ R são λ-mensuráveis. Considere-
se um conjunto B ⊂ Rn . Fixe-se ε > 0 e fixe-se uma famı́lia de rectângulos abertos, {Ej , j ∈ N}, tal
S P
que B ⊂ Ej , C (Ej ) ≤ λ (B) + ε. Seja A = Rn−k × ]−∞, a[ × Rk−1 , um semiespaço (fixo mas
j∈N j∈N
arbitrário). Então, para todo e qualquer j ∈ N, Ej ∩ A é o conjunto vazio ou é um rectângulo aberto.
Por outro lado, existe um rectângulo aberto, Ẽj que contém Ej ∩ Ac e satisfaz
³ ´ ε
C Ẽj ≤ C (Ej ∩ Ac ) + j .
2

20
Então,
X X
λ (B) ≥ C (Ej ) − ε = (C (Ej ∩ A) + C (Ej ∩ Ac )) − ε ≥
j∈N j∈N
X³ ³ ´ ε´
≥ C (Ej ∩ A) + C Ẽj − j − ε =
2
j∈N
X X ³ ´
= C (Ej ∩ A) + C Ẽj − 2ε ≥ λ (B ∩ A) + λ (B ∩ Ac ) − 2ε.
j∈N j∈N

Fazendo ε → 0+ , obtém-se
λ (B) ≥ λ (B ∩ A) + λ (B ∩ Ac ) .
Como a Proposição 47 garante que

λ (B) ≤ λ (B ∩ A) + λ (B ∩ Ac ) ,

conclui-se que A é λ-mensurável, logo M (Rn ) contém a σ-álgebra gerada por


© ª
A = Rn−k × ]−∞, a[ × Rk−1 : k ∈ {1, 2, ..., n} , a ∈ R .

A demonstração do Teorema fica concluı́da provando que σ (A) = B (Rn ). A demonstração deste
facto é inteiramente análoga à demostração da Proposição 34:
Qualquer semiespaço do tipo Rn−k × ]−∞, a] × Rk−1 se pode representar como a intersecção de uma
infinidade numerável de elementos de A:
\µ ¸
1
· ¶
n−k k−1 n−k k−1
R × ]−∞, a] × R = R × −∞, a + ×R .
j
j∈N

Logo, σ (A) contém todos os semiespaços do tipo Rn−k × ]a, +∞[ × Rk−1 . Qualquer rectângulo aberto
é intersecção de 2n semiespaços abertos, logo é também elemento de σ (A). Considere-se um conjunto
aberto, A ⊂ Rn e fixe-se um ponto x ∈ A. Então, existe um rectângulo do tipo

E (x) = ]a1 (x) , b1 (x)[ × ]a2 (x) , b2 (x)[ × ... × ]an (x) , bn (x)[ ,

com aj (x) , bj (x) ∈ Q, j = 1, 2, ..., n, tal que

x ∈ E (x) ⊂ A.
S
Então, A é união de rectângulos abertos, A = E (x). A proposição 15 e o Corolário 16 garantem
x∈A
que só existe uma infinidade numerável de rectângulos cujos vértices têm coordenadas racionais.
Conclui-se então que A é união de uma infinidade numerável de elementos de σ (A), logo é ele
próprio um elemento de σ (A). Isto prova que qualquer aberto é elemento de σ (A), logo B (Rn ) ⊂
σ (A). Tendo em conta que todos os elementos de A são abertos, obtém-se imediatamente a inclusão
recı́proca: σ (A) ⊂ B (Rn ).

Notação 50 A σ-álgebra M (Rn ) é chamada σ-álgebra de Lebesgue (em Rn ). A restrição de λ a


M (Rn ) é chamada medida de Lebesgue (em Rn ).¤

O seguinte exemplo mostra que existem conjuntos que não são mensuráveis no sentido de Lebesgue
(logo, a medida exterior de Lebesgue λ : P (Rn ) 7→ [0, +∞] não pode ser uma medida).

21
Exemplo 51 Para cada x ∈ [0, 1], considere-se o conjunto

Ax = {y ∈ [0, 1] : y − x ∈ Q} .

O axioma da escolha garante que existe um conjunto B ⊂ [0, 1] que verifica

∀x ∈ [0, 1] , # (B ∩ Ax ) = 1.

Para cada x ∈ R, considere-se o conjunto B + x, definido por

B + x = {z : z = x + y, y ∈ B} .

Vai-se provar que B verifica as seguintes condições:

1. (B + q) ∩ (B + p) = ∅, ∀p, q ∈ Q, p 6= q;
S
2. [0, 1] ⊂ (B + p) ⊂ [−1, 2].
p∈Q∩[−1,1]

Fixem-se p, q ∈ Q, com p 6= q, e suponha-se que existe x ∈ (B + q) ∩ (B + p). Tal significa que


existem z1 , z2 ∈ B, tais que
x = z1 + p = z2 + q.
Isso implica
z2 − z1 = p − q ∈ Q,
ou seja, z2 ∈ Az1 . Isto implica # (B ∩ Az1 ) ≥ 2, o que é uma contradição, pelo que não pode existir
x ∈ (B + q) ∩ (B + p).
S
A inclusão (B + p) ⊂ [−1, 2] é imediatamente satisfeita, dado que B ⊂ [0, 1]. Considere-se
p∈Q∩[−1,1]
um número x ∈ [0, 1]. Por hipótese, existe z ∈ B ∩ Ax e verifica |z − x| ≤ 1 (dado que ambos são
S
elementos de [0, 1]). Logo, (z − x) ∈ Q ∩ [−1, 1], ou seja, x ∈ (B + p).
p∈Q∩[−1,1]
Suponha-se que B ∈ M (R). A partir da Definição 46, facilmente se constata que

λ (C + p) = λ (C) , ∀C ∈ M (R) , p ∈ R.

Então verifica-se
 
[ X X
λ ([−1, 2]) ≥ λ  (B + p) = λ (B + p) = λ (B) .
p∈Q∩[−1,1] p∈Q∩[−1,1] p∈Q∩[−1,1]

Tendo em conta que λ ([−1, 2]) < +∞ e que o somatório da direita é constituı́do por uma infinidade
de parcelas idênticas, a desigualdade acima implica

λ (B) = 0.

Mas, por outro lado verifica-se


 
[
1 = λ ([0, 1]) ≤ λ  (B + p) .
p∈Q∩[−1,1]

Isto implica 1 ≤ 0, o que é claramente uma contradição. Logo, B não pode ser mensurável no sentido
de Lebesgue.¤

22
A seguinte Proposição decorre imediatamente da Definição 46:

Proposição 52 Considere-se um conjunto B ⊂ Rn . Se B é finito ou numerável, então λ (B) = 0.¤

Demonstração. Se B é finito ou numerável, então existe uma sucessão {xk ∈ Rn , k ∈ N} que


percorre todos os elementos de B. Considere-se uma tal sucessão e fixe-se um pequeno ε > 0. Existe
uma sucessão de rectângulos {Ek , k ∈ N}, tal que
ε
xk ∈ Ek , C (Ek ) < , ∀k ∈ N.
2k
P P 1
Então, λ (B) ≤ C (Ek ) < ε 2k
= ε. Fazendo ε → 0, conclui-se que λ (B) ≤ 0.
k∈N k∈N

A recı́proca da Proposição 52 não é verdadeira. Isto é, existem conjuntos não numeráveis cuja
medida de Lebesgue é nula, como mostra o seguinte exemplo:

Exemplo 53 O conjunto de Cantor pode ser definido do seguinte modo:


Seja {Ck , k ∈ N} a sucessão de conjuntos definida pelo seguinte esquema recursivo: C1 = [0, 1]; para
cada k ∈ N, Ck+1 é o conjunto fechado que se obtém eliminando o terço médio de cada um dos 2k
intervalos que constituem Ck . Então, o conjunto de Cantor é
\
C= Ck .
k∈N

Para provar que λ (C) = 0, basta provar que λ ([0, 1] \C) = 1. Para isso, note-se que
1
λ ([0, 1] \C1 ) = ;
3
1 1 12
λ ([0, 1] \C2 ) = λ ([0, 1] \C1 ) + λ (C1 ) = + ;
3 3Ã 33
µ ¶2 !
1 1 2 2
λ ([0, 1] \C3 ) = λ ([0, 1] \C2 ) + λ (C2 ) = 1+ + ...
3 3 3 3

Por indução, facilmente se verifica que


k−1 µ ¶j
1X 2
λ ([0, 1] \Ck ) = , ∀k ∈ N.
3 j=0 3

Então, a Proposição 44 garante que


∞ µ ¶j
1X 2
λ ([0, 1] \C) = lim λ ([0, 1] \Ck ) = = 1.
k→∞ 3 j=0 3

Falta provar que C não é numerável. Note-se que qualquer número x ∈ [0, 1] admite uma repre-
sentaçãos na base 2:
X ak (x)
x= , ak (x) ∈ {0, 1} ∀k ∈ N.
2k
k∈N

Admite também uma representação na base 3:


X bk (x)
x= , bk (x) ∈ {0, 1} ∀k ∈ N.
3k
k∈N

23
Pode-se verificar que o conjunto Ck contém todos os números do intervalo [0, 1] que verificam

bj (x) 6= 1, ∀j ≤ k.

Logo, C contém todos os números do intervalo [0, 1] que verificam

bk (x) 6= 1, ∀k ∈ N.

Considere-se a aplicação
X φ (ak (x))
f (x) = , x ∈ [0, 1] ,
3k
k∈N
em que 
 0, se a = 0;
φ (a) =
 2, se a = 1.
As considerações acima provam que f é uma aplicação injectiva com domı́nio no intervalo [0, 1] e
imagem no conjunto de Cantor.¤

6 Funções mensuráveis
6.1 Definição e Propriedades
Definição 54 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y . Sejam A, F, σ-álgebras de partes
de X e de Y , respectivamente. Uma função f : X 7→ Y diz-se mensurável em relação às σ-álgebras
A e F se verificar
f −1 (B) ∈ A, ∀B ∈ F .
n
Quando Y ⊂ R , diz-se que f é mensurável em relação a A se for mensurável em relação às σ-
álgebras A e B (Y ) (i.e., excepto indicação do contrário, considera-se que F é a σ-álgebra de Borel).
n m n
Uma função
³ m ´ f : R 7→ R diz-se Boreliana se for mensurável em relação às σ-álgebras A=B (R ),
F=B R .
m
Uma função f : Rn 7→ R diz-se mensurável
³ m´ no sentido de Lebesgue se for mensurável em
relação às σ-álgebras A=M (Rn ), F=B R .¤

Exemplo 55 Considere-se a função caracterı́stica de um conjunto A ⊂ X,



 1, se x ∈ A;
f (x) =
 0, se x ∈
/ A.

Note-se que, para qualquer B ⊂ R, se obtém




 ∅, se 0 ∈
/B e1∈
/ B;





 A, se 0 ∈
/ B e 1 ∈ B;
−1
f (B) =

 Ac , se 0 ∈ B e 1 ∈
/ B;





 X, se 0 ∈ B e 1 ∈ B.

Logo, f é mensurável se e só se A ∈ A.¤

24
Exemplo 56 Relembre-se o exemplo 51, em que se mostrou que existem subconjuntos de R que não
são mensuráveis no sentido de Lebesgue. O Exemplo 55 mostra que existem funções reais de variável
real que não são mensuráveis em relação à medida de Lebesgue.¤

Observação 57 Se A = P (X), então, todas as funções de domı́nio X são mensuráveis. Este facto
poderia sugerir que toda a teoria aqui exposta é inútil porque seria possı́vel escolher uma σ-álgebra
suficientemente rica para tornar qualquer função mensurável. Tal não acontece porque, em geral,
não é possı́vel definir uma ”boa”medida numa σ-álgebra ”demasiado grande”. Para ilustrar deste
facto, considere o caso da medida de Lebesgue: A medida exterior de Lebesgue não é uma medida na
σ-álgebra P (Rn ). Para tornar a medida exterior de Lebesgue numa medida é necessário restringi-la
a uma menor σ-álgebra (a σ-álgebra de Lebesgue).¤

Exemplo 58 Seja X = {1, 2, 3}. A famı́lia A = {∅, {1} , {2, 3} , {1, 2, 3}} é uma σ-álgebra de partes
de X. A função f : X 7→ R, definida por f (x) = x2 não é mensurável em relação a A:

f −1 ({4}) = {2} ∈
/ A.¤

Exemplo 59 A função de Dirichlet, f : [0, 1] 7→ R,



 1, se x ∈ [0, 1] ∩ Q;
f (x) =
 0 se x ∈ [0, 1] \Q,

é Boreliana. Para qualquer B ⊂ R, verifica-se




 ∅, se 0 ∈
/B e1∈
/ B;





 [0, 1] ∩ Q, se 0 ∈
/ B e 1 ∈ B;
−1
f (B) =

 [0, 1] \Q, se 0 ∈ B e 1 ∈
/ B;





 [0, 1] , se 0 ∈ B e 1 ∈ B.

Logo, para mostrar que f é Boreliana basta mostrar que [0, 1] ∩ Q ∈B ([0, 1]). Esta última condição é
verdadeira porque [0, 1] ∩ Q é união de uma famı́lia numerável de conjuntos fechados:
[
[0, 1] ∩ Q = {x} . ¤
x∈[0,1]∩Q

Exemplo 60 Considere-se uma experiência aleatória com espaço de resultados Ω e espaço de acon-
tecimentos F. Chama-se variável aleatória a qualquer função X : Ω 7→ R, mensurável em relação
à σ-álgebra F.¤

Proposição 61 Considere-se uma função f : X 7→ Y , e seja F, uma famı́lia de partes de Y . Então


¡© ª¢ © ª
σ f −1 (A) : A ∈ F = f −1 (A) : A ∈ σ (F) .¤
© ª
Demonstração. Vamos começar por provar que a famı́lia A = f −1 (A) : A ∈ σ (F) é uma
σ-álgebra.
Note-se que f −1 (∅) = {x ∈ X : f (x) ∈ ∅} = ∅. Logo,

∅ ∈ A.

25
Considere-se um conjunto B ∈ A. Por definição existe A ∈ σ (F) tal que B = f −1 (A). Então
c
B c = {x ∈ X : f (x) ∈ A} = {x ∈ X : f (x) ∈
/ A} = {x ∈ X : f (x) ∈ Ac } = f −1 (Ac ), pelo que

B ∈ A ⇒ B c ∈ A.

Igualmente, dada uma sucessão {Bk ∈ A, k ∈ N}, existe uma sucessão {Ak ∈ σ (F) , k ∈ N} que
verifica Bk = f −1 (Ak ), ∀k ∈ N. Então,
S © ª
Bk = {x ∈ X : ∃k ∈ N, x ∈ Bk } = x ∈ X : ∃k ∈ N, x ∈ f −1 (Ak ) =
k∈N
½ ¾
S
= {x ∈ X : ∃k ∈ N, f (x) ∈ Ak } = x ∈ X : f (x) ∈ Ak =
k∈N
µ ¶
S S
= f −1 Ak . Por hipótese, Ak ∈ σ (F),
k∈N k∈N

ou seja, [
Bk ∈ A.
k∈N
© ª
Isto prova que A é uma σ-álgebra. Tendo em conta que f −1 (A) : A ∈ F ⊂ A, conclui-se que
¡© ª¢
σ f −1 (A) : A ∈ F ⊂ A.
¡© ª¢
Falta apenas provar que A ⊂ σ f −1 (A) : A ∈ F .
¡© −1 ª¢
Seja Ae = σ f (A) : A ∈ F , e considere-se a famı́lia de partes de Y :
n o
Fe = A ⊂ Y : f −1 (A) ∈ Ae .

Facilmente se verifica que F ⊂ F.e Então, se se provar que Fe é uma σ-álgebra, poder-se-à concluir que
σ (F) ⊂ F, o que implica A ⊂ A. A demonstração de que Fe é uma σ-álgebra segue o raciocı́nio usado
e e
nos outros casos. Y ∈ Fe é satisfeita porque f −1 (Y ) = X ∈ A.e Dado um conjunto A ∈ F, e
µ verifica-se

¡ ¢ n o S
−1 c −1 c e e −1
f (A ) = f (A) ∈ A. Dada uma sucessão Ak ∈ F, k ∈ N , verifica-se f Ak =
k∈N
S −1 e Logo, Fe é uma σ-álgebra e a Proposição fica demonstrada.
f (Ak ) ∈ A.
k∈N

A Proposição 61 tem o seguinte Corolário, que fornece um critério simplificado para provar a
mensurabilidade de uma função.

Corolário 62 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y . Seja A, uma σ-álgebra de partes
de X e seja F, uma famı́lia de partes de Y (não necessáriamente uma σ-álgebra). Uma função
f : X 7→ Y é mensurável em relação às σ-álgebras A e σ (F) se e só se

f −1 (B) ∈ A, ∀B ∈ F.¤

Demonstração. Uma vez que F ⊂ σ (F), a condição é óbviamente necessária. Para provar
© ª
que é também suficiente, basta notar que a Proposição 61 garante que f −1 (A) : A ∈ σ (F) =
¡© ª¢ ¡© ª¢ © ª
σ f −1 (A) : A ∈ F e que σ f −1 (A) : A ∈ F ⊂ A é satisfeita se e só se f −1 (A) : A ∈ F ⊂
A.

O seguinte exemplo mostra uma aplicação útil deste Corolário.

26
Exemplo 63 Qualquer função contı́nua f : Rn 7→ R é Boreliana.
Para provar este facto, basta recordar que uma função é contı́nua se e só se f −1 (A) for aberto
sempre que A for aberto. Tendo em conta que B (R) = σ ({A ⊂ R : A é aberto}), o resultado decorre
imediatamente do Corolário 62.¤

A seguinte Proposição estende o resultado do exemplo anterior.

Proposição 64 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Seja f : X 7→ Rn


uma função mensurável em relação a A, e seja g : Y ⊂ Rn 7→ Rm , uma função boreliana, tal que
g ◦ f : X 7→ Rm exista. Então g ◦ f é mensurável em relação a A.¤

Demonstração. Seja A ⊂ Rm , um conjunto aberto. Tendo em conta que g é boreliana, verifica-se


−1
que g −1 (A) ∈ B (Rn ). Agora, tendo em conta a mensurabilidade de f , conclui-se que (g ◦ f ) (A) =
¡ ¢
f −1 g −1 (A) ∈ A. Logo, o resultado decorre do Corolário 62.

A Proposição 64 implica imediatamente a mensurabilidade de um grande número de funções:

Corolário 65 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Sejam f, g : X 7→ R


funções mensuráveis em relação a A. Então as funções
f + g;

αf, (α ∈ R, constante);

f × g;
f
g (no caso g (x) 6= 0, ∀x ∈ X);

|f | ,
são mensuráveis em relação a A.¤
© ª
Teorema 66 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Seja fk : X 7→ R, k ∈ N ,
uma sucessão de funções mensuráveis em relação a A. Então as funções

f (x) = inf fk (x) , f (x) = sup fk (x) ,


k∈N k∈N

são mensuráveis em relação a A.¤

Demonstração. Uma pequena adaptação da demonstração da Proposição 34 prova que


¡ ¢
B R = σ ({[−∞, a[ : a ∈ R}) .

Logo, o Corolário 62 mostra que para provar que f é mensurável, basta provar que f −1 ([−∞, a[) ∈ A,
∀a ∈ R. Note-se que
½ ¾
−1
f ([−∞, a[) = x ∈ X : inf fk (x) < a = {x ∈ X : ∃k ∈ N, fk (x) < a} =
k∈N
S S
= {x ∈ X : fk (x) < a} = fk−1 ([−∞, a[) .
k∈N k∈N

Por hipótese, verifica-se fk−1 ([−∞, a[) ∈ A, ∀k ∈ N. Logo, f −1 ([−∞, a[) ∈ A.


Para provar que f é mensurável, basta notar que sup fk (x) = − inf (−fk (x)) e aplicar o resultado
k∈N k∈N
anterior, juntamente com o Corolário 65.

O Teorema 66 tem o seguinte importante Corolário:

27
© ª
Corolário 67 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Seja fk : X 7→ R, k ∈ N ,
uma sucessão de funções mensuráveis em relação a A. Então as funções

f (x) = lim inf fk (x) , f (x) = lim sup fk (x) ,

são mensuráveis em relação a A.¤

Demonstração. Considere-se a sucessão gk (x) = inf fm (x), k ∈ N. O Teorema 66 garante que


m≥k
esta é uma sucessão de funções mensuráveis. O mesmo teorema garante que f (x) = supk∈N gk (x) é
mensurável. A demosntração de que f é mensurável é análoga, notando que f (x) = inf sup fm (x).
k∈N m≥k

6.2 Aproximações por funções simples


Definição 68 Uma função f : X 7→ R diz-se simples se tomar apenas um número finito de valores,
isto é, se f (X) for um conjunto finito.¤

Notação 69 Dado um conjunto A ⊂ X, a função caracterı́stica de A indica-se por χA , isto é:



 1, se x ∈ A;
χA (x) =
 0, se x ∈ X ∩ Ac . ¤

Exemplo 70 A função de Dirichlet:,



 1, se x ∈ Q;
f (x) =
 0, se x ∈ R\Q,

é uma função simples boreliana.¤

Exemplo 71 A função f : [0, 1] 7→ R,


10
X
f (x) = χ[ k−1 ,1] (x)
10
k=1

é uma função simples boreliana.¤

Proposição 72 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Para que uma função
f : X 7→ R seja simples e mensurável em relação a A, é necessário e suficiente que f seja combinação
linear de um número finito de funções caracterı́sticas de conjuntos mensuráveis. Isto é, é necessario
e sufficiente que existam A1 , A2 , ..., Am ∈ A, α1 , α2 , ..., αm ∈ R, tais que
m
X
f (x) = αk χAk (x) , ∀x ∈ X.¤ (11)
k=1

Demonstração. Suponha-se que f é simples e mensurável e seja f (X) = {y1 , y2 , ..., ym } então
f admite uma representação do tipo indicado:
m
X
f (x) = yk χf −1 ({yk }) (x) . (12)
k=1

28
Logo, a condição é necessária.
Falta provar que é também suficiente. Fixe-se uma função do tipo (11). Então
( m
)
X
f (X) ⊂ y = αk βk : (βk ∈ {0, 1} , k = 1, 2, ..., m)
k=1

é finito, ou seja, f é simples. Além disso, cada uma das funções x 7→ χAk (x) é mensurável. Logo, o
Corolário 65 garante que f é mensurável.

Observação 73 Na Proposição 72 não se exige que a representação (11) verifique Ak ∩Aj = ∅, ∀j 6=


k. No entanto, é uma consequência imediata da Definição que qualquer função simples mensurável
admite uma representação do tipo (11) que verifica esta condição. Para verificar este facto basta
notar que (12) é uma tal representação.¤

Teorema 74 Considere-se um conjunto X, munido de uma σ-álgebra A. Seja f : X 7→ [0, +∞],


uma função mensurável em relação a A.
Existe uma sucessão de funções simples mensuráveis em relação a A, {sk : X 7→ [0, +∞[ , k ∈ N}
que verifica:

1. 0 ≤ s1 (x) ≤ s2 (x) ≤ ... ≤ sk (x) ≤ ... ≤ f (x) , ∀x ∈ X;

2. lim sk (x) = f (x) , ∀x ∈ X. ¤


k→+∞

Demonstração. Seja
2k
2X −1
j
sk (x) = χ −1 j j+1 (x) + 2k χf −1 ([2k ,+∞]) (x) , x ∈ X.
j=1
2k f ([ 2k , 2k [)

A Proposição 72 garante que {sk } é uma sucessão de funções mensuráveis. Facilmente se verifica que

0 ≤ sk (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ X, k ∈ N.
£ £ £ £
Fixem-se x ∈ X, k ∈ N. Se f (x) ∈ 0, 21k , então sk (x) = 0 ≤ sk+1 (x). Se f (x) ∈ 2jk , j+1 2k
,
1 ≤ j < 2k , então
 £ £
 sk (x) se f (x) ∈ 2jk , 2j+1
2k+1
;
sk+1 (x) = £ £
 s (x) + 1 , se f (x) ∈ 2j+1 , j+1 .
k 2k+1 2k+1 2k
£ £
Se f (x) ∈ 2k , +∞ , então
 £ £
 sk (x) + j−1 se f (x) ∈ 2k + 2j−1 k j
k+1 , 2 + 2k+1 , j = 1, 2, ..., 22k+1 ;
2k+1
sk+1 (x) = £ ¤
 s (x) + 2k , se f (x) ∈ 2k+1 , +∞ .
k

Isto prova que sk (x) ≤ sk+1 (x), ∀x ∈ X, k ∈ N.


£ ¤ 1
Finalmente, note-se que f (x) ∈ 0, 2k implica 0 ≤ f (x) − sk (x) ≤ 2k
, pelo que se verifica

lim sk (x) = f (x) ,


k→+∞

sempre que f (x) ∈ [0, +∞[. Se x verificar f (x) = +∞, então sk (x) = 2k , ∀k ∈ N. Logo, também
neste caso se verifica lim sk (x) = f (x).
k→+∞

29
7 Integral de Lebesgue
7.1 Aritmética de elementos de R
No que se segue, é necessário realizar operações aritméticas que envolvam os números +∞ e −∞.
Isto significa que, em muitas ocasiões se vai considerar como conjunto dos numeros com os quais se
realizam operações aritméticas, o conjunto R = [−∞, +∞], em vez do habitual conjunto R. Por isso,
é necessário estender as regras habituais da aritmética em R de modo a acomodar os dois números
extraordinários, −∞, +∞. Essa estensão é feita convencionando as seguintes regras:

Definição 75 A soma com infinitos é definida por:

a + ∞ = +∞, ∀a > −∞;


a−∞ = −∞, ∀a < +∞.

A diferença +∞ − ∞ não fica definida.


A multiplicação com infinitos é definida por


 +∞, ∀a ∈ ]0, +∞] ;


a × (+∞) = 0, se a = 0;




−∞, ∀a ∈ [−∞, 0[ . ¤
A definição de multiplicação com infinito dada acima define uma operação entre dois números
(constantes) e não deve ser confundida com as regras para o cálculo do limite de um produto de duas
sucessões. Assim, dadas duas sucessões {ak }, {bk }, com lim ak = 0, lim bk = +∞, dizer que o limite
lim (ak bk ) é uma indeterminação indica apenas o facto elementar de que o conhecimento de que
os termos ak são cada vez mais pequenos e os termos de bk são cada vez maiores não é só por si
suficiente para prever o comportamento do produto ak × bk : para tal é necessário estudar a rapidez
relativa com que ak → 0 e bk → ∞ (daı́ as habituais técnicas de ”levantamento de indeterminações”).

7.2 Integrais de funções simples


Definição 76 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja s : X 7→ [0, +∞], uma função
simples mensurável em relação a A, com s (X) = {y1 , y2 , ..., ym }. Chama-se integral de s pela medida
R
µ estendido ao conjunto A ∈ A, ao número A s dµ ∈ [0, +∞], definido por
Z Xm
¡ ¢
s dµ = yk µ A ∩ s−1 ({yk }) .¤
A k=1

Exemplo 77 É sabido que a função de Dirichlet, f : [0, 1] 7→ R, definida por



 1, se x ∈ [0, 1] ∩ Q;
f (x) =
 0 se x ∈ [0, 1] \Q,
não é integrável no sentido de Riemann. No entanto, ela é integrável em ordem à medida de Lebesgue:
No Exemplo 59, vimos que é uma função Boreliana, logo é mensurável em relação à σ-álgebra de
Lebesgue. Pela Definição 14, temos
Z
f dλ = 0 × λ ([0, 1] \Q) + 1 × λ ([0, 1] ∩ Q) = 0.
[0,1]

30
R
Note-se que, atendendo à Definição 75 A ∩ s−1 ({+∞}) 6= ∅ não implica A
s dµ = +∞. Para se
R ¡ ¢
verificar A s dµ < +∞, basta que µ A ∩ s−1 ({+∞}) = 0.

Proposição 78 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja s : X 7→ [0, +∞], uma função
simples mensurável em relação a A. Então, a aplicação ϕ : A 7→ [0, +∞], definida por
Z
ϕ (A) = s dµ, A ∈ A,
A

é uma medida.¤
P
m
Demonstração. Seja s (x) = αk χAk (x), com αk ∈ [0, +∞], Ak ∈ A.
k=1
Então,
m
X
ϕ (∅) = αk µ (∅ ∩ Ak ) = 0.
k=1

Dada uma sucessão {Bj ∈ A, j ∈ N}, tal que Bj ∩ Bl = ∅, ∀j 6= l, verifica-se


à ! à ! à !
S P
m S P
m P
ϕ Bj = αk µ Bj ∩ Ak = αk µ (Bj ∩ Ak ) =
j∈N k=1 j∈N k=1 j∈N
à ! à !
P
m P
r P
m P
r
= αk lim µ (Bj ∩ Ak ) = lim αk µ (Bj ∩ Ak ) =
k=1 r→∞ j=1 r→∞ k=1 j=1

P
r P
m P P
m
= lim αk µ (Bj ∩ Ak ) = αk µ (Bj ∩ Ak ),
r→∞ j=1 k=1 j∈N k=1

ou seja:  
[ X
ϕ Bj  = ϕ (Bj ) .
j∈N j∈N

Proposição 79 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e sejam s1 , s2 : X 7→ [0, +∞], funções
simples mensuráveis em relação a A. Então,
Z Z Z
(s1 + s2 ) dµ = s1 dµ + s2 dµ, ∀A ∈ A. ¤
A A A

P
mi Si
m
Demonstração. Sejam si (x) = αi,k χAi,k (x), com αi,k ∈ [0, +∞], Ai,k ∈ A, Ai,k = X, e
k=1 k=1
Ai,k ∩ Ai,j = ∅, ∀j 6= k, i = 1, 2. Então,
m1
X m2
X
(s1 + s2 ) (x) = α1,k χA1,k (x) + α2,j χA2,j (x) =
k=1 j=1
  Ãm !
m1
X Xm2 m2
X X1

= α1,k  χA1,k ∩A2,j (x) + α2,k χA1,k ∩A2,j (x) =


k=1 j=1 k=1 k=1
m1 X
X m2
= (α1,k + α2,j ) χA1,k ∩A2,j (x) .
k=1 j=1

31
Logo,
Z m1 X
X m2
(s1 + s2 ) dµ = (α1,k + α2,j ) µ (A ∩ A1,k ∩ A2,j ) =
A k=1 j=1
m1 X
X m2 m1 X
X m2
= α1,k µ (A ∩ A1,k ∩ A2,j ) + α2,j µ (A ∩ A1,k ∩ A2,j ) =
k=1 j=1 k=1 j=1
  Ã !
m1
X m2
[ m2
X m1
[
= α1,k µ A ∩ A1,k ∩ A2,j  + α2,j µ A ∩ A2,j ∩ A1,k =
k=1 j=1 j=1 k=1
m1
X m2
X
= α1,k µ (A ∩ A1,k ) + α2,j µ (A ∩ A2,j ) =
k=1 j=1
Z Z
= s1 dµ + s2 dµ.
A A

7.3 Integrais de funções não negativas


O integral de uma função não negativa (mensurável, mas não necessariamente simples) define-se a
partir da definiçãode integrais de funções simples:

Definição 80 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja f : X 7→ [0, +∞], uma função
mensurável em relação a A. Chama-se integral de f pela medida µ estendido ao conjunto A ∈ A, ao
R
número A f dµ ∈ [0, +∞], definido por
Z ½Z ¾
f dµ = sup s dµ : s : X 7→ [0, +∞] é função simples mensurável e s (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ A .¤
A A

As seguintes propriedades decorrem imediatamente da definição:

Proposição 81 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ). Sejam f, g : X 7→ [0, +∞], funções
mensuráveis em relação a A.
R R
1. Se A ∈ A, então A f dµ = X f χA dµ;
R
2. Se A ∈ A e f (x) = 0, ∀x ∈ A, então A f dµ = 0, mesmo se µ (A) = +∞;
R R
3. Se A ∈ A e f (x) ≤ g (x), ∀x ∈ A, então A f dµ ≤ A g dµ;
R R
4. Se A, B ∈ A e A ⊂ B, então A f dµ ≤ B f dµ;
R
5. Se A ∈ A e µ (A) = 0, então A f dµ = 0, quaisquer que sejam os valores tomados por f no
conjunto A;
R R
6. Qualquer que seja a constante c ∈ [0, +∞[, verifica-se A cf dµ = c A f dµ. ¤

Demonstração. Para provar a proposição 1, note-se que (tendo em conta a Definição 75), as
condições

s (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ A;
s (x) χA (x) ≤ f (x) χA (x) , ∀x ∈ X,

32
são equivalentes. Logo, a proposição decorre da igualdade:
Z Xm Z ÃX m
! Z ÃX
m
!
s dµ = αk µ (Bk ∩ A) = αk χBk ∩A dµ = αk χBk χA dµ =
A k=1 X k=1 X k=1
Z ÃX
m
! Z
= αk χBk χA dµ = sχA dµ.
X k=1 X

R R
A proposição 2 é imediata: se f (x) = 0, ∀x ∈ A, então sup A
s dµ = A
0 dµ = 0µ (A) = 0.
0≤s≤f
Para provar a proposição 3 basta notar que s (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ X implica s (x) ≤ g (x) , ∀x ∈ X.
Logo Z Z
sup s dµ ≤ sup s dµ.
s≤f A s≤g A

Tendo em conta que A ⊂ B implica f (x) χA (x) ≤ f (x) χB (x) , ∀x ∈ X, a proposição 4 decorre das
proposições 1 e 3.
R R
A proposição 5 decorre imediatamente da proposição 3: se µ (A) = 0, então A f dµ ≤ A +∞ dµ =
+∞ × µ (A) = 0.
No caso c = 0, a proposição 6 verifica-se trivialmente no caso c ∈ ]0, +∞[, a proposição 6 decorre da
equivalência entre as condições

s (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ A;
cs (x) ≤ cf (x) , ∀x ∈ A.

Proposição 82 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ). Sejam f, g : X 7→ [0, +∞], funções
mensuráveis em relação a A. Então, qualquer que seja A ∈ A, verifica-se
Z Z Z
(f + g) dµ = f dµ + g dµ.¤
A A A

Demonstração. Sejam f, g : X 7→ [0, +∞], funções mensuráveis em relação a A e seja A ∈ A.


Então, quaisquer que sejam as funções simples mensuráveis s1 , s2 : X 7→ [0, +∞] que verifiquem

0 ≤ s1 (x) ≤ f (x) , 0 ≤ s2 (x) ≤ g (x) , ∀x ∈ A, (13)

verifica-se também
0 ≤ s1 (x) + s2 (x) ≤ f (x) + g (x) , ∀x ∈ A.

Então,a Proposição 79, juntamente com a Definição 80 garante que a desigualdade


Z Z Z
(f + g) dµ ≥ s1 dµ + s2 dµ
A A A

é satisfeita por quaisquer funções simples mensuráveis que satisfaçam (13). Logo,
Z Z Z Z Z
(f + g) dµ ≥ sup s1 dµ + sup s2 dµ = f dµ + g dµ
A 0≤s1 ≤f A 0≤s2 ≤g A A A

33
R R R
Para provar que (f + g) dµ ≤ A f dµ + A g dµ, fixe-se ε > 0 e fixe-se uma função simples
A
Pk
mensurável, s (x) = αi χBi (x), tal que
i=1

αi ≥ 0, i = 1, 2, ..., k, Bi ∩ Bj = ∅, ∀i 6= j;
Z Z
0 ≤ s (x) ≤ f (x) + g (x) , ∀x ∈ A; s dµ ≥ (f + g) dµ − ε.
A A

Então, verifica-se
αi ≤ f (x) + g (x) , ∀x ∈ A ∩ Bi .

Fixe-se um inteiro m ∈ N, e considerem-se os conjuntos


½ ¾
(m) m−1
Ci,1 = x : f (x) ≥ αi ;
m
½ ¾ ½ ¾
(m) m−j m−j+1 j−1
Ci,j = x: αi ≤ f (x) < αi ∩ x : g (x) ≥ αi , j = 2, 3, ..., m.
m m m

Rapidamente se conclui que

m
[ (m)
{x : f (x) + g (x) ≥ αi } ⊂ Ci,j .
j=1

Considerem-se as funções simples


k X
X m k X
X m
m−j j−1
s1 (x) = αi χAi ∩C (m) (x) , s2 (x) = αi χAi ∩C (m) (x) .
i=1 j=1
m i,j
i=1 j=1
m i,j

Então, verifica-se

0 ≤ s1 (x) ≤ f (x) , 0 ≤ s2 (x) ≤ g (x) , ∀x ∈ X;


m−1
s1 (x) + s2 (x) = s (x) , ∀x ∈ A.
m
Isto prova que,
Z Z Z Z Z µZ ¶
m−1
f dµ + g dµ ≥ s1 dµ + s2 dµ = (s1 + s2 ) dµ ≥ (f + g) dµ − ε .
A A A A A m A

Fazendo ε → 0, m → ∞, obtém-se
Z Z Z
f dµ + g dµ ≥ (f + g) dµ.
A A A

7.4 Integrais de funções mensuráveis


O integral de uma função mensurável, f : X 7→ R define-se a partir de integrais de funções não
negativas. Para isso, uma função é decomposta nas suas partes positiva e negativa:

34
Definição 83 Considere-se uma função f : X 7→ R. Define-se f + e f − (respectivamente, a parte
positiva e a parte negativa de f ) como sendo:
 
 f (x) , se f (x) ≥ 0;  0, se f (x) ≥ 0;
f + (x) = f − (x) =
 0, se f (x) ≤ 0,  −f (x) , se f (x) ≤ 0. ¤

Note-se que a parte positiva e a parte negativa de uma função podem definir-se de forma equiva-
lente pelas igualdades

f + (x) = max {f (x) , 0} , f − (x) = max {−f (x) , 0} .

Logo, o Teorema 66 implica imediatamente a seguinte Proposição:

Proposição 84 Seja f : X 7→ R uma função mensurável em relação à σ-álgebra A. As suas partes


positiva e negativa são ambas funções não negativas, mensuráveis em relação a A.¤

A Proposição 84 garante que, dado um espaço de medida, (X, A, µ), e uma função mensurável
R R
em relação a A, f : X 7→ R, os integrais A f + dµ, A f − dµ estão definidos, qualquer que seja o
conjunto A ∈ A.

Definição 85 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja f : X 7→ R, uma função men-
R
surável em relação a A. Seja A ∈ A, um conjunto no qual pelo menos um dos integrais A f + dµ,
R −
A
f dµ é finito.
R
Chama-se integral de f pela medida µ estendido ao conjunto A, ao número A f dµ ∈ R, definido
por Z Z Z
f dµ = f + dµ − f − dµ.
A A A
Uma função diz-se integrável no conjunto A se verificar
Z
|f | dµ < +∞. ¤
A

Notação 86 À semelhança do integral de Riemann, é por vezes necessário indicar explı́citamente


qual é a variável em ordem à qual é definido o integral. Nesse caso usa-se a notação
Z
f (x) µ (dx) .
A

Por exemplo, dados dois espaços de medida, (X, A, µ), (Y, F, ν) e uma função f : X × Y 7→ R, a
expressão Z
f (x, y) µ (dx)
X

indica sem ambiguidade que se trata do integral da função x 7→ f (x, y), com y ∈ Y fixo e x variando
ao longo do conjunto X em que a medida usada na definição do integral é µ : A 7→ [0, +∞].¤

Na Secção 10 veremos que, no caso particular em que µ é a medida de Lebesgue e f é uma função
integrável no sentido de Riemann, o integral de Lebesgue coincide com o integral de Riemann. No
entanto, a Definição 85 engloba também muitos outros tipos de integrais (dependendo do espaço de
medida que for considerado). Seguem-se alguns exemplos.

35
Exemplo 87 Seja (Ω, F, P ), um espaço de probabilidades (i.e., P : F 7→ [0, 1] é uma medida que
verifica P (Ω) = 1). Como já foi referido no Exemplo 60, uma variável aleatória é uma função
X : Ω 7→ R, mensurável em relação a F. O valor esperado de uma tal variável aleatória é
Z
E [X] = X (ω) P (dω) .

Em geral, os momentos de X são os integrais


Z
k
mk (X) = X (ω) P (dω) , k = 1, 2, ...

(caso tais integrais existam).¤

Exemplo 88 Uma função a : N 7→ R é uma sucessão de termos reais, costumando-se indicar a (n)
por an . Considere-se o espaço de medida (N, P (N) , µ), em que µ é a medida de contagem. Então
R P
+∞
N
a dµ é a série an , desde que esta seja absolutamente convergente. Se a série for simplesmente
n=1
convergente mas não absolutamente convergente, então verifica-se
Z Z
a+ dµ = a− dµ = +∞,
N N
R
pelo que o integral N
a dµ não está definido.¤

Exemplo 89 Considere-se o espaço de medida (N, P (N) , µ), em que


X
µ (A) = 2−n , ∀A ⊂ N.
n∈A

R P
+∞
an
Então N
a dµ é a série 22 , desde que esta seja absolutamente convergente.¤
n=1

O integral de Lebesgue goza de propriedades semelhantes às já estudadas no caso do integral de
Riemann. Em particular:

Teorema 90 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ). Sejam f, g : X 7→ R, funções integráveis


e sejam α, β ∈ R. Então, αf + βg é uma função integrável e verifica
Z Z Z
(αf + βg) dµ = α f dµ + β g dµ, ∀A ∈ A.¤ (14)
A A A

Demonstração. O Corolário 65 garante que αf + βg é uma função mensurável. A Proposição


81 garante que Z Z
|αf + βg| dµ ≤ (|α| |f | + |β| |g|) dµ.
A A
Logo,a Proposição 82 garante que
Z Z Z
|αf + βg| dµ ≤ |α| |f | dµ + |β| |g| dµ < +∞.
A A A

Para provar a igualdade (14), basta provar que


Z Z Z
(f + g) dµ = f dµ + g dµ;
A A A
Z Z
αf dµ = α f dµ.
A A

36
Então, verifica-se
+ −
(f + g) − (f + g) = f + − f − + g + − g − ,
ou seja,
+ −
(f + g) + f − + g − = (f + g) + f + + g + .
A Proposição 82 garante que
Z Z Z Z Z Z
+ −
(f + g) dµ + f − dµ + g − dµ = (f + g) dµ + f + dµ + g + dµ.
A A A A A A

Uma vez que todos estes integrais são finitos, isto é equivalente a
Z Z Z
(f + g) dµ = f dµ + g dµ.
A A A

No caso α ≥ 0, as Proposições 81 e 82 garantem que


Z Z Z Z Z
+ −
αf dµ = (αf ) dµ − (αf ) dµ = αf + dµ − αf − dµ =
A A A A A
Z Z Z
+ −
= α f dµ − α f dµ = α f dµ.
A A A

No caso α < 0, temos


Z Z Z Z Z
+ −
αf dµ = (αf ) dµ − (αf ) dµ = |α| f − dµ − |α| f + dµ =
A A A A A
Z Z Z Z
− +
= |α| f dµ − |α| f dµ = − |α| f dµ = α f dµ.
A A A A

O seguinte Teorema decorre imediatamente da Definição 85 e do Teorema 90:

Teorema 91 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e uma função integrável, f : X 7→ R.


Então ¯Z ¯ Z
¯ ¯
¯ f dµ¯ ≤ |f | dµ.¤
¯ ¯
X X
¯R ¯ ¯R R ¯ R R
Demonstração. ¯ f dµ¯ = ¯ f + dµ − f − dµ¯ ≤ X f + dµ + X f − dµ =
X X X
R R
= X (f + + f − ) dµ = X |f | dµ.

8 Conjuntos de medida nula


Definição 92 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e considere-se uma Proposição Px , cujo
valor lógico depende do ponto x ∈ X. Diz-se que Px é verdadeira por quase toda a parte em relação
a µ se existir um conjunto N ∈ A, tal µ (N ) = 0 e Px for verdadeira sempre que x ∈ A\N . Nesse
caso escreve-se
Px , q.t.p. [µ] .
Se for claro pelo contexto qual é o espaço de medida que está a ser considerado, também se diz que
Px é satisfeita por quase todo x ∈ X, ou ainda,

Px , q.t.x ∈ X.¤

37
Exemplo 93 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e sejam f, g : X 7→ R, funções men-
suráveis então, afirmar que
f (x) = g (x) q.t.x ∈ X

significa que µ ({x ∈ x : f (x) =


6 g (x)}) = 0.
Em particular, a função de Dirichlet satisfaz

f (x) = 0 q.t.p. [λ] ,

em que λ é a medida de Lebesgue em R.

A seguinte Proposição mostra que qualquer espaço de medida pode ser redefinido de modo a que
qualquer função que coincida por quase toda a parte com alguma função mensurável seja também
uma função mensurável.

Proposição 94 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja A∗ o conjunto de todos os


subconjuntos B ⊂ X tais que existem A1 , A2 ∈ A, tais que

A1 ⊂ B ⊂ A2 , µ (A2 \A1 ) = 0.

Nesse caso, defina-se µ (B) = µ (A1 ).


Então, A∗ é uma σ-álgebra e µ : A∗ 7→ [0, +∞] é uma medida.¤

A seguinte Proposição mostra que um função pode ser arbitrariamente modificada num conjunto
de medida nula, sem que isso altere o valor do integral.

Proposição 95 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e sejam f, g : X 7→ R, funções men-


suráveis tais que
f (x) = g (x) q.t.p. [µ] .
R R
Então, existe X f dµ se e só se existir X g dµ. Nesse caso,
Z Z
f dµ = g dµ.
X X

Demonstração. Seja N ∈ A, um conjunto que verifica µ (N ) = 0, {x ∈ X : f (x) 6= g (x)} ⊂ N .


P
k
Considere-se uma função simples mensurável, s (x) = αi χAi (x), tal que
i=1

0 ≤ s (x) ≤ f + (x) , ∀x ∈ X.

Então, a função
k
X
s̃ (x) = αi χAi \N (x)
i=1

é também simples e mensurável e verifica


Z k
X k
X Z
s̃ dµ = αi µ (Ai \N ) = αi µ (Ai ) = s dµ;
X i=1 i=1 X

0 ≤ s̃ (x) ≤ f + (x) , ∀x ∈ X;
+
0 ≤ s̃ (x) ≤ g (x) , ∀x ∈ X.

38
Isto prova que Z Z
g + dµ ≥ f + dµ.
X X
As desigualdades
Z Z Z Z Z Z
+
g dµ ≤ f + dµ, g −
dµ ≥ f −
dµ, g −
dµ ≤ f − dµ
X X X X X X

provam-se de modo análogo. Teremos então provado que


Z Z Z Z
g + dµ = f + dµ, g − dµ = f − dµ,
X X X X

o que implica imediatamente a Proposição.

Um resultado semelhante à Proposição 95, para limites de sucessões de funções requer alguma
prudência:

Proposição 96 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e uma sucessão de funções integráveis,
© ª
fk : X 7→ R, k ∈ N , tal que Z
lim |fk | dµ = 0.
k→∞ X
© ª
Então, existe uma subsucessão fkj , j ∈ N , tal que

lim fkj (x) = 0, para quase todo x ∈ X.¤


j→∞

Demonstração. Pretende-se provar que


µ½ ¾¶
¯ ¯
µ ¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) 6= 0 = 0.
j→∞
© ª
Por hipótese, {fk } admite uma subsucessão fkj , j ∈ N , tal que
Z
¯ ¯
¯fk ¯ dµ < 1 , ∀j ∈ N.
X
j
j2j

Note-se que esta desigualdade implica:


Z Z Z
1 ¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ¯
> ¯ f k
¯ dµ = ¯ fk
¯ dµ + ¯fkj ¯ dµ ≥
j2j X
j
{x∈X:|fkj (x)|≥ 1j }
j
{x∈X:|fkj (x)|< 1j }
Z µ½ ¾¶
¯ ¯ ¯ ¯ 1
≥ ¯fkj ¯ dµ ≥ 1 µ x ∈ X : ¯fkj (x)¯ ≥ ,
{x∈X:|fkj (x)|≥ 1j } j j

ou seja, µ½ ¾¶
¯ ¯ 1 1
µ x ∈ X : ¯fkj (x)¯ ≥ < j.
j 2
Fixe-se ε > 0. Então
½ ¾
¯ ¯
x ∈ X : lim sup ¯fkj (x)¯ ≥ ε = {x ∈ X : ∀j ∈ N ∃m ≥ j, |fkm (x)| ≥ ε} =
j→∞

\ +∞
[
= {x ∈ X : |fkm (x)| ≥ ε} ,
j∈N m=j

39
Logo, verifica-se a relação
½ ¾ +∞

¯ ¯ ¯ ¯ ª
¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) ≥ ε ⊂ x ∈ X : ¯fkj (x)¯ ≥ ε ,
j→∞
j=J

qualquer que seja J ∈ N. Em particular, para qualquer J > 1ε , verifica-se


½ ¾ +∞[½ ¾
¯ ¯ ¯ ¯ 1
¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) ≥ ε ⊂ ¯
x ∈ X : fkj (x) ≥ ¯ .
j→∞ j
j=J

Logo,
 
µ½ ¾¶ [½
+∞ ¾
¯ ¯ ¯ ¯ 1
µ x ∈ X : lim sup ¯fkj (x)¯ ≥ ε ≤ µ x ∈ X : ¯fkj (x)¯ ≥ ≤
j→∞ j
j=J
+∞ µ½
X ¾¶
¯ ¯ 1
≤ µ ¯ ¯
x ∈ X : fkj (x) ≥ ≤
j
j=J
+∞
X 1 1
≤ = J−1 .
2j 2
j=J

Fazendo J → ∞, conclui-se que


µ½ ¾¶
¯ ¯
µ ¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) ≥ ε = 0, ∀ε > 0.
j→∞

Daı́ se conclui que


µ½ ¾¶ à ¾!
¯ ¯ [ ½ ¯ ¯ 1
µ ¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) 6= 0 = µ x ∈ X : lim sup ¯fkj (x)¯ ≥ ≤
j→∞ j→∞ m
m∈N
X µ½ ¾¶ X
¯ ¯ 1
≤ µ ¯ ¯
x ∈ X : lim sup fkj (x) ≥ = 0,
j→∞ m
m∈N m∈N

q.e.d..

9 Teoremas de Convergência
A vantagem decisiva do integral de Lebesgue em relação ao integral de Riemann é a facilidade com
que se estudam sucessões de funções e respectivos integrais quando o integral é definido nos termos
da Definição 85. Nesta Secção apresentam-se os resultados básicos relativos a este tipo de problema.

Teorema 97 (Teorema da convergência monótona de Lebesgue) Considere-se um espaço de


medida, (X, A, µ), e seja {fk : X 7→ [0, +∞] , k ∈ N}, uma sucessão de funções mensuráveis tais que

0 ≤ fk (x) ≤ fk+1 (x) , ∀k ∈ N, q.t.p. [µ] .

Então, existe uma função mensurável f : X 7→ [0, +∞], tal que

f (x) = lim fk (x) , q.t.p. [µ]


k→∞

e verifica-se Z Z
f dµ = lim fk dµ.¤
X k→∞ X

40
Demonstração. Fixe-se um conjunto N ∈ A tal que µ (N ) = 0 e

0 ≤ fk (x) ≤ fk+1 (x) , ∀k ∈ N, ∀x ∈ N c ;

Considere-se a sucessão 
 fk (x) , se x ∈ N c ;
f˜k (x) =
 0,se x ∈ N.
n o
Então, f˜k é uma sucessão de funções mensuráveis que verifica

0 ≤ f˜k (x) ≤ f˜k+1 (x) , ∀k ∈ N, ∀x ∈ X. (15)

Logo, existe uma função f : X 7→ [0, +∞], tal que

f (x) = lim fk (x) , ∀x ∈ X,


k→∞

e o Corolário 67 garante que f é mensurável. Além disso, a Proposição 95 garante que


Z Z
fk dµ = f˜k dµ, ∀k ∈ N.
X X

Tendo em conta a Proposição 81, a desigualdade 15 implica


Z Z Z
f˜k dµ ≤ f˜k+1 dµ ≤ f dµ, ∀k ∈ N.
X X X
R
Logo, existe lim fk dµ e satisfaz
k→∞ X
Z Z
lim fk dµ ≤ f dµ.
k→∞ X X

P
m
Para provar a desigualdade recı́proca, considere-se uma função simples mensurável, s (x) = αi χAi (x) ,
i=1
tal que
0 ≤ s (x) ≤ f (x) , ∀x ∈ X. (16)

Seja c ∈ ]0, 1[, uma constante, e seja


n o
Bk = x ∈ X : f˜k (x) ≥ cs (x) .

O Corolário 65 garante que Bk ∈ A, ∀k ∈ N. Além disso, verifica-se

Bk ⊂ Bk+1 , ∀k ∈ N.

Então, usando a Proposição 81, obtém-se


Z Z Z m
X
fk dµ ≥ fk dµ ≥ c s dµ = c αi µ (Ai ∩ Bk ) .
X Bk Bk i=1

Logo, a Proposição 44 garante que


Z m
X m
X Z
lim fk dµ ≥ c αi lim µ (Ai ∩ Bk ) = c αi µ (Ai ) = c s dµ.
k→∞ X k→∞ X
i=1 i=1

41
Fazendo c → 1, obtém-se Z Z
lim fk dµ ≥ s dµ.
k→∞ X X

Como esta desigualdade é válida para toda a função simples que satisfaça (16), conclui-se que
R R
lim X fk dµ ≥ X f dµ.
k→∞

Corolário 98 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja {fk : X 7→ [0, +∞] , k ∈ N}, uma
sucessão de funções mensuráveis. Então

XZ Z ÃX !
fk dµ = fk dµ.¤
k∈N X X k∈N

Corolário 99 Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja f : X 7→ [0, +∞], uma função
mensurável em relação a A. A aplicação η : A 7→ [0, +∞], definida por
Z
η (A) = f dµ, A ∈ A,
A

é uma medida.¤

Demonstração. Da definição, resulta imediatamente que η (∅) = 0. Seja {Ak ∈ A, k ∈ N} uma


P
sucessão tal que Aj ∩ Ak = ∅ ∀j 6= k. Nesse caso, verifica-se χ S Ak = χAk , e o Corolário 98
k∈N k∈N
implica que
à ! Z Z ÃX !
[ XZ X
η Ak = fχ S Ak dµ = f χ Ak dµ = f χAk dµ = η (Ak ) .
k∈N X k∈N X k∈N k∈N X k∈N

Teorema 100 (Lema de Fatou) Considere-se um espaço de medida, (X, A, µ), e seja
{fk : X 7→ [0, +∞] , k ∈ N}, uma sucessão de funções mensuráveis. Então
Z µ ¶ Z
lim inf fk dµ ≤ lim inf fk dµ. ¤ (17)
X k→∞ k→∞ X

Demonstração. Seja {gk }, a sucessão definida por

gk (x) = inf fj (x) .


j≥k

Então, {gk } é uma sucessão de funções mensuráveis e verifica

gk (x) ≤ gk+1 (x) ≤ fk+1 (x) , ∀k ∈ N, x ∈ X.

Então, a Proposição 81 garante que


Z Z
gk dµ ≤ fk dµ, ∀k ∈ N,
X X

pelo que Z Z
lim inf gk dµ ≤ lim inf fk dµ. (18)
k→∞ X k→∞ X

42
O Teorema da Convergência monótona de Lebesgue garante que x 7→ lim gk (x) é mensurável e
k→∞
Z Z µ ¶ Z µ ¶
lim gk dµ = lim gk dµ = lim inf fk dµ.
k→∞ X X k→∞ X k→∞

Logo, a desigualdade (18) reduz-se à desigualdade (17).

Teorema 101 (Teorema da convergência dominada de Lebesgue) Considere-se um espaço de


© ª
medida, (X, A, µ), e seja fk : X 7→ R, k ∈ N , uma sucessão de funções mensuráveis verificando as
seguintes condições:

1. Existe uma função f : X 7→ R, tal que

lim fk (x) = f (x) , q.t.p. [µ] ;


k→∞

2. Existe uma função integrável, g : X 7→ [0, +∞], tal que

|fk (x)| ≤ g (x) , ∀k ∈ N, q.t.p. [µ] .

Então, Z Z Z
lim |fk − f | dµ = 0, lim fk dµ = f dµ.¤
k→∞ X k→∞ X X

Demonstração. O Corolário 67 garante que f coincide em quase todo X com uma função
mensurável. Logo, podemos supor sem perda de generalidade que f é mensurável (caso contrário
pode ser substiuı́da por uma função mensurável que difere de f apenas num conjunto de medida
nula). Tendo em conta que
|f (x)| ≤ g (x) , q.t.p. [µ] ,

obtém-se
|fk (x) − f (x)| ≤ 2g (x) , q.t.p. [µ] .

Logo, usando o Lema de Fatou, obtém-se


Z Z Z
2g dµ = lim (2g − |fk − f |) dµ ≤ lim inf (2g − |fk − f |) dµ =
X k→∞ k→∞
ZX Z X

= 2g dµ − lim sup |fk − f | dµ


X k→∞ X
R
Tendo em conta que X
g dµ < +∞, esta desigualdade é equivalente a
Z
lim sup |fk − f | dµ ≤ 0. (19)
k→∞ X
R R
Além disso, tendo em conta que X |f | dµ < +∞ e X |fk | dµ < +∞∀k ∈ N, obtém-se
¯Z Z ¯ ¯Z ¯ Z
¯ ¯ ¯ ¯
¯ f dµ − fk dµ¯ = ¯ f − fk dµ¯¯ ≤
¯ ¯ |f − fk | dµ,
¯
X X X X
R R
o que, juntamente com a desigualdade (19) implica limk→∞ X
fk dµ = X
f dµ.

43
10 Relação entre o integral de Lebesgue e o integral de Rie-
mann
O teorema seguinte mostra que o integral de Lebesgue é uma extensão do integral de Riemann.

Teorema 102 Considere-se um conjunto compacto, A ⊂ Rn , e seja f : A 7→ R, uma função in-


tegrável no sentido de Riemann. Então, f é integrável em relação à medida de Lebesgue. Nesse caso,
o integral de Riemann e o integral em ordem à medida de Lebesgue tomam o mesmo valor.¤

Demonstração. Sem perda de generalidade, pode-se supor que o conjunto A é um rectâgulo.


Se f é integrável no sentido de Riemann, então existe uma sucessão de partições de A, {Pk , k ∈ N},
que verifica as seguintes condições:

1. Para qualquer k ∈ N, Pk+1 é um refinamento de Pk ;

2. lim L (f, Pk ) = lim U (f, Pk ).


k→∞ k→∞

Sk
m
Para cada uma das partições Pk , indique-se por A = Ei , a correspondente decomposição de A
i=1
em rectângulos não sobrepostos, e sejam

y i = inf f (x) , y i = sup f (xi ) , i = 1, 2, ..., mk .


x∈Ei x∈Ei

As somas de Darboux são


mk
X mk
X
L (f, Pk ) = y i C (Ei ) , U (f, Pk ) = y i C (Ei ) .
i=1 i=1

Considerem-se as funções simples


mk
X mk
X
sk (x) = y i χEi (x) , Sk (x) = y i χEi (x) .
i=1 i=1

As desigualdades
sk (x) ≤ sk+1 (x) ≤ f (x) ≤ Sk+1 (x) ≤ Sk (x) , k∈N
são satisfeitas por quase toda a parte em relação à medida de Lebesgue. Logo, os limites lim sk (x),
k→∞
lim Sk (x) existem para quase todo x ∈ A e verificam
k→∞

lim sk (x) ≤ f (x) ≤ lim Sk (x) , q.t.p. [λ] .


k→∞ k→∞

Além disso,
Z mk
X mk
X
Sk dλ = y i λ (Ei ) = y i C (Ei ) = U (f, Pk ) ;
A i=1 i=1
Z mk
X mk
X
sk dλ = y i λ (Ei ) = y i C (Ei ) = L (f, Pk ) .
A i=1 i=1

Logo, a Proposição 96 garante que

lim (Sk (x) − sk (x)) = 0, q.t.p. [λ] ,


k→∞

44
ou seja
lim sk (x) = f (x) = lim Sk (x) , q.t.p. [λ] .
k→∞ k→∞
Por hipótese, f é uma função limitada e A é um conjunto de medida finita. Logo, o teorema da
convergência dominada garante que
Z Z Z
f dλ = lim sk dλ = lim L (f, Pk ) = f (x) dx,
A k→∞ A k→∞ A
R R
em que A
f (x) dx indica o integral de Riemann e A
f dλ indica o integral de Lebesgue.

11 Alguns exemplos
Nesta Secção apresentam-se alguns exemplos de aplicações das propriedades apresentadas nas Secções
9 e 10.
R +∞ 1
Exemplo 103 Calcular lim 0 log(2+(1+x)−n )+x2
dx.
n→∞
1
Fazendo fn (x) = log 2+(1+x)−n +x2 , facilmente se verifica que {fn } é uma sucessão de funções
( )
contı́nuas, logo mensuráveis e

0 ≤ fn (x) ≤ fn+1 (x) , ∀n ∈ N, x ∈ ]0, +∞[ .

Logo, o teorema da convergência monótona garante que


Z +∞ Z +∞ ³ ´ Z +∞
1
lim fn (x) dx = lim fn (x) dx = dx =
n→∞ 0 0 n→∞ 0 log 2 + x2
· ¸b
1 x π
= lim √ arctg √ = √ .¤
b→+∞ log 2 log 2 0 2 log 2
Exemplo 104 Considere-se a sucessão de funções
µ ¶
3 1
fn (x) = 6n x − x χ[0, 1 ] (x) , x ∈ R, n ∈ N.
n n

Pretende-se calcular Z
2
lim fn (x) esin x
dx.
n→∞ R
Note-se que Z Z 1
2 2
fn (x) esin x dx = fn (x) esin x dx, ∀n ∈ N.
R 0
¡ ¢
Para cada n ∈ N, a função Fn (x) = 3n2 x2 − 2n3 x3 χ[0, 1 ] (x) + χ] 1 ,+∞[ (x) é uma primitiva de fn .
n n
Logo, usando integração por partes obtém-se
Z Z 1
2 2 2
fn (x) esin x dx = esin 1 − Fn (x) esin x 2 cos x sin x dx, ∀n ∈ N.
R 0

Pode-se verificar que

0 ≤ Fn (x) ≤ Fn+1 (x) , ∀x ∈ [0, 1] , n ∈ N;


lim Fn (x) = 1, ∀x > 0.
n→∞

Logo, o teorema da convergência monótona garante que


Z Z 1
sin2 x sin2 1 2
lim fn (x) e dx = e − esin x 2 cos x sin x dx = 1. ¤
n→∞ R 0

45
R 1 +∞
P 1
Exemplo 105 Calcular 0 1+(n+x)2
dx.
n=0
O Corolário 98 garante que
Z +∞
1X +∞ Z 1
X +∞
X
1 1 π
2 dx = 2 dx = (arctg (n + 1) − arctg (n)) = .
0 n=0 1 + (n + x) n=0 0 1 + (n + x) n=0
2
R +∞ 2
Exemplo 106 Calcular lim 1 n x1+x
−x 1
3 sin nx dx.
n→∞ n
Note-se que
Z +∞ Z +∞ 1
x2 − x 1 x − 1 sin nx
lim n sin dx = lim 1 χ[ 1 ,+∞[ (x) dx.
n→∞ 1
n
1 + x3 nx n→∞ 0 1 + x3 nx n

1
x−1 sin nx
A sucessão fn (x) = é uma sucessão de funções contı́nuas, logo mensuráveis. As funções
1+x3 nx1
n o
caracterı́sticas χ[ 1 ,+∞[ são óbviamente mensuráveis, logo fn χ[ 1 ,+∞[ , n ∈ N é uma sucessão de
n n
funções mensuráveis. Além disso:
¯ ¯
¯ sin 1 ¯
• ¯ 1nx ¯ ≤ 1, ∀x > 0, n ∈ N;
nx

1
sin
• lim 1
nx
= 1, ∀x > 0;
n→∞ nx
¯ ¯
¯ x−1 ¯ c
• Existe uma constante c < +∞, tal que ¯ 1+x 3¯ ≤ 1+x2 , ∀x > 0.

x−1
Isto implica que lim fn (x) χ[ 1 ,+∞[ (x) = 1+x3 e
n→∞ n

¯ ¯ c
¯ ¯
¯fn (x) χ[ 1 ,+∞[ (x)¯ ≤ , q.t.x ∈ [0, +∞[ , ∀n ∈ N.
n 1 + x2
1
Tendo em conta que a função x 7→ 1+x2 é integrável em [0, +∞[, o teorema da convergência dominada
garante que
Z +∞ Z +∞ 1 Z +∞
x2 − x 1 x − 1 sin nx x−1
lim n sin dx = lim 1 χ[ 1 ,+∞[ (x) dx = dx = 0.¤
n→∞ 1
n
1 + x3 nx 0 n→∞ 1 + x3
nx
n
0 1 + x3

12 Integrais em espaços produto


12.1 Produto de σ-álgebras
Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y , providos das σ-álgebras A ⊂ P (X), F ⊂ P (Y ),
respectivamente. O conjunto {A × B : A ∈ A, B ∈ F} é uma famı́la de partes de X × Y , mas não
é, em geral, uma σ-álgebra. Para verificar este facto, considere o seguinte exemplo:

Exemplo 107 Considere-se o caso X = Y = R, A = F = B (R). Qualquer rectângulo compacto,


c
[a, b]×[c, d] é produto cartesiano de dois borelianos. No entanto, o seu complementar, ([a, b] × [c, d]) ,
não admite nenhuma representação na forma de um produto cartesiano de dois borelianos.¤

Definição 108 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y , providos das σ-álgebras A ⊂ P (X),
F ⊂ P (Y ), respectivamente. Chama-se σ-álgebra produto de A por F à σ-álgebra de partes de
X × Y , σ ({A × B : A ∈ A, B ∈ F}). Esta σ-álgebra indica-se por A × F.¤

46
Notação 109 Considerem-se conjuntos X, Y , e seja A ⊂ X × Y . Para cada ponto x ∈ X (fixo),
chama-se secção de A pelo ponto x ao conjunto

Ax = {y ∈ Y : (x, y) ∈ A} .

A secção de A por um ponto y ∈ Y (fixo) é o conjunto

Ay = {x ∈ X : (x, y) ∈ A} . ¤

Proposição 110 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y , providos das σ-álgebras A ⊂
P (X), F ⊂ P (Y ), respectivamente. Para todo A ∈ A × F, x ∈ X, y ∈ Y , verifica-se

Ax ∈ F, Ay ∈ A. ¤

Demonstração. Seja
S = {A ∈ A × F : ∀x ∈ X, Ax ∈ F } .
Pretende-se provar que S = A × F. Dado que S é, por definição um subconjunto de A × F , basta
provar que A × F ⊂ S.
Note-se que
B × C ∈ S, ∀B ∈ A, C ∈ F.
Logo, A × F ⊂ σ (S). Então, para provar que A × F ⊂ S, basta provar que S é uma σ-álgebra de
partes de X × Y . Para provar que X × Y ∈ S, basta notar que, qualquer que seja x ∈ X, se verifica
(X × Y )x = Y ∈ F. Fixe-se um conjunto A ∈ S. Então,
c
(Ac )x = {y ∈ Y : (x, y) ∈ Ac } = {y ∈ Y : (x, y) ∈
/ A} = (Ax ) ∈ F,

logo, Ac ∈ S. Finalmente, considere-se uma sucessão {Ak ∈ S, k ∈ N}. Então,


à ! ( )
[ [
Ak = y ∈ Y : (x, y) ∈ Ak = {y ∈ Y : ∃k ∈ N, (x, y) ∈ Ak } =
k∈N x k∈N
[ [
= {y ∈ Y : (x, y) ∈ Ak } = (Ak )x .
k∈N k∈N

A demonstração de que Ay ∈ A é inteiramente análoga.

Proposição 111 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y , providos das σ-álgebras A ⊂
P (X), F ⊂ P (Y ), respectivamente. Seja f : X × Y 7→ R, uma função mensurável em relação a
A × F. Então:

1. Para cada x ∈ X (fixo), a função y 7→ f (x, y) é uma função mensurável em relação a F;

2. Para cada y ∈ Y (fixo) a função x 7→ f (x, y) é uma função mensurável em relação a A.¤

Demonstração. Fixe-se um ponto x ∈ X, e seja fx : Y 7→ R, a função definida por

fx (y) = f (x, y) , y ∈ Y.

Considere-se um aberto A ⊂ R. Por hipótese, f −1 (A) ∈ A × F. Logo, a Proposição 110 garante que
¡ −1 ¢
f (A) x ∈ F. Para provar a proposição 1 basta notar que
¡ −1 ¢ © ª
f (A) x = y ∈ Y : (x, y) ∈ f −1 (A) = {y ∈ Y : f (x, y) ∈ A} = fx−1 (A) .

47
A demonstração da proposição 2 é inteiramente análoga.

A seguinte Proposição é útil para caracterizar produtos de σ-álgebras.

Proposição 112 Considerem-se dois conjuntos não vazios, X, Y , providos das σ-álgebras A ⊂
P (X), F ⊂ P (Y ), respectivamente. Seja D, um conjunto de partes de X × Y que verifique as
seguintes condições:

1. A × B ∈ D, sempre que A ∈ A e B ∈ F;

2. A\B ∈ D, sempre que A, B ∈ D e B ⊂ A;


S
3. Dada uma sucessão {Ak ∈ D, k ∈ N}, verifica-se Ak ∈ D desde que Ak ∩ Aj , ∀j 6= k.
k∈N

Então, A × F ⊂ D. ¤

Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supor que D é a menor famı́lia que satisfaz
as condições1 a 3. Considere-se a famı́lia

D1 = {C ∈ D : ∀A ∈ A, ∀B ∈ F, C ∩ (A × B) ∈ D} .

Tendo em conta que (A1 × B1 ) ∩ (A2 × B2 ) = (A1 ∩ A2 ) × (B1 ∩ B2 ), conclui-se que D1 satisfaz a
condição 1. Além disso, dados C1 , C2 ∈ D, verifica-se (C1 \C
µ 2 )∩(A ¶
× B) = (C1 ∩ (A × B)) \ (C2 ∩ (A × B)) ,
S S
pelo que D1 satisfaz também a condição 2. Igualmente, Ck ∩ (A × B) = (Ck ∩ (A × B)),
k∈N k∈N
pelo que D1 é um subconjunto de D que satisfaz também as condições 1 a 3. Tendo em conta que D
é a menor famı́la que satisfaz estas condições, conclui-se que D1 = D. Considere-se agora a famı́lia

D2 = {A ∈ D : ∀B ∈ D, A ∩ B ∈ D} .

Tendo em conta que D1 = D, constata-se que D2 satisfaz a condição 1. Repetindo o argumento


anterior, verifica-se que D2 satisfaz também as condições 2 e 3. Logo, D2 = D, ou seja qualquer
intersecção de um número finito de elementos de D é ainda um elemento de D. Isto, juntamente com
as condições 2 e 3, implica que quais quer que sejam A, B ∈ D, verifica-se

A\B = A\(B ∩ A) ∈ D;
A∪B = (A ∩ B) ∪ (A\B) ∈ D.

Logo, qualquer que seja a sucessão {Ak ∈ D, k ∈ N}, verifica-se


 
[ [ [
Ak = Ak \  Aj  ∈ D.
k∈N k∈N j<k

Por hipótese, X × Y ∈ D. Além disso, qualquer que seja A ∈ D, a condição 2 garante que Ac =
(X × Y ) \A ∈ D. Logo, D é uma σ-álgebra que contém a famı́lia {A × B : A ∈ A, B ∈ F}.

48
12.2 Produto de medidas
Teorema 113 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν). Fixe-se um
conjunto A ∈ A × F, e sejam ϕA : X 7→ [0, +∞], ψA : Y 7→ [0, +∞], as funções definidas por

ϕA (x) = ν (Ax ) , x ∈ X;
y
ψA (y) = µ (A ) , y ∈ Y.

Então, ϕA é mensurável em relação a A, ψA é mensurável em relação a F e verifica-se


Z Z
ϕA dµ = ψA dν. ¤ (20)
X Y

Demonstração. Note-se que


Z Z
ϕA (x) = ν (Ax ) = χAx dν = χA (x, y) ν (dy) .
Y Y

Logo, a Proposição 111 garante que a função x 7→ ϕA (x) está bem definida, qualquer que seja
A ∈ A × F . Um raciocı́nio análogo mostra que também a função y 7→ ψA (y) está bem definida,
qualquer que seja A ∈ A × F.
Considerem-se duas sucessões {Bk ∈ A, k ∈ N}, {Ck ∈ F, k ∈ N}, que verifiquem
[
X = Bk , µ (Bk ) < +∞, ∀k ∈ N;
k∈N
[
Y = Ck , ν (Ck ) < +∞, ∀k ∈ N.
k∈N

Sem perda de generalidade, podemos supor que

Bk ⊂ Bk+1 , Ck ⊂ Ck+1 , ∀k ∈ N.

Quaisquer que sejam A ∈ A × F, x ∈ X, k ∈ N, verifica-se


Z Z
ϕA∩(Bk ×Ck ) (x) = χA∩(Bk ×Ck ) (x, y) ν (dy) = χAx ∩Ck (y) χBk (x) ν (dy) =
ZY Y

= χAx ∩Ck (y) ν (dy) χBk (x) = ν (Ax ∩ Ck ) χBk (x) . (21)
Y

Então, a Proposição 44 garante que

ν (Ax ) = lim ν (Ax ∩ Ck ) , 0 ≤ ν (Ax ∩ Ck ) ≤ ν (Ax ∩ Ck+1 ) , ∀k ∈ N.


k→∞

Logo, para todo o x ∈ X verifica-se

lim ν (Ax ∩ Ck ) χBk (x) = ν (Ax ) ;


k→∞

0 ≤ ν (Ax ∩ Ck ) χBk (x) ≤ ν (Ax ∩ Ck+1 ) χBk+1 (x) , ∀k ∈ N.

De modo análogo, para todo y ∈ Y verifica-se

limk→∞ µ (Ay ∩ Bk ) χCk (y) = µ (Ay ) ;

0 ≤ µ (Ay ∩ Bk ) χCk (y) ≤ µ (Ay ∩ Bk+1 ) χCk+1 (y) , ∀k ∈ N.

49
© ª
Logo, o Corolário 67 garante que ϕA é mensurável sempre que ϕA∩(Bk ×Ck ) for uma sucessão
© ª
de funções mensuráveis e ψA é mensurável sempre que ψA∩(Bk ×Ck ) for uma sucessão de funções
mensuráveis. O Teorema da convergência monótona prova que a igualdade (20) é satisfeita sempre
que se verificar Z Z
ϕA∩(Bk ×Ck ) dµ = ψA∩(Bk ×Ck ) dν, ∀k ∈ N.
X Y
Fixe-se k ∈ N, e seja S ⊂ A × F , a famı́lia constituida por todos os conjuntos A ∈ A × F que
satisfazem as condições:

1. A função ϕA∩(Bk ×Ck ) : X 7→ [0, +∞] é mensurável em relação a A;

2. A função ψA∩(Bk ×Ck ) : Y 7→ [0, +∞] é mensurável em relação a F;


R R
3. X ϕA∩(Bk ×Ck ) dµ = Y ψA∩(Bk ×Ck ) dν.

Para quaisquer conjuntos B ∈ A, C ∈ F, verifica-se

ϕ(B×C)∩(Bk ×Ck ) (x) = ϕ(B∩Bk )×(C∩Ck ) (x) = ν (C ∩ Ck ) χB∩Bk (x) ;


ψ(B×C)∩(Bk ×Ck ) (y) = ψ(B∩Bk )×(C∩Ck ) (y) = µ (B ∩ Bk ) χC∩Ck (y) .

Pelo que ambas as funções são mensuráveis e verifica-se


Z Z
ϕ(B×C)∩(Bk ×Ck ) dµ = ν (C ∩ Ck ) χB∩Bk (x) µ (dx) = ν (C ∩ Ck ) µ (B ∩ Bk ) =
X
ZX Z
= µ (B ∩ Bk ) χC∩Ck (y) ν (dy) = ψ(B×C)∩(Bk ×Ck ) dν.
Y Y

Isto prova que


{B × C : B ∈ A, C ∈ F} ⊂ S. (22)

Considerem-se dois conjuntos A, B ∈ S, com B ⊂ A. Então,

ϕ(A\B)∩(Bk ×Ck ) (x) = ν ((A\B)x ∩ Ck ) χBk (x) = ν ((Ax ∩ Ck ) \ (Bx ∩ Ck )) χBk (x) =
= (ν (Ax ∩ Ck ) − ν (Bx ∩ Ck )) χBk (x) = ϕA∩(Bk ×Ck ) (x) − ϕB∩(Bk ×Ck ) (x) .

Igualmente, se verifica que

ψ(A\B)∩(Bk ×Ck ) (y) = ψA∩(Bk ×Ck ) (y) − ψB∩(Bk ×Ck ) (y) ,

logo verifica-se
A\B ∈ S.

Dada uma sucessão {Ak ∈ S, k ∈ N}, com Ak ∩ Aj = ∅ sempre que j 6= k, verifica-se


à ! à !
[ X
ϕ(S (x) = ν ((Am )x ∩ Ck ) χBk (x) = ν ((Am )x ∩ Ck ) χBk (x) =
m∈N Am )∩(Bk ×Ck )
m∈N m∈N
X
= ϕAm ∩(Bk ×Ck ) (x) .
m∈N

Igualmente, X
ψ(S Am )∩(Bk ×Ck ) (y) = ψAm ∩(Bk ×Ck ) (y) .
m∈N
m∈N

50
Logo, os Corolários 67 e 98 garantem que
[
Am ∈ S.
m∈N

Então, o Teorema decorre da Proposição 112.


R
Note-se que a demonstração do Teorema 113 prova que X ϕ∅ dµ = 0 e ϕ(S (x) =
P m∈N Am )∩(Bk ×Ck )
ϕAm ∩(Bk ×Ck ) (x) sempre que Aj ∩ Ak = ∅ ∀k 6= j. Por outras palavras, a aplicação A 7→
R
m∈N R
ϕ dµ = Y ψA dν é uma medida definida na σ-álgebra A × F.
X A

Definição 114 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν). Chama-se me-
dida produto de µ por ν à medida (µ × ν) : A × F 7→ [0, +∞], definida por
Z Z
(µ × ν) (A) = ν (Ax ) µ (dx) = µ (Ay ) ν (dy) . ¤
X Y

Proposição 115 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν). A medida
produto é a única medida definida na σ-álgebra A × F que verifica

(µ × ν) (A × B) = µ (A) ν (B) , ∀A ∈ A, B ∈ F . ¤

Demonstração. Seja η : A × F 7→ [0, +∞], uma medida que verifica

η (A × B) = µ (A) ν (B) , ∀A ∈ A, B ∈ F.
³ ´ ³ ´
Fixem-se  ∈ A, B̂ ∈ F com µ  < +∞, µ B̂ < +∞, e seja
n ³ ³ ´´ ³ ³ ´´o
S = C ∈ A × F : η C ∩ Â × B̂ = (µ × ν) C ∩ Â × B̂ .

Por hipótese, verifica-se


{A × B : A ∈ A, B ∈ F} ⊂ S.

Considerem-se dois conjuntos C, D ∈ S, com D ⊂ C. Então,


³ ³ ´´ ³ ³ ´´ ³ ³ ´´
η (C\D) ∩ Â × B̂ = η C ∩ Â × B̂ − η D ∩ Â × B̂ =
³ ³ ´´ ³ ³ ´´
= (µ × ν) C ∩ Â × B̂ − (µ × ν) D ∩ Â × B̂ =
³ ³ ´´
= (µ × ν) (C\D) ∩ Â × B̂ ,

ou seja, (C\D) ∈ S. Dada uma sucessão {Ck ∈ S, k ∈ N}, com Ck ∩ Cj = ∅ sempre que j 6= k,
verifica-se
ÃÃ ! !
[ ³ ´ X ³ ³ ´´ X ³ ³ ´´
η Ck ∩ Â × B̂ = η Ck ∩ Â × B̂ = (µ × ν) Ck ∩ Â × B̂ =
k∈N k∈N k∈N
ÃÃ ! !
[ ³ ´
= (µ × ν) Ck ∩ Â × B̂ ,
k∈N

pelo que [
Ck ∈ S.
k∈N

51
³ ³ ´´ ³ ³ ´´
Então, a Proposição 112 garante que A×F = S, ou seja, η C ∩ Â × B̂ = (µ × ν) C ∩ Â × B̂ ,
∀C ∈ A × F. Tendo em conta que (X, A, µ), (Y, F, ν) são σ-finitos, a Proposição 44 garante que
η (C) = (µ × ν) (C), ∀C ∈ A × F.

A proposição 115 tem o seguinte corolário imediato:

Corolário 116 Considerem-se os espaços Rn , Rm , Rn+m , munidos das respectivas medidas de


Lebesgue, λn , λm , λn+m . Então, λn+m = (λn × λm ) .¤

12.3 Teoremas de Fubini


Teoremas que relacionam integrais em espaços produto com integrais iterados são genéricamente
conhecidos como ”teoremas de Fubini”. Nesta secção apresentam-se dois teoremas deste tipo.

Teorema 117 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν), e seja f : X ×
Y 7→ [0, +∞], uma função mensurável em relação a A × F . Então,
Z Z µZ ¶ Z µZ ¶
f d (µ × ν) = f (x, y) ν (dy) µ (dx) = f (x, y) µ (dx) ν (dy) .¤
X×Y X Y Y X

Demonstração. Considere-se um conjunto A ∈ A × F. O Teorema 113 garante que


Z Z µZ ¶ Z µZ ¶
χA d (µ × ν) = χA (x, y) ν (dy) µ (dx) = χA (x, y) µ (dx) ν (dy) .
X×Y X Y Y X

Logo, o Teorema é verdadeiro para qualquer função simples mensurável, s : X ×Y 7→ [0, +∞]. Fixe-se
uma função mensurável, f : X × Y 7→ [0, +∞] (não necessáriamente simples). O Teorema 74 garante
que existe uma sucessão de funções simples mensuráveis que verifica

0 ≤ s1 (x, y) ≤ s2 (x, y) ≤ ... ≤ sk (x, y) ≤ ... ≤ f (x, y) , ∀ (x, y) ∈ X × Y ;

lim sk (x, y) = f (x, y) , ∀ (x, y) ∈ X × Y.


k→+∞

Então, verifica-se
Z Z
0≤ sk (x, y) µ (dx) ≤ sk+1 (x, y) µ (dx) , ∀y ∈ Y,
X X

e o Teorema da convergência monótona garante que


Z Z
f (x, y) µ (dx) = lim sk (x, y) µ (dx) , ∀y ∈ Y ;
k→∞ X
ZX Z
f d (µ × ν) = lim sk d (µ × ν) .
X×Y k→∞ X×Y

Logo, o Teorema da convergência monótona implica também


Z Z Z µZ ¶
f d (µ × ν) = lim sk d (µ × ν) = lim sk (x, y) µ (dx) ν (dy) =
X×Y k→∞ X×Y k→∞ Y X
Z µ Z ¶ Z µZ ¶
= lim sk (x, y) µ (dx) ν (dy) = χA (x, y) µ (dx) ν (dy) .
Y k→∞ X Y X
R R ¡R ¢
A igualdade X×Y
f d (µ × ν) = X Y
χA (x, y) ν (dy) µ (dx) prova-se de modo análogo.

52
Teorema 118 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν), e seja f : X ×
Y 7→ R, uma função integrável em relação a (µ × ν). Então,
Z Z µZ ¶ Z µZ ¶
f d (µ × ν) = f (x, y) ν (dy) µ (dx) = f (x, y) µ (dx) ν (dy) .¤
X×Y X Y Y X

Demonstração. Tendo em conta a definição de integral e o Teorema 117, obtém-se


Z Z Z
f d (µ × ν) = f + d (µ × ν) − f − d (µ × ν) =
X×Y X×Y X×Y
Z µZ ¶ Z µZ ¶
= f + (x, y) ν (dy) µ (dx) − f − (x, y) ν (dy) µ (dx) .
X Y X Y
R ¡R ¢ R ¡R ¢
Pelo Teorema anterior, os integrais X Y f + (x, y) ν (dy) µ (dx), X Y f − (x, y) ν (dy) µ (dx)
são finitos. Logo, o Teorema 90 garante que
Z Z µZ Z ¶
+ −
f d (µ × ν) = f (x, y) ν (dy) − f (x, y) ν (dy) µ (dx) =
X×Y X Y Y
Z µZ ¶
= f (x, y) ν (dy) µ (dx) .
X Y
R R ¡R ¢
A igualdade X×Y
f d (µ × ν) = Y X
f (x, y) µ (dx) ν (dy) prova-se de modo análogo.

O Teorema 117 tem o seguinte Corolário bastante útil.

Corolário 119 Considerem-se dois espaços de medida σ-finitos, (X, A, µ), (Y, F, ν), e seja f : X ×
Y 7→ R, uma função mensurável em relação a A × F .
R ¡R ¢
Se X Y |f (x, y)| ν (dy) µ (dx) < +∞, então f é integrável em relação a (µ × ν).¤

Demonstração. Basta notar que, pelo Teorema 117, se verifica


Z Z µZ ¶
|f | d (µ × ν) = |f (x, y)| ν (dy) µ (dx) .
X×Y X Y

Referências
[1] Cohn, D. L.: Measure theory. Springer. ISBN: 0817630031. (1994).

[2] Loja Fernandes, R.: O Integral de Lebesgue. Folhas de apoio, IST. (2004).

[3] Rudin, W.: Real and Complex Analysis (Third edition). McGraw-Hill. ISBN 0-07-054234-1 (1987).

53
Índice
σ-álgebra, 10 inversa, 7
de Borel, 13 Inclusão
de Lebesgue, 21 relação de, 6
gerada por uma famı́lia, 12 Integral
produto, 46 de uma função mensurável, 35
Álgebra, 10 de uma função não negativa, 32
de uma função simples positiva, 30
Cardinal, 7
Cardinalidade, 7 Lema
Conjunto de Fatou, 42
λ-mensurável, 18
das partes de um conjunto, 6 Medida, 14
de Cantor, 23 de contagem, 15
de partes de um conjunto, 6 de Lebesgue, 21
finito, 7 de massa unitária, 15
infinito, 7 produto, 51
mensurável, 11 Medida exterior de Lebesgue, 17
em relação à medida exterior de Lebesgue, Multiplicação
18 com infinitos, 30
mensurável no sentido de Lebesgue, 18
Parte negativa de uma função, 35
numerável, 8
Parte positiva de uma função, 35
vazio, 5
Produto
Elemento de σ-álgebras, 46
de um conjunto, 5 de medidas, 51
Espaço
q.t. x ∈ X, 37
de probabilidades, 16
q.t.p.[µ], 37
Espaço de medida, 15
quase toda a parte, 37
σ-finito, 15
quase todo x ∈ X, 37
finito, 15
secção
Função
de um conjunto, 47
Boreliana, 24
Soma
de Dirichlet, 25, 28, 30
com infinitos, 30
integrável, 35
mensurável, 24 Teorema
mensurável no sentido de Lebesgue, 24 da convergência dominada de Lebesgue, 43
parte negativa, 35 da convergência monótona, 40
parte positiva, 35 de Fubini, 52, 53
simples, 28
Variável aleatória, 25
Imagem
de um conjunto por uma função, 7

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