A poesia social de Castro Alves, o romance nordestino de Franklin Távora, a última ficção citadina de Alencar já diziam muito, embora em termos românticos, de um Brasil em crise. De fato, a partir da extinção do tráfico, em 1850, acelera-se a decadência da economia açucareira; o deslocar-se do eixo de prestígio para o Sul e os anseios das classes médias urbanas compunham um quadro novo para a nação, propício ao fermento de ideias liberais, abolicionistas e republicanas. De 1870 a 1890 serão essas as teses esposadas pela inteligência nacional, cada vez mais permeável ao pensamento europeu que na época se constelava em torno da filosofia positiva e do evolucionismo. Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira O suporte intelectual da Geração Materialista ou Geração de 70: - O positivismo de Auguste Comte (Sistema de filosofia positiva): só devem ser considerados como relevantes os fatos positivos, ou seja, aqueles passíveis de análise científica. - O determinismo histórico e geográfico de Hippolyte Adolphe Taine: o comportamento humano, a ser representado pela obra de arte, é determinado por três fatores (meio, raça e momento histórico). - O evolucionismo de Charles Darwin (A origem das espécies – 1859): no processo de evolução das espécies, há uma seleção natural que leva os mais fortes a derrotarem os mais fracos. - O socialismo utópico de Pierre-Joseph Proudhon e o socialismo científico de Karl Marx: na luta de classe , o poder burguês tende a ser superado pela revolução proletário. THE GLEANERS, MILLET (1857) O surgimento das Escolas Realistas As Escolas Realistas constituem as tendências estéticas que correspondem às novas ideias que compreendem três estilos essencialmente antirromânticos e antiburgueses: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Embora apresentem traços específicos que os diferenciam, esses estilos aproximam-se por constituírem uma reação contra o Romantismo, cujas formas foram desgastadas. A França, que concentrou as grandes revoluções europeias do século XIX, foi também o palco onde sugiram as Escolas Realistas, anunciadas desde a fase final do Romantismo, marcadas por uma postura de intervenção crítica, de caráter social. O processo de passagem do Romantismo ao Realismo tem como fio condutor as “narrativas de costumes burgueses”, realizadas por romancistas como Honoré de Balzac (1799-1850), criador de A comédia humana, e Stendhal, pseudônimo literário de Henri Beyle (1783- 1842), que escreveu, entre outros trabalhos, O vermelho e o negro e A cartucha de Parma. Em sentido estrito, Romantismo e Realismo são as grandes correntes estético-literárias que se desenvolveram ao longo do século XIX. ANGELUS, MILLET (1857-1859) O Romantismo se caracterizava fundamentalmente pela ideia de liberdade, entendida como libertação da subjetividade, dos sentimentos, da imaginação criadora, da fantasia, e, consequentemente, de libertação das regras clássicas que condicionavam a criação literária.
Já o Realismo baseia-se nas ideias de racionalidade
e objetividade, propondo retratar fielmente a vida contemporânea (a sociedade burguesa e seus valores), para desnudá-la, criticá-la, transformá-la. As propostas realistas exigem um tipo de representação fotográfica da realidade, que se dá por meio de descrições detalhistas, baseadas nas impressões sensíveis. Por isso, a nova escola domina, sobretudo, as artes plásticas – pintura e escultura – e a literatura. - Nas artes plásticas, destaca-se a pintura de Gustave Courbet e de Edouard Manet. - Na literatura, escandalizavam o público a prosa de Champfleury, Gustave Flaubert, Jules e Edmond de Gouncourt, Guy de Maupassant e Émile Zola; e a poesia de Théophile Gautier, Charles Baudelaire, Leconte de Lisle e Théodore Banville. - Em 1857, Flaubert publica Madame Bovary, obra que tematiza o adultério feminino e questiona os males do casamento, visto como instituição burguesa. Este fato é tido como o marco inicial do Realismo na Europa. A PEQUENA TRICOTEIRA, W. BOUGUEREAU (1882) O Realismo ficcional aprofunda a narração de costumes contemporâneos da primeira metade do século XVIII como Diderot (1713-1784) ou Jane Austen (1775-1815)... Nas primeiras obras desses grandes criadores do romance moderno já se exibiam dons de observação e de análise, razão pela qual não se deve cavar um fosso entre elas e as de Flaubert (1821-1880), Maupassant (1850- 1893) e Machado (1839-1908). Entretanto, é sempre válido dizer que as vicissitudes que pontuaram a ascensão da burguesia durante o século XIX foram rasgando os véus idealizantes que ainda envolviam a ficção romântica. Desnudam-se as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima; e buscam-se para ambas causas naturais (raça, clima, temperamento) ou culturais (meio, educação) que lhes reduzem em muito a área da liberdade. O escritor realista tomará a sério as suas personagens e se sentirá no dever de descobrir-lhes a verdade, no sentido positivista de dissecar os móveis do seu comportamento. Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira O VAGÃO DA TERCEIRA CLASSE, H. DAUMIER (1860-63) Sob vários aspectos, o romance romântico foi cheio de realismo, pois a ficção moderna se constituiu justamente na medida em que visou, cada vez mais, a comunicar o leitor o sentimento de realidade, por meio da observação exata do mundo e dos seres. Assim foi no século XVIII, sobretudo com os ingleses; assim foi na primeira metade do século XIX, com autores que, embora classificados dentro do romantismo, e alguns deles de fato ligados visceralmente à estética romântica, são verdadeiros fundadores do realismo na ficção contemporânea – como Stendhal e Balzac, na França; Gogol, na Rússia; Dickens, na Inglaterra.
Antonio Candido, Presença da Literatura Brasileira – Das Origens ao
Realismo O DESCANSO DA MODELO, ALMEIDA JÚNIOR (1882) Eça de Queirós, escritor português realista autor do clássico O primo Basílio (1878), afirma que “o realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade”. Assim Eça resume os objetivos que norteiam toda a literatura realista: uma representação da realidade que permita compreender a origem das práticas e comportamentos sociais negativos. [...] Havia cinco anos que D. Feliciana o amava. [...] Viam-na corada e nutrida, e não suspeitavam que aquele sentimento concentrado, irritado semanalmente, queimando em silêncio, a ia devastando como uma doença e desmoralizando como um vício. [...] Sempre tivera o gosto perverso de certas mulheres pela calva dos homens, e aquele apetite inflamara-se com a idade. Quando se punha a olhar para a calva do Conselheiro, larga, redonda, polida, brilhante às luzes, uma transpiração ansiosa umedecia-lhe as costas, os olhos dardejavam-lhe, tinha uma vontade absurda, ávida de lhe deitar as mãos, palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-se dela! [...]
O primo Basílio, Eça de Queiróz
OS CAMPONESES DE FLAGEY VOLTANDO DA FEIRA, GUSTAVE COURBET (1855)