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ez mittiplos Retest aly a ere é Se ee ab atoy ae + Organizadoras: ae ees em e Maria erotsianet Leandro es © de Freda Indursky e Maria Cristina Leandro Ferreira 18 edigdo, 1999 Todos os direitos desta edicdo reservados a: Editora SagraLuzzatto Rua Joao Aliredo, 448 - Cidade Baixa 90050-230 - Porto Alegre, RS - Brasil Fone (81) 227-5222 ~ Fax (51) 227-4438 Ligue gratis 0800-51-2269 www.sagra-luzzatto.com. br atendimento@sagra-luzzatto.com.br Editor: Darcy Caetano Luzzatto Supenisio ediotat Elisa Schein Wenzel Luzzatio Capa: Carlos Alberto Gravina Projeto gréico: Fébbrica de palavras Reviséo e preparacio do originais: Heloisa Monteiro Rosario Dados internacionais de Catalogagdo na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Os miditiplos teritérios da Andlise do Discurso / Freda Indursky e Maria Cristina Leandro Ferreira, organizadoras, ~ Porto Alegre : Editora Sagra Luzzatto, 1999, Varios autores, Eibliogratia. ISBN 85-241-0701-4 1. Cultura 2. Literatura |. Indursky, Freda I Leandro Ferreira, Maria Cristina. Comissao editorial da Colegéo Ensaios PPG Letras/UFRGS: Freda Indursky, Rita Terezinha Schmidt, Robert Ponge, Ana Maria Lisboa de Mello, Margarete Schlatter, Marcia Hoppe Navarro e Rosane Saint-Denis Salomoni UNIVE SISBIUFU 235271 7. @ ABE SS E proibida a reprodugao total ou mesmo parcial desta obra sem 0 consentimento prévio da Editora CaPiTULo 18 As enquetes como discurso: um caso de acesso as palavras do racismo ‘Pedro de Souza Quero aqui propor uma anilise da formulagao e da aplicacio de questiondrio, no terreno das praticas de enquetes e pesquisa de opinido, como um processo discursivo. Para isso tomo como objeto uma enquete sobre a existéncia do preconceito racial contra negros no Brasil, realizada em abril de 1995, pelo instituto de pesquisa Da- tafolha. O quadro teérico desta andlise delincia-se a partir de postula- dos ja formulados por Achard (1994). 0 primeiro deles define que o valor da enquete por questionario ou por entrevista consiste no prolongamento de outros atos de discurso. Dai decorre outro postu- lado, segundo o qual a enquete constitui-se de um dispositivo dis- cursivo, ou seja, dito de outro modo, a enquete encerra um funcio- namento em que, mediante o aparato da formulacdo e da aplicagdo do questionério ou da entrevista, produz um jogo de correlagées en- tre posigdes enunciativas e posigées ideoldgicas. Em sintese, diz Achard, “analisar 0 aparelho da enquete como um processo discursivo implica distinguir toda uma série temporal de registros discursivos.” Entre esses, o trabalho de levantamento e a publicacio de resultados s40 os mais visiveis. E exatamente sobre essa série que pretendo efetuar a andlise do material selecionado. A idéia é examinar a relacio discursiva entre o dispositivo de recolhi- mentos de dados — 0 questiondrio — e os resultados obtidos na quanti- ficagio dos dados. A enquete do Datafolha foi aplicada no pafs inteiro para saber se 0 brasileiro, de 16 anos ou mais, tem ou nao preconceito de cor em relacao aos negros. Apés a aplicagao de 5.081 questiondrios, du- rante trés dias em todo o territério nacional, a pesquisa levantou que dez, em cada cem pessoas, “disseram, segundo os relatores do resul- tado, ter algum preconceito”. As respostas ao questiondrio apontam que, entre aqueles que apresentam algum preconceito, 87% nao sao 250 Ss, € que apenas 10% admitem preconceito em suas atitudes. Doze perguntas foram indiretamente formuladas, de modo a ‘ntificar no inquirido deslizes que revelassem comportamentos -conceituosos, apesar de os mesmos afirmarem 0 contrario. Essa contradicdo entre mostrar-se, mas nao se dizer preconceituoso — por ‘vergonha ou cordialidade, levou os pesquisadores do Datafolha a atri- Suir ao brasileiro uma forma particular de racismo: 0 racismo cordial. Nesse resultado da enquete esta o ponto de partida de minha anilise. A questao é saber que horizonte discursivo estabelece a rela- ¢4o entre a forma do questiondrio e 0 sujeito que o responde. O ca- minho é examinar como, através de uma certa modalidade de for- tulacao, o questiondrio constitui e interpela discursivamente o su- jeito da resposta. Tal interpelacdo discursiva aloja-se em uma meméria de si- gnificag6es — 0 interdiscurso ~ na qual o sujeito, ao ser interpelado pelo questiondrio ja tem assinalado o seu lugar para responder. Falo do lugar material, néo enquanto espaco de registros de perguntas e Tespostas, Mas como suporte enunciativo da determinagao de dados efeitos de sentido. E, pois, justamente atendo-se a enunciacéo que descreve o ato de aplicar um questiondrio, que se pode tomar como efeitos tanto a resposta como 0 sujeito que responde. Isso decorre de um protocolo enunciativo pré-construido no instante da modelacao do questiondrio, que deve colocar o inquirido em uma determinada tinica posig&o de resposta. Isso posto, cabe agora perguntar pelo funcionamento discur- sivo que toma, na enquete em foco, o questiondrio como dispositivo. Trata-se de analisar 0 processo pelo qual o questionario encerra um efeito pré-determinado na situacdo de resposta. O questionério do Datafolha consiste de uma pdégina com doze proposigées apresentadas sob a forma de interrogacao. Logo apés a apresentacdo de cada proposicao, seguem-se quatro alternati- vas de respostas previamente formuladas a serem assinaladas com um X, conforme a escolha do inquirido. E importante precisar, no funcionamento enunciativo, as modalidades de formulacao e aplicacdo de questionrio, disponiveis no campo da enquete. Quanto 4 formulacao, sabe-se que as pergun- tas do questiondrio podem ser abertas ou fechadas. Quando fecha- das, pode-se optar por enunciar as alternativas de respostas antes ou depois das perguntas. Tudo depende do grau de controle sobre o efeito-verdade permitido por ambas as grades de preenchimento de 251 Tesposta, orientando para que estas sejam abertas ou fechadas. Quanto 4 aplicacSo, a anotacao das respostas pode ficar a cargo do entrevistador ou do entrevistado. Certamente o imaginério de raci- onalidade centrado na garantia de veracidade dos resultados de uma enquete determina a escolha de uma ou outra modalidade. No caso presente, optou-se para que a marcacio das respostas ficasse a cargo do inquiridor, que deveria enunciar, imediatamente apés ter proferido o enunciado das perguntas, a seqiiéncia de alternativas, uma das quais 0 entrevistado escolheria tao depressa quanto Possivel. A estrutura e 0 contetido do questiondrio da enquete sobre 0 racismo realizada pelo Datafolha é a seguinte: 1. “Negro bom é negro de alma branca”? a) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte d) Discorda totalmente 2. “As tinicas coisas que os negras sabem fazer sio musica e esporte”? @) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte d) Discorda totalmente 3. “Se Deus fez racas diferentes, é para que elas nao se misturem”? a) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte d) Discorda totalmente 4. “Negro, quando néo faz besteira na entrada, faz na saida”? a) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte d) Discorda totalmente 5. “Se pudessem comer bem e estudar, os negros teriam sucesso em qualquer profissdo”? @) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte d) Discorda totalmente 6. “Uma coisa boa do povo brasileiro é a mistura de racas”? @) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte 4) Discorda totalmente 7. “Toda raca tem gente boa e gente ruim, isso ndo depende da cor da pele”? 2) Concorda totalmente b) Concorda em parte c) Discorda em parte 4) Discorda totalmente 8. Quem sao mais inteligentes, os brancos ou os negros? a) Nao existem diferencas b) Os brancos ¢) Os negros 9. Vocé jd votou ou votaria em algum politico negro? @) Fé votou b) Nao votou, mas votaria c) Nao votou e nao votaria 10. O que faria se tivesse um chefe negro? a) Nao se importaria b) Ficaria contrariado, mas procuraria aceitar ©) Nao aceitaria e mudaria de trabalho 252 11. O que vocé faria se vérias familias negras viessem morar na vi- zinhanga? @) Nao se importaria b) Ficaria contrariado, mas procuraria aceitar ¢) Nao aceitaria e mudaria de casa 12. O que vocé faria se um filho ou uma filha casasse com uma pes- Soa negra? @) Nao se importaria 6) Ficaria contrariado, mas procuraria aceitar ©) Nao aceitaria 0 casamento Assim estruturado 0 questionério configura um diagrama da enunciacaio em que, no espaco discursivo entre o enunciado da per- gunta eo da resposta, o sujeito fica submetido a uma relacio inexo- rével com sua fala. Manifesta-se um efeito de enunciagao a partir do qual nada pode ser dito fora da fixidez de sentido imposto pela for- ma de perguntar e de responder. Entre 0 sujeito entrevistado e sua fala introduz-se uma ins- tancia de rarefacio semantica materializada nas alternativas a serem. preenchidas pelo entrevistador. Quer responda A, B, C ou D, 0 su- jeito inquirido é interpelado em uma Posicao da qual nao pode esca- par. Da forma como se estrutura enunciativamente, a cena da aplica- ¢4o do questiondrio emerge regida por uma outra voz cujo efeito é converter 0 entrevistado em refém das palavras alheias. Acontece que as palavras que permeiam o questiondrio jé fo- tam cuidadosamente ajustadas aos efeitos que devem produzir sobre © sujeito da resposta. Trata-se de fazer intervir um crivo heterodoxo que vai interditar qualquer outra possibilidade de relagdo entre o sujeito € 0 ato de dizer; trata-se ainda de intoduzir, do exterior des- ta relacao, a instancia que deve regular a interlocugdo entre entrevis- tador e entrevistado. Tudo se passa como se 0 entrevistado fosse tutelado no exerci- cio de sua fala. Mediante o dispositivo do questionério 0 Sujeito sé tem. acesso as palavras, nfo Ihe compete a escolha e 0 controle delas. Ante a aparente evidéncia com que sao apresentadas, sob a forma de pergun- tas indiretas, afirmacoes instantaneas, 0 sujeito é interpelado em uma Posicio pré-construida no campo discursivo de referéncia. Como se produz essa interpelagio? Qual o lugar material do funcionamento que interdita posicdes subjetivantes de administracao do dizer? Recorro nesse ponto ao esteredtipo tomado como outro dispo- sitivo que participa do modo de formulacao dos enunciados das per- guntas do questionério em questdo. Como dispositivo de esteredtipo quero definir “o funcionamento de certos enunciados que se apre- 253 sentam como evidéncias, indistintamente repetidos e consensual- mente aceitos” (FERREIRA, 1993). Ao longo do questiondrio, as assergées apresentam-se no qua- dro da fixidez dos sentidos, da meméria obcecadamente repetida. Esse efeito de fixidez repercute sobre o modo de formular o enunci- ado da pergunta e conseqiientemente sobre a forma de orientar a resposta. A maneira de dizer amolda o sujeito em uma posicao so- bredeterminada, na qual ele é interpelado para falar sob a perspecti- va do discurso racista. O sujeito é posto nessa posi¢éo como se sem- pre estivesse nela. Eis o trago marcador do estereotipo, ndo como um contetido, mas como um funcionamento: a maneira de dizer a per- gunta coloca ambos — entrevistador e entrevistado — em um dado lugar de fala. Dessa forma, o funcionamento do esteredtipo pode ser carac- terizado como 0 processo discursivo pelo qual se recalca eventuais passagens de outros sentidos que o fluxo do discurso possibilita. Na enquete em anilise, 0 entrevistador ocupa, enquanto funcio enunci- ativa, a posic¢ao dada pela ordem do discurso do racismo. Este, por sua vez, € produto de um determinado dispositivo de saber acerca dos conflitos raciais. De fato, 0 relato dos resultados da pesquisa publicado no jor- nal Folha de Sdo Paulo comeca por uma citago do sociélogo Flores- tan Fernandes: “o brasileiro ndo evita, mas tem vergonha de ter precon- ceito”. Nesta citagdo, é possivel apontar o fragmento do dispositivo de saber que entra na corrente interdiscursiva determinando o que pode ¢ o que nao pode ser dito acerca das diferencas, notadamente no que diz respeito as racas. Noc6es como racismo ou racismo cordial sao nessa corrente in- terdiscursiva — plano de virtuais relacgdes de sentido — 0 invélucro isolador dos fios condutores das significagdes a serem escutadas e faladas na situacao de aplicacao do questionario da enquete. Assim é que racismo cordial & a palavra da ordem do discurso do saber articu- lado como dispositivo sustentado na forma material do esteredtipo. Em que consiste 0 esteredtipo como forma material do dis- curso? Fundamentalmente, ele é um modo particular de funciona- mento baseado no represamento da circulagio dos sentidos. Em uma proposi¢éo como a de nimero 5 do questiondrio — “se pudessem co- mer bem e estudar, os negros teriam sucesso em qualquer profissdo”-, 0 sentido ja est4 fixado no ambito pré-construido do interdiscurso. O fato € que o ato de responder discordando ou concordando, 254 parcial ou integralmente, contorna os limites discursivos da Pposicao do sujeito cuja fala é submetida a um tinico dizer, Este pode ser glo- sado como segue: “negro é, em principio, subnutrido, burro, profissional- mente incapaz e fracassado”. Em outras palayras, se o entrevistado pode ser posto na condicéo de responder sim ou Passa sempre por um mesmo eixo parafrasico. Se pensarmos na forma com que sao modeladas as praticas de aplicagaio de questiondrio, cabe perguntar: 0 que faz com que 0 sujei- to inquirido, aquele que € chamado a responder uma enquete, cie-se, nido, sua resposta enun- tao rapidamente quanto possivel, em acordo ou em desacordo ante afirmacées instantaneamente proferidas? A resposta plausivel a essa questao deve ser buscada no fato de que cada uma das perguntas é, em verdade, uma pergunta discursivamente urdida em um dispo- sitivo: o dispositivo do esterestipo. Este é que funda, enquanto es- tratégia de discurso, as condigées de assujeitamento em causa no Protocolo enunciativo da aplicacao do questiondrio, Em sintese, quero dizer que, em sua forma sintatica e enunci- ativa, 0 enunciado de cada uma das doze perguntas do questionario em anilise tem sua inscrigao discursiva firmada no estereétipo como dispositivo de enunciacao e interpretacao. Dito de outro modo, en- quanto formulas que regem o dizer e os efeitos de significacio, 0 dispositivo do esteredtipo representa, no quadro da enquete sobre o racismo do Datafolha, um Processo discursivo de identificagio do negro que faz circular discursos cuja forca reside na sedimentagio de Sentidos tao explicitamente conhecidos quanto obcecadamente repe- tidos. Diante de assercdes como: “uma coisa boa do povo brasileiro é a mustura de racas”, tudo o que for dito Para acrescentar ou rebater nao Passa de palayras marginais, Tomado como produto desse dispositivo, xa de ser uma mera folha de papel para registro: cumprir uma fungio terceira, a que intervém no espaco entre dois interlocutores, colocando sob controle 0 que deve e o que nao deve ser falado. Assim é que formulas assertivas tais como as enunciadas nas perguntas 7 e 8 do questiondrio: “Toda ra ca tem gente boa e gente ruim, isso néo depende da cor da pele”; “Quem sdo mais inteligentes, os brancos ou os negros”, capturam inquiridor e inquirido pelo efeito ideolégico do discurso que apaga as diferencas urdiveis no real do significante da cor da pele e das singularidades culturais, Vale dizer que o dispositivo do esteredtipo enquanto discurso é tanto meméria quanto esquecimento, no processo de cristalizacao © questiondrio dei- s de respostas para 255 de dados efeitos de sentido e recalcamento de outros. Nisso consiste a produtividade da estereotipia: ela interdita a pluralidade das iden- tidades com seus parametros heterdclitos de valores. Para o discurso logicamente estabilizado, na ética do saber sobre o racismo, valores como superioridade de carater e capacidade intelectual sao termos impossiveis de serem concebidos fora de uma erspectiva universalista. Por essa via € que se historiciza, a partir do contexto colonial, o discurso racista. Em meio a mecanismos ar- gumentativos favordveis ou desfavoraveis, negros e brancos sao confrontados entre si, em diferentes sociedades e culturas, como polos mutuamente ameacadores de suas identidades. A propésito, cabe aqui a explanagao que faz Bhabha (1994) sobre o esteredtipo nas condigées de producao do discurso racista. Diz o autor que a impossibilidade da diferenga ¢ da circulacdo im- posta pela forca do esteredtipo impede a liberaciio do “signficante de pele/cultura das fixag6es da tipologia racial”. O problema, assinala Bhabha, é que “onde quer que vd, 0 negro permanece um negro”. Trata-se de uma condic¢ao inexordvel de heterogeneidade denegada para dar passagem ao discurso do racismo como efeito da teoria e da pratica social. A forma assertiva com que estao formulados os enunciados ds 2, 3.e 4 mostram dois modos pelos quais o estereétipo funciona. Primeiro: a camisa de forca lingiifstica em que 0 efeito discursivo est na incompletude subjacente ao traco do esteredtipo como pleni- tude ameacada. Negro bom é negro de alma branca é uma frase cujo pa- ralelismo sintético permite a associacdo semantica entre os itens le- xicais (bom e de alma branca) vinculados ao mesmo item (negro) que ocupa, simultaneamente, nos termos da gramitica escolar, a Posigao sintatica de sujeito e de predicativo do sujeito. E assim que discursivamente dispée-se de elementos da sis- tematicidade lingitfstica para, no plano do discurso, produzir o efei- to de quebra da imagem de absoluta alteridade, propondo ai, no ponto da quebra, uma metéfora de producao de identidade. Segun- do: 0 efeito de verdade da assercao propiciado pelo jogo do excesso, © que esté dito e o que paira sobre o dizer do momento suplanta os limites do empiricamente observavel e logicamente possivel. Nesse esquema interdiscursivo de assimilagio, mediante a tejeiggo do confronto diferenciador, que tem lugar no significante da cor da pele, toma-se o que no se vé pelo que se vé. O estereétipo assinala a vigéncia da repeticao de uma mesma 256 pauta de sentidos para se referir ao negro. Rudeza, incapacidade, li- cenciosidade designam pontos de cristalizacao discursiva pelos quais se sutura uma falta para que ndo seja impedido o efeito de continui- dade no processo identificatério. Prolifera, nesse jogo matriz de ali- enacao e confrontacao, uma miiltipla cadeia parafrasica de estereéti- pos perpetuando historicamente repeticées mtituas regidas por um mesmo eixo de fixagdo de significagées e constituigdo de alteridade. A anilise proposta da subsidios para uma abordagem do ques- tiondrio formulado pelo Datafolha, néo como instrumento de aferi- ¢ao, mas como um dispositivo de poder assentado em dada formacao discursiva. Nao se trata de entrar no mérito de se é possivel compro- var ou nao a existéncia de certo fenémeno social. Ao tomar a enque- te em foco neste trabalho como um processo discursivo, observa-se que mais que constatar a existéncia de atitudes de preconceitos de cor contra negros no Brasil, a pesquisa efetuada por questiondtio se enquadra, submetida ao interdiscurso do saber sobre as racas, na cristalizacao do discurso racista, constituindo em racistas cordiais os sujeitos da resposta 4 enquete, através do acesso enunciativo as pala- vras do racismo. BIBLIOGRAFIA ACHARD, P. Sociologie du langage et analyse d’enquétes; de I‘hypothése de la rationalité des réponses. Sociéiés Contempo- ratnes, Paris, n. 18/19, juin/sept. 1994, BHABHA, H. The other question, stereotype, discrimination and the discourse of colonoalism. In: The location of culture. Lon- dres/EUA, Routledge, 1994. FERREIRA, M. C. L. A antiética da vantagem e do jeitinho na terra em que Deus é brasileiro; 0 funcionamento discursivo do cli- ché no processo de constituigdo da brasilidade. In: ORLANDI, E. P. (org.). Discurso fundador; a formacao do pais ¢ a construcao da identidade nacional. Campinas, Pontes, 1993. 257

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