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Isso pode parecer complexo demais para o início de um trabalho que pretende
introduzir a “iniciantes” (quem sabe) no assunto, a questão da cultura, da
sociedade e da religiosidade brasileiras. Parece, mas não é. Senão, pense comigo
por um instante (vou convidar muito vocês a esse exercício livre do pensamento,
e o faço desde já):
Além disso, ela convive melhor com a multiplicidade que é inerente ao seu
modo de produzir conhecimento, em conexão respeitosa e crítica com outros
modos, que podem ser tão eficazes ou ineficazes quanto o seu. Aliás, o modo
eficaz, segundo a racionalidade Y, é aquele modo que admite sua ineficácia, que
convive bem com ela, e, mais do que isso, que a celebra.
Por isso, desde já afirmo: o material que você tem em mãos não pretende ser
palavra determinante a respeito de nada, mas apresentar um ponto de vista
possível à questão, admitindo tanto a ineficácia quanto a incompletude de seus
postulados.
O conceito de cultura talvez seja um dos mais difíceis de ser empregados e até
mesmo definidos. Isto, pois “cultura” abrange uma gama de significados. Pode
se conceber cultura como sistema de valores, signos, símbolos, herdados
historicamente e por meio dos quais as pessoas de uma determinada civilização
se comunicam entre si. Há também a concepção de cultura como instrução,
erudição, saber, educação. Além daquela que a entende como expressões
artísticas de todo tipo, expressões da vida material e espiritual dos indivíduos,
abrangendo seu conjunto de crenças, doutrinas e concepções, adotados e
transmitidos de geração em geração. Assim, podemos falar não apenas de
“cultura”, expressando uma coesão, mas de “culturas” híbridas e difusas,
podendo ser comparada a uma “tapeçaria”, complexa, repleta de cores e
nuances por todos os lados.
Essa gama de aspectos pode confundir o leitor no sentido mais estrito de como o
termo será aplicado nesse trabalho. Gosto de pensar na cultura, utilizando a
conhecida frase de Rubem Alves, como “um jeito particular de ser gente”. A
frase engloba três aspectos importantes para se pensar a cultura:
Essa relação “inextricável” é problemática, pois pode soar mais como uma
subtração da cultura pelo social ou uma subtração do social pela cultura do que
uma perspectiva de uma tensão natural entre essas categorias. Tal tensão,
porém, não negligencia as particularidades do social ou do cultural, como em
parte parece fazer esse autor. Na medida do possível, ambas precisam ser
preservadas, para que, como ele mesmo observa, cultura e existência social
“caminhem juntas”.
Um dos autores defensores não da fusão, mas interação dinâmica entre social e
cultural é o francês Michel de Certeau. Em A cultura no plural (2001), esse
autor defende uma concepção menos monolítica de cultura, que exclui as
relações políticas e cotidianas, por exemplo, do âmbito da produção cultural.
Desse modo:
Mais do que um conjunto de “valores” que devem ser defendidos ou idéias que
devem ser promovidas, a cultura tem hoje a conotação de um trabalho que
deve ser realizado em toda a extensão da vida social. Por esse motivo, impõe-
se uma operação preliminar que vise a determinar, no fluxo fecundo da
cultura: um funcionamento social, uma topografia de questões ou tópica, um
campo de possibilidades estratégicas e das implicações políticas (Certeau,
2001, p. 192).
Segundo Peter Burke (2004, p. 147), porém, algumas distinções podem ser
úteis. Sua inclinação seria a de reservar o termo “cultural” para “a história dos
fenômenos que parecem „naturais‟, como os sonhos, e a memória e o tempo”.
Enquanto o termo “social” ele prefere empregar a uma abordagem particular da
história de artefatos obviamente culturais, como a linguagem e o humor. Dessa
maneira, uma idéia não substituiria nem estaria fundida na outra. A idéia de
social, por exemplo, apareceria não eliminada, mas reconfigurada [2] , como
nos estudos historiográficos, que se concentrariam cada vez mais nas diversas
comunidades e suas práticas culturais:
São práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística
ou uma modalidade de ensino, mas também os modos como, em uma dada
sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam,
conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem,
tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros. (Barros, 2005, p. 77).
Para prosseguir, será mister também uma abordagem a algumas bases bíblicas
da cultura.
Imagine um enorme jardim, cheio de flores e plantas dos mais diversos tipos,
repleto de belezas naturais e paisagens estonteantes, que possui uma riqueza e
diversidade tal, como a imagem que muitos de nós temos do Éden, no Gênesis.
Pois bem, tal jardim mantém-se na condição original de “intocado”: o solo, as
plantas, os animais, as flores, árvores e frutos. Mas digamos que o Criador do
jardim resolvesse criar um ser com capacidades congênitas suas, de criar,
cultivar e cuidar. Esse ser, na imagem bíblica, é o humano (Adam), imagem e
semelhança de Deus. Deus fez todas as coisas no princípio, e agora oferece a
dádiva de ser co-criador e mordomo ao ser humano.
Mas com a queda, as coisas que originalmente eram boas foram corrompidas
pelo pecado. Assim, a cultura carrega as marcas da ambigüidade humana, como
elabora Monteiro: “homem-para-Deus versus homem-em-pecado” (idem).
E o grande problema não são as coisas em si, e sim o uso que delas se fez. O
mau-uso das coisas que Deus declarou como sendo boas, bem como a
exploração da natureza pelo homem, ou homens militando contra si mesmos, é
uma expressão do ódio contra o próprio Deus, que os fez. A lei de Deus, por sua
vez, veio para coibir o “mau uso” das coisas em si e todas as artimanhas
provenientes da declaração de total independência do homem contra Deus. Mas
o pecado também fez com que fizéssemos um “mau uso” da lei, que deveria
servir à vida, mas acabou militando contra ela.
Logo, o que era para coibir o mau uso, acabou coibindo a coisa em si, pelo fato
de não conseguirmos, por nós mesmos, vencer o mau uso (Rm 7). O pecado
(outro ser que em nós habita), desse modo, provou-se mais forte que a própria
lei. Assim, Deus se fez lei em nosso lugar (Cristo) e carregou nosso fardo.
Passamos, assim, a viver pela graça.
E para que isso não soe como a idéia, expressa na frase de Protágoras de
Abdera, de que “o homem é a medida de todas as coisas”, poderia ser
acrescentar que tudo aquilo que fere o ser humano e o destrói, também
representa uma afronta contra o Espírito de Deus, e, em muitas circunstâncias,
contra a própria criação. Da mesma forma, infringir e explorar a criação
também representa militar contra a vida humana, e contra o Deus da vida.
Isso, pois, no ser humano coexistem forças de vida e que militam pela vida, e
pulsões de morte, que militam contra a vida, como declara José Comblin:
O que preocupa não é a nossa morte, mas a morte que desencadeamos, que nos
usa como instrumentos para matar os nossos irmãos. Pois, se há em nós forças
de vida que nos permitem criar vida, servir a vida, há também forças de morte
que matam. Somos capazes de destruir e de matar outros seres humanos. (...)
O problema maior não é que vamos morrer, mas que podemos – consciente ou
inconscientemente – matar ou ser coniventes com quem mata aos poucos.
Mata-se até mesmo pela indiferença diante da morte lenta ou rápida dos
outros – que são pessoas como nós (Comblin, 2007, p. 28).
Para Comblin, o problema passa pela liberdade de escolha por vida ou morte
que os seres humanos possuem, que passa pela ação intencional de “matar”, ou
pela própria conivência indiferente para com as realidades de morte que envolve
nossos mais variados contextos de vida.
Desse modo, como já havia sugerido David Bosch (2002, p. 28) ao tratar da
missio Dei (missão de Deus), existe um sim e um não de Deus ao mundo
(cultura). O “sim” de Deus pode se expressar na solidariedade cristã com a
sociedade e na valorização da cultura; o “não”, por sua vez, apareceria como
expressão de nossa oposição e conflito com a mesma. Isso propriamente para
dizer que a igreja – sinal do reino de Deus e instrumento da graça na
reconciliação da cultura – não é nem totalmente idêntica e nem totalmente
avessa à cultura.
Optar pelo ser humano e pela imersão em sua cultura é, portanto, optar pela
vida. E se nossa relação com essa cultura passa pela escolha e preservação do
que constrói e, ao mesmo tempo, denúncia e abandono do que destrói o
humano, nos vemos diante de outra aporia: o que efetivamente promove e o que
destrói? O que aproveitar e o que abandonar da cultura? Qual é o critério que
nos permite responder satisfatoriamente e com um mínimo de consenso a essa
questão?
Entendo que essas perguntas envolvem decisões de cunho ético, que nos conduz
a uma discussão mais ampla e concebida num horizonte teológico de
perspectivas plurais, por exemplo, acerca das opções outrora e atualmente feitas
sobre a cultura, que nos remete à interpretação das Escrituras e análise da
realidade, e a como o protestantismo históricamente tem lidado com a cultura.
Assunto para um tópico a ser desenvolvido adiante, bem como às respostas
posteriores.
Antes, desejo ainda abordar uma última questão dentro desse tópico.
Praticamente todos até hoje concordaram que o evangelho foi concebido dentro
de uma cultura e tempo específicos, com seu povo, ética, costumes e padrões,
construídos num universo plural e tenso, próprios daquela época. Todavia, a
divergência maior está no tipo de relação que há entre a revelação e a cultura, ou
mais precisamente no papel da mediação cultural nos processos revelatórios.
Esse problema está ligado a uma “minimização da razão” (termo utilizado para
designar os métodos e o conteúdo dos conhecimentos pertencentes a uma
cultura) e à “exaltação da revelação” – a qual, por sua vez, indicaria um
conhecimento de Deus derivado de Jesus Cristo e que se encontra numa suposta
“sociedade cristã” (cf. Niebuhr, 1967, p. 101).
Pois bem, já vimos um pouco sobre o que pode ser entendido por cultura, como
ela se manifesta e qual a sua relação com a Bíblia, olhando para esse plano
original de Deus, descrito no livro de Gênesis. Cabe, nesse último tópico, tentar
entender o que é revelação, ou pelo menos delinear uma compreensão possível,
e como ela está relacionada com a questão cultural. Para tanto, meu interlocutor
principal nessa breve conversa será Paul Tillich.
Isso implica pensar que alguma coisa estava oculta e foi revelada. Que coisa é
essa, e de quem ela estava oculta? Parece claro que as coisas ocultas fazem parte
do âmbito do mistério divino. Essa é uma boa palavra para se referir à
revelação, “mistério”. Ora, mas se essa coisa passa a ser revelada ela deixa de ser
mistério, pois chegou ao conhecimento. Como pondera Tillich (idem, p. 98),
“nada do que possa ser descoberto por abordagem cognitiva metodológica
deveria ser chamado de „mistério‟. O que não é conhecido hoje, mas que poderá
ser conhecido amanhã, não é um mistério”.
Antes, respondendo à primeira questão, parece que essa revelação seja a feitura
daquilo que era impossível à razão humana. Ou seja, é uma “manifestação
especial e extraordinária que remove o véu de algo que está escondido de forma
especial e extra-ordinária”. Assim, a razão seria da ordem do ordinário,
enquanto a revelação seria da ordem do extraordinário. Ora, mas restaria algum
papel ou função ao ordinário à medida que o extraordinário acontece? A
resposta a essa pergunta nos conduz ao entendimento que gostaria que
fixássemos nesse instante.
Nesse sentido cabe a distinção entre “religião” e “revelação”. Religião pode ser
entendida, num sentido geral, como o esforço ou conjunto de esforços humanos
plasmados no sentido de alcançar a Deus. Religião é negócio humano. Já
revelação é a automanifestação de Deus, pelos meios que lhe aprouver, ao ser
humano e por amor a ele. Revelação é negócio divino. É, na definição de Tillich,
“a manifestação daquilo que nos diz respeito de forma última. O mistério
revelado é de preocupação última para nós porque é o fundamento de nosso ser”
(Tillich, 1987, p. 98).
Eis que então entra a função da razão e cultura humanas nesse processo. Para
que a revelação fosse inteligível ao ser humano, Deus escolheu formas
ordinárias para manifestar o extraordinário. Há, portanto, uma correlação entre
eles.
E também o ponto de contato entre a revelação e a cultura, visto que Jesus foi
um homem de sua cultura, judeu de nascimento, filho de Maria e José, nascido
em Belém, criado em Nazaré da Galiléia, aprendiz de uma profissão, a de
carpinteiro, e também aprendiz e seguidor da lei e dos costumes religiosos
judaicos. Esse contato cultural se deu para revelar ao ser humano coisas
profundas sobre Deus e coisas profundas sobre ele mesmo. Afinal, Deus habitou
entre nós em forma humana.
E quando Jesus inicia seu ministério e começa a falar sobre o reino de Deus e a
ministrar à vida de seus concidadãos terrenos, ele o faz em termos culturais. Sua
linguagem expressa a revelação de Deus, de seu reino e sua vontade para o ser
humano nos termos e imagens daquela cultura, sendo um aprendiz de sua
cultura, contando histórias que têm a ver com a vida de seu povo, e participando
da celebração da vida por meio da festa e do sofrimento humano, em diversas
circunstâncias.
Em segundo lugar, Deus se revela por meio das palavras daqueles que deram
testemunho de seu filho, Jesus Cristo, que compõem a Bíblia. E essa revelação
escrita se dá não somente por meio de linguagem humana, como nos termos da
própria cultura do ouvinte. Trata-se de um processo dinâmico de inspiração das
Escrituras; dinâmico, digo, pois significa interação entre o sopro divino e a
linguagem e formas de pensamento humano imersas dentro de uma cultura
específica, a qual, como vimos, possui elementos tanto da imagem de Deus
como do pecado humano e que, portanto, é ambígua, isto é, nem totalmente
boa, mas também nem totalmente pérfida.
É claro, portanto, que o Novo Testamento utiliza, para ilustrar a vida cristã, os
conceitos de virtude, de ordem, de subordinação, em suma, a trama de relações
e regulamentações sociais aceitas como positivas na cultura do momento. O
crente não é chamado para retirar-se a uma ilha onde domine outra ordem e
outra cultura, mas para participar na trama de relações e exigências de seu
meio. O Novo Testamento encontra nas normas e formas da cultura uma
linguagem adequada para expressar a natureza do amor que em Jesus Cristo o
cristão aprendeu e recebeu – o novo homem pode viver nesse clima (Bonino,
1982, p. 103).
Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como convém a quem está no
Senhor. Maridos, ame cada um a sua mulher e não a tratem com amargura.
Filhos, obedeçam a seus pais em tudo, pois isso agrada ao Senhor. Pais, não
irritem seus filhos, para que eles não desanimem. Escravos, obedeçam em tudo
a seus senhores terrenos, não somente para agradá-los quando eles estão
observando, mas com sinceridade de coração, pelo fato de vocês temerem o
Senhor. Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e
não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da
herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo. Quem cometer
injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para ninguém.
(Colossenses 3.18-25 - NVI).
Essa é uma típica amostra de como na Bíblia muitos dos preceitos estão
estreitamente vinculados a padrões morais e éticos que concernem a uma dada
cultura; e no caso podemos falar de cultura no plural, já que o mundo do Novo
Testamento emerge entre padrões judaicos, mas também helênicos. E no meio
dessas “conveniências” culturais, de virtudes como a sinceridade, a tolerância e
o respeito ao outro dentro de tradições próprias, há também a expressão de
valores divinos absolutos e eternos, tais como o amor, a justiça, e a obediência
ao Senhor em primeiro lugar.
Isso é mais um dado que inclusive reforça o argumento de que a aplicação aos
dias de hoje de textos como esse, que trazem regras específicas para a defesa das
quais o apóstolo em momento algum parece evocar a autoridade do evangelho,
precisam de uma devida contextualização.
Nesse texto, vemos Paulo sugerindo a maridos, esposas, filhos, pais, escravos e
senhores que continuem se subordinando às regras estabelecidas pelas
convenções sociais. Os limites, se assim podemos dizer, da subordinação e
valorização de tais regras são estabelecidos com a relativização destes à luz de
um critério maior: tudo se faz “ao Senhor”, como “para o Senhor”, agradando ao
Senhor, temendo ao Senhor, em serviço ao Senhor, esperando a recompensa
que virá do Senhor. Essa é a “regra suprema”.
Nesse sentido é que Deus amou o mundo – encarnando-se nele – e nos convida
a amá-lo por meio da encarnação na realidade em conjunto com a submissão ao
propósito redentor de Deus na cultura. Esse amor não se conjuga na aplicação
de um legalismo piedoso que se detém na simples exortação verbal de como as
pessoas devem viver: “faça isso, não mexa naquilo, não toques naquilo outro”, e
assim por diante. O amor tem a ver com o envolvimento e compromisso de
mudar o mundo, primeiramente por meio da mudança de nossa mentalidade
acerca de qual é o nosso papel nesse mundo. Assim, nas palavras de José
Miguez Bonino:
Bem, nas páginas que se seguiram, tentei esboçar de modo introdutório uma
discussão sobre a “cultura no plural”, tendo em vista que ela será o mote desse
trabalho, embora se queira abordar também a sociedade e principalmente a
religiosidade brasileiras.
3) Dentro de um prisma teológico, deve ser pensada a partir de sua relação com
a revelação. Não há revelação fora da cultura; assim, a premissa de sua
redenção passa pelo modo da encarnação e contextualização [3] do evangelho
e não pelo modo do escapismo ou demonização da cultura.
Entretanto, vale como observação final reiterar que o mundo e a cultura são o
contexto da missão, onde os cristãos vivem sua obediência a Jesus Cristo. Só
que o mundo, por si só, não estabelece a “agenda” da missão. Ouvir o mundo
ajuda a estabelecer critérios e ações estratégicos, bem como assegura um pouco
mais a relevância da mensagem, mas, como afirma Andrew Kirk (2006), “nunca
pode definir as metas finais da missão”. Tais metas, por sua vez, seriam
estabelecidas, com indica o autor, através de uma profunda reflexão do
significado do evangelho: “É por meio de uma interação constante com as
afirmações fundamentais da fé que a Igreja pode discernir formas específicas
através das quais a realidade de Jesus Cristo é boa nova para um contexto em
particular” (Kirk, 2006, p. 128).
Esse conflito é inevitável, pois somos diversos e nossas leituras também serão.
Uma saída próxima rumo à conciliação seria a maior valorização do que é
essencial e negociação de questões não essenciais no evangelho. Outra
importante questão é a dos riscos. Não se pode evitá-los, à medida que
ingressamos nessa relação com o mundo e buscamos respostas adequadas.
Portanto, aprender a correr riscos e lidar com eles é tão inevitável quanto é
importante, pois apenas reforça o fato de que somos vulneráveis e carecemos de
um exame sempre constante de consciência e espírito diante de Deus, bem
como de reconhecer nossa dependência do Espírito nesse processo. Se a Igreja
perde essa dimensão de vulnerabilidade e dependência, ela corre o risco de ser
cooptada pelo sistema, tornando-se refém das normas egoístas, iníquas e
opressoras que gravitam nas relações sócio-culturais num mundo caído.
Para finalizar essa primeira parte de nosso estudo, convido você a observar as
resoluções práticas que Marcos Monteiro expõe em sua reflexão sobre a “Missão
Integral e a Cultura”, conforme se subscreve abaixo:
Notas
[1] “Hibridismo” aqui indica a mescla, estratégica ou processual, entre diferentes conceitos e
suas particularidades (tal como cultura e sociedade), seja em termos estritamente acadêmicos e
didáticos, ou em função de uma observação da realidade, que pode em si apresentar indícios de
tal combinação.
[2] Isso, pois a idéia de social no campo das ciências humanas em geral esteve, durante muito
tempo, restrita às categorias de interpretação marxista, que via as “idéias” (dentro do qual está o
campo cultural) como submetidas ao social, e a história um campo de forças de uma luta entre
classes. Com os marxistas da escola inglesa, porém, cujas produções remontam os anos 1960, o
“mundo da cultura”, segundo José D‟Assunção Barros, passa a ser integrante do “modo de
produção”, e não um mero reflexo do econômico ou social. “Existiria, de acordo com esta
perspectiva, uma interação e uma retro-alimentação contínua entre Cultura e as estruturas
econômico-sociais de
[3] Contextualização, aqui, aparece como um paradigma inerente à natureza da encarnação,
pois essa indica não somente uma imersão na realidade, mas numa releitura do evangelho à luz
dessa realidade, pois sua comunicação e aceitação ali dependem da inteligibilidade aos povos
pertencentes a um determinado contexto. Consiste, portanto, como afirma Andrew Kirk (2006),
“no esforço da Igreja em ser fiel ao evangelho e relevante ao momento histórico em particular”.
Como ainda elucida o autor: “O conceito começou a ser reconhecido no início dos anos 1970, na
arena da educação teológica. Ele pretende ser encarado mais como um método teológico que
requer compromissos ideológicos específicos para transformar situações de injustiça social, de
alienação política e de abuso dos direitos humanos” (Kirk, 2006, p. 127).