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Simondon e o Transindividual - Victorio Morfino
Simondon e o Transindividual - Victorio Morfino
Vittorio Morfino
sociedade, nem pré-existência desta com relação àquele. Para resumir de maneira
extremamente sintética o difícil percurso teórico através do qual Simondon chegou a
esboçar essa via alternativa, pode-se reduzi-lo à enunciação de duas teses filosóficas de
extrema importância, através das quais é traçada uma linha clara de demarcação com
respeito à tradição metafísica ocidental:
1) primado do processo de individuação sobre o indivíduo;
2) primado da relação sobre os termos da relação.
A própria noção de princípio não é outra coisa que uma duplicação conceitual da
individualidade do indivíduo, um pressuposto que serve para dar razão às características
definitivas do indivíduo. Trata-se, ao contrário, segundo Simondon, de conhecer o
indivíduo através da individuação, e não a individuação a partir do indivíduo, em outras
palavras, trata-se de inverter radicalmente a perspectiva da qual se observou o indivíduo,
afirmando veementemente o primado da individuação:
O indivíduo seria, então, apreendido como uma realidade relativa, como
uma certa fase do ser que supõe, como ela, uma realidade pré-individual,
e que, mesmo após a individuação, não existe totalmente só, pois a
individuação não esgota, de um golpe só, todos os potenciais da
2
G. Simondon, L’individuation psychique et collective à la lumière des notions de Forme, Potentiel et
Métastabilité, Paris, Edition Aubier, 20072, p. 9 ; trad. italiana organizada por P. Virno, Roma,
DeriveApprodi, 2001, p. 25.
3
Se o indivíduo, então, é pensado não como um dado que tem sua razão de ser
conferida por seu duplo conceitual, o princípio, mas é pensado como o resultado de um
processo, aparece em primeiro plano a dupla relação que ele mantém com o pré-individual
e com o ambiente. Uma tal inversão de perspectiva é possível, segundo Simondon, graças
ao conceito de equilíbrio metastável, que ele «extrai do campo da química e da biologia» 4.
Como escreve Carrozzini, «define-se 'metastável' um estado em condições de equilíbrio
instável. Um sistema que nesta situação consiste em uma magmática reserva de potenciais
não-atualizados, mas atualizáveis […]. Um sistema metastável encontra-se em uma
condição de tensão e potencialidade, dispersão e heterogeneidade [disomogeneità]».5 A
metafísica, de Aristóteles a Leibniz, pensou a plena reversibilidade dos conceitos de ser e
uno, e fundado sobre esta reversibilidade, os princípios de identidade e de não-contradição,
sobre a base de um conceito de ordem segundo o qual a substância permanece e os
acidentes mudam. Simondon, justamente graças a um conceito de ordem diferente, a ordem
metastável, rompe com esse pressuposto, desestabilizando a unidade do ser do indivíduo ao
colocá-lo em uma dúplice relação, com o pré-individual e com o ambiente, o que torna
totalmente ineficaz a utilização do princípio de não contradição no que lhe diz respeito:
Para pensar a individuação, deve-se considerar o ser não como
substância, ou matéria, ou forma, mas como sistema teso, supersaturado,
acima do nível de unidade, não consistindo somente nele mesmo e não
podendo ser adequadamente pensado por meio do princípio do terceiro
excluído; o ser concreto, ou ser completo, isto é o ser pré-individual, é
um ser que é mais do que uma unidade. A unidade, característica do ser
individuado, e a identidade, que autoriza o uso do princípio do terceiro
excluído, não se aplicam ao ser pré-individual, o que explica que não se
possa recompor a posteriori o mundo com mônadas [...]; a unidade e a
identidade se aplicam apenas a uma das fases do ser, posterior à
operação de individuação; [...] elas não se aplicam à ontogênese
entendida no sentido pleno do termo, isto é, no sentido do devir do ser
enquanto ser que se desdobra e se defasa [se déphase] ao se individuar. 6
3
Ivi, p. 12; tr. it. cit., p. 27.
4
G. Carrozzini, Gilbert Simondon: per un'assiomatica dei saperi, Lecce, Manni, 2007, p. 48.
5
Ibidem.
6
G. Simondon, L’individuation psychique et collective cit., pp. 13-14, tr. it. cit., p. 28.
4
Aqui emerge toda a importância da segunda tese através da qual se buscou delinear
a posição filosófica de Simondon, a afirmação do primado da relação sobre os elementos,
da constitutividade da relação com respeito aos elementos; tese sustentada alguns anos
antes por Whitehead, e naqueles mesmos anos por Paci em obras como Tempo e relazione e
Esistenzialismo e relazionismo, sem que, no entanto, seja relevante qualquer mútua
influência.
A relação nunca é, em Simondon, relação entre dois termos pré-existentes, mas
constituição, pela própria relação, dos termos colocados em jogo. Neste sentido, trata-se,
segundo Simondon, de delinear um novo método que esteja à altura de seus conceitos de
individuação e de transindividual:
O método consiste em não tentar compor a essência de uma realidade
por meio de uma relação conceitual entre dois termos extremos pré-
existentes, e a considerar toda verdadeira relação como possuindo o
status de ser. A relação é uma modalidade do ser; ela é simultânea em
relação aos termos dos quais ele assegura a existência. Uma relação deve
ser apreendida como relação no ser, relação do ser, maneira de ser, e não
simples relação entre dois termos que se poderia adequadamente
conhecer por meio de conceitos, pois eles possuiriam uma existência
efetivamente separada e precedente. É porque os termos são concebidos
como substâncias que a relação [relation] é relação [rapport] entre
termos, e o ser é separado em termos porque o ser é primitivamente,
anteriormente a todo exame da individuação, concebido como
substância. Ao contrário, se a substância cessa de ser o modelo do ser, é
possível conceber a relação como não-identidade do ser em relação a si
mesmo, inclusão no ser de uma realidade que não é somente idêntica a
ele; se bem que o ser enquanto ser, anteriormente a toda individuação,
pode ser compreendido como mais que uma unidade e mais que uma
identidade. Um tal método supõe um postulado de natureza ontológica:
ao nível do ser, tomado antes de qualquer individuação, o princípio do
terceiro excluído e o princípio da identidade não se aplicam; estes
princípios não se aplicam a nada além de ao ser já individuado, e eles
definem um ser empobrecido, separado em meio e indivíduo; eles não se
aplicam, assim, ao todo do ser, isto é, ao conjunto formado ulteriormente
pelo indivíduo e pelo meio, mas somente àquilo que, do ser pré-
individual veio a ser indivíduo. Nesse sentido, a lógica clássica não pode
ser empregada para pensar a individuação, pois ela obriga a pensar a
operação de individuação com conceitos e relações entre conceitos que
só se aplicam aos resultados da operação de individuação, considerados
de maneira parcial. 10
10
Ivi, pp. 23-24, tr. it. cit., pp. 35-36.
6
Essa nova lógica, não mais fundada sobre a substância mas sobre a relação, permite
pensar a relação indivíduo - sociedade não em termos de primado de um elemento sobre o
outro. O transindividual não é outra coisa que a categoria ontológica imposta por esta
lógica relacional, é o nome do sistema metastável que dá um lugar às individuações
psíquica e coletiva, trama de relações que atravessa e constitui os indivíduos e a sociedade,
interditando metodologicamente a substancialização tanto desta última quanto dos
primeiros:
A sociedade – escreve Simondon – não surge realmente da mútua
presença de muitos indivíduos, mas tampouco é ela uma realidade
substancial que deveria ser superposta aos seres individuais e concebida
como independente deles: ela é a operação e a condição de operação pela
qual se cria um modo de presença mais complexa que a presença do ser
individuado sozinho. 11
11
Ivi, p. 177, tr. it. cit., p. 144.
12
Ivi, p. 179, tr. it. cit., p. 146.
7
4. Conclusões
13
Ivi, p. 180, tr. it. cit., p. 146. [il n’y a pas du psychologique et du sociologique, mais de l’humain qui, à la
limite extrême et dans des situations rares, peut se dédoubler en psychologique et en sociologique.]