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papel do engajamento no aparecimento

da dissonância cognitiva *

LÍDIA PEREIRA GOMES"''''

INTRODUÇÃO

N o presente trabalho procuramos mostrar que a contribuição


dada por BREHM e COHEN (1962), em seu livro Explorations in Cognitive
Dissonance, à. teoria da dissonância envolve uma reelaboração da teoria"
conforme proposta por FESTINGER, em 1957, na obra A Theory of Cogni-
tive Dissonance. .I

Dividimo-la em quatro seções, com a seguinte matéria respec.ti-


vamente:
I. Visão sucinta da teoria apresentada por FESTINGER, em
1957, mencionadas as hipóteses, a definição, e a conside-
ração do caso especial de dissonância come) posterior 'a'
uma tomada de decisão;
n. Contribuição de BREHM e COHEN: realce dado ao enga-
jamento e à volição;
In. Reformulação feita por FESTINGER quanto à dissonância
como decorrência de uma tomada de decisão;
IV. Conclusões.
.. Trabalho apresentado a xx Jornada Brasileira para o Progresso da Ciência, São
Paulo, 1968,
.... Do Departamento de Psicologia da Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 21 (I) : 17-22 jan _jmar. 1969
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1. ESBõÇO DAS PROPOSIÇÕES ORIGINAIS DA TEORIA DE


DISSONÂNCIA COGNITIVA

No livro A Theory of Cognitive Dissonance, citado, FESTINGER,


fazendo considerações finais, no último capítulo, diz: "Seria profunda-
mente desagradável que o conceito de dissonância fôsse usado de modo
tão vago a ponto de englobar tudo, pois assim ficaria privado de qualquer
sentido. É certo que a possibilidade dêsse emprêgo vago existe apenas
devido à imprecisão ocasional da definição de dissonância e, especial-
mente, à imprecisão de se estabelecer, a priori, se a relação entre dois ele-
mentos seja, ou não, dissonante".
Mais adiante, explica: "tste grau de imprecisão é quase inerente
a uma afirmação teórica nova, no sentido de serem poucos os trabalhos
empíricos relevantes à teoria. Não acredito, por exemplo, que haja qual-
quer imprecisão na determinação a priori de dissonância, existente como
conseqüência da tomada de uma decisão. tsse aspecto já foi esclarecido
empiricamente. Pesquisas adicionais em outros contextos ajudarão a es-
clarecer os procedimentos para a determinação de dissonância. Mas, o
melhor modo de se evitar o uso impreciso do conceito de dissonância será
o de salientar os seus pontos claros, não os obscuros" (p. 278).
Onze anos já se passaram e, hoje, alguns pontos estão bem mais
claros que quando da apresentação da teoria; inúmeras pesquisas vêm
sendo feitas buscando aperfeiçoá-Ia. Vários autores têm-se dedicado ao
estudo minucioso da dissonância; entre êsses autores, os que mais têm
contribuído para maior precisão teórica foram BREHM e CoHEN (1962).
Em seu livro Explorations in Cognitive Dissonance, êles não só comentam
experimentos feitos, como também - e é êste o aspecto que destacamos
aqui - apresentam pontos novos que constituem uma reelaboração da
teoria.
Para maior clareza na exposição acreditamos ser importante.
antes de entrar propriamente na contribuição de BREHM e CoHEN, começar
por uma visão sucinta da formulação inicial de FESTINGER.
Em 1957, ao apresentar a teoria, FESTINGER propôs duas hipó-
teses:
a) por ser psicologicamente desagradável, a dissonância motiva a
pessoa a tentar reduzi-la e a atingir a consonância;
b) havendo dissonância, a pessoa, além de tentar reduzi-Ia, evitará
situações e informações que a aumentem.

A dissonância é aí definida como a existência de relações inade-


quadas entre cognições. Como decorrência, há o aparecimento de uma
atividade orientada no sentido de reduzir a dissonância.
Considera FESTINGER que uma das maiores conseqüências de uma
decisão é a existência de dissonância. E assim afirma: "Após a decisão, a
A.B.P.A.jlj69 DISSONÂNCIA COGNITIVA 19

pessoa de certo modo resolveu o conflito; está agora engajada no curso


de ação escolhido. É somente aqui (e não na fase de conflito) que existe
dissonância" (p. 39).
Vemos, então, duas orientações nítidas que êsse autor propõe:
a) dissonância como sendo a existência de relaçõ~s inadequadas entre
cognições;
b) dissonância como conseqüência de uma decisão.

N a citação inicial, vimos que somente em relação a êste segundo


ponto, dissonância como conseqüência de uma decisão, acredita FESTINGER
não haver imprecisão de têrmos, ou nenhuma imprecisão na determinação
a priori da existência de dissonância.
11. AS CONTRIBUIÇÕES DE BREHM E COHEN À TEORIA DA DISSONÂNCIA
COGNITIVA

BREHM e CoHEN (1962), ao tratarem da dissonância cognitiva,


o fazem nos mesmos têrmos de FESTINGER, introduzindo, porém, dois con-
ceitos novos, o de engajamento e o de volição, que dão à teoria outra
perspectiva.
Mais uma vez a necessidade de precisar os têrmos nos leva a
recorrer às palavras dêstes últimos autores. Dizem êles:
"Elaboramos a dissonância cognitiva de um modo não explici-
tamente formulado por FESTINGER em sua teoria; dissonância cognitiva
é um estado motivacional geral, que ocorre sempre que haja um motivo
anterior, associado com as cognições que sejam dissonantes. Sentimos que
a dissonância cognitiva envolve mais do que FESTINGER diz explicitamente
em suas afirmações teóricas: a dissonância é evocada após um engaja-
mento somente quando a alternativa escolhida se oponha, ou frustre, outro
motivo coexistente na pessoa (p. 228).
Quando uma pessoa decide fazer, ou não fazer, certa coisa; ou,
quando entre várias alternativas escolhe uma e, conseqüentemente, re-
jeita as demais, há engajamento.
Nesta nova elaboração da teoria, cabe ao engajamento um papel
duplo:
a) ajudar a especificar a implicação psicológica e a conseqüente
determinação do que seja consonante ou dissonante;
b) ajudar a especificar os modos pelos quais a pessoa tentará redu-
zir a dissonância (p. 9).

Para êsses autores, a teoria da dissonância presume que os pro-


cessos de tensão e redução apenas ocorrem depois de o indivíduo ter-se
engajado, i. e ., ter antecipado a obtenção de um objetivo.
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o conceito de volição é definido como "contrôle consciente do


comportamento". Implica não apenas iniciação e seleção de comporta-
mento, mas também responsabilidade por suas conseqüências.
Vemos, assim, que para BREHM e COHEN o engajamento e a vo-
lição são indispensáveis ao aparecimento da dissonância.
A dissonância resultante de uma inconsistência cognitiva, deter-
minada pelo engajamento, surgirá em função do grau de volição envol-
vido na ocorrência dessa inconsistência.

III. RE\'ISÂO DA TEORIA DA DISSONilNCIA COGNITIVA POR FESTINGER

Em 1964, FESTINGER publica O livro Canflict, Decisian and Disso-


nance, no qual, ao comentar dois experimentos feitos por ]ECKER, e outro,
por ALLEN, reconsidera a natureza e as conseqüências de uma decisão
reconsiderando dêsse modo a afirmação feita em 1957 de que uma das
principais conseqüências da decisão é o aparecimento da dissonância e
de pressões para reduzi-la.
Diz FESTINGER: "Tais experimentos indicam claramente que, mes-
mo depois de uma decisão haver sido tomada, não há nenhuma evidência
de redução de dissonância quando não haja um engajamento definido,
resultante dessa decisão" (p. 155).
Em seu experimento Selective ExpasuTe ta New InfaTmatian,
]ECKER (1964) constata a inexistência de exposição seletiva à informação
e da evidência de qualquer processo que busque a redução de dissonância,
sempre que o sujeito não saiba se sua decisão influirá nos acontecimentos
futuros.
Em outro experimento, Cagnitive Effects af Canflict and DÍssa-
nance, ]ECKER (1964) mostra haver ausência de redução de dissonância
após uma escolha entre alternativas, quando a possibilidade de obter a
ambas não seja abandonada.
A réplica a êsse experimento, feita por ALLEN (1964), em Uncer-
tainty of Outcome and Past-Decisian Dissanance Reductian, mostra que:
uma redução de dissonância após a escolha só é obtida quando a pessoa,
ao decidir-se por um aspecto alternativo, abandona definitivamente o
outro.
Conclui FESTINGER (1964) dizendo: "À luz dessas conclusões, so-
mos levados a aceitar a importância do engajamento, proposta por
BREHM e COHEN. Ainda que êsses autores sejam um tanto vagos a res-
peito do significado conceitual de engajamento, podemos talvez acres-
centar-lhe alguma noção que o especifique. Parece que uma decisão
acarreta engajamento sempre que afete, inequivocamente, o comporta-
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mento subseqüente. Isso não quer dizer que a decisão seja irrevogável,
mas, sim, que a decisão tem implicações claras no subseqüer.te desenrolar
dos acontecimentos na medida em que a pessoa se mantenha fiel à decisão
tomada" (p. 156).

IV. CONCLUSõES

Em resumo, parece-nos clara a distinção existente entre a for-


mulação inicial da teoria da dissonância - considerada como a exis-
tência de relações inadequadas entre cognições - e a formulação atual da
teoria - considerada como conseqüência de uma decisão que suponha
engajamento e volição.
Levados pela mesma preocupação demonstrada por FESTINGER,
tal como referimos na introdução dêste trabalho, acreditamos não ser
possível usar-se o mesmo têrmo em relação a duas coisas distintas.
O que foi visto até agora claramente nos mostra que a formulação
inicial de FESTINGER (1957) foi alterada por BREHM e CoHEN (1962), e
de tal forma que deu uma formulação nova à teoria, a qual dificilmente
pode ser considerada apenas em seus têrmos iniciais, os da dissonância
como conseqüente à existência de relações inadequadas entre cognições.
Suponhamos o caso de uma pessoa que, tendo morri do no 'século
XVIII, quando um corpo mais pesado que o ar não voava e, sendo-lhe
dada a oportunidade de ressuscitar, visse, agora, aviões cruzando os ares;
haveria uma relação inadequada entre seu conhecimento de que corpos
mais pesados que o ar caem e a verificação que faria de que aviões voam.
Suponhamos, ainda, que essa mesma pessoa fôsse levada a viajar
de avião; sua decisão de assim viajar, seu engajamento nessa decisão -
no momento que entrasse no aparelho - seria dissonante com sua cog-
nição de que corpos mais pesados que o ar caem.
No primeiro caso, relação inadequada entre duas cognições, a
pessoa buscaria uma explicação racional para o fenômeno; sua busca de
explicação seria não-tendenciosa.
No segundo caso, a dissonância entre a decisão tomada e a cog-
nição que corpos mais pesados que o ar caem, a pessoa buscaria infor-
mações tendenciosamente, procurando informações consonantes com sua
decisão, evitando as di:ssonantes. Reduziria, dêsse modo, a dissonância
criada.
No primeiro caso teríamos uma inconsistência lógica; no segundo,
dissonância cognitiva. Explicamo-nos: não havendo volição na ocorrência
de inconsistência, e se o engajamento fôr responsável pelo caráter de
consonância ou dissonância, conforme visto anteriormente, onde não haja
engajamento não há por que falar em dissonância e, sim, em inconsis-
tência.
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Tendo em vista essa formulação teórica, começamos um estudo


dos diferentes trabalhos publicados sôbre dissonância: pretendemos veri-
ficar se os experimentos que envolvam decisão, tal como aqui descrita
(i.e., supondo engajamento e volição), demonstram mais claramente a
existência de dissonância do que os experimentos que não impliquem
decisão. Posteriormente, realizaremos um experimento no qual os sujeitos
serão submetidos às duas condições - de inconsistência e dissonância - es-
perando uma confirmação empírica para o que acabamos de expor aqui.

BIBLIOGRAFIA

ALLEN, v.Uncertainty of Outcome and Post-Decision Dissonance Reduction, em FES-


TINGER Conflict, Decision and Dissonance, (1964), Stanford, University Press.
BREHM, J. W.e COHEN, A. R. Explorations in Cognitive Dissonance, Nova Iorque,
(1962) . FESTINGER, L. A Theory of Cognitive Dissonance, Stanford, University
Press (1957).
JECKER, J. D. Selective Exposure to New Information, FESTINGER, Conflict Decision
and Dissonance, Stanford, University Press, (1964).
JECKER, J. D. Cognitive Effects of Conflict and Dissonance, FESTINGER, L. Conflict
Decision and Dissonance, Stanford, University Press (1964).

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