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Udo, Acij & Cia e o Jardim da Fátma

Dauto J. da Silveira1

O anúncio feito pela Prefeitura de Joinville de que os processos de licenciamento ambiental


da cidade não serão mais realizados pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) revela duas
questões perigosas: i) a mentalidade inocente da atual gestão e ii) o desmantelamento das
instituições públicas municipais.
A primeira delas pode ser observada no que era dito, em 2014, durante a reforma
administrativa que transformou a Fundação Municipal de Meio Ambiente (FUNDEMA) em
secretaria. O prefeito da cidade, no uso das suas prerrogativas de ser um “gestor de novo tipo”,
cantava a velha cantilena liberal de que tal transformação agilizaria os processos, reduziria a
burocracia e melhoraria a gestão relacionada às atividades da Fundema. (AN, 11/fev/2014). Com
base nisso, se desfaz a defesa cínica, de boa parte da elite acijiana, de que a Sema é incapaz de
garantir a agilidade dos processos de licenciamento. Ora, se a Sema é produto da ineficiência da
Fundema e se sua função, entre nós, é, por conseguinte, melhorar a gestão, como podemos explicar
tal incapacidade atual? O cinismo nunca foi tão débil. A alma das associações empresariais toma o
corpo da prefeitura por completo e apresenta os seus dentes e garras: agora o problema passou a ser
a morosidade do corpo técnico municipal. Segundo Aguiar, presidente do Sindicato da Indústria da
Construção Civil de Joinville, a cidade “vinha enfrentando problemas antigos na questão dos
licenciamentos feitos pela Sema, que era um processo muito moroso e não tinha como continuar
com essa demora (na emissão de licenças)” (AN, 08/set/2017, grifo nosso). Já para Valcanaia,
presidente da Associação de Joinville e Região de Pequenas, Micro e Médias Empresas, “a
Ajorpeme sempre esteve muito insatisfeita com os prazos de licenciamento em Joinville.
Entendemos que toda mudança tem riscos, mas nosso foco é em diminuir os tempos de
licenciamento, independente se feito pela Sema ou pela Fatma”. (AN, 08/set/2017). Thomazi, sem
vacilar, vocifera “a perspectiva é boa porque quem teve processos de licenciamento tramitando na
Sema sabe da morosidade que é, então é provável que a mudança produza efeito positivo com
relação a essa demora na tramitação”. (AN, 08/set/2017).
Pois bem, a fabricação de consenso que explique a incapacidade da própria burguesia em
administrar os seus próprios negócios se manifesta de forma meridiana. Como explicar essa
sucessiva troca de responsabilidades dos serviços ambientais senão pelo viés do desespero dos
“donos da cidade”? Diante de tal situação os funcionários do Licenciamento Ambiental da Sema,
em um ato de coragem, apresentaram um quadro com dados concretos sobre os trabalhos
desenvolvidos no interior da secretaria. Os dados reais desmascaram a farsa apresentada pelos dois
1 Professor e Doutor em Sociologia.
corpos que possuem o mesmo espírito: de um lado a retórica de políticos pusilânimes e de outro o
cinismo dos empresários da cidade. Os técnicos trazem dados pormenorizados e demonstram, por
exemplo, que o tempo médio dos processos apresentados de 01 a 31 de agosto de 2017, no tocante à
análise interna de Meio Ambiente foi de 9 dias e no tocante aos Licenciamentos e Serviços de Meio
Ambiente, foi de 15 dias, 23 horas, 57 minutos e 24 segundos. Como se não bastasse, sublinham
que “no mês de agosto de 2017, o setor de licenciamento ambiental da Sema emitiu 4 Licenças
Ambientais Prévias com dispensa de Licença de Instalação, 3 Licenças Ambientais de Instalação e
26 Licenças Ambientais de Operação e Corretivas. No mesmo período, a FATMA – CODAM
[Coordenação de Desenvolvimento Ambiental] Joinville emitiu apenas 08 Licenças Ambientais,
sendo 04 ampliações de Licença Ambiental de Operação, 01 renovação de Licença Ambiental de
Operação, 01 Licença Ambiental Prévia, 01 Licença Ambiental de Operação e 01 Licença
Ambiental de Operação Corretiva” (Fonte: http://www.fatma.sc.gov.br/).
Ainda que a Sema seja a versão empobrecida da Fundema, isso aponta, em primeiro plano,
que de algum modo o andamento dos trabalhos não satisfazia os interesses, cada vez mais vorazes,
dos empresários da cidade. Nada nos garante que a Fatma conseguirá resolver esses mesmos
problemas, uma vez que eles brotam da “tara” incontrolável dos burgueses da Acij & Cia em
ampliar os seus negócios, sem que ocorra o mínimo controle dos órgãos ambientais.
Na segunda questão supracitada, estamos a perceber o desmonte das instituições públicas
municipais que, não obstante as profundas dificuldades, ainda guardam expressiva funcionalidade
para a maioria da população. Depois de três contrarreformas, que transformaram a cara da
administração pública, assistimos mais uma medida que visa suprimir qualquer tipo de
impedimento aos negócios burgueses em crise estrutural. Não significa, ao mesmo tempo, pôr em
relevo as limitações subjetivas do corpo técnico da Fatma ou indicar (a priori) uma certa fragilidade
ética que, no horizonte, responderia ao desejo incansável de mudança dos processos de
licenciamento da prefeitura e da Acij & Cia. O busílis aqui é outro, ou seja, afastar os
licenciamentos de Sema (órgão arraigado à estrutura municipal) e levá-lo a um espaço estadual,
com outro ordenamento político e cultural, submetido a práticas administrativas de natureza distinta
pode ser um grande negócio. “E, se não der certo, o próprio prefeito Udo Döhler sinalizou que volta
a estaca zero”, adiantou o acijiano Thomazi (AN, 08/set/2017). Diante do acirramento das
contradições dos dias correntes, isso não é pouca coisa.
Aos poucos, mas de modo peremptório, o comitê executivo da classe dominante da cidade,
engendra as condições necessárias para um novo padrão de acumulação. Para que alcance tal
desígnio é necessário muito mais. O segundo mandato, as três contrarreformas e medidas pontuais
como essa, são insuficientes. A médio prazo teremos novas medidas, ainda mais rapinantes.

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