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Reciclagem

sustentável
e solidária
Créditos
Realização
Fundação Avina

Consultoria e Redação
Report Comunicação

Direção de Arte e Projeto Gráfico


Estúdio Cachola

Foto Capa Sumário


Arquivo Rede Rua

Impressão Introdução 03
AWA Gráfica
O mercado da reciclagem no Brasil 04
Papel A organização dos catadores 09
Capa: Reciclato, 240g
Miolo: Reciclato, 90g Desafios estruturais 10
Ações Transformadoras 13
Tiragem
2.000 exemplares Visão estratégica 15


Reciclagem
sustentável

Catadores de lixo enfrentam condições precárias


de trabalho e de vida nas ruas de todo o País

Mais de 500 mil pessoas, segundo estima- prima é abundante nos grandes centros,
tiva do Movimento Nacional de Catadores além de a atividade ser rudimentar, sem
de Materiais Recicláveis (MNCR), sobre- necessidade de conhecimentos técnicos.
vivem de catar e comercializar resíduos Muitos puxam no braço até 300 quilos por
sólidos nas grandes cidades brasileiras. dia em ruas movimentadas, onde dispu-
Pelo Brasil afora, esses catadores, tam- tam espaços com motoqueiros, ônibus,
bém chamados carroceiros, realizam um caminhões e automóveis. São em sua
trabalho invisível. Em suas andanças em maioria desempregados, moradores de
busca de material para revender, chegam rua e que trabalharam em atividades de
a carregar a família a bordo de suas carro- comércio informal, construção civil, em-
ças. Além disso, muitos deles ainda atuam pregos domésticos, dentre outros.
nos lixões, onde se submetem a riscos à
saúde e exploração de todos os tipos.
A AVINA é uma instituição de origem suíça criada em 1994 pelo empresá-
Os catadores não recebem remuneração
rio Stephan Schmidheiny com a missão de contribuir para o desenvolvi-
adequada nem dos compradores de ma-
mento sustentável da América Latina, incentivando a construção de laços
teriais recicláveis, nem das prefeituras que
de confiança e parcerias frutíferas entre líderes sociais e empresariais, e
mantêm serviços de coleta ou triagem de
articulando agendas de ação compartilhadas.
resíduos sólidos. Os intermediários geral-
mente atuam na informalidade e rebaixam o Suas ações em quatro áreas estratégicas – eqüidade, governabilidade demo-
preço dos produtos e, muitas vezes pagam crática e estado de direito, desenvolvimento econômico sustentável e con-
com alimentos ou bebidas em vez de dinhei- servação e gestão de recursos naturais – procuram contribuir para a realiza-
ro. Já as administrações municipais geral- ção de uma América Latina próspera, integrada e democrática, inspirada na
mente não reconhecem os serviços presta- sua diversidade, e constituída por cidadãos que a posicionem globalmente a
dos pelos catadores. Em geral, não pagam partir de seu próprio modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável.
por esse trabalho e, quando o fazem, são
Atualmente conta com 24 escritórios, está associada com mais de mil
valores ínfimos, muito inferiores aos pagos
líderes sociais e do setor empresarial comprometidos com o desenvolvi-
às empresas de coleta, por exemplo.
mento sustentável da região. No Brasil, onde atua desde 1999, a AVINA
A grande oferta de mão-de-obra e a dis- tem seis escritórios e mais de 200 líderes-parceiros.
puta acirrada pelos materiais recicláveis
A instituição é mantida pelo VIVA Trust, fundo fiduciário criado por Schmi-
contribuem para que os catadores enfren-
dheiny para promover o desenvolvimento sustentável por meio de alian-
tem condições precárias de trabalho e de
ças entre empresas privadas bem-sucedidas e responsáveis e organiza-
vida. E o pior é que o número de traba-
ções filantrópicas que fomentam a liderança e a criatividade.
lhadores que dependem exclusivamente
dessa atividade para garantir a subsistên- http://www.avina.net
cia cresce a cada ano. Afinal, a matéria-


O mercado seletiva. Como uma das conseqüên­cias
desse quadro, aproximadamente 80%
dos catadores ainda atuam nos lixões e,

da reciclagem sobretudo, nas ruas de forma desorgani-


zada, segundo o MNCR.
Os dados revelam uma situação injusta,

no Brasil uma vez que a atuação desses trabalha-


dores, além dos aspectos ambientais,
repre­senta uma fonte de economia para os
cofres públicos e, consequentemente, para
A taxa de reaproveitamento de resíduos a sociedade em geral. Com a redução do
sólidos, no Brasil, encontra-se em um pa- volume de resíduos, a atividade dos cata-
tamar muito baixo. Estimativas apontam dores propicia o aumento da vida útil dos
que os catadores respondem pela coleta aterros sem que as administrações públi-
de menos de 10% dos materiais reciclá- cas tenham de realizar investimentos em
veis gerados nas unidades residenciais e mão-de-obra ou em equipamentos.
por 3% dos resíduos sólidos depositados
Num dos poucos casos de relação com o
nos lixões das cidades brasileiras.
governo municipal, estimativas da Asso-
Apenas 327 dos 5.560 municípios brasi- ciação dos Catadores de Papel, Papelão e
leiros adotam sistemas de coleta seletiva. Material Reciclável (Asmare) de Belo Hori-
Desse universo, somente 142 (equivalen- zonte (MG) sugerem, quando remunera-
tes a 2,5% do total de municípios) man- dos, defasagem superior a 300% entre o
têm relação de parceria com associações valor do serviço prestado pelos catadores
e cooperativas de catadores, ou seja, me- à Prefeitura e o valor desses mesmos ser-
nos da metade dos municípios com coleta viços no mercado.

Coleta Seletiva

Municípios com coleta seletiva Municípios sem coleta seletiva


O MERCADO DA RECICLAGEM NO BRASIL

Reciclagem
em expansão
O consumo responsável e a correta des- Já a participação de organizações de ca-
tinação dos resíduos sólidos ainda são tadores varia conforme o tipo de produto e
assuntos novos para o cidadão brasileiro. a lógica da cadeia produtiva do segmento.
Há poucas iniciativas de orientação e cons- As associações e cooperativas são res-
cientização, especialmente quanto à valori- ponsáveis, por exemplo, pela reciclagem
zação do produto reciclado e do papel do de apenas 20% a 30% dos papéis e em-
catador. Apesar disso, esse mercado se balagens PET e 52% das latas de alumínio,
expande rapidamente. Papel, alumínio e de acordo com o estudo sobre a situação
PET são os segmentos que mais crescem. do catador e as barreiras ao desenvolvi-
mento de suas organizações realizado
O índice global de reciclagem do lixo urba-
pela AVINA. O trabalho, intitulado Recicla-
no no Brasil em 2006 foi de 11%, o que
gem Sustentável e Solidária, foi conduzido
aparenta ser um retorno ao índice de 2003
pela consultora Lúcia Peixoto Calil e inspi-
(veja quadro). No entanto, o volume reci-
rou essa publicação.
clado passou de 5,2 milhões de toneladas
anuais para 5,76 milhões de toneladas no
ano, ou seja, uma elevação de quase 11%
no total. A taxa de reciclagem da fração
seca (77 mil toneladas/dia) do lixo urbano Total reciclado
é de 18%, sendo que 55% do lixo urbano Volume Índice
brasileiro se compõe de matéria orgânica. 2003 5 milhões de toneladas 11%
A participação dos catadores organizados 2004 5,2 milhões de toneladas 10%
nesse mercado não tem acompanhado o 2005 5,76 milhões de toneladas 11%
ritmo de crescimento das taxas de recicla-
2006 5,76 milhões de toneladas 11%
gem. Estimativas preliminares do MNCR
mostram que quase 90% dos resíduos
entregues às indústrias da reciclagem são
recolhidos por catadores que agem de for- Taxa de reciclagem
ma independente, repassando tudo para por tipo de material (2005)
os atravessadores. Volume Índice de
(em toneladas) reciclagem
Papel de escritório (ofício branco) 882.400 49,5%
Papelão 2.237.000 77,4%
Plásticos (exceto PET) 290.000 20%
PET 174.000 47%
Alumínio (embalagens) 127.600 96,2%
Aço (embalagens) 160.000 29%
Vidro (embalagens) 390.000 46%
Longa Vida 40.000 23%
Pneus 127.000 58%
Orgânicos (compostagem) 843.150 3%

Fonte: Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre).


O MERCADO DA RECICLAGEM NO BRASIL

Ciclo da cadeia produtiva Trabalho feito pelo catador

de reciclagem Restante do processo

Fonte: adaptado do site do MNCR


(www.movimentodoscatadores.org.br/ciclodacadeiaprodutiva.aspx)

• Beneficia
• Paga o material • Moi • Produz embalagens,
• Busca o material • Lava envases e outros materiais
• Controla o • Transformaem matéria • Desenvolve novos produtos
• Descarrega prima para a indústria
atravessamento • Reinsere os reciclados/
• Confere qualidade, recicláveis no mercado
peso, planilhas
• Repassa planilhas
à administração
• Tria Indústria
• Prensa de pré-
beneficiamento • Separa o material
• Organiza materiais Mercado seco e orgânico
para comercialização Atravessador • Apóia a campanha
Indústria
• Treina pessoal (coleta solidária)

Comércio e
Equipe de Triagem Comunidade

(administrativa,
comercial)

Catador

Equipe de
Transporte (quando
o galpão possui)

Casa do catador,
• Ajuda na carga Entreposto, local de Box, • Coleta
• Auxilia a quantidade Praça • Estabelececritérios e
entrega ou galpão
• Leva a ficha de controle conduta, além de usar:
• Descarrega - Uniforme
• Comunicação junto aos - Identidade
entrepostos - Roteiro de trabalho
• Cumpre roteiros - Limpeza
• Controla roteiros
• Confere planilhas
• Critérios (bases de acordo)
de cargas
• Recebe materiais
• Planilha mensal etc.
• Pesa, controla a quantidade
• Registra • Separa os materiais
• Paga o catador • Ensaca
• Organiza carga • Amarra
• Carrega carga • Descartalixo para lixeiro
• Identifica • Classifica
os materiais de
 • Comercializa diretamente acordo com a pureza
O MERCADO DA RECICLAGEM NO BRASIL

Catadores na base
da cadeia de reciclagem
A estrutura da cadeia de reciclagem é rasa
e piramidal. No topo da pirâmide, encon-
tra-se um pequeno número de indústrias
de reciclagem. Abaixo delas, há os inter-
mediários, que geralmente formalizam
o processo, uma vez que articulam uma
ampla rede de atravessadores – desde
pequenos sucateiros e donos de depósi-
tos, até grandes cartéis associados a em-
preiteiras. Estes, por sua vez, impõem as
condições precárias de trabalho aos cata-
dores, que, na base da pirâmide, atuam
majoritariamente por conta própria, em
lixões ou vias urbanas.

Os intermediários forçam uma relação de


dependência e compram os materiais co-
letados a preços irrisórios. Na Bahia, por
exemplo, as embalagens PET são vendi-
das pelos catadores a R$ 0,15 o quilo e
revendido pelos atravessadores a R$ 0,90
o quilo. Atuando individualmente, os cata-
dores não contam com equipamento de
segurança individual ou capacitação, não
Foto: Arquivo Rede Rua

seguem noções básicas de higiene e tam-


pouco são instruídos para manusear os
resíduos de maneira correta. Além disso,
não têm acesso a equipamentos que per-
mitam gerar escala de produção.

As associações e cooperativas de catado-


Essa estrutura é fruto das políticas imple-
res buscam colocar-se no nível médio da
mentadas pelas empresas consumidoras
pirâmide. Porém, em geral não dispõem de
de recicláveis, que privilegiam:
instalações, equipamentos e instrumentos
de trabalho adequados. • Quantidade (fornecedores que têm
capacidade de entregar os volumes
Nos últimos cinco anos, a presença de
adequados à sua operação);
“novos” atores nessa cadeia expandiu-se
rapidamente. Condomínios residenciais, • Qualidade do produto (materiais limpos,
clubes recreativos, estabelecimentos co- prensados e enfardados);
merciais e outros agentes entregam os re- • Regularidade na entrega;
síduos sólidos diretamente aos intermedi-
• Pagamentos faturados em 30 a 40 dias.
ários, eliminando a atuação dos catadores,
reduzindo ainda mais sua possibilidade de A concentração dessas indústrias em pou-
trabalho e renda. cas regiões também faz com que grande

O MERCADO DA RECICLAGEM NO BRASIL

contingente de catadores não tenha acesso pectos pertinentes ao processo produtivo.


aos mercados compradores. Dessa manei- Além disso, o acesso das cooperativas ao
ra, o intermediário ou atravessador torna-se crédito financeiro encontra barreiras e as
o principal detentor do mercado na etapa linhas de crédito disponíveis no mercado
de comercialização. Como mencionado an- são incompatíveis com as características
teriormente, o preço que ele impõe aos ca- das organizações de catadores.
tadores pode ser até seis vezes inferior ao A solução está na conquista da cadeia pro-
que é pago pelas indústrias consumidoras. dutiva da reciclagem, atuando na catação
Muitas empresas ainda preferem comprar da matéria-prima, na separação, no benefi-
materiais reciclados de intermediários. Al- ciamento e na venda do produto final. Já há
guns especialistas afirmam inclusive que há iniciativas neste sentido, como a da Coo-
uma “solidariedade perversa” entre o atra- perativa de Catadores Agentes Ecológicos
vessador e a indústria, permitindo a geração de Canabrava (CAEC), na Bahia, que be-
de excedentes superiores a 500%, dos quais neficia plástico para produção de garrafas
apenas 10% se destinariam aos catadores. de água sanitária, que por sua vez, também
será produzida e envasada pela cooperati-
As tecnologias de transformação, nas eta- va para colocação no mercado.
pas anteriores ao processamento industrial,
poderiam ser assumidas pelos catadores. Para obter essa conquista, os catadores
Entretanto, as cooperativas não dispõem precisam ter um processo organizado de
dos recursos financeiros necessários, que trabalho, além de firmar parcerias com
envolveriam altos custos com capacitação, ONGs, empresas e governo. O poder pú-
plantas industriais, logística e outros as- blico já proporcionou um avanço nesse
sentido a partir do lançamento de uma linha
de financiamento do BNDES voltada para
cooperativas de catadores.
Com o objetivo de facilitar o domínio da ca-
deia, foram criadas redes de comercializa-
ção, que reúnem associações e cooperati-
vas para agregar valor ao material recolhido
pelos catadores. Com essa união, as cen-
trais oferecem volume e qualidade direta-
mente à indústria. Algumas dessas centrais
já estão atuando em São Paulo, Bahia, Mi-
nas Gerais, Rio Grande do Sul e há outras
se formando em todo o País.

“Os catadores de materiais

A organização
recicláveis organizados permitem
a reconciliação da relação
ser humano-natureza, numa

dos catadores
perspectiva socialmente justa,
ambientalmente sustentável,
sanitariamente correta e
economicamente solidária”

Bertrand Sampaio de Alencar,


Associação Pernambucana de
Defesa da Natureza (ASPAN)

A criação do MNCR do Comitê Interministerial de Inclusão Social


e Econômica dos Catadores de Lixo em
nhões que dariam competitividade a essas
cooperativas. A partir desses investimentos,
Os primeiros passos em direção a uma setembro de 2003. O objetivo do grupo é conclui-se que o valor do posto de trabalho
articulação nacional dos catadores ocor- a formulação de um projeto de combate à varia entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, dependendo
reram durante o I Encontro de Organiza- fome, no âmbito do Programa Fome Zero, do grau de organização das cooperativas.
ções Populares de Catadores de Papel e associado à inclusão social dos catadores e Trata-se de um dos investimentos mais bai-
Materiais Reaproveitáveis, realizado na ci- a erradicação dos lixões. xos por posto de trabalho. Com base no
dade de Santos, em 1992. Foi a primeira número de associados ao MNCR, o estu-
O MNCR realizou ainda um estudo em con-
vez que os atores discutiram a necessida- do propõe investir cerca de R$ 178 milhões
junto com a ONG Pangea Centro de Estu-
de de se organizarem. Sete anos depois, para gerar 39 mil postos de trabalho para
dos Socioambientais, em parceria com o
em 1999, criou-se o Movimento Nacional catadores em 199 cidades.
Grupo de Estudos de Relações Interseto-
dos Catadores de Materiais Recicláveis
riais – GERI, da Faculdade de Ciências Eco- Atualmente, o MNCR representa cerca de
(MNCR) durante o 1º Congresso Nacional
nômicas da Universidade Federal da Bahia. 300 associações e cooperativas de catado-
dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis
A pesquisa aponta que a eficácia das or- res das quase 500 que se constituíram nos
evento que reuniu mais de 1.700 trabalha-
ganizações de catadores está diretamente últimos 10 anos. Essas organizações englo-
dores na capital federal.
relacionada ao seu nível de capitalização. bam pouco mais de 10% dos catadores em
No ano 2001, o MNCR lançou a Carta de Por meio da pesquisa, o Movimento propõe atividade no Brasil. Suas ações hoje estão
Brasília, na qual expressava suas reivindi- a constituição de um kit composto por uma voltadas à capacitação para coleta, prepa-
cações, fundadas em três pilares centrais: estrutura de galpões, equipamentos e cami- ração e comercialização dos resíduos.
1. Reconhecimento da profissão;
2. A inclusão social dos catadores, com
recursos públicos para atender neces-
Profissão: catador de recicláveis
sidades básicas de habitação, saúde,
educação e trabalho (incluindo capaci-
tação técnica, tecnológica, gerencial e
em desenvolvimento humano);
3. Participação ativa no processo de in-
dustrialização dos materiais recicláveis.
Importante interlocutor junto ao governo e
Foto: Arquivo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis
às empresas, o Movimento já soma con-
quistas importantes. Além de obter o re- De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – Portaria nº 397, de
conhecimento da profissão (veja Quadro), 09/10/02, do Ministério do Trabalho e Emprego, os catadores de materiais
estabeleceu bases de operação em São recicláveis são aqueles que “catam, selecionam e vendem materiais reciclá-
Paulo e em outras cidades brasileiras. veis. São profissionais que se organizam de forma autônoma ou em Coope-
rativas/Associações com diretoria e gestão dos próprios catadores”.
Além disso, o MNCR influenciou na criação
Desafios
estruturais
A Economia da promoção dos direitos de cidadania
dos catadores;
Reciclagem
• Inexistência de instrumentos de
As empresas privadas praticamente domi- controle das quantidades e tipos de
nam o processamento e a transformação materiais efetivamente reciclados, o
de materiais reciclados. Esse mercado que dificulta a mensuração dos custos
apresenta pouca transparência em rela- ambientais e sociais envolvidos;
ção ao volume e ao preço dos materiais,
• Carência de estudos que projetem o
ao total de recursos movimentados e, con-
desenvolvimento do mercado, a oferta
seqüentemente, à sua participação no PIB
e a demanda de produtos reciclados,
brasileiro. O passivo social incorporado ao
as tendências de preços e outros
produto também não é contabilizado pelas
indústrias recicladoras. fatores importantes.

Os seguintes fatores contribuem para essa Dessa maneira, não é possível formular es-
situação: tratégias compatíveis com as características
de cada região, que possibilitariam economia
• Ausência de um marco regulatório de escala no setor. Essas barreiras também
para atribuir responsabilidade legal em
reduzem o alcance das iniciativas de res-
relação ao pós-consumo;
ponsabilidade social empresarial e compro-
• Falta de incentivos tributários à metem a sustentabilidade da participação
geração de trabalho e renda e à dos catadores na cadeia de reciclagem.

A economia da
reciclagem hoje
$$$ $$$
- Economia formal
- Apelo ambiental
- Liderança em RSE intermediário
intermediário
intermediário

- Economia informal
- Violência
- Trabalho precário lixão catador de rua cooperados

10
DESAFIOS ESTRUTURAIS

1. Ausência de lítica de resíduos sólidos que esbarra no


posicionamento contrário da indústria.
marco legal da A importância do marco legal também

gestão de resíduos está em estabelecer as regras de merca-


do e o valor econômico para a atividade.
No momento, a legislação existente não
provê um apoio adequado ao catador e
A formulação de uma política nacional
não oferece incentivo às empresas.

Foto: Arquivo Rede Rua


para a gestão dos resíduos sólidos vem
se arrastando desde a década de 1990,
obrigando o setor a conviver com um
emaranhado de normas e leis dispersas
em diferentes órgãos e níveis do Governo.
Apesar da inexistência de uma política na- 2. Fragilidade das
“Nos lixões, as pessoas vivem cional de resíduos sólidos, em 5 de janei-
do lixo, moram no lixo e são ro de 2007, ocorreu a promulgação da Lei políticas públicas de
tratadas como lixo. É um
problema de todos, mas que o
do Saneamento Básico (11.445/07), que
incorpora importantes propostas, como o
inclusão do catador
poder público transfere apenas estabelecimento de condições especiais
para a contratação de cooperativas e as- Os lixões constituem áreas de insalubri-
para os catadores.”
sociações de catadores e a previsão de dade e violência e são considerados por
Luiz Henrique da Silva controle social desses serviços. pesquisadores como o ápice da exclusão.
Membro da Comissão Nacional do MNCR Afinal, geralmente estão localizados em lo-
Outro marco importante é o decreto No. cais afastados, onde não ficam sob a vista
5.940/2006, de 26 de outubro de 2006, que da sociedade. Além disso, os que vivem
institui a separação dos resíduos recicláveis do lixão não têm acesso a bens de servi-
descartados pelos órgãos e entidades da ços públicos, como educação e saúde, e
administração pública federal e a sua des- nem à assistência social.
tinação às associações e cooperativas dos
catadores de materiais recicláveis. Com o Programa de Aceleração do Cres-
cimento (PAC), 12 regiões metropolitanas
Seria importante também instituir no País podem ser priorizadas nas ações que
a responsabilidade pós-consumo, que tratam de resíduos sólidos. Dos R$ 40
hoje é restrita a alguns setores, como o bilhões previstos para serem destinados
de embalagens de agrotóxicos. Trata-se a saneamento (R$ 32 bilhões do governo
de um impasse na consolidação da po- federal e R$ 8 bilhões de contrapartida de
estados, municípios e setor privado), uma
parcela ainda em definição seria destinada
A economia da a iniciativas de tratamento e reaproveita-
reciclagem amanhã mento do lixo.

$$$ $$$ Devem ser atendidas as regiões metro-


politanas de São Paulo, Baixada Santista,
Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Governos
Recife, Fortaleza, Salvador, Belém, Curiti-
Movimento ba, Porto Alegre e Distrito Federal.

No entanto, a medida não parece ser com-


Doadores intermediário pletamente satisfatória. É preciso também
criar alternativas de renda à população
OSCs
que será retirada dessas áreas e cuidar
para que as crianças sejam afastadas defi-
nitivamente dessa atividade, marcada pelo
cooperados
trabalho infantil.
11
DESAFIOS ESTRUTURAIS

3. Dispersão e • Estimular o consumidor final a trazer


seus recicláveis para posterior doação a
falta de informação cooperativas;

sobre o setor • Doar os resíduos da empresa direta-


mente às cooperativas de catadores (em
Não existem muitas informações sobre que também poderiam participar condo-
os catadores e o mercado de reciclagem. mínios residenciais);
Sabe-se pouco sobre o perfil do catador –
• Realizar compras diretas de materiais
número de trabalhadores, caracterização
em associações e cooperativas;
socioeconômica, condições de vida etc.
O peso econômico da atividade também é • Estabelecer acordos de apoio à for-
desconhecido: há poucas informações so- mação de redes de comercialização e
bre os preços de mercado dos diferentes transporte de materiais, beneficiando
produtos, a tecnologia empregada para organizações de catadores de determi-
processá-los e o custo de organização/in- nadas regiões;
cubação de associações e cooperativas,
entre outros fatores. • Apoiar o treinamento de catadores
para o preparo do material (lavagem,
Do ponto de vista da gestão, também
prensagem, enfardamento);
existem poucos estudos sobre o assunto.
Os municípios estão em fases diferentes e • Fornecer máquinas e equipamentos
não há troca de informações. Mesmo no de trabalho (uniformes e equipamentos
1º Congresso Nacional dos Catadores(as) de proteção individual, prensas, balan-
de Materiais Recicláveis, onde aconteceu ças etc.).
uma tentativa de agrupar a informação,
No entanto, as empresas ainda precisam
não foi possível estabelecer alicerces para
mudar sua visão assistencialista de res-
a criação de um sistema de informação
comum. Ambientalistas também apontam ponsabilidade social, passando a ter uma
para a fragilidade da metodologia utilizada atitude de transformação interna de seus
pelo governo federal no banco de dados processos. Desta forma, ficaria mais claro “É necessário que o poder
sobre saneamento, que constituiria um para elas o impacto positivo que os cata- público apóie pesquisas e
primeiro passo para a coleta de informa- dores têm nas empresas. levantamentos sobre o setor,
ção sobre o setor. mapeando dados sobre toda
Outro ponto importante seria estabelecer
a cadeia produtiva. Sem
um marco legal que responsabilizasse os
esses números, continuamos
4. Limitações das geradores de resíduos desde a fonte de
matéria-prima do produto até sua emba-
a nos apoiar em estimativas
práticas de RSE lagem. Atualmente, o ônus da reciclagem
e aproximações que não
reproduzem com precisão
está totalmente nas mãos da sociedade e
a realidade desse mercado
Em alguns casos, as práticas de respon- do meio ambiente. No entanto, é preciso
predatório.”
sabilidade social empresarial (RSE) ajudam que as empresas também sejam tribu-
a diminuir a influência do atravessador e tadas conforme o impacto ambiental de Elizabeth Grimberg
privilegiar o catador. Destacam-se, nesse cada setor seja de bens de consumo ou Coordenadora da Área de Ambiente
sentido, as seguintes estratégias: de serviços. Urbano do Instituto Pólis

12
Ações
transformadoras
Iniciativas inovadoras Essas ações apresentam propósitos claros, Experiências de sucesso
que reconhecem o protagonismo político,
A atuação da AVINA no segmento da reci-
econômico e social de diferentes atores,
clagem, até 2003, consistia no apoio a lide-
ranças que assessoravam o MNCR ou orga-
fortalecem as organizações dos catadores 1. Londrina:
nizações dos catadores, numa perspectiva
e fomentam o diálogo com outros agentes.
O objetivo maior da AVINA consiste em
parceria entre
de desenvolvimento sustentável. Nos anos
seguintes, a AVINA ampliou sua atuação, promover articulações intra e intersetoriais, governo e catadores
dando suporte a iniciativas inovadoras. voltadas para a construção coletiva de mo-
Em Londrina (PR), uma parceria entre a
delos viáveis de ação conjunta e com po-
• Constituição do Comitê de Co-Finan- prefeitura e os catadores já se tornou uma
tencial de impacto.
ciamento do Nordeste, com a participa- referência nacional: 100 toneladas de ma-
ção de diversas empresas da região. A organização busca colaborar com o movi- teriais recicláveis – o que representa 25%
mento de catadores construindo alianças e do total de resíduos da cidade – são cole-
• Criação da Rede de Comercialização
parcerias comprometidas com o processo. A tadas por dia, constituindo o maior índice
de Materiais Recicláveis por Catadores,
de amplitude nacional. Iniciativa con- seguir, citamos algumas ações bem-sucedi- do País. Um dos diferenciais está na coleta
junta entre AVINA, Petrobras e Funda- das, porém não diretamente ligadas à Avina. porta-a-porta, que acaba por criar um vín-
ção Banco do Brasil.
Foto: Arquivo AVINA

• Criação do fundo “Investimento Re-


ciclável”. Trata-se de um fundo rotati-
vo de investimento em cooperativas,
resultado da articulação com o Banco
ABN AMRO Real, a Companhia Suzano
de Papéis e o Instituto Ecofuturo.
• Projeto Pró-Recife. Uma parceria com
Petrobras, Instituto Wal-Mart, Pangea e
Fórum Lixo e Cidadania de Pernambuco
(FLIC-PE) que pretende estruturar uma
cooperativa central para a posterior for-
mação de uma rede de comercialização.
• Apoio ao Projeto Vínculos Sólidos do
Instituto Ethos, que estimula o envolvi-
mento das empresas no tema de reci-
clagem com inclusão dos catadores.
• Intercâmbio com países latino-ameri-
canos.
13
AÇÕES TRANSFORMADORAS

culo do catador com a comunidade, refor-

Foto: Arquivo Pangea


çando seu papel como profissional. Como
conseqüência, a qualidade do material
recolhido aumenta e o índice de rejeitos
orgânico diminui.
O programa teve início em 2001, com
uma iniciativa que visava à retirada dos
catadores do aterro da cidade. Foram
criados 29 grupos – centrais de triagem
– onde 500 catadores separam e vendem
em conjunto. A criação das centrais foi
fundamental para diminuir as distâncias
percorridas pelos catadores. Elas servem
para acumulação temporária do material
recolhido, de onde são levadas, por cami-
nhões da prefeitura, para uma central de
prensagem e venda.
Hoje, 80% dos catadores participantes
2. CAEC forma 3. Prefeitura de
são mulheres, que viram na atividade uma parceria com Diadema remunera
alternativa de renda. Como a quantidade
de material é maior, os preços obtidos Wal-Mart em Salvador catadores
também são melhores. O sucesso do tra- Desde 2005, as lojas da rede de super- Remuneração e comprometimento são as
balho também pode ser medido pelo au- mercados Wal-Mart na região de Salvador palavras de ordem do Programa Vida Limpa,
mento do número de indústrias de bene- (BA) contam com postos de reciclagem em Diadema (SP). Em cinco regiões do muni-
ficiamento de material reciclado na região para seus clientes. Mais de 200 catadores cípio, 50 catadores vinculados à Associação
metropolitana de Londrina. da Cooperativa de Catadores e Agentes Pacto Ambiental passam de porta em porta
Um dos desafios enfrentados agora pelos Ecológicos de Canabrava (CAEC) passam em horários pré-determinados recolhendo
organizadores constitui garantir o aten- nos postos de coleta e levam o material material separado pelos moradores. Depois
– que chega a cerca de 45 toneladas por de coletarem o material de sua região, os ca-
dimento à população, já que a demanda
mês – para a sede da cooperativa, onde é tadores seguem para os depósitos – chama-
pela coleta aumentou. Para isso, é preciso
feita a triagem, prensagem e comercializa- dos de bacias – onde armazenam o resultado
constante replanejamento de rotas e re-
ção dos resíduos. da coleta. Quando as bacias estão cheias,
manejamento de catadores.
A parceria envolve o Wal-Mart – que bus- um caminhão da prefeitura faz o transporte
cava soluções para ter uma atuação mais do material para uma central.
ambientalmente responsável –, os cata- Ao final do mês, além do valor da venda des-
dores, a população e o Centro de Estu- se material, os catadores são remunerados
dos Socioambientais Pangea, que oferece pelo serviço de limpeza urbana da prefeitura,
apoio à logística da coleta e ações de edu- que paga a eles o mesmo valor que seria re-
cação ambiental. passado às empreiteiras: R$ 40,49 por to-
A próxima etapa do programa prevê que nelada de material reciclável coletado. Com
os resíduos da própria loja também sejam o valor pago pela prefeitura, o salário dos
“É gratificante ver que o
doados para a cooperativa a partir de uma catadores pode chegar a R$650 por mês e
programa deu certo e em
coleta seletiva interna. Além disso, a rede os grupos passaram a se organizar para ter
grande parte isso aconteceu
de supermercados pretende expandir o acesso aos benefícios do INSS.
por conta da participação da
programa para toda sua rede. A primeira O resultado, depois de um ano de progra-
população. Já tem catador
cidade a ser contemplada será Recife. ma, foi uma economia de R$120 mil para o
passando de kombi nas
casas para dar conta de tanto O programa recebeu um prêmio interna- município e um total de 1 mil toneladas de
cional do Wal-Mart como sendo um dos resíduos retiradas, o que já representa 3% do
material.”
quatro melhores projetos de sustentabili- volume gerado na cidade. Apesar de aparen-
Rosemeire Suzuki Lima, coordenado- dade da rede varejista ao redor do mundo temente pequeno, esse número já represen-
ra do Programa de Coleta Seletiva de na categoria “Ajudando Pessoas por um ta um crescimento de 60% em relação ao
Londrina Mundo Melhor”. ano anterior.
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“Em Diadema, a coleta seletiva
é de responsabilidade dos
catadores, com apoio da
prefeitura e da população.
Acabou gerando um vínculo
entre a comunidade e os
catadores, da mesma forma
como com o carteiro”.
Carlos Henrique Oliveira,
coordenador do Programa Vida
Visão
Limpa
Estratégica
“Aqui temos estatuto,
regimento e horário para
cumprir. Sei que isso traz
algumas dificuldades para os
catadores que preferem ficar
O desafio da reciclagem desdobramentos e impactos de um projeto
autônomos. Em compensação, de reciclagem, de maneira a evitar que pas-
vendemos por um preço sustentável
sem a alimentar ciclos socialmente nocivos,
bem maior e direto para as A reciclagem é considerada uma das mo- como o que hoje movimenta os 500 mil ca-
empresas que compram las propulsoras do processo de desenvol- tadores de papel, responsáveis principais
material reciclado. Além disso, vimento sustentável, já que traz reconhe- pela ponta dessa cadeia produtiva e que
cumprimos a exigência de cidos ganhos nas dimensões econômica, vivem em situação de extrema pobreza, ex-
contribuir com o INSS e ainda social e ambiental. Nesse sentido, ampliar cluídos da sociedade.
temos uma remuneração fixa a conscientização sobre sua importância é
um primeiro e essencial passo – e praticar Em relação ao aspecto ambiental, os ca-
da prefeitura que nos ajuda
a reciclagem sustentável ainda se mantém tadores realizam um trabalho de extrema
bastante.”
como um imenso desafio. utilidade, ampliando a capacidade de re-
José Lacerda Borges, catador e ciclagem de resíduos. No que se refere ao
No âmbito econômico, há um cenário de
presidente da Associação Pacto ambiente urbano, a atividade prolonga o
grandes oportunidades. Especialistas fa-
Ambiental tempo útil dos aterros e presta um serviço
zem estimativas bastante positivas em re-
complementar de limpeza urbana. No en-
lação ao mercado de reciclagem, que mo-
tanto, essa prática não é valorizada pelas
“Com a parceria, nossos vimenta US$ 1,2 bilhões no Brasil por ano.
administrações municipais, que, na maio-
rendimentos já quase Segundo Sabetai Calderoni, no livro Os
ria dos casos, preferem ignorá-la a reco-
Bilhões Perdidos no Lixo perde-se, pela
duplicaram, chegando a nhecer sua importância.
não reciclagem, R$ 4,6 bilhões por ano,
quase R$ 500 por mês. Afinal,
podendo chegar a R$10 bilhões até o fim Esta publicação apresenta diversas ini-
pegamos o material vindo das
da década. Só a indústria de reciclagem ciativas que têm obtido bom resultado
lojas e vendemos diretamente
de plásticos seria responsável por meta- em proporcionar a inclusão social desses
ao comprador final, sem de desse faturamento. De acordo com o trabalhadores. Porém, são ações ainda
atravessador. Fora isso, a Instituto Sócio Ambiental dos Plásticos, isoladas, com impacto reduzido diante da
rede ainda oferece café-da- o número de empresas recicladoras no abrangência desse mercado. Reconhecer
manhã e almoço para os País aumentou em 104% entre os anos de o trabalho realizado pelos catadores com
cooperativados. Além dessas 2003 a 2005. pagamento justo pelos serviços presta-
vantagens, como o trabalho dos seria um importante passo rumo a
Do ponto de vista das empresas, a recicla-
necessitava de muita mão-de- um modelo de negócios que proporcione
gem apresenta claros benefícios aos negó-
obra, foi possível aumentar o uma vida mais digna a esses trabalhado-
cios inclusivos. Processos produtivos eco-
número de cooperativados de eficientes geram economia de energia e de res. Ainda há muito a se fazer no sentido
125 para mais de 200.” matéria-prima, além da melhoria de reputa- de criar políticas públicas capazes de as-
Sônia dos Santos, presidente da ção. No entanto, as organizações precisam segurar a inclusão desse contingente no
CAEC. estar mais bem informadas em relação aos mercado de trabalho formal.
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Impresso também em Espanhol e Inglês
Versão eletrônica: www.avina.net

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