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(1889-1910)
Débora Paiva Monteiro*
Resumo: Este trabalho pretende apresentar algumas reflexões iniciais sobre as formas de
resistência popular frente a tentativas de controle do Estado sobre manifestações
carnavalescas no Rio de Janeiro, tomando como objeto específico o entrudo. A análise tomará
como ponto de partida a proclamação da República e vai até o final da primeira década do
século XX. Considerado uma das manifestações mais populares na cidade até meados do
século XIX, o entrudo foi continuamente proibido pelas autoridades estatais - desde o
momento de sua chegada ao Brasil no século XVII, até seu desaparecimento no século XX. A
pesquisa pretende identificar as estratégias e justificativas utilizadas pelos entrudistas para a
permanência da festa, principalmente no momento em que identificamos uma intensificação
da coerção estatal dessa manifestação.
Abstract: This paper aims to present some initial thoughts about the forms of popular
resistance against the attempts of the state control over manifestations in Rio de Janeiro
carnival, taking as a specific object the entrudo. The analysis takes as its starting point the
beginnig of Republic and goes until the end of the first decade of the twentieth century.
Considered one of the most popular events in the city until the mid-nineteenth century, the
entrudo was continuously prohibited by state authorities - from the moment of his arrival in
Brazil in the seventeenth century until its demise in the early twentieth century. The research
intends to identify strategies and justifications used by entrudistas for the stay of the party,
especially when we identify an intensification of state coercion.
*
Mestranda em História / UFF
O entrudo, brincadeira praticada no período do carnaval, foi trazido para o Brasil por
colonos portugueses no alvorecer do século XVII. Não obstante sua grande popularidade,
pode-se afirmar que a celebração permaneceu desde o momento em que foi introduzida no
Brasil até o início do século XX, período que marcaria seu ocaso, como uma festividade “fora
da lei”.1 Em Portugal, assim como no Brasil, o entrudo era bastante difundido e praticado
entre a população, havendo registros da permanência de tal prática em algumas cidades
portuguesas pelo menos até o final do século XIX (FERNANDES, 2001; PEREIRA, 2004).
Contudo, não há certeza nem consenso entre os autores com relação à origem dessa prática.
O entrudo foi até meados do século XIX a principal e mais difundida manifestação
carnavalesca no Rio de Janeiro, tendo sido utilizado para nomear o período festivo, ou seja,
para denominar o conjunto de manifestações praticadas na cidade durante o carnaval.
Somente após o surgimento das Grandes Sociedades Carnavalescas, em 1855, e com apoio de
campanha negativa engendrada por jornalistas, médicos, higienistas, entre outros segmentos
profissionais, a expressão “entrudo” passaria a designar somente o jogo das molhadelas, em
oposição ao carnaval (CUNHA, 2001).
Segundo CUNHA (2001), em sua face mais visível o entrudo poderia ser caracterizado
como o
“... costume de molhar-se e sujar-se uns aos outros com limões ou laranjinhas de
cera recheados com água perfumada, com recurso a seringas, gamelas, bisnagas e
até banheiras — e todo e qualquer recipiente que pudesse comportar água a ser
arremessada. Incluía também, em determinadas situações, o uso de polvilho,
‘vermelhão’, tintas, farinhas, ovos e mesmo lama, piche e líquidos fétidos, entre os
quais urina ou ‘águas servidas’.”
1
Tomamos a expressão “fora da lei” emprestada de FERNANDES (2001), que de tal forma classifica o entrudo
em função das reiteradas proibições estabelecidas à pratica ao longo de três séculos.
rissem de sua reação embaraçada ao perceber o acontecido. Contudo, o fazendeiro não
compartilhou do espírito entrudista de Bilac, acusando-o de ladrão. O caso resultou em um
duelo físico e em um convite para o escritor deixar a cidade (CUNHA, 2001).
Uma característica importante do jogo das molhadelas é sua difusão por todo o
território e por todas as classes sociais, tendo sido praticado por atores sociais diversos, desde
os escravos até a família imperial (SOIHET, 1998). PEREIRA (2004) em seu Carnaval das
Letras, cita em nota alguns trabalhos que falam sobre a prática da brincadeira em Santa
Catarina (COLAÇO, 1988), São Paulo (SIMSON, 1984) e Bahia (FRY, 1988). Pesquisas
mais recentes chamam ainda a atenção para registros sobre o jogo em Minas Gerais
(ARAÚJO, P., 2008).
Relatos de época contribuem ainda para uma caracterização mais detalhada das feições
tomadas pelo entrudo enquanto manifestação carnavalesca. BINZER (1980) - citada por
PEREIRA (2004) - uma educadora alemã que residia no Rio de Janeiro, ao sair às ruas da
cidade alguns dias antes do carnaval para ir ao dentista teria sido atingida por entrudistas.
Nesta ocasião, escreveria a uma amiga descrevendo a cena:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS