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PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

SOCIAL E INSTITUCIONAL

Disciplina:

Arquivo e Testemunho VI: Narrativa e Experiência


(2014/2)

Experiência ou Vivência de Prisão?

Professora: Tânia Mara Galli Fonseca


Mestranda: Luciane Engel
Orientadora: Profª.Drª. Inês Hennigen

Porto Alegre, dezembro de 2014

1
Experiência ou Vivência de prisão? Possibilidades de desterritorialização.

1. Introdução

O trabalho de pesquisa que proponho tem como objetivo estudar a produção de


subjetividade de pessoas com vivência e ou experiência de prisão, problematizando os
discursos midiáticos acerca desta população e da criminalidade, como operadores
semióticos1 presentes neste processo de subjetivação.
Antes de iniciar a problematização da experiência ou da vivência destas pessoas,
quero situar um pouco mais a pesquisa e clarear os caminhos que me instigam a estudar
esta condição de vida.
Devido à proximidade desta realidade, com o trabalho em casas prisionais, pude
perceber que há, entre os internos, considerável contato com a mídia televisiva, em
virtude do acesso permitido de aparelhos de TV em penitenciárias deste Estado, e, muitas
vezes, contato com programas que veiculam situações de crime e violência. Esta situação
instigou a buscar entendimento sobre a relação que os sujeitos presos estabelecem com a
mídia; além disso, tentar captar de que maneira lidam com o que é dito sobre o crime e o
criminoso e com a forma na qual o assunto é abordado. Observar entre os participantes
da pesquisa se há reconhecimento de si naquilo que assistem, ouvem, leem nas mídias.
Ou como se constituem com estes atravessamentos. Algumas questões norteiam esta
reflexão. Quem são as pessoas presas – como viviam antes da prisão, seus gostos, desejos,
história? Como se relacionam com a sociedade quando estão livres? Como percebem a
mídia de forma geral sobre o assunto da violência e crime? Assistem aos programas
televisivos chamados policialescos2? Como vivem? Expressam contato com outro tipo de

1
Semióticas significantes relativas à sujeição social que mobiliza as semiologias como linguagem, discurso,
história utilizadas para “retorritorialização dos fluxos descodificados de indivíduos, pessoas, sujeitos
individuados”. (Lazzarato, 2014, p.41)

2
“Programas policialescos televisivos” – como o Brasil Urgente, Cidade Alerta - apresentam imagens de
violência e de escracho de pessoas supostamente envolvidas nas ações. Noticiam fatos de forma
tendenciosa e parcial que estigmatiza a classe pobre da população, categorizando-a, e incitando o clamor
social por punição (afastar, isolar, tratar o “mal”). Nas cenas apresentadas nestes programas, percebe-se
que são feitos recortes como montagens cinematográficas que camuflam verdades e sentidos. O que se
vê é o que foi selecionado e montado. A obra final é apenas a artificialidade resultada de uma montagem
de imagens, falas, sons e cortes. Conforme Benjamin, no cinema – principalmente os comerciais e
descartáveis - até mesmo o ator se torna acessório e é escolhido por suas características, sendo mínima
a “representação” de um papel, diferentemente do teatro em que o ator incorpora o personagem.

2
mídia e conteúdos? Que memórias são acionadas no contato com as mídias que falam
sobre violência e crime? Que testemunhos ocorreram desta realidade de prisão? De que
maneira a vivenciam?
Na pesquisa, buscar-se-á oportunizar ao grupo participante a possibilidade de falar
de si e contar suas histórias, buscando identificar as resistências e as rupturas que por
ventura possam ter ocorrido durante esta vivência de prisão.

2. Possibilidades com a vivência/experiência de prisão

A questão experiência ou vivência3 de prisão parece ser uma via interessante para
pensar formas de desterritorialização4 em um espaço comumente marcado pela rotina
categorizadora e opressora que comporta o cárcere.
Quando ouvimos: Toda decisão acertada é proveniente de experiência. E toda
experiência é proveniente de uma decisão não acertada, Albert Einstein está se referindo
ao que comumente se tem sobre o conceito de experiência, de modo geral, utilizado para
expressar determinado conhecimento e uma certa vantagem sobre os desprovidos.
Benjamin analisa e é contra a experiência dos “adultos”5 (Erwachsene) que é evocada
para oprimir o “jovem” e com isso acaba por impedi-lo de conhecer outras qualidades
sobre a própria experiência. Isso pode ser observado no campo do trabalho, em algum
desafio ou em atividade específica que requer “experiência” como sinônimo de uma
capacidade maior adquirida e armazenada, conquistada com sofrimento. Este que advém
da “dor” que faz com que a “experiência” seja tão valorizada e colocada num patamar
único, de poder e de status, do ponto de vista da posse sobre um saber. Assim, a relação
entre o “experiente” e o “não experiente” sofreria o impacto da autoridade de um sobre o

3
Walter Benjamin indica diferença entre os conceitos de experiência (Erfahrung) e vivência ( Erlebnis ).
Conforme Lima (2013), na década de 30, Benjamin havia concebido a experiência como o conhecimento
tradicional, passado de geração em geração, e que vinha definhando com a modernidade. (p. 451). Mais
tarde, nos anos 40, ele “trouxe a experiência mais ao campo da sensibilidade, nomeando-a não mais como
“experiência” (Erfahrung) e sim como vivência (Erlebnis)”. A intenção de Benjamin é tensionar
criticamente a concepção de conhecimento, verdade e saber localizado no conceito único e empírico da
experiência. (Baptista e Lima, 2013)
4
Desterritorialização no sentido Deleuziano significa a saída ou fuga de um território ou estrutura
institucional, social para criar novos modos de vida e se reterritorializar de outra forma. (Vocabulário de
Deleuze, p.22)
5
Benjamin denomina adultos a categoria de pessoas que estão fechadas em sua “experiência” a
mudanças de paradigmas a novas possibilidades. Não é uma questão cronológica, mas sim de espírito e
ética. (Lima e Baptista, 2013)

3
outro, mantendo-se a intenção de afirmação deste status, tendo o sofrimento um valor
cultuado, inclusive, para efeitos de mudanças no ser. Ou seja, é preciso sofrer para
aprender e manter na memória a experiência que, supostamente, evitaria a reprodução do
erro de onde advém o sofrimento.
Walter Benjamin, entretanto, em seu trabalho sobre experiência e linguagem, faz
crítica ao conceito kantiano que reduz a experiência aos observatórios empiristas do
conhecimento científico e sugere que a experiência possui variações múltiplas e são
criadas através da história. Poder-se-ia pensar em histórias: do mundo, da comunidade,
da pessoa, da vida que resiste e se constitui nas relações. Segundo Rolnik, na incorporação
de universos e na mistura destes que se compõem e se dissolvem, onde possivelmente
novas configurações ocorrem e participam da constituição de si e da história. Desta forma,
a autora sugere que neste princípio de constituição de si operam muitas políticas de
relação que, entre afirmação e negação, neste jogo, estão amparadas pela suposta e até
necessária ancoragem identitária estabelecida de si e do mundo. Como uma espécie de
sobrevivência diante do que se vive e diante da memória. Mas, a autora enfatiza que a
memória não pode reproduzir fatos marcantes, além de lembrança ou de fragmentos,
porque não se consegue reviver a experiência que a memória tenta evocar, é um tempo
passado, transversalizado por outras forças, que mudam constantemente, pois é preciso
considerar as diferenças e as transformações do mundo. Nascimento (2012) discute a ideia
da memória enquanto experiência da temporalidade e da diferença, ou seja não se trata
apenas de armazenamento de informações para serem reproduzidas, mas de uma abertura
para novos processos. Experiência que não se inicia e não termina no sujeito. Nascimento
(2012) afirma “...o que está em jogo são as forças do mundo se conectando com as forças
do corpo, num processo de abertura, de encontro permanente, de modo que modulações
vão ocorrendo a todo instante nesse encontro” (p.120). Portanto, estamos falando de
muitas memórias e, consequentemente, muitas experiências.

Obra – Selfies de Roman Opalka (1965/1 - ∞)

4
No trabalho do artista Roman Opalka, o autorretrato em diferentes períodos,
indica a questão do tempo, das mudanças e da experiência da memória. Suscita a sensação
de que o registro de cada minuto como marca do que existe e do que existiu revela certa
ansiedade por registrar a existência. Mesmo que o momento seja único, como é, o que foi
vivido é passado, foi a oportunidade do acontecimento na sua singularidade; não se repete,
não se acomoda e modifica com o movimento da vida. Aquela imagem de Opalka será
outra(o) amanhã, mesmo que haja semelhança, mesmo que haja um olhar saudoso, que
procure encaixar os detalhes em algo (ví)vido no presente, o registro diário demonstrado
na fotografia de Opalka, registra a diferença na semelhança, na atualização da vida. O
espaço, o tempo, tudo se modifica. Afetações ocorreram dia a dia, minuto a minuto e isso
denota que nada é o mesmo, não somos mais quem fomos. A diferença também está em
olhar para este novo “velho” conhecido, na sua total potencialidade de vida e de
transformação. A análise da fotografia em relação ao tempo proustiano, não linear ou
finito, mesmo que a fotografia de Opalka indique uma progressão e um fim, ela também
mostra a ação do tempo, e deixa para quem olha – observador-sujeito e mundo-objeto
(Flores, 2005 apud Abreu e Velasco, 2009, p. 92) – a lembrança da eternidade das infinitas
afetações e possibilidades.
Como diz Benjamin (1994) sobre Proust que a forma mais real de fluxo do tempo
se manifesta na reminiscência (internamente) e no envelhecimento (externamente) . Assim
se revela o fenômeno da memória involuntária 6 que ocorre com o afeto. O que significa
que pessoas não são meros números, nem números são meros contadores. A contagem do
tempo de Opalka remete a este “devaneio” coerente para mostrar em sua obra, a passagem
do tempo e o anúncio do fim. O registro do número e não do símbolo do tempo, parece
permitir que a contagem deste tempo seja singular. Mesmo que as condições laboratoriais
e empiristas sejam preservadas, ainda assim Opalka sugere em sua obra que o tempo é
absoluto e, nas marcas e vincos (vivências), se revela.
Na vida moderna, aquela onde não se quer ter fim, e a busca pela eterna juventude,
não relativa aquele espírito jovem e transformador que Benjamin cita quando afirma a
existência de uma experiência diferente, que se opõe à experiência opressora dos adultos,

6
Para que algo se instale na memória involuntária é necessário que o estímulo não tenha sido
vivenciado como consciente: “só pode se tornar componente da mémorie involuntaire aquilo
que não foi expressa e conscientemente 'vivenciado', aquilo que não sucedeu ao sujeito como
'vivência' (Benjamin, 1994, p. 108).476

5
mas a juventude estética e arraigada aos padrões sociais, culturais e capitalísticos. Nesta
modernidade, a passagem do tempo e o automatismo do cotidiano, assim como o disparo
da câmera digital, indica a existência de uma relação objetivada com a vida, ocupada e
retida (limitada), descartável pela falta de sentido com que o capitalismo a condicionou.
Conforme a leitura de Pires sobre Benjamin, “o vazio dessa vivência individual é
engendrado por uma ação que se limita a si própria; a qual não faz outra coisa senão
repetir a história e reificar a ordem”. Neste roldão de cotidianos, de vivências pouco
consistentes e efêmeras, as resistências a este modo de viver encontram obstáculos
narcísicos, protegidos pela alienação da vida eterna, que encobre o finito do corpo
humano e despista a consciência de que há continuidade do mundo sem a “própria
existência física”.

Na sua preocupação com a experiência moderna, com os efeitos subjetivos da


modernidade, Benjamin afirma em seu trabalho Experiência e Pobreza que é preciso uma
reviravolta do conceito de enriquecimento e expansão da experiência tomada como
verdade. Agora, ele afirma que a verdade da experiência está justamente na pobreza que
a caracteriza na modernidade. Trata-se de um declínio à transmissão de saberes de um
passado comum. Não se trata, contudo, de um silêncio traumático como vivido pelos
soldados da guerra, mas a necessidade de conhecer e reconhecer a pobreza de experiência
da modernidade é para Benjamin uma atitude ética contra a evocação de uma falsa
experiência, com fragmentos que não condizem com a atual realidade. Caberia, portanto,
às pessoas uma transformação ética que permitisse filtrar o que realmente faz sentido e
condiz com a vida moderna, criando a oportunidade a partir desta atitude de constituir
alicerces precisos e fortalecidos na sua verdadeira experiência.

2.1 Experiência na vida encarcerada

Como definir experiência na prisão?


Ainda tenho mais dúvidas do que certezas, e não se sabe se estas virão. E, se virão,
a única certeza é de que não permanecerão por longo tempo como certezas, pois a
experiência muda com as vivências, com as afetações e atravessamentos das diferenças
provocadas pelo movimento da realidade. Com base em Benjamin, as diferentes formas
de conceber a experiência e a evocação de épocas que não condiz com o atual contexto,
podem gerar equívocos bastante arriscados para a modernidade e desperdiçar a potência

6
de novas experiências, que poderiam, através de um posicionamento ético, ser, acima de
tudo, verdadeiras. A prisão como espaço de convivência e dispositivo da sociedade,
mesmo que em certa medida fechado ao mundo exterior, possui frestas que permitem o
fluxo das diferenças e dos acontecimentos7sociais e culturais.
A história de um senhor de idade – senhor “J” - preso por muito tempo, desde sua
juventude, tendo tido a primeira experiência na faixa dos 20 anos de idade, em função de
um atentado contra a vida de outrem, em conflito em jogo de futebol, autodenominando-
se “nervoso” naquela ocasião, e já convencido de que a prisão era seu destino e, depois,
justificando para si, ser este o seu lugar, tem ao longo de 20 anos, outras duas
condenações, onde cumpriu pena de prisão anos a fio. Senhor “J”, a exemplo de muitos,
demonstrava dificuldade para se manter em liberdade e, dentre os motivos deste
infortúnio, o principal obstáculo era a falta de “experiência” para lidar com a vida livre e
ao mesmo tempo excesso de experiência com a prisão, que se constituía por si só um
desafio à liberdade. Passados muitos anos, sua dificuldade, no momento, está em lidar
com as mudanças sociais e culturais que a nova geração de presos (jovens) vem
provocando nas relações estabelecidas no interior do cárcere. Senhor “J” (preso, adulto)
diz “Na minha época era difícil, mas não tinha todas estas barbaridades que vejo estes
jovens cometerem...é muito uso de droga, de crack, vendem o que tem para consumir esta
tal de pedra, maltratam a mãe, a família que visita, um absurdo”. As queixas dizem de
um tempo em que, apesar dos delitos, alguns valores relativos à convivência pacífica entre
os internos eram preservados, na opinião de “J”. Hábitos que na época pudessem ser
transgressores para uma sociedade, hoje são tidos como ultrapassados, caretas e
incomodativos para a geração que se encontra dividindo o espaço na atualidade. O que se
percebe no senhor “J” é algo no nível da desilusão diante de uma experiência que depois
de tantos anos não lhe oferece o mesmo suporte para lidar com as adversidades do
ambiente nem para sua preservação. Se não pode ser transmitida, não quer dizer que não
seja uma experiência, mas segundo Benjamin quer dizer que se trata de modernidade e
portanto de vivência: o vazio da experiência.
Determinadas experiências e conhecimentos são fundamentais para o convívio e
a preservação psíquica neste contexto. Porém, é possível constituir o saber necessário
para se preservar e, concomitantemente, criar resistências e rupturas nos modos de lidar
com a questão do crime, do controle, e daquilo que perpetua amarras e funcionamentos

7
No sentido Deleuziano, onde há relação com a linguagem, esta que diz as coisas, as práticas, os
pensamentos. (Pires, 2014)

7
petrificados neste âmbito? É possível a abertura de outras experiências e de diferentes
formas de subjetivação? Pode-se dizer que a experiência moderna também atinge o
cárcere, que não é impermeável ou restrito às regras internas. Neste sentido, a ética vale
também para as relações estabelecidas no cárcere.
De todo modo, se o fundamento do conhecimento é a linguagem e esta é o
fundamento da experiência, então poder-se-ia pensar que a linguagem própria, criada e
representada pelos sujeitos presos, no interior da prisão, é experiência constituída nas
relações internas, que diz de uma multiplicidade que ali se encontra. Pires (2014) avalia
que na teoria da linguagem benjaminiana, a linguagem para ser assim considerada não
pode ser mero instrumento de dados, mas precisa ser um médium8, “pensada como campo
no qual emerge uma intrincada rede de relações entre conhecimento e experiência”
(p.813). Por outro lado, qual seria a extensão desta experiência? A linguagem estaria
funcionando como médium neste caso? Ou apenas sendo representação linguística de
uma cultura ou uma identidade?
O potencial de criação segundo Benjamin se estabelece na relação com o
ambiente, com o outro. E pensando assim, até que ponto a liberdade é necessária para
permitir este processo? De que liberdade estamos falando? A liberdade do pensar, do agir,
ir e vir? Todo espaço possui potencial de criação, de constituição de relação que faça
algum sentido. Quando Benjamin apud Pires (2014, p.822) fala da pedagogização do
brinquedo infantil, associo seu raciocínio com a forma como pessoas de diferentes idades
(inclusive adultos) constituem seus aprendizados em ambientes novos e inusitados. Se é
inglória a construção de objetos específicos para a infância, considerando que o mundo,
conforme a citação em Benjamin, está repleto de estímulos ou de objetos não específicos
para o desenvolvimento das crianças ou de quem quer que seja, então a metodologia de
ensino específica que encontramos nos bancos escolares é também inútil. Ou seja, a
linguagem especialmente criada para estabelecer determinada relação na fase escolar e de
desenvolvimento, pode-se dizer que corre o risco de ser um equívoco e que, talvez, os
exemplos dos adultos pudessem ser mais interessantes do ponto de vista mimético 9.

8
Pensar do pensar, experiência relacionada aos processos sociais e culturais. (Pires, 2014)
9
“Nos escritos de Benjamin, a produção mimética estará relacionada, como em Aristóteles, ao
jogo e ao aprendizado, ao conhecimento e ao prazer de conhecer”. (Pires, 2014, p. 822) . “Na
teoria mimética da linguagem está implícita uma lógica não da identidade, mas da semelhança;
não há uma concepção identitária do sujeito e da consciência, mas “a eclosão de um verdadeiro
outro” (GAGNEBIN, 1999, p. 103 apud Pires, 2014). A atividade mimética não se reduz a uma
cópia, ela é uma mediação simbólica:” “Daí o conceito de semelhança extrassensível, utilizado

8
Também com isso, penso que as linguagens ou métodos de tratamento criados para
determinado público, como é o caso da população encarcerada, pode ser analisado nesta
linha de raciocínio, pois a utilização de meios “pensados”, digamos assim, e a
homogeneidade para corrigir e penitenciar os sujeitos pelos seus erros como forma de
aprendizagem, é também um equívoco, pois não seria eficaz e nem mesmo contemplaria
os sujeitos nas suas diferenças, singularidades, da mesma forma que ocorre com os
brinquedos pedagógicos para a infância.

3. Considerações finais

Com todos as considerações sobre experiência estudadas em Benjamin, poderia


dizer que é através de vivências10 que se dá a constituição da subjetividade das pessoas
presas? Utilizam a linguagem como dispositivo para compor suas modernas experiências?
A vivência de prisão poderia constituir ferramentas de cuidados de si11? Quais as saídas
para diferentes constituições de subjetividades?
Ficam questões que serão levadas a campo de pesquisa e às leituras.
O acompanhamento da reflexão de Benjamin sinaliza para alguns pontos já
trabalhados pelo autor e que serão considerados na análise posterior. Benjamin diz que a
experiência moderna tem ligação tênue com o passado, e não é uma relação que
transcenda a memória individual. Entendo que Benjamin afirme que a vivência não passa
do indivíduo, mesmo que se mostre homogênea na forma de se expressar e se conduzir
em grupo. Ainda, diz que a memória consciente e voluntária não guarda a experiência do
passado porque a consciência está ligada à vivência. Portanto, este direcionamento
reflexivo tende a considerar que se tratam de pessoas com vivência de prisão. Por fim,
caberá entender de que maneira esta modernidade irá estabelecer relações com a vida,
com o coletivo, e por quais vias poderá resistir à captura das falsas experiências e da
artificialidade.

por Benjamin para definir a linguagem como o grau último da capacidade mimética humana e o
arquivo o mais completo dessa semelhança extrassensível”. (Pires, 2014, p. 823)
10
Para Walter Benjamin, a vivência é a nova forma de experiência moderna, uma experiência
pobre, diferente da experiência rica, da tradição. (Lima e Baptista, 2013)
11
Posição ético-política a partir do conhecimento de si e a promoção de liberdade. (Michel Foucault,
2004)

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Referências:

ABREU, Elane e VELASCO, Nina. De 1965 para cá: contando o tempo de Opalka na
pintura e na fotografia. Discursos fotográficos, Londrina, v.5, n.6, p.77-98, jan./jun. 2009.
BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. In: _____. Magia e técnica, arte e política
(Obras escolhidas I). São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 36-49.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São
Paulo: Editora 34, 2006.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Calíre. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
FOUCAULT, Michel. A Ética do Cuidado de Si Como Prática da Liberdade. In:
FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Col. Ditos e Escritos V. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004.
LAZZARATO, Maurizio. Signos, máquinas, subjetividades. 1ª edição – São Paulo:
Edições Sesc São Paulo: n-1 edições, 2014.
LIMA, João Gabriel, BAPTISTA, Luis Antonio. Itinerário do Conceito de Experiência
na Obra de Walter Benjamin. Natal (RN), v. 20, n. 33 Janeiro/Junho de 2013, p. 449-484.
NASCIMENTO, Aline Ribeiro. Da invenção da memória às memórias inventadas.
Mnemosine Vol.8, nº1, p. 117-151 (2012) – Artigos. Departamento de Psicologia Social
e Institucional/ UERJ.
PIRES, Eloiza Gurgel. Experiência e Linguagem em Walter Benjamin. Educ. Pesqui.,
São Paulo, v. 40, n. 3, p. 813-828, jul./set. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-
97022014041524
ZOURABICHVILI, François. O Vocabulário de Deleuze. Tradução André Telles, Rio de
Janeiro, 2004. Disponibilização em versão eletrônica.
http://www.opalka1965.com/fr/index_fr.php

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