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Izabele Zasso
Janaína Soares Schorr
1
Fabiana Marion Spengler
Izabele Zasso
Janaína Soares Schorr
1ª edição
2015
2
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil
Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Profª. Drª. Angela Condello – Direito - Roma Tre/Itália
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Doglas César Lucas – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa – Direito – UNIFOR/UFC/Brasil
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof.ª Drª. Jane Lúcia Berwanger – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – UNISINOS/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia
Profª. Drª. Virgínia Elizabeta Etges – Geografia – UNISC/Brasil
COMITÊ EDITORIAL
Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC e UNIJUI/Brasil
Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil
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Essere nel Mondo
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SUMÁRIO
Prefácio 7
Apresentação 10
CAPÍTULO 1 12
A REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA E A MEDIA-
ÇÃO COMO FORMA DE TRATAMENTO DE CONFLITOS:
uma análise a partir da proposta de Boaventura de
Sousa Santos
Janaína Soares Schorr
CAPÍTULO 2 28
MEDIAÇÃO: o consenso como arte diante da insufi-
ciência do Estado em resolver conflitos
Jaqueline S. M. Roberto
CAPÍTULO 3 44
A MEDIAÇÃO E A BUSCA DA RESOLUÇÃO DOS CONFLI-
TOS COM BASE NA ÉTICA DA AMIZADE: o respeito e
a consideração do outro como fator determinante na
solução de conflitos
Ilise Senger
CAPÍTULO 4 62
MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA x VIOLÊNCIA: tratamento
do conflito por meio do princípio da não violência e
do estabelecimento da cultura da paz
Luana Rambo Assis
CAPÍTULO 5 80
INTERLOCUÇÃO DO DIREITO COM A PSICANÁLISE: a
mediação como possibilidade de se compreender os
arranjos familiares nas práticas jurídicas
Izabele Zasso
As autoras 96
5
XXIX
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.
XLIV
Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre la mar.
6
PREFÁCIO
7
da vigência do novo Código de Processo Civil, no qual estão previstos
diferentes mecanismos para viabilizar o acesso à justiça, dentre eles a
mediação, que passará a integrar o rito processual.
Nos capítulos deste livro, as autoras conseguem expressar, com
infinita atitude e autonomia, fazendo uma leitura de diferentes autores,
sintonizada com as discussões de ponta no cenário jurídico, os conflitos
sociais cada vez mais complexos que ao Direito estão ligados em razão
de ser este o porta-voz do seu tratamento e que podem encontrar na me-
diação um caminho. Também retratam os problemas que enfrentam as
pessoas ao buscar a tutela judicial que é prestada pelo Poder Público por
meio do Judiciário.
A mediação é para mim uma forma de viabilizar o acesso à justiça.
Mais, é um mecanismo que exige maior participação das partes na cons-
trução de uma possível solução à celeuma que originou o processo judi-
cial (quando judicializado), o que por si só demonstra ser ele um método
democrático e que traz em si um forte sopro de pacificação social e de
auxiliador da cidadania. Ele pode ser utilizado não somente no Judiciário,
mas e, inclusive, preventivamente à propositura de uma demanda judi-
cial, como forma de evitar esta.
O acesso à justiça, por sua vez, é um direito fundamental, um direi-
to humano e deve preponderar nas sociedades democráticas, já que, por
meio dele, consegue-se a proteção e efetivação de outros direitos. Ele não
significa apenas o acesso ao Judiciário, mas a uma ordem jurídica justa, à
Justiça como um todo e aos seus diferentes mecanismos, de cujo sistema
os sujeitos não podem deixar de participar como atores, limitando seu
papel a meros coadjuvantes.
Tanto a expressão “direitos humanos” quanto o termo “justiça” têm um
significado de difícil definição. Os direitos do homem atendem a um caráter
universal dos direitos naturais e também histórico. Em um sentido mais am-
plo e moderno, são considerados direitos dos cidadãos, previstos na Decla-
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Se assim compreendidos, eles
não seriam criação do Estado, mas decorrentes de exigências universais, com
validade para todos os povos em todos os tempos. Já o conceito de justiça,
extraído da expressão “acesso à justiça”, pode ser resumido com algumas de
suas características principais: equidade e imparcialidade, as quais devem es-
tar presentes no acesso à justiça para a proteção dos direitos humanos. Essas
características também fazem parte dos objetivos da mediação.
O conceito de acesso à justiça como o acesso aos tribunais, aos
mecanismos substantivos e processuais para solução dos conflitos é, por-
tanto, um conceito estrito. Um conceito mais amplo, que deve preponde-
rar, é aquele que trata do acesso à justiça como o acesso aos meios de
desenvolvimento social, político e econômico de um Estado, ou seja, a
8
uma justiça social, distributiva.
Diferentes são, então, as formas de se efetivar o acesso à justiça e
uma delas é a mediação, que vem expressamente prevista no novo Códi-
go de Processo Civil que entrará em vigor em 2016, o qual é considerado
um avanço para a sociedade por alguns doutrinadores justamente por
trazer mecanismos alternativos de solução dos conflitos, com uma pre-
tensão de transformar a vigente cultura do litígio em cultura do diálogo,
da conciliação e também da utópica paz.
A inclusão da mediação em uma fase inicial do tramitar do proces-
so civil demonstra que os exercitores do Direito estão conseguindo com-
preender a evolução das relações sociais, bem como o alargamento de
sua complexidade, o que exige não somente novos olhares para superar
o positivismo jurídico reinante, mas também novos instrumentos para au-
xiliar na solução dos conflitos. Nada melhor, salvo melhor juízo, para que
os processos sejam mais democráticos, que o diálogo, que a participação
ativa das partes na solução dos seus problemas, o que é proporcionado
pela mediação.
Vê-se, pois, que a constante reinvenção do sistema jurídico para tor-
ná-lo mais participativo e democrático, garantindo efetivamente o acesso
à justiça e a participação popular, é necessária para o reconhecimento e
efetivação dos direitos humanos, dos novos direitos e para a valorização
do pluralismo social.
Por derradeiro, tenho que, em sua medida, os capítulos que com-
põem este livro estão sintonizados com as linhas de pesquisa do Mestra-
do em Direitos Humanos da Unijuí e trazem uma problemática de pesqui-
sa que poderá ser utilizada por outros pesquisadores, que, assim como
nós, andam rumo a um lugar sem perspectiva de chegar ao final, simples-
mente no anseio por percorrer um caminho e por buscar um horizonte.
Portanto, fica o convite a que os privilegiados leitores possam encontrar
um entre-lugar que medeie o texto/mundo da vida de modo a injetar nas
veias do conhecimento uma pulsante atitude provocadora e, por conse-
quência, transgressora e libertadora, porque acreditamos que o caminho
se faz caminhando, como diziam Eduardo Galeano e Antonio Machado.
Desejo a todos e a todas uma ótima leitura e convido-o(a)s à reflexão.
Angelita Maria Maders2
9
APRESENTAÇÃO
10
ao livro que agora se apresenta. Muito me honrou o convite para apresen-
tar essa obra. Mais ainda, porque percebo nos textos o conhecimento e
as experiências compartilhadas e o amadurecimento de um debate que
começou nos seminários da disciplina e que, certamente, se estenderá
pela vida pessoal e profissional das autoras. A produção textual fez jus
ao debate produzido em sala de aula e espelha as ricas e profundas dis-
cussões lá desenvolvidas.
A abordagem é interdisciplinar assim como foi o grupo de mestran-
das, contando com interlocuções das ciências jurídicas e sociais, da psi-
cologia, do serviço social e da licenciatura em história. Debater e escrever
sobre mediação em um contexto multidisciplinar, tão amplo e rico, além
do debate acalorado, gerou várias visões e conclusões sobre o assunto.
O primeiro texto, produzido por Janaína Soares Schorr aborda a re-
volução democrática da justiça e a mediação como forma de tratamento de
conflitos numa análise a partir da proposta de Boaventura de Sousa San-
tos. No texto seguinte, de autoria de Jaqueline S. M. Roberto, a mediação
é discutida como meio de alcançar o consenso diante da insuficiência do
Estado em resolver conflitos. Adiante, o terceiro capítulo aborda a media-
ção e a busca da resolução dos conflitos com base na ética da amizade,
analisando o respeito e a consideração do outro como fator determinante
na solução de conflitos; esse capítulo foi produzido por Ilise Senger. Já a
mediação comunitária como meio de tratar conflitos por meio do princípio
da não violência e do estabelecimento da cultura da paz foi elaborado por
Luana Rambo Assis. Por fim, Izabele Zasso escreve sobre a interlocução do
direito com a psicanálise apresentando a mediação como possibilidade de
compreender os arranjos familiares nas práticas jurídicas.
No contexto de produção dos textos mencionados observa-se que
a mediação é considerada como maneira ecológica de tratar conflitos so-
ciais e jurídicos, um mecanismo no qual o intuito de satisfação do desejo
substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. Diz-se
que é uma forma consensuada de tratamento do litígio, uma vez que o
terceiro mediador tem uma legitimidade limitada e não autoritária, e que
ajuda os conflitantes a chegarem voluntariamente a um acordo. Por isso,
não se pode perder de vista a importância desta prática em uma socieda-
de cada vez mais complexa, plural e multifacetada, produtora de deman-
das que a cada dia se superam qualitativa e quantitativamente.
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CAPÍTULO 1
A REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA
JUSTIÇA E A MEDIAÇÃO COMO
FORMA DE TRATAMENTO3
DE CONFLITOS:
uma análise a partir da
proposta de Boaventura
de Sousa Santos
12
“Excesso de processos não é si-
nal de democracia plena. Ao contrário:
é sintoma patológico, de uma socieda-
de enferma, que não sabe conversar!”
1. Introdução
13
virtude de ser hoje a mais eficiente, ecológica e completa forma de trata-
mento de conflitos.
Assim, o que se busca é a consolidação da mediação como uma
das melhores dentre as formas existentes de resolução de conflitos, com
o mínimo de consequências para as partes, e o máximo de atuação delas,
vez que estas passam a ser as responsáveis pelo tratamento da dificulda-
de em que se encontram.
Para tanto, a partir da pesquisa bibliográfica em obras que dão a
base teórica para o seu desenvolvimento, foi utilizado o método de abor-
dagem hipotético-dedutivo, partindo-se de uma proposição geral a fim de
construir uma premissa a ser utilizada para o estudo em particular.
Há muito que caminhar em relação ao tema em apreço, objetivando
este ensaio ser mais uma forma de discussão e pesquisa, em razão de
que só se vencerá a crise que assola o Poder Judiciário quando houver
união de forças em prol da construção de um mundo mais fraterno e jus-
to, em que as pessoas sejam também responsáveis pela resolução das
dificuldades que as envolvem.
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ficamos uma grande disparidade entre o que a sociedade exige e o que o
Poder Judiciário oferece, tendo como consequência lógica a ineficácia do
Estado para a solução dos litígios.
Em outras palavras, quando algum ato contrário ao ordenamento
ocorre, cabe ao Estado dar a resposta imediata, de forma exclusiva, atra-
vés do “dizer o Direito”, e agindo para isso de forma neutra e imparcial,
autônoma e externa (SPENGLER, 2010).
O indivíduo que possui qualquer tipo de pendência a ser resolvi-
da, seja com outro indivíduo, seja com uma empresa, ou mesmo com
alguma organização estatal, amparando-se exatamente na outorga au-
ferida, busca que o Poder Judiciário, através de um juiz togado, resolva
o seu “problema”, e “diga o Direito”, de forma que não se busca mais
o resolver de um conflito de outra forma que não a partir de uma ação
judicial interposta.
A crise atual é de identidade e de eficiência. Não havendo a tenta-
tiva de acordo prévio, vai se esvaziando cada vez mais a finalidade da
jurisdição. Ao lado disso, em decorrência da crise de identidade, os julga-
mentos acabam sendo cada vez menos eficientes, em virtude da comple-
xidade social e litigiosa que os ampara e que, em razão da quantia cada
vez maior de ações, retira a possibilidade do julgamento eficiente como
deveria ser (SPENGLER, 2014).
Há que, também, se levar em conta que a crise de eficiência está
ligada à crise na estrutura da jurisdição, cada vez mais sucateada e com
falta de pessoal, equipamentos e melhorias nas instalações. As estatís-
ticas realizadas demonstram que há um número cada vez maior de ser-
vidores com problemas de saúde, ocasionando baixas que acabam por
agravar ainda mais o problema.
A descrença em relação à justiça não ocorre apenas pela distân-
cia entre ela, o cidadão, os ritos e a linguagem utilizada nos processos,
tendo em vista o tempo, normalmente longo, que envolve cada proce-
dimento, a falta de adequação das decisões em face do litígio que o en-
volve e a impossibilidade que, muitas vezes, ronda o seu cumprimento
(SPENGLER, 2014).
Mas a crise não retira o protagonismo e a relevância do Poder Judi-
ciário, em razão da importante função política e jurídica que possui e do
seu papel fundamental na contemporaneidade, como forma de efetivação
dos direitos fundamentais (BEDIN; BEDIN, 2014).
É necessário cada vez mais, e de forma urgente, a desburocratiza-
ção deste Poder, aproximando a justiça do cidadão comum; que se torne,
realmente, acessível e democrática, garantindo a este a resolução de seu
conflito, não necessitando, em todos os casos, de um processo judicial.
Spengler refere a respeito da crise subjetiva que afeta a jurisdição:
15
Nessa mesma esteira, a crise subjetiva ou tecnológica se verifica
ante a incapacidade dos operadores jurídicos tradicionais lida-
rem com novas realidades fáticas que exigem não só reformula-
ções legais, mas também uma mudança cultural e de mentalida-
de, especialmente quanto ao mecanismo lógico-formal que não
atende - se é que algum dia atendeu - as respostas buscadas para
os conflitos contemporâneos (SPENGLER, 2014, p. 31).
16
tamente, a morosidade que está presente no Judiciário, a vitimização au-
menta, pois haverão custos adicionais e uma maior demora na concessão
do direito, o que eleva ainda mais as estatísticas (SANTOS, 2010).
Um alerta deve ser feito:
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3. O direito do acesso à justiça
A expressão “acesso à justiça” foi usada pela primeira vez pelo ju-
rista italiano Mauro Cappelletti que dedicou grande parte da sua trajetória
de vida ao seu estudo e a sua defesa.
Esta expressão é de difícil definição e serve para “determinar duas
finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas
podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os aus-
pícios do Estado” (CAPPELLETTI, 1998, p. 8). O sistema, assim, deve ser
acessível a todos, e garantir que o resultado da lide seja justo e realizado
de forma individual.
Nas palavras de Cappelletti, “o acesso à justiça pode, portanto, ser
encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos huma-
nos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir,
e não apenas proclamar os direitos de todos” (1998, p. 12).
E ele faz ressalvas:
18
é o seu maior propósito e significado.
Alguns dos fatores que acabam por impedir um acesso a uma or-
dem jurídica que realmente seja justa é a morosidade do Judiciário, o cus-
to de uma ação judicial, a falta de informação que ainda existe em relação
aos direitos, a burocratização e a falta de estrutura administrativa, que
acabou por não acompanhar a evolução e o aumento de processos nas
Comarcas (CAOVILLA, 2003).
Porém, a cultura da demanda que está presente, hoje, na sociedade,
faz com que a garantia constitucional de acesso à justiça seja utilizada de
forma indiscriminada e, muitas vezes, diversa daquela que é seu objetivo
inicial. Toda e qualquer pretensão, hoje, acaba gerando um processo judicial,
o que gera, por consequência, muitas ações que não precisariam existir.
Inúmeros doutrinadores e juristas, em razão disso, defendem que
as partes devam possuir a obrigação prévia de demonstrar que tentaram
uma solução pacífica para o conflito, antes do ingresso efetivo em juízo,
sem o que, a ação não seria aceita.
Ao longo do tempo houve profundas transformações neste direito
constitucional, partindo de um mero direito formal e abstrato, como o era
no início, para tornar-se uma das garantias essenciais à manutenção do Es-
tado Democrático de Direito, como um dos bens mais fundamentais para
que se efetive a garantia dos demais direitos (BEDIN; SPENGLER, 2013).
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meira é relacionada a ser o Judiciário a esfera responsável pela resolução
de todo e qualquer conflito, de forma geral. A segunda é ligada ao fato
de que o controle social é feito por ele, através dos direitos e obrigações
impostos a todos os indivíduos (ANTUNES, 2010).
Quanto a terceira função da jurisdição, a sua função simbólica, ela
está diretamente ligada com o sentido de equidade e justiça que embasa
os atos do Judiciário, e que é o desejo da sociedade como um todo, ser-
vindo ele como intérprete da ordem jurídica e o grande garantidor da paz
social (ANTUNES, 2010).
Este Poder possui, assim, relevante papel no modelo de um Estado
Democrático de Direito, sendo ele o responsável pela garantia dos direi-
tos fundamentais, e representando o fim da barbárie que reinou na civili-
zação até a poucos séculos atrás, substituída pela segurança jurídica, que
hoje deve reinar.
Contudo, com a crise instalada na jurisdição, ocasionada por to-
dos os fatores já referidos, as promessas que permeiam a modernidade,
dentre elas a igualdade e a homogeneização dos indivíduos, acaba por
não conseguir ser cumprida, facilitando que ocorram casos gritantes de
desigualdade, exclusão social e degradação ecológica.
A proposta, assim, é que se desenvolva uma nova cultura jurídica e
judiciária:
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reivindica o reconhecimento dos direitos individuais e dos direitos cole-
tivos, ou seja, o direito dos camponeses sem terra, dos povos indígenas,
dos afrodescendentes, das comunidades quilombolas, entre outros (SAN-
TOS, 2011).
A partir do final da década de 1980, o sistema judicial adquiriu forte
proeminência em muitos países da América Latina, Europa, África e Ásia.
O Judiciário passou a assumir-se como poder político, colocando-se em
confronto com os demais poderes, especialmente o Executivo, e sobretudo
em três campos: no garantismo de direitos, no controle da legalidade e dos
abusos do poder e na judicialização da política (SANTOS, 2011).
Este protagonismo dos tribunais emerge através de duas vias, con-
sequência da mudança política ocorrida:
21
reflexa, o respeito a este poder.
Aliado a esta reforma, deverá haver uma ainda mais ampla, vincula-
da ao acesso à justiça, às inovações institucionais ocorridas junto ao Poder
Judiciário e à mudança do ensino do direito e da formação profissional,
com uma ruptura do sistema atual e o surgimento de uma formação que
seja permanente, que gere uma “consciência complexa, feita da dupla aspi-
ração de igualdade e de respeito da diferença” (SANTOS, 2011, p. 55).
Ademais, os tribunais e os movimentos sociais necessitam um
novo tratamento por parte do sistema judiciário, havendo o imperativo
de “dirigir-se aos marginalizados e excluídos do contrato social, atacando
as desigualdades estruturais e os danos de natureza sistemática que lhes
vitimizam” (SANTOS, 2011, p. 74).
É necessária a busca por uma nova cultura jurídica, como meio de
aproximação dos cidadãos à justiça. A revolução democrática da justiça
proposta por Boaventura é uma tarefa extremamente exigente, mas
igualmente simples e revolucionária. Ela é embasada na defesa de que
“sem direitos de cidadania efetivos a democracia é uma ditadura mal dis-
farçada” (2011, p. 84).
A democracia, efetivamente, deve garantir os direitos a que se pro-
põe, e, para tanto, deve haver a união da sociedade como um todo, e uma
reforma de todo o sistema e entendimento jurídico, com o direito saindo
de seu “mundo egoísta” e compartilhando com as demais ciências.
Necessário se faz, cada vez mais, que a alteridade esteja presente
em nossos atos e em nosso sistema judicial, que ampliem-se as vias de
acesso à justiça, mas que esta seja feita de forma consistente, e que as
resoluções de conflitos não precisem ser feitas apenas dentro de um pré-
dio de um Foro, e sim, possam ser praticadas e incentivadas antes da sua
judicialização.
22
um ganhador (aquele que se sobrepõe) de um perdedor (aquele
cujos desejos são sublimados pelo outro) (2010, p. 247).
23
democracia e aos direitos humanos. Portanto, as práticas so-
ciais de mediação configuram-se em um instrumento de exercí-
cio da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam
a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões, sem a
intervenção de terceiros que decidem pelos afetados em um
conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em
certo sentido, é ocupar-se da capacidade das pessoas para se
autodeterminarem na relação com os outros; autodetermina-
rem-se na produção da diferença (produção do tempo com o
outro) (SPENGLER, 2014, p. 49).
24
6. Considerações Finais
Referências
25
BEDIN, Gabriel de Lima; BEDIN, Gilmar Antonio. O Poder Judiciário e o
tratamento de conflitos: uma análise sobre as dificuldades da jurisdição
estatal na sociedade contemporânea. In: DEL’OLMO, Florisbal de Souza;
BEDIN, Gilmar Antonio; ARAUJO, Marigley Leite de (Orgs.). Direito e
interação na América Latina. 1ª ed. Campinas: Millennium Editora,
2014.
26
_____. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na
transição paradigmática. Volume 1: A crítica da razão indolente: contra o
desperdício da experiência. 6ª ed. S.ao Paulo: Cortez, 2007.
27
CAPÍTULO 2
MEDIAÇÃO:
O consenso como arte diante
da insuficiência do Estado
em resolver conflitos
Jaqueline S. M. Roberto6
28
“Ninguém nasce odiando outra
pessoa pela cor de sua pele, por sua
origem ou ainda por sua religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender,
e se podem aprender a odiar, elas po-
dem ser ensinadas a amar.”
(Nelson Mandela)
1. Introdução
29
tos em geral. E diante de conflitos interpessoais ou institucionais devem
submeter seus problemas ao Estado, através de lides encaminhadas ao
Poder Judiciário. Sendo assim, conferem dilemas, dos mais variados, a
juízes e tribunais. Muitas vezes, essas competências seriam de simples
resolução através do diálogo. Com o aumento dos litígios, o Poder Judi-
ciário torna-se moroso quando não, inoperante; não obstante, ainda há
uma forte crença neste Poder, bem como, uma dependência do sistema
jurídico formal para resolução de conflitos.
A propósito dessa teoria, Norberto Bobbio (1995, p. 27) considera a
sanção jurídica válida somente quando institucionalizada. Segundo escla-
rece o seu texto: “[...] para que haja Direito, é necessário que haja, grande
ou pequena, uma organização, isto é, um completo sistema normativo”.
Sendo assim, estruturam-se normas, vinculadas a uma norma superior,
que é a Constituição Federal. As normas e leis, em geral, são criadas pe-
los legisladores que, escolhidos e legitimados, formam o Ordenamento
Jurídico. Bobbio lembra que aquilo que muitos compreendem ser o direito
pode ser apenas uma característica de certo ordenamento.
Já Roberto Portugal Bacellar (2012, p. 08) esclarece que nem sem-
pre o Estado definiu direitos, mas com a evolução dos tempos e para evi-
tar a lei do mais forte assumiu a função de aplicar a lei nos conflitos que
surgissem do relacionamento entre as pessoas. “A ideia do monopólio do
Estado surgiu exatamente para limitar o poder do mais forte, evitando
abusos e a aplicação generalizada daquilo que se denominava autotutela
pelo exercício de uma forma de aplicação de justiça privada”.
Conforme Caroline Wüst (2014)7, autotutela é uma forma de so-
lução de conflitos existente desde os primórdios da civilização, com o
emprego de meios violentos para impor suas vontades e alcançar objeti-
vos. Haja vista ser atávica a pretensão para garanti-la de forma unilateral,
implica sobreposição de vantagens de um ente em relação ao outro. Wüst
enuncia ainda a autocomposição como outra maneira clássica de resolver
controvérsias, cujas diferenças eram deliberadas da seguinte maneira:
desistência, submissão ou transação. Na desistência, ocorre abdicação
do autor de uma pretensão em favor da parte antagônica. Enquanto que
a submissão admite que a pretensão é do antagonista. Já a transação en-
volve reciprocidade das partes.
Ao encontro dessas reflexões, Bacellar (2012, p. 08) postula ser
incontestável a importância do monopólio jurisdicional, o sentimento de
que o Estado assegura aos cidadãos tranquilidade de não precisar se ar-
mar para a luta ou fazer valer seus direitos através da força. Ou seja, esse
7Cuja pesquisa é pautada em grande parte nas obras da Professora Dra. Fabiana Marion
Spengler.
30
status quo mantém a convivência pacífica entre as pessoas. O autor com-
plementa, “diante do juiz, como diante da lei, não há pobres nem ricos,
nem pequenos, nem grandes, plebeus nem nobres; só é forte quem tem
por si o Direito”. Deste modo, o monopólio jurisdicional permite convi-
vência pacífica entre as pessoas, ou seja, vale a força da lei, porém há
interdependência ao caso concreto. Essa é a materialização do poder de
império do Estado, que atua na coordenação dos interesses privados em
busca da paz social. Propõe, então, que os conflitos sejam resolvidos além
do julgamento dos autos redundantes em punição e possam, também,
agir sob a malha social, buscando a cidadania.
O exposto significa que contar com o poder e a violência legítima
do Estado pode gerar tranquilidade, mas, por outro lado, “perde a possi-
bilidade de tratar seus conflitos de modo mais autônomo e não violento,
mediante outras estratégias” (SPENGLER, 2010, p. 283). Esse monopólio
absoluto, no dizer da autora, pode tanto sufocar como exasperar a vio-
lência, pois, muitas vezes, incita o sentimento de vingança, mormente
quando se sentir injustiçado.
Wüst (2014) demonstra que o Estado detém o monopólio da força
dentro de um determinado território e isso facilita a coesão social e as
controvérsias são de sua jurisdição. Em vista disso, tanto a autoridade
como as relações por ele estabelecidas são sempre de superioridade e
subordinação. E mais, o controle é exercido por ordens e proibições e a
desobediência leva a sanções. Por conseguinte, o ente estatal torna-se o
meio legal e ordinário de resolver conflitos, devendo o Judiciário aplicar o
direito ao caso concreto. Essa atribuição é tácita e se origina do contrato
social, quando os cidadãos atribuem ao Estado a função de gerir a coleti-
vidade. Não obstante essas considerações, há que se eliminar as causas
que geram o conflito para solucioná-lo, não ocorrendo, a expressão que
traduz essa prática, segundo a autora, seria “tratamento do conflito”, pois
uma solução implicaria em relação de causalidade (causa e consequên-
cia), de relações conflituosas.
É mister referir que o Estado, criado pela própria sociedade, possui
poder e coerção para garantir os interesses de todos. O Estado Contempo-
râneo eclode juntamente com as indústrias de massa e as transformações
socioeconômicas do século XIX e XX. Essa realidade propala a separação
entre capital industrial, comercial e bancário (SPENGLER, 2010).
O capital financeiro altera as relações entre Estado e economia. Isso
cria medidas protecionistas, intervenções legislativas e organização de
programas sociais, recebendo nomes como Estado de Bem-Estar, Estado
de Providência ou Assistência. Economicamente, importa o fim, o desa-
parecimento ou a morte do Estado e a desregulamentação das relações
sociais, porque há Estado em demasia ou demasiadamente pouco (SPEN-
31
GLER, 2010). A autora considera Estado um paradoxo e que, segundo ela,
resulta na multiplicação dos loci de poder.
Hoje, nega-se o Estado como única e exclusiva fonte de direito e
prioriza-se a produção normativa gerada por movimentos organizados
que compõe a vida social. O direito torna-se um produto espontâneo da
sociedade. É o direito vivo, da vida concreta das pessoas. “A falta de ins-
tituições legislativas fortes, capazes de criar um direito durável e coeso,
é a principal responsável pelo atual pluralismo das fontes cuja legitima-
ção não vem assegurada pelo consenso de uma coletividade” (SPENGLER,
2010, p. 87).
Ainda assim, o Estado exerce o monopólio jurisdicional, adverte Ba-
cellar (2012), haja vista que há meios de resolução de conflitos judiciais
e extrajudiciais, tanto na esfera privada quanto na pública, com métodos
consensuais ou adversariais. As soluções podem ocorrer através da von-
tade das partes, pelo estímulo de um mediador ou conciliador ou ainda
pela imposição de um terceiro (juiz ou árbitro).
32
É mister referir que o Direito deverá ser aperfeiçoado e assim tam-
bém todo o sistema de justiça, a fim de proporcionar o bom desempenho
e atuação do Estado no âmbito judicial. No item a seguir, serão estudados
os embaraços do direito produzido pelos entes estatais, com o aval do
cidadão, apontando para a premência de ser cada vez melhorado; men-
cionado os indícios que demonstram possíveis formas alternativas de re-
solução de conflito.
33
análises que suscitam um posicionamento no mínimo crítico quanto a
ordem vigente. Questionando o direito enquanto poder emancipatório,
conclui que sim, desde que ocorra uma revolução democrática da justiça,
através da luta por direitos mais justos, acessíveis e inteligíveis. Quanto
ao direito e a justiça nas sociedades contemporâneas, indaga “Por que ra-
zão estamos hoje centrados na ideia do direito e do sistema judicial como
fatores decisivo da vida coletiva (...) na ideia de levar a sério o direito e os
direitos?” (p.10) E responde que isso ocorre por ignorância do que seja a
operacionalidade da justiça, pois até bem pouco tempo juízes e tribunais
eram figuras distantes das pessoas comuns.
E continua suas reflexões revelando debilidades do neoliberalismo
(p. 20 e 21) que influenciaram as crises do Judiciário, em dois grandes
campos: primeiro um campo hegemônico e segundo um campo contra
-hegemônico. Este é o campo do cidadão que tem consciência de seus
direitos. Aquele é o campo que serve aos que detêm o poder.
Quanto ao direito e a justiça nas sociedades contemporâneas, Boa-
ventura indaga-se “se o direito tem desempenhado uma função crucial
na regulação das sociedades, qual sua contribuição para a construção de
uma sociedade mais justa?” (2007, p. 20). Remete duas respostas, uma
fraca e outra forte. A primeira, diz respeito à importância do Estado de
Direito e das instituições jurídicas para assegurar o desenvolvimento eco-
nômico. A segunda é sobre as condições para a construção de um novo
senso comum jurídico e o seu papel para emancipação social.
A justiça é morosa e muitas vezes tendenciosa:
34
portanto, atribuído valor a um novo direito, mesmo que oficialmente não
legitimado. E esta inversão deve ser atribuída ao próprio direito oficial,
que se torna cada vez mais burocratizado, autônomo e sistemático, tendo
como consequências a padronização, a impessoalização dos procedimen-
tos, a falta de celeridade e a ineficácia da lei (SPENGLER, 2010).
O Estado perdeu a exclusividade de dizer o direito e tornou-se uma
estrutura fechada, que necessita alargar os limites de sua jurisdição, mo-
dernizar suas estruturas. Suas barreiras geográficas vem sendo supera-
das pela informática, pelas comunicações e transportes. “O tempo do
processo judicial é o tempo diferido. O tempo da economia globalizada é
o tempo real” (SPENGLER, 2010, p. 102-103). A jurisdição deve, portanto,
acompanhar a multiplicidade de lógica da economia globalizada.
Toda estrutura funcional do Estado está em crise, reforça Spengler
(2010) em resumo, pela perda de centralidade, acentuada globalização,
abertura de fronteiras, desregulação e lex mercatória. Isso facilita o apa-
recimento de instâncias alternativas de resolução de conflitos, como a
arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação. Novas categorias
de direito e novos sujeitos de direito surgem a todo instante. Demandas
sociais que antes não eram jurídicas adquirem status jurídico.
O Estado necessita superar os limites de suas funções tradicionais
diante das inovações tecnológicas e da transnacionalização dos mercados
para resguardar os direitos dos cidadãos, não apenas individuais, mas so-
ciais. Tem a responsabilidade de promover programas sociais, alargando
horizontes e lidando com os novos direitos.
A crise do Estado se reflete no Judiciário, com vestes do Estado
Liberal – indeterminação e indefinição. O papel do legislador passa para
o Judiciário e isso a autora denomina de judicialização da política en-
quanto outros chamam de ativismo judicial. “A Justiça passa a encarnar,
assim, o espaço público neutro, o direito, a referência da ação política,
e o juiz, o espírito público desinteressado” (GARAPON apud SPENGLER,
2010, p. 136).
A divisão de poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário) assim foi
feita para evitar a concentração e o abuso de um poder sobre o outro.
Contudo, o juiz e a lei tornam-se referência de esperança para indivíduos
excluídos socialmente. “O espaço simbólico da democracia migra do Esta-
do executor para a Justiça. (...) O Judiciário se transforma no guardião das
promessas da modernidade (...) Não será a justiça em sua atual confor-
mação, além de substituta do imperador, o próprio monarca substituído?”
(SPENGLER, 2010, p. 140-141).
A mídia tem demonstrado, constantemente, exemplos em que a
justiça é requerida quando ainda não existem leis para análise dos res-
pectivos casos. O Caderno PrOA, do Jornal Zero Hora, através de Itamar
35
Melo (Zero Hora, 21 set. 2014, p. 06-07) escreveu uma matéria, cuja man-
chete apresenta “A Justiça vai à frente – Como o Judiciário se tornou o
grande motor por trás das mais controversas questões sociais e compor-
tamentais nos últimos anos no país”.
A seguir são relacionados exemplos de algumas áreas em que os
juízes tomaram decisões que ajudaram a mudar a sociedade brasileira
(MELO, Zero Hora, 21 set. 2014, p.07):
1) No começo da década de 1990, a juíza Maria Berenice Dias
deu ganho de causa a uma mãe de cinco filhos, abandonada pelo marido,
mas não divorciada dele, que cuidou sozinha de seus filhos e amealhou
alguns bens, incluindo uma casa. Após algum tempo, o marido voltou
exigindo a sua parte. Pela lei ele teria esse direito. Como a legislação es-
tava em conflito com o mundo real, o marido perdeu a causa.
2) O polêmico caso de Santana do Livramento – RS, onde reali-
zar-se-ia um casamento coletivo em um CTG e um dos casais era formado
por duas mulheres. A juíza Carina Labres, que já vinha promovendo ca-
samentos gays, assumiu o caso. O CTG foi incendiado, mas o casamento
realizou-se no prédio do fórum.
3) Multiparentalidade– decisões judiciais recentes ampliaram os
tipos de paternidade. Além do pai biológico, os juízes acolheram também
a noção de pai socioafetivo – aquele que exerce afetivamente a função. O
juiz de Santa Maria-RS, Rafael Pagnon Cunha, tomou uma decisão inédita
em setembro de 2014, determinando que uma criança recém-nascida te-
nha o nome do pai e de duas mães na certidão de nascimento. As mulhe-
res formam um casal e acertaram a concepção da criança com o homem,
que engravidou uma delas.
4) União Homossexual - Em 2011, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu como estável a união entre homossexuais e ano passado,
a justiça ordenou todos os cartórios a aceitar o registro de casamentos
gays.
5) Componentes da Maconha – Desde abril de 2014, juízes tem
liberado a importação da canabidiol, uma substância encontrada na ma-
conha, proibida no país, com base em pesquisas que demonstram sua
eficácia no tratamento de diversas doenças.
6) Aborto de anencéfalos – O Código Penal Brasileiro, de 1940,
permite o aborto apenas em casos de estupro ou risco de vida para a mãe.
Com o aprimoramento da ciência e o surgimento de novos exames, que
permitiram avaliar de forma mais eficaz a saúde do feto, aumentaram os
pedidos junto ao Poder Judiciário para que se autorize o aborto de anen-
céfalos. Em 2002, por oito votos a dois, o STF decidiu que a interrupção
da gravidez nesses casos não é crime – ampliando-se as situações em que
o aborto é autorizado.
36
7) Famílias Simultâneas – Uma questão polêmica que começa
a avançar e pode chegar ao STF é o reconhecimento de famílias simul-
tâneas, superando o princípio da monogamia. Já há decisões que con-
cedem direitos iguais aos dois núcleos. No Maranhão o STF reconheceu
como estável a união que uma mulher manteve com um homem casado
por 17 anos.
Hodiernamente, o advento das redes sociais e o número crescente
de aparelhos eletrônicos utilizados para agilizar a comunicação, permite
as mais diversas tomadas de posição8. Nesse ínterim, o acontecimento
evoca a memória e o conhecimento da realidade que inclui a história,
mais do que nunca a mídia coloca-se como formadora de opinião e mobi-
lização. O Judiciário para não ficar fora de moda deve antever a comple-
xidade social.
Os exemplos falam mais que os argumentos e existem muitos na
mídia e a qualquer momento podem ser recuperados. Isso significa que o
Estado é, ao mesmo tempo, produtor e produto da crise do Direito. Mui-
tas vezes, diante da crise, há insuficiência do imaginário dos juristas em
relação às mudanças sociais dos tempos modernos. É válido acrescentar,
ainda, a insuficiência dos legisladores em prever certas situações. Em
todo caso, Spengler (2010) destaca que a judicialização da política daria
um livro pela densidade e profundidade do tema.
Além disso, a autora destaca que a crise do Poder Judiciário tem
duas vertentes: a crise de eficiência e a crise de identidade. Ambas rela-
cionadas ao positivismo jurídico que leva ao esmagamento da justiça e a
descrença das pessoas. Os descompassos entre as leis e os problemas so-
ciais fazem sobressair a figura do juiz, pessoa que responderá, uma vez
que não pode se omitir diante das lacunas legais. Sem generalizar, mas
alguns juízes associam esse poder profissional à vida privada e acabam
extrapolando suas atribuições na vida social. No Brasil, por exemplo, há
inúmeros profissionais que ficaram conhecidos pelo flagrante abuso de
suas funções na sociedade (SPENGLER, 2010).
A cultura profissional dos operadores do direito, com excessivo indi-
vidualismo e formalismo contribuem para a crise. O individualismo no sen-
tido de fechar-se as demais estruturas socioeconômicas e o formalismo no
que diz respeito à burocracia. O Poder Judiciário está propenso a desapare-
cer? Não, mas para que isso não ocorra, dependerá do comportamento do
próprio Judiciário diante de quatro áreas: (01) globalização econômica que
8 A comunicação é uma relação, hoje certamente uma das comunicações mais persuasi-
vas e abrangentes. Como todas as relações, essa comunicação pode ajudar na construção
de um ser autônomo, equilibrado, democrático, cooperador ou, de outra parte, de um ser
humano dependente, submisso, massificado, robotizado (GUARESCHI, 1991, p. 20).
37
gera excluídos de direitos básicos; (02) relativização da economia, também
relacionada com a globalização econômica; (03) importância da certeza ju-
rídica garantida pelos tribunais; (04) atuação conforme padrões da justiça
corretiva e da justiça retributiva (SPENGLER, 2010).
O Judiciário não é uma instituição descartável; contudo, necessita
de novas estratégias de atuação para que os cidadãos voltem a crer na
justiça e se envolvam nela. Ele está envolto em um controle social não
jurídico, permeado pela tecnologia, pelo controle informal e pelos meios
de comunicação; ideal seria a participação popular, aliada à abertura do
Judiciário. Sobre a participação popular, o que se pretende é automatizar
os cidadãos, para que eles cheguem ao consenso, jurisconstruindo o tra-
tamento do conflito (SPENGLER, 2010)
Diferente de recorrer ao Judiciário, atribuindo a ele a decisão de
quem ganha ou perde (SPENGLER, 2010, p. 216 -217).
38
zão, os procedimentos de resolução podem ser judiciais ou extrajudiciais,
sugerindo a autora, no último caso, ás chamadas Resoluções Alternativas
de Conflitos (ADR), com a mediação sendo tratada como “fio condutor do
restabelecimento da comunicação entre as partes” (SPENGLER, 2010, p.
312). Regras e métodos alinhados e pré-estabelecidos são deixados de
lado e a informalidade, o acolhimento da diferença e a diversidade pas-
sam a ser valorizados.
A mediação deve ser vista como um meio de alcançar um consenso
entre as partes. Seu local de atuação é a sociedade como um todo, por-
tanto, é um meio não só quantitativo, mas qualitativamente mais eficaz,
quando as partes lançam um novo olhar sobre seus problemas, conse-
guindo organizar seu tempo e suas práticas e se permitindo reflexões que,
anteriormente, não poderiam sequer ser cogitadas (SPENGLER, 2010).
Com relação ao tempo, Spengler (2010) diferencia o tempo dos
processos e o tempo da mediação, o primeiro segue um rito, como o
próprio nome, uma processualidade, com limitações genéricas ou espe-
cíficas, já o tempo da mediação é o tempo de cada caso concreto, um
tempo próprio, de acordo com a singularidade. No tempo da mediação,
quando apenas o mediador deverá saber como compor o tempo e obter
êxito. A morosidade judicial é antiga, segundo Bacellar (2012, p. 19) com
“notícias que em 1912, Ruy Barbosa já fazia críticas exatamente sobre a
demora na prestação jurisdicional e teria afirmado que: justiça atrasada
não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
Para se chegar a um consenso através da prática da mediação,
Spengler (2010, p. 315) sugere a investigação de alguns meios: em pri-
meiro lugar, análise de práticas de mediação consensuais possíveis, em
seguida, os limites e possibilidades à esfera do agir comunicativo e por
último, encontro de outras respostas diferentes daquelas do poder esta-
tal. Essa forma de pensar a mediação, se aproxima da teoria habermasia-
na da ação comunicativa na medida em que “a sociedade existe porque
resulta de um possível entendimento entre os sujeitos, por intermédio
da linguagem, uma vez que toda a comunicação objetiva a busca de um
acordo”. Reforça ainda que o direito se distancia da complexidade social,
porém a mediação permite essa aproximação.
Para Bacellar (2012, p. 19), “a melhor justiça será encontrada no
consenso”. Lembra bem Spengler (2010) que o consenso obtido através
da mediação é o resultado da participação dos atores sociais que impri-
mem suas vontades, já o consenso político que é abordado sob o ponto
de vista do contratualismo clássico e exige a concordância não é neces-
sariamente unânime a um contrato social, em que o consenso é induzido
e normatizado e aí reside a crítica, inclusive quanto à organização do
Estado, ou a escolha dos representantes políticos, quando há o desejo de
39
uma maioria e não necessariamente de todos. Já nos acordos mediados,
faz-se a vontade específica das partes.
A pesquisadora exemplifica que o Estado é a suprema manifesta-
ção da inteligência e da virtude humana, no entanto, o Estado é uma
estrutura de poder consensualmente criado. O consenso se manifesta e
se exaure no momento constitutivo do Estado, tornando-se o poder dos
governantes fundado na força, podendo ser representado na educação e
na manipulação. O homem não deveria ser constrangido a obedecer a lei,
mas a amar a obediência. Cada obrigação existe mediante o consenso do
obrigado. A teoria da autorização é um engano, que induz o cidadão a
permanecer de fato excluído, alimenta nos súditos a ilusão de poder. Na
mediação, a aceitação é espontânea e o consentimento é comum (SPEN-
GLER, 2010).
Para Spengler, mediação é a arte de “estar no meio”, é um compro-
misso com a alteridade, é o verdadeiro consenso. Na década de 1980 o
termo mediação passou a ser mais empregado e entendido como uma
forma de superar a dificuldade de comunicação, mesmo em tempos de
extraordinário desenvolvimento dos canais de comunicação. Mediar pro-
vém do latim mediare, que significa mediar, intervir, dividir ao meio. “A
mediação não deve concluir nem decidir nada, deve apenas fazer com
que as partes conflitantes estejam em condições de recomeçar a comuni-
cação” (2010, p. 318).
A arte de estar no meio é desempenhada principalmente pelo me-
diador que, estrategicamente, ajuda a tratar as situações conflitivas, en-
quanto são as partes que resolvem o conflito, portanto, o mediador, não
pode decidir, seu poder é limitado não lhe cabendo ser autoritário. Co-
loca-se no meio das partes, não em local superior ou inferior. Seu papel
é pacificar sem decidir, enquanto o papel do juiz é decidir sem pacificar
(SPENGLER, 2010).
O mediador apenas informa o que é proibido, determinado ou per-
mitido. “A mediação corresponde a um jogo sem árbitro e sem pontua-
ção: são sempre os jogadores que controlam a partida” (SPENGLER, 2010,
p. 332). Abre-se à participação e a tomada de decisão entre as partes, a
comunicação de necessidades e de sentimentos, possibilita a reparação
do mal, mais que a punição de quem praticou.
A mediação pode desenvolver variadas técnicas que vão desde ne-
gociação à terapia, podendo igualmente ocorrer em diferentes espaços,
como judicial, escolar e comunitário. Tem boa aplicabilidade no Direito
do Trabalho e no Direito Familiar. Objetiva-se religar o que se rompeu,
estabelecendo uma relação de continuidade (SPENGLER, 2010). Corro-
borando, Bacellar (2012) defende a posição de modelos, instrumentos,
mecanismos, processos, técnicas e ferramentas para indicação e escolha
40
adequada na resolução de conflitos nas suas mais diversas manifestações
e ambientes.
“Os homens não são fragmentos sem conexão. Cada um é interde-
pendente e produto forçado das interações com a sociedade que é unica-
mente o produto da complexidade desses vínculos” (WARAT apud SPEN-
GLER, 2010). A humanidade reflete conexão e interdependência, diante
disso, Spengler propõe um olhar às definições de alteridade e outridade
e suas diferenças. No primeiro, a concepção parte do pressuposto básico
de que todo o homem social interage e interdepende de outros indiví-
duos, reforça a existência do “eu-individual” que só é permitida mediante
um contato com o outro, sendo o outro inferior. A outridade é desenvolvi-
da pela autora no sentido de captar a essência e os sentimentos do outro,
com responsabilidade, valorizando-o antes mesmo do que a si próprio e
à sua liberdade e autonomia e está é a lógica da mediação, o reconheci-
mento da importância do outro.
Há dois tipos de mediação, a institucional e a autônoma, nesta úl-
tima formam-se mediadores naturais, que nascem no próprio grupo so-
cial, onde a autoridade é meramente moral. “Os mediadores cidadãos são
os cidadãos entre os cidadãos” (SPENGLER, 2010, p. 323). “Ser mediador
cidadão é uma arte que, como todas as artes, não termina jamais de se
refinar” (FRANÇOIS apud SPENGLER, 2010, p. 324).
Entre as características da mediação estão a privacidade, a econo-
mia financeira e de tempo, a oralidade e a informalidade. Caso se produ-
za decisão injusta ou imoral, é porque alguma falha ocorreu ao longo do
procedimento da mediação, destaca Spengler (2010). É necessário ainda,
que se proporcione equilíbrio entre as partes, pois uma das prioridades é
a restauração da harmonia.
Por se tratar de um instrumento novo algumas críticas são dirigidas
à mediação por operadores do direito, relacionando-se eles à informalida-
de, a insegurança e a incerteza jurídica. Três motivos podem ser elenca-
dos para a resistência, primeiro porque é um instrumento novo, segundo,
por não estar disciplinado juridicamente em alguns países e o último, de
maior relevância, por ser uma verdade consensual e não processual. Foge
a regra clássica do que não está nos autos não está no mundo, possibilita
a escolha das partes ao mesmo tempo que retira do Judiciário o poder de
decisão. Alguns sugerem que a mediação seja inserida no sistema jurisdi-
cional, porém, Spengler (2010, p. 329) demonstra o risco de “reduzi-la à
condição de um mero instrumento a serviço de um Sistema Judiciário em
crise, mais do que a favor da paz social”.
A justiça sede lex, ainda que dura, aparentemente é verdadeira,
como questiona Dostoiéwisky, na obra Crime e Castigo, em que o juiz
se vê diante de um opositor que o confunde quanto à autoria do crime
41
(Seria o crime perfeito?). E ainda mais, a obra põe em questão homicídios
versus genocídios. A contradição revelada se refere aos grandes crimes
da humanidade como os praticados por Napoleão e César, considerados
conquistadores. Esses antecedentes colocam em voga o sistema em vigor
e justificam a defesa da mediação para resolução de conflitos.
5. Considerações Finais
Referências
MELO, Itamar. Vendada, mas sem amarras. Zero Hora, Porto Alegre, p.
06-07, 21 set. 2014.
NERUDA, Pablo. Cem Sonetos de amor. Porto Alegre: Editora L&PM Po-
cket, 2006.
42
SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação: por uma outra
cultura no tratamento de conflitos. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010.
43
CAPÍTULO 3
A MEDIAÇÃO E A BUSCA
DA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
COM BASE NA ÉTICA
DA AMIZADE:
o respeito e a consideração do
outro como fator
determinante na solução de
conflitos
Ilise Senger9
44
“De fato, eu diria que a princi-
pal esperança de harmonia no mundo
contemporâneo se encontra na plura-
lidade de nossas identidades, que se
cruzam umas com as outras e agem
contra as divisões rígidas em torno de
uma linha única e endurecida de divi-
são impenetrável.”
(Amartya Sen)
1. Introdução
45
2. Possibilidades de tratamento dos conflitos
46
democracia é importante a presença do conflito como parte das intera-
ções sociais. Tanto é assim que Spengler (2010, p.246) afirma ser o confli-
to inevitável e salutar (especialmente na democracia), além de fazer parte
da vida em sociedade, sendo necessário“ (...) encontrar meios autônomos
de manejá-lo fugindo da ideia de que seja um fenômeno patológico e
encarando-o como um fato, um evento fisiológico importante, positivo
ou negativo conforme os valores inseridos no contexto social analisado”.
Considerando o conflito sob o seu viés negativo é importante des-
tacar a teoria da “espiral do conflito”, que explica como muitas vezes o
embate em si se torna mais importante do que o fato que o originou. De
acordo com a teoria, o conflito, quando não manejado adequadamente,
pode alcançar proporções maiores na medida em que o tempo passa,
havendo uma valorização exacerbada do conflito em si, considerado
diante de sua causa. De acordo com Azevedo (2012) essa progressão
conflituosa significa uma escalada (ou crescimento) do conflito, sendo
que as suas causas originárias passam a assumir relevância secundária
a partir do momento em que as partes se mostram mais preocupadas
em responder a uma ação de seu oponente do que em resolver a que
deu início ao embate.
Conflito muitas vezes envolve violência. Esta pode ser considera-
da um instrumento utilizável num conflito social ou político, mas não o
único e nem, necessariamente, o mais eficaz. A violência consiste em
uma relação de poder; uma imposição de vontade que se dá por meio de
ameaças, de intimidação, de meios agressivos ou repressivos, capazes de
atentar contra a integridade física ou moral do outro, contra seus bens
materiais ou contra suas ideias. Ela desenvolve uma relação entre pode-
res e não entre forças.
Com relação à violência, o conflito pode se manifestar como luta
ou combate. A luta constitui uma forma indeterminada de conflito, mui-
tas vezes confusa, feroz e desmensurada, que pode se apresentar me-
diante violência direta ou mediante procedimentos mais dissimulados,
inclusive insidiosos, porque seu objetivo é a longo prazo. Já o combate
é o tipo de conflito regulamentado. O principal papel do combate é su-
bordinar a violência a um fim necessário de modo que ela esteja regula-
mentada e vigiada, criando estratégias para que tal intento se concreti-
ze (SPENGLER, 2010).
Assim sendo, o combate se apresenta como uma forma de moderar
um conflito impondo uma disciplina aos que se enfrentam, submetendo
suas vontades a uma vontade estranha ou superior. No tratamento con-
temporâneo dos conflitos essa limitação tem sido possível recorrendo-se
ao direito, pois o Estado, por meio do direito processual, impõe regras
que devem ser obedecidas pelos litigantes para a resolução de suas lides.
47
Os processos de solução de conflitos podem ser considerados cons-
trutivos ou destrutivos, na medida em que podem ajudar a construir uma
situação melhor do que aquela que originou a disputa ou podem destruir
a relação entre as partes litigantes. Quando o procedimento de resolução
contribui para o enfraquecimento ou para o rompimento da relação social
preexistente, está-se diante de um processo destrutivo. Se, ao contrário,
o procedimento de resolução da disputa auxilia as partes para que essas
saiam do processo com sua relação social fortalecida, está-se diante de
um processo construtivo. Em um processo destrutivo o conflito frequen-
temente torna-se independente de suas causas iniciais, assumindo feição
de competição, quando o que interessa à parte é apenas vencer. O pro-
cesso construtivo caracteriza-se pela capacidade de estimular as partes
a desenvolver soluções que permitam a compatibilização de interesses
aparentemente contrapostos, além de propiciar uma resolução destituída
de culpa (AZEVEDO, 2010).
Ao perceber a sociedade como uma cadeia de relações humanas
que está em constante transformação, o conflito deve, obrigatoriamente,
fazer parte dessa constatação como sendo o meio pelo qual muitas des-
sas alterações acontecem. A heterogeneidade social resulta em desacor-
dos, discórdias, controvérsias, turbulências, além de choques e enfren-
tamentos. Toda ordem social é, a respeito de uma desordem, ao menos
latente, uma circunstância que pode ameaçar a coesão social. O conflito
está, assim, destinado a resolver dualismos divergentes; é um modo de
conseguir algum tipo de unidade. Nesse sentido é que Spengler (2010)
explica que tanto o conflito quanto o desacordo são partes integrantes
das relações na sociedade e não necessariamente sinais de instabilidade e
rompimento: o conflito traz mudanças e estimula inovações. Lewis Coser
(1967), citado por Spengler (2010, p. 263), define o conflito como uma
forma de manutenção da coesão do grupo no qual ele explode. “As situa-
ções conflituosas demonstram, desse modo, uma forma de interação in-
tensa, unindo os integrantes do grupo com mais frequência que a ordem
social normal, sem traços de conflituosidade”.
O conflito e seu movimento transformador acabam por ser uma
forma de manutenção da vida em sociedade, na medida em que conferem
mobilidade e possibilitam a transformação, a mudança, o que é salutar
para o desenvolvimento social. Além disso, tem o conflito a característica
de mudar as pessoas, seja em relação a elas mesmas, seja em relação
aos demais. Nas exatas palavras de Spengler (2010, p. 265): “O conflito
transforma os indivíduos, seja em sua relação uns com os outros, ou na
relação consigo mesmo, demonstrando que traz consequências desfigu-
radoras e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras. [...] Assim, o
conflito promove a integração social”.
48
Mesmo considerando a relevância social e as contribuições que o
conflito pode proporcionar ao indivíduo, importante lembrar a ligação en-
tre conflito e poder. Nesse aspecto, necessário demonstrar a forma como
os conflitos são tratados pelo poder oficial na atualidade.
49
é simplesmente a vida das pessoas.
As contendas levadas ao Judiciário são decididas, todavia, geral-
mente, o conflito não é solucionado, pois a origem, a causa do litígio não
é tratada. Corroborando, temos a afirmação de Spengler (2010, p. 288):
“Como certos remédios, o Direito parece capaz de tratar, sobretudo, os
sintomas e não as causas de um mal-estar”.
Isso acontece talvez em razão de os juízes tratarem os processos
com certo distanciamento, seja das partes, seja do conflito que lhe é sub-
metido, tendo em vista que na maioria das vezes a preocupação consiste
em adequar o caso à norma e, a partir disso, resolver a questão. Na visão
de Spengler, os juízes:
50
caso a caso investigar a capacidade de cumprir atos juridicamente rele-
vantes, e então para evitar uma insuportável cognição, “o juiz encontra
na norma uma grande muleta”, passando ao legislador a responsabilida-
de, de maneira a se isentar de compromisso.
Na medida em que o Judiciário se preocupa em adequar o caso aos
contornos da norma, independente das causas e da história de vida de
cada envolvido, de suas percepções e desejos, o juiz evita o envolvimen-
to com as pessoas e passa a ter responsabilidade com o processo. Nesse
sentido é que se fala em decisões ‘sem rosto’, pois o que conta são os
números. O indivíduo chega ao Judiciário com um nome, uma história e
uma vida, e, após o protocolo de seu processo, passa a ser um número a
mais nos cartórios judiciais.
Com efeito, é preciso buscar alternativas à jurisdição, com o intuito
de oferecer uma saída à crise pela qual o Sistema Jurisdicional atualmente
vem atravessando, seja pelo excesso de demandas, seja pela pouca efe-
tividade de suas decisões (que diversas vezes nem chegam a ser cumpri-
das), seja pelo afastamento que o rigor formal impõe aos indivíduos.
51
‘ganhar conjuntamente’, em oposição ao ‘ganhar ou perder’ presente na
jurisdição:
52
resolução do conflito por meio da autocomposição.
A conciliação tem como objeto e finalidade o acordo entre as par-
tes, a fim de evitar um processo judicial ou extingui-lo quando já inicia-
do. É realizada com o auxílio de um conciliador que interfere e aconse-
lha as partes.
Já a arbitragem se assemelha bastante à jurisdição, uma vez que
em ambos os procedimentos as partes entregam o seu conflito para ser
solucionado por um terceiro, abdicando da possibilidade de participar
mais efetivamente da construção da decisão. A diferença principal exis-
tente entre ambas é que na arbitragem o conflito é entregue a um juiz
privado, enquanto na jurisdição o responsável pelo julgamento é um re-
presentante do Estado.
Na mediação há a presença de um terceiro - o mediador - que tem
a função de aproximar as partes, privilegiando o diálogo e o respeito
mútuo. De acordo com Spengler (2010), a mediação busca o restabeleci-
mento da comunicação entre as partes, sem a imposição de regras, auxi-
liando-as a chegarem a um reconhecimento recíproco que produza uma
nova percepção do conflito.
A partir da prática da mediação proporciona-se às partes a rea-
propriação de seu problema, organizando o tempo e as práticas do seu
tratamento. As partes passam a se responsabilizar por suas escolhas e
constroem conjuntamente os caminhos possíveis. Ao colocar-se entre as
partes, a mediação age como instrumento de justiça social, podendo or-
ganizar as relações sociais, na medida em que auxilia os conflitantes a
tratarem seus problemas com autonomia, e com a consequente redução
da dependência do Judiciário (SPENGLER, 2010).
Atualmente, a grande maioria dos conflitos são levados ao Judiciá-
rio para serem decididos pelo Estado, com pouca participação das partes,
sendo que existe dentro do procedimento a previsão da conciliação. To-
davia, essa prática não vem sendo manejada, na maioria das vezes, de
forma correta, não alcançando, por conseguinte, toda sua potencialidade.
Importante a busca de alternativas ao Poder Judiciário para a reso-
lução dos conflitos. Todavia, cumpre deixar claro que não se está aqui
defendendo a extinção da jurisdição, ou ainda a negação da importância
do Judiciário para o Estado Democrático de Direito. Além disso, alguns
litígios, em razão de sua natureza, devem ser julgados pelo Estado. Con-
tudo, muitos conflitos que hoje estão abarrotando os cartórios judiciais
poderiam estar sendo resolvidos de maneira alternativa e com maior qua-
lidade por meio da mediação, por exemplo.
Mas para que os métodos alternativos possam ser postos em prá-
tica, necessário se faz abrir mão da lógica processual judiciária de ga-
nhador/perdedor e passar a trabalhar com a lógica ganhador/ganhador
53
desenvolvida por outros meios de tratamento, sempre levando em conta
o fato de que o Poder Judiciário é um meio de solução, administração ou
resolução dos conflitos, porém não o único e com certeza não o mais de-
mocrático (SPENGLER, 2010).
Conforme sustenta Lucas (2011, p. 153): “O julgamento jurídico
tradicional não se ocupa do outro em sua “outridade”, não se importa
com as diferenças em conflito e tampouco valoriza a dimensão identitária
que velada ou escancaradamente constituem os sujeitos do processo.” O
Autor ainda afirma que,
54
Estado para que este resolva o seu conflito. Todavia, como já explanado,
a decisão jurisdicional não se preocupa necessariamente em resolver o
conflito, apenas decide a questão. Assim, quando as partes se envolvem
e se dedicam a realmente resolver a contenda, orientados por um media-
dor sério, é certo que a resolução do conflito será efetiva e satisfatória
para todos.
Com efeito, a efetividade é uma das vantagens da mediação, visto
que quem fica satisfeito com a decisão certamente irá cumpri-la. Mas,
a efetividade apenas é possível em razão da valorização das causas do
conflito e da busca por sua solução baseada na vontade das partes en-
volvidas, considerando o pluralismo de valores e buscando estabelecer
ou (re)estabelecer a comunicação entre as partes. O diálogo constitui um
dos pilares do método. Nesse sentido: “a mediação é uma maneira de
instaurar a comunicação rompida entre as partes em virtude da posição
antagônica instituída pelo conflito” (Spengler, 2011, p. 204).
Conforme Cezar-Ferreira (2011) a mediação admite a existência de
diferenças, respeita as individualidades e ajuda os envolvidos no conflito
a encontrarem soluções para seus problemas com vistas a melhorar seu
relacionamento. Por meio da prática é possível produzir mudanças efeti-
vas na qualidade do vínculo de forma a evitar reedições do conflito.
Assim, considerando a resolução efetiva do conflito e a valorização
das partes envolvidas, a mediação se apresenta como a melhor opção,
uma vez que ela pode ser capaz de mudar o foco do tratamento dos con-
flitos, que hoje está direcionado ao processo e à lide, redirecionando-o
para as partes e seus anseios.
55
car o litígio, é exatamente aquilo que os aproxima, no sentido de que eles
compartilham a lide em um intenso mundo de relações, normas, vínculos
e símbolos que fazem parte daquele mecanismo”.
Isso quer dizer que o conflito é muito mais do que o objeto em dis-
puta, seja ele um bem ou um direito. Ele envolve sempre mais. Olhando
de fora, alguém desavisado pode pensar que o litígio tem a ver apenas
com a propriedade de certa coisa, mas essa ‘propriedade’ pode represen-
tar muito mais do que o seu valor pecuniário. Muitas vezes é a vida das
pessoas, seus valores, seus sonhos, suas expectativas que acabam vindo
à tona no conflito.
É justamente em razão disso que, muitas vezes, apenas o que diz a
lei não é suficiente para resolver o conflito – resolver efetivamente. Nesse
aspecto a mediação pode agregar qualidade, ao privilegiar o diálogo e a
participação efetiva das partes na resolução de seus problemas.
Mas para que a mediação tenha sucesso, além das práticas relacio-
nadas ao bom andamento do procedimento de mediação e de um media-
dor capaz de encaminhar um entendimento entre as partes, é vital que os
envolvidos estejam abertos ao diálogo. Esse nem sempre é um objetivo
fácil de ser alcançado, principalmente no estado atual da sociedade, na
qual cada dia existe menos espaço para ouvir o outro, quando o culto ao
individualismo dispensa a percepção e o entendimento do outro.
Repensar o modo como vemos o mundo e como vemos o outro é
questão de grande relevância para a resolução dos conflitos. Ao tratar da
importância do outro para a afirmação de nossa própria identidade, Lucas
(2011, p. 142) ensina que “(...) o outro é a pré-condição ética da iden-
tidade. O ‘eu’ decorre de sua implicação prévia com outros. Os outros,
entretanto, não são aqueles diferentes de mim, adverte Heidegger, mas
aqueles entre os quais também se está”.
56
mos” (LUCAS, 2011, p. 143). Essa humanidade comum que deve pautar
as relações sociais. Afinal, inobstante as diferenças, todos fazem parte da
raça humana, todos compartilham humanidade.
Wermuth (2014, p. 236) esclarece que o ser que vem “é aquele que
permanece, ao mesmo tempo, aberto e singular. Ele se funde no geral
preservando sua singularidade. Em síntese, é o ser inacabado, aberto a
outras possibilidades. Este ser amável definido por Agamben (2013) é o
57
ser com todos os seus predicados, o ser tal qual é.” O ser que faz parte
da comunidade que vem é o ser que não é nem há de ser ou realizar ne-
nhuma essência, nenhuma vocação histórica ou espiritual, nenhum des-
tino biológico, pois se o “homem fosse ou tivesse que ser esta ou aquela
substância, este ou aquele destino, não haveria nenhuma experiência éti-
ca possível – haveria apenas tarefas a realizar” (AGAMBEN, 2013, p. 45).
Uma vez que a mediação exige uma postura de diálogo e de res-
peito recíproco, nada melhor do que imaginar a mediação como forma
de resolução dos conflitos em uma comunidade pautada pela ética da
amizade, considerada esta como uma comunidade que respeita o outro
independente de qualquer requisito ou condição, que respeita o outro
apenas por ser alguém.
A aceitação do outro apenas como ‘ser’ é fundamental para a forma-
ção de uma comunidade na qual a comunicação é possível. Se as pessoas
pudessem não ser-deste-jeito, possuir esta-ou-aquela identidade, mas
pudessem assumir a sua essência humana simplesmente, haveria uma
comunidade na qual as pessoas seriam respeitadas apenas por serem
pessoas e o diálogo seria possível. Nesse sentido Agamben (2013, p. 90)
afirma que “eu não sou jamais isto ou aquilo, mas sempre tal, assim”.
A ética da amizade então existe quando as pessoas são capazes de
enxergar o outro para além de suas características e lugares que ocupam,
além do preto, branco, amarelo ou vermelho, além do rico, pobre, africa-
no ou americano, cristão, judeu ou muçulmano. A ética da amizade per-
mite considerar o outro como “ser amável”, digno de afeto e de respeito,
justamente por fazer parte desta mesma comunidade gerida pela ética.
De certo modo, a ideia da comunidade que vem, de Giorgio
Agamben se assemelha ao direito fraterno, de Eligio Resta, na medida
em que ambos estão assentados na ética da amizade como condutor
das relações.
Ao conjugar direito e fraternidade, o direito fraterno o faz com base
na amizade. Spengler (2012, p. 70), com propriedade, ressalta a interde-
pendência entre amizade e respeito, ao dizer que “a Filosofia de Derrida
ressalta no pensamento iluminista de Kant o respeito enquanto condição
para a verdadeira amizade. Kant confere originalidade a este conceito,
ligando-o a outra palavra importante no contexto da amizade: responsa-
bilidade.” Assim, a amizade terá como consequência o respeito, que, por
sua vez, irá proporcionar a comunicação:
Desse modo, percebe-se que não existe respeito, sem uma visão
clara, para a qual é necessária certa distância e espaço próprio;
da mesma forma, não pode haver responsabilidade sem respos-
ta, sem comunicação, sem esse receber que toma o tempo, que
faz perde-lo para depois ganha-lo (SPENGLER, 2012, p. 70).
58
Isso quer dizer que a amizade irá gerar o respeito que, por sua vez,
abrirá espaço à comunicação. E é justamente neste ponto que a media-
ção se faz possível, visto que tem sua base no diálogo e no respeito ao
outro. Outrossim, o respeito ao outro e o reconhecimento da alteridade é
o espaço que proporciona a mediação, pois onde não há reconhecimento
do outro não há espaço para respeito às necessidades e vontades alheias.
5. Considerações finais
59
a função de aproximar as partes, privilegiando a comunicação e o respei-
to entre todos.
Com efeito, considerando a resolução efetiva do conflito, e levando
em consideração a valorização das partes envolvidas, a mediação constitui
a melhor maneira de tratamento dos conflitos. Mas para que a mediação
tenha possibilidade de ser realizada é necessária uma nova postura dos
indivíduos envolvidos, no sentido de estarem dispostos a dialogar, ouvir e
respeitar o seu oponente. Apenas assim, a mediação pode acontecer.
Tornam-se necessárias novas práticas que permitam às partes re-
solverem suas disputas construtivamente, fortalecendo suas relações so-
ciais e promovendo sentimentos de cooperação a fim de evitar futuros
embates.
Desse modo, considerando que a finalidade da mediação é chamar
os conflitantes para tratar do problema que os une (e ao mesmo tempo
os separa), utilizando técnicas calcadas no respeito mútuo, por meio da
comunicação (diálogo), para que, com a ajuda de um mediador, os en-
volvidos cheguem a um entendimento capaz de atender os interesses de
ambos, a ética da amizade, seja aquela visualizada por Agamben na ‘co-
munidade que vem’, seja aquela que norteia o direito fraterno, é a melhor
maneira de contribuir para isso.
Certo é que não se está diante de tarefa fácil quando se propõe
uma forma de resolução de conflitos baseada na amizade, considerando
que vivemos em uma cultura de desconfiança e de medo do outro que
já se perpetua em nosso meio há muito tempo. Todavia, as mudanças,
inclusive as que acontecem na sociedade, mesmo que demorem a ser
implementadas, primeiramente acontecem no plano da proposição, para,
aos poucos, transformarem-se em uma mudança de cultura.
Dessa forma, pensar na resolução dos conflitos privilegiando o res-
peito ao outro e a valorização da participação das partes envolvidas, com
base na mediação, representa uma tentativa legítima que pode resultar
em uma resposta à atual forma de tratamento de conflitos pelo Estado,
por meio da jurisdição.
Referências
60
CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Mota. Família, Separação e Media-
ção: uma visão psicojurídica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
61
CAPÍTULO 4
62
“A violência jamais resolve os
conflitos, nem sequer diminui suas
consequências dramáticas.”
(João Paulo II)
1. Introdução
63
de comunicação e diálogo bem como na busca pela autonomização
dos sujeitos. Dessa forma a mediação comunitária, além de propor-
cionar espaços para a comunicação não violenta, contribui de maneira
significativa com o estabelecimento da cultura da paz no momento em
que objetiva não a supressão dos conflitos, afinal estes são necessá-
rios em uma sociedade democrática, mas o tratamento dos mesmos de
forma séria, competente e ética levando em conta o respeito e o reco-
nhecimento do outro enquanto sujeito detentor de direitos e deveres
de cidadania.
64
e naturalização.
A violência em suas diferentes facetas (estrutural, social, políti-
ca, física, psicológica, sexual) está na agenda do dia, presente nas di-
ferentes classes sociais, etnia, idade, cor, orientação sexual. Por isso,
como enfatiza Odalia (2004), vivemos a “democracia da violência”,
pois, esta se faz presente nos diversos espaços, estando nas favelas,
cortiços e nos grandes centros urbanos habitados por pessoas com
elevado poder aquisitivo. Os sujeitos mais abastados têm como se
proteger, mascarar o ato de violência, já as pessoas em situação de
vulnerabilidade social não possuem meios de encobrir a mesma, pelo
contrário acabam vivenciando em suas facetas mais degradantes e
humilhantes.
Na grande maioria das vezes, os atos violentos não são explíci-
tos, não possuindo uma etiqueta de identificação e havendo sempre
o risco de considerá-la um fato natural. Assim, é preciso um olhar
crítico e cauteloso para identificá-la. A postura critica impede a ten-
dência de buscar justificativas para as ações violentas. É sabido que
não interessa o motivo que levou à prática de violência, o que não
deve ocorrer jamais são formas de justificação/banalização e natura-
lização (ODALIA, 2004).
Odalia (2004) no decorrer de sua obra explicita que a violência não
é um fenômeno contemporâneo, a mesma remonta a história da humani-
dade, estando presente desde a idade média quando o homem descobriu
que de um osso poderia produzir uma arma mortal até os dias atuais no
qual assumiu outras feições.
A violência precisa ser compreendida como um produto social e
histórico, produzida socialmente nas relações humanas. Quem organiza a
estrutura é o próprio homem, tornando a violência um fenômeno mutável
e multifatorial, como explica Maldonado:
65
complexidade capaz de não apenas resolver atos pontuais, mas sim
produzir conhecimento e utilizar ferramentas que possam dar conta
de sanar o problema nas suas raízes, ou seja, eliminando seus fatores
desencadeantes.
Para compreender a violência na sua essência é fundamental o em-
basamento teórico proposto por Nilo Odalia (2004) no qual o autor dis-
cute algumas das diversas facetas da violência presentes no imaginário
social, tais como, a violência institucionalizada, a violência social, a vio-
lência política.
Para Odalia (2004), a violência estrutural ou institucional está pre-
sente em todas as sociedades e se manifesta por meio das desigualdades
sociais, ou seja, riqueza e pobreza, as quais caracterizam a sociedade
atual, na qual alguns têm em demasiado enquanto outros têm de menos,
a pobreza e a riqueza por si só já é uma relação violenta.
A falta dos mínimos sociais (alimentação, vestimenta, habitação,
educação, lazer, esporte) fere a dignidade humana, pois danifica o ser hu-
mano. A desigualdade em relação à renda/poder aquisitivo leva algumas
pessoas a atos desesperados de violência e resistência.
No decorrer da análise, Odalia, em se tratando da desigualdade
como uma forma de violência menciona que:
66
Dessa maneira, verifica-se que a violência social traz inúmeros im-
pactos nos diferentes setores da vida, visando ser combatida por inter-
venções interdisciplinares, envolvendo o aperfeiçoamento na qualifica-
ção da educação, da saúde, da habitação e de todas as demais áreas,
assegurando a qualidade de vida a todos os seres humanos.
Já a violência política atinge todos os sujeitos sociais em suas re-
lações políticas, concebendo-se a política como elemento que organiza e
regula o convívio de indivíduos diferentes. Arendt (2004) relaciona polí-
tica, liberdade e pluralidade, destacando que o livre agir é agir público, e
público é o espaço original do político.
A violência política vai além da corrupção. Esta possui mil fa-
ces, o assassinato político é uma faceta, pois, muitos homicídios são
executados com vistas à manutenção de determinado partido político
nas instâncias do poder. As fraudes nos processos eleitorais é uma
manifestação da violência política, pois, mascara a realidade, e frauda
a opinião pública.
A erradicação da violência política está diretamente ligada à ética, à
capacidade de priorizar valores humanísticos e princípios éticos. Isso su-
põe que somente poderão ser superados os atos politicamente violentos
agindo eticamente e assegurando que a convivência seja norteada pela
cidadania e pela defesa da dignidade humana (ODALIA, 2004).
Apenas para elucidar e sem a pretensão de exaurir o tema faz-se
relevante no presente trabalho explanar algumas das principais facetas
da violência existentes na sociedade tais como, a violência física, psicoló-
gica, sexual, a negligência entre outras.
Os atos fisicamente violentos se concretizam através de dano ao
corpo, expressando-se através de surras, tapas, empurrões, socos, até
lesões graves, como ossos fraturados, olho roxo, equimoses pelo corpo,
braço quebrado, enfim, inúmeras formas de ataque ao corpo. A violência
física é entendida também como ação ou omissão ação (bater, omissão -
deixar de ministrar algum medicamento necessário) que venha a trazer
malefícios à saúde física da pessoa, por exemplo. As causas de tais atos
são inúmeras e demandam um olhar aguçado para seu reconhecimento e
combate (MALDONADO, 1997).
Por sua vez, a violência psicológica é silenciosa, não deixando
marcas visíveis. Porém, fere a alma da pessoa, denigre, machuca a
dignidade do ser humano. Manifesta-se por meio de xingamentos,
humilhações, ridicularizações, inibições, gritos, ameaças, constran-
gimento, chantagem, que estigmatiza muito mais do que a violência
física. Segundo estudos realizados pelo Conselho Federal de Psicolo-
gia (CRP), a pessoa vítima de violência psicológica, na grande maioria
das vezes, transforma-se em uma “morta-viva”, pois, a autoestima
67
fica fortemente fragilizada.
Sobre esse fenômeno, Maldonado (1997) exorta que:
68
3. Do sistema de justiça convencional a mediação:
o tratamento dos conflitos por meio de métodos
dialógicos e participativos
69
decisão eficaz.
O sistema de justiça convencional vem passando por uma crise
sem precedentes em grande parte decorrente da “explosão de litigiosi-
dade”, ou seja, o Judiciário está abarrotado de processos e conflitos para
decidir e sentenciar e frente a isso a qualidade da ação fica completamen-
te comprometida, levando muitos sujeitos a desacreditar na sua função
de viabilizar a justiça. Diante disso, concorda-se com Spengler quando
afirma que:
70
A mediação difere das práticas tradicionais de jurisdição justa-
mente porque o seu local de atuação é a sociedade, sendo a sua
base de operações o pluralismo de valores, a presença de siste-
mas de vida diversos e alternativos, e sua finalidade consiste em
reabrir os canais de comunicação interrompidos e reconstruir
laços sociais destruídos. O seu desafio mais importante é aceitar
a diferença e a diversidade, o dissenso e a desordem por eles
gerados. Sua principal aspiração não consiste em propor novos
valores, mas em restabelecer a comunicação entre aqueles que
cada um traz consigo (2010, p.312-313).
71
No que concerne a responsabilidade referente ao trato dos conflitos
Warat esclarece que:
72
a mediação comunitária contam com a presença de um terceiro
que conhece a realidade, os valores e os hábitos dos conflitan-
tes. Fala a mesma linguagem que eles e possui uma legitimidade
que não é atribuída pelo Estado e sim pelas próprias partes, em
função de suas características, da sua conduta, do seu código de
ética e de moral (2012, p. 73).
73
O magistrado no momento em que profere a sentença não pos-
sui conhecimento aprofundado do conflito, desconhecendo, na maio-
ria das vezes, suas causas e raízes, julga de acordo com o conjunto
de provas que lhes foram colhidas. Já o mediador comunitário não
profere sentença, nem julga os conflitantes, mas transmite confiança,
seriedade e comprometimento com realidade em questão, no decor-
rer da mediação, o mediador facilita a discussão levando os conflitan-
tes a rever o problema sobre diversos ângulos e a partir daí encontrar
formas para solucionar a contenda de maneira que todos saiam satis-
feitos e felizes com o desfecho.
O conhecimento de realidade aprofundado que o mediador pos-
sui por ser um cidadão da “casa” faz com que o conflito seja tratado de
maneira complexa e não de forma superficial e desprovida de análise
qualificada.
Faz-se mister ressaltar, que o mediador comunitário é um pessoa
qualificada e preparada para mediar conflitos, através de cursos de me-
diação aprende que a mesma necessita de técnicas, ferramentas de tra-
balho para que possa desenvolver uma intervenção comprometida com
a cidadania e a dignidade da pessoa humana. O mediador comunitário é
alguém altamente preparado e qualificado para exercer a função ao qual
se propõem. Além de utilizar de um arsenal de técnicas, dispõe de conhe-
cimento aprofundado de realidade, que lhe permite facilitar o diálogo de
forma competente e ética.
Corroborando com a discussão, Spengler reforça o papel da media-
ção comunitária enfatizando que:
74
5. Mediação comunitária e o fenômeno da violência:
tratamento dos conflitos por meio de métodos
não violentos na busca do estabelecimento
de uma cultura da paz
75
bui com a prevenção da violência.
Acerca da mediação comunitária e o fenômeno da violência Oliveira
pontua que:
76
Utilizam-se diversas estratégias para resolver os conflitos, de-
pendendo da circunstância e da natureza do problema; encaram
o problema de cabeça fria, procurando perceber aspectos da si-
tuação que possam ser úteis para resolver o conflito; levam em
consideração o ponto de vista dos outros com relação ao pro-
blema e, portanto, conseguem vê-los sobre diferentes ângulos;
são capazes de buscar soluções onde ambas as partes obtenham
vantagens; conseguem ter senso de humor para neutralizar ou
diluir a tensão e a hostilidade; colocam-se com tato numa posi-
ção assertiva defendendo seus direitos e mantendo a dignidade
(1997, p. 89).
6. Considerações finais
77
cidas, poderá por meio de suas ferramentas de trabalho proporcionar o
enfrentamento e a prevenção da violência no momento em que se utiliza
de métodos não violentos de tratamento de conflitos, respaldados na co-
municação e no diálogo.
Por meio da comunicação e do diálogo os sujeitos conflitantes po-
derão ter a oportunidade de reconhecer o outro como alguém que pensa,
age e reage de modo diverso, e assim encontrar, de maneira conjunta e
articulada, caminhos para tratar o conflito levando em consideração os
interesses de ambos.
Portanto, a mediação comunitária é compreendida como um ex-
celente mecanismo de enfrentamento e prevenção da violência, bem
como do estabelecimento de uma cultura da paz, na qual o respeito
pelo outro, a tolerância, a solidariedade e a fraternidade sejam bandei-
ras de luta.
Referências
78
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório Mundial sobre Violên-
cia e Saúde. Genebra, 2002.
79
CAPÍTULO 5
INTERLOCUÇÃO DO DIREITO
COM A PSICANÁLISE:
a mediação como possibilidade
de se compreender os arranjos
familiares nas práticas
judiciais
Izabele Zasso11
80
“Ótimo que tua mão ajude o
voo...mas que ela jamais se atreva a
tomar o lugar das asas.
(Dom Helder Câmara)”2
1. Introdução
81
tuito de clarifica-la e compreendê-la primeiramente para somente depois
articulá-la com o direito.
Na segunda seção, com a mesma intenção do primeiro momento,
retratar-se-á os procedimentos jurídicos e o dispositivo institucional do
Judiciário e as condições concretas de seu exercício. Após, na finalidade
de interseção dos conceitos, trabalhar-se-á as diretrizes do que se com-
preende por conflito, mediante ao subtítulo “Instaurado o conflito! Entre o
direito e a psicanálise: do intersubjetivo ao intrasubjetivo”.
Na quarta parte, falar-se-á da “Família (des)estruturada?”. Neste
segmento discutir-se-á as transformações que a família e, consequente-
mente, o Direito de Família sofreu nos últimos tempos e se cabe inferir
que se trata de uma desestruturação familiar.
Para corroborar com o subtítulo anterior, esboçar-se-á um fragmen-
to de caso clínico, cujo nome se intitula: “Caso Princesa Jujuba: a hora da
aventura”.
Por fim, como alternativa para a discussão proposta, abordar-se-á a
“Mediação: uma possibilidade de devir na/da família.”, que poderá servir
como possibilidade da conexão entre as práticas psicológicas e jurídicas,
cujo fator determinante é a capacidade de escutar o outro na sua diferen-
ça, seja ela, intrasubjetiva ou intersubjetiva, valorizar a história pessoal
de cada parte, bem como de contribuir para a autonomia e a responsa-
bilidade social dos cidadãos envolvidos nos bastidores da cena jurídica.
2. A psicanálise
82
tudos com Jean Charcot, médico francês que utilizava o método hipnótico
no tratamento da histeria. Os sintomas histéricos variavam desde vômitos
persistentes à alucinações da senso-percepção, contrações, paralisias fa-
ciais, ataques nervosos, cegueira, surdez e afins. Charcot descobriu que,
durante o processo hipnótico, os sintomas apareciam e desapareciam na
mesma proporção, o que levou Freud a pensar que não se tratava de ne-
nhum comprometimento orgânico das pacientes, mas sim de conteúdos
psíquicos (GAY, 1989). Elaborou que os sintomas histéricos das pacientes
estavam relacionados a conteúdos recalcados, reprimidos, provenientes
de traumas de natureza infantil depositados num lugar denominado de
Inconsciente (FREUD, 1996). A partir disso, Freud elaborou sua primeira
teoria acerca da natureza psíquica da histeria. Para ele, o sintoma aparece
ou como uma manifestação de um desejo sexual, ou como uma tentativa
de “eliminá-lo”, e que devido ao recalque, é identificado de forma substi-
tutiva. O sintoma, muitas vezes aparece no corpo, pois para a histérica o
corpo é o seu palco.
Mediante a constatação da histeria, Freud apresentou ao mundo
uma primeira concepção sobre a estrutura e o funcionamento da perso-
nalidade. Essa teoria apresentava três instâncias psíquicas do aparelho
mental: Inconsciente, pré-consciente e consciente. Logo descobriu a se-
gunda tópica, contemplando também três instâncias: Id, Ego e Superego
(FREUD, 1996).
O método psicanalítico, basicamente se dá na direção de uma con-
versa, caracterizada pela manutenção da regra da “associação livre”. Isso
significa dizer que o paciente deve comunicar ao analista tudo aquilo que
lhe vier à cabeça, sem se preocupar com possíveis julgamentos morais
ou com um discurso racional e lógico, pois se trata de um discurso do
inconsciente, em que estão em pauta os devaneios e as fantasias que são
as formações mais próximas do conteúdo recalcado. Ressalta-se que a
regra da associação livre foi primordial para que Freud elaborasse suas
teorias acerca da histeria.
Outra grande contribuição de Freud, e que causou imenso furor
para a época, foi a descoberta da sexualidade infantil. Naquele período as
crianças estavam associadas a criaturas puras e ingênuas. Freud (1996)
constatou que o indivíduo, em seu processo de constituição psíquica,
passa por fases de desenvolvimento da organização sexual, denomina-
das pré-genitais. A primeira delas se refere à zona oral, momento em que
a atividade sexual se ocupa da nutrição e o alvo sexual consiste na incor-
poração do objeto (corresponde aos dois primeiros anos de vida da crian-
ça). A segunda é a organização sádico-anal, estágio em que os opostos
da vida sexual circulam em ativo e passivo. A atividade é produzida pela
pulsão de dominação, por meio da musculatura do corpo, e o alvo sexual
83
é a mucosa erógena do intestino, pois a retenção e posterior evacuação
são fontes de prazer (a partir de quando a criança começa a ter o controle
esfincteriano).
O complexo de Édipo, correspondente a fase fálica, os filhos cons-
troem relações de amor e ódio com os pais, que irão, segundo Nasio
(2007), constituir o desejo sexual. A criança edipiana deseja sexualmente
seus pais, fantasia-os como seus objetos de desejo. Porém, esse desejo e
esse prazer assustam a criança, que vê sua relação com os pais também
como perigosa. Mas que perigo é esse pressentido pela criança? Nasio
responde,
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pai, mas os impulsos que levaram ao parricídio permanecem. Simultanea-
mente desenvolvem-se os sentimentos fraternais chegando num proces-
so de santificação dos laços de sangue e numa exaltação da solidariedade
dentro do próprio clã. Dessa forma garantem a manutenção da vida uns
dos outros na medida em que evitam a repetição do acontecimento que
ocasionou a morte do pai. Na esteira desses acordos, Freud em Totem e
Tabu (1996), aponta para a origem do “Não matarás”, pois o que se res-
tringia ao pai se estende aos irmãos no contrato social estabelecido por
eles próprios. E com isso, possibilitando a vida em civilização.
3. O direito
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meada de formalidade e dramaticidade e que segue rituais e protocolos
bastante característicos (REBOUÇAS, 2010). Durante todo o processo ju-
dicial não são as partes que falam diretamente sobre seus conflitos, salvo
as audiências, nas quais se posicionam frente ao Juiz, tido, muitas vezes,
como senhor da verdade.
Os advogados se apropriam do discurso de seus clientes para ela-
borar estratégias de defesa e/ou acusação, e que resulta em distorções,
acréscimos maiores ou menores dos fatos, fazendo de tudo para compor
e se ajustar à estratégia da argumentação jurídica. Para isso, a parte deve
abrir mão da fala em primeira pessoa, e outorgar a responsabilidade de
sua fala pra outro, isto é, seu advogado.
Além disso, durante o processo jurídico convencional, verifica-se
que as partes precisam manter um discurso objetivo, coeso e racional,
tentando deixar de lado as emoções e sentimentos. Ainda, parte-se do
pressuposto de que, quando a demanda cai no judiciário, a comunicação
entre as partes fora interrompida, e, por isso, espera-se e supõe-se que
um terceiro, o juiz, decida sobre o conflito gerado entre as partes, exau-
rindo dos sujeitos a responsabilidade por seus desentendimentos.
Outra questão importante a ser trabalhada trata sobre o tempo do
processo. Uma vez instaurado um prazo, dá-se também um prazo para
que a comunicação seja reestabelecida. Pode-se dizer que o que marca os
processos judiciais é um tempo lento e burocrático (RESTA, 2014).
Diante disso, trabalhar-se-á no próximo segmento, as característi-
cas dos conflitos, tanto pelo viés jurídico como pelo psicanalítico e suas
possíveis interlocuções e aperfeiçoamento.
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mesmo Müller trabalhando o conflito como uma das etapas da violência,
pode-se pensar que nem todo conflito é de cunho negativo ou violento
(SPENGLER, 2010). Há conflitivas que são positivas, como a democracia e
como a interlocução da prática jurídica com a prática psicanalítica.
Além disso, há diversas teorias que trabalham com o conflito de
maneiras distintas. A esfera jurídica, por exemplo, lida com o conflito
intersubjetivo, expressado a partir da comunicação social entre os sujei-
tos que têm seus interesses colididos, e que pedem uma decisão judicial.
Já a psicanálise trabalha com o conflito que se manifesta no plano da
subjetividade. Este conflito gera oposição no interior do próprio sujeito,
cujos duelos são de representações e forças psíquicas contrárias e que
procuram satisfação. Ademais, o conflito judicial se expressa em termos
de decisão, enquanto que o psicanalítico requer a interpretação.
Outra conflitiva, entre as ciências, exposta é que, enquanto a psi-
canálise lida com a compreensão dos problemas do homem, a ciência do
Direito busca sua solução. No direito
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nas próximas seções o sentimento de família e amor aos filhos e se este
sentimento está se perdendo com o tempo. Além de um estudo de caso
de disputa de guarda, respectivamente.
5. A família (des)estruturada?
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Com a prática de casamento arranjado sendo deixada de lado em
nome do amor e de um novo conceito de família como refúgio frente ao
mundo que começava a se delinear da competitividade e da brutalidade,
a promessa era a de que essa moderna família encontrasse alívio, felici-
dade e ternura. Segundo Christopher Lasch (1991), a criação dos filhos
se converteu em algo mais exigente e os laços entre pais e filhos se in-
tensificaram, sendo uma fonte de tensão na família, dada à sobrecarga
emocional na relação entre pais e filhos. Ainda de acordo com Lasch é nas
relações com entes queridos e suas figuras de autoridades, que a criança
tem suas primeiras experiências. “A socialização faz com que o indivíduo
queira fazer o que deve fazer e a família é o agente ao qual a sociedade
confia essa tarefa complexa e delicada” (p. 26).
Com o advento da modernidade e da consequente contemporanei-
dade, novas famílias foram surgindo, desde homoafetivas até famílias
monoparentais, o que necessitou de uma mudança quanto a sua legitimi-
dade. Foi em 2002, que os direitos obtidos na Carta Magna passam a ser
incorporados no novo Código Civil. Segundo Bucher-Maluschke
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um processo judicial em “nome da criança?”. Pensa-se que essa defesa
está muito mal empregada. Adiante um caso clínico a partir do exposto.
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Notava-se que a pré-adolescente era muito intelectualizada, lendo
livros do Augusto Cury e, eventualmente, relatava suas experiências
científicas. Após alguns meses de atendimento, a pré-adolescente passa
a narrar o desenho em questão, trazendo como foco a princesa Jujuba.
Esta é uma princesa que pouco fala sobre seu passado e, além disso, en-
contra seu refúgio na ciência. É uma princesa muito inteligente, porém
precisa sempre ser salva por Fin. Ademais, princesa Jujuba é disputada
por vários reinos.
Não é à toa que Helena, a princesa deste relato, refugiou-se em um
mundo de fantasia, na qual havia alguém para salvá-la dos perigos da
disputa entre os reinos.
Após alguns meses Helena não compareceu mais aos atendimentos
da Instituição em pauta, pois a mãe (dessa vez), achou melhor, pagar
alguém “por fora” para dar seguimento aos atendimentos psicológicos
da filha.
Por fim, com este fragmento de caso clínico, pode-se responder
temporariamente, as questões levantas na seção anterior do artigo, ao se
questionar o bem estar da criança e a responsabilização desta no proces-
so decisório. Acredita-se que o que a criança e o adolescente precisam é
que seus pais se reconheçam mutuamente, nas suas diferenças e impas-
ses, mesmo que separados.
Ainda, que estes compreendam suas necessidades no lugar de ape-
nas satisfazê-las. Nada de fazer tudo em seu nome. O bem estar do filho
só será atendido quando o bem estar de todos os pertencentes a família
estiverem atendidos. Por isso, a mediação se torna a interlocução possí-
vel entre as práticas do Direito e as práticas da Psicanálise, na qual o inte-
resse de todos possam ser contemplados, e as esperanças restabelecidas
e fortalecidas.
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confronto.
Para ele, “quando, digamos, se resolve um conflito é porque os
interessados envolvidos puderam reconstruí-lo simbolicamente, conse-
guiram transformá-lo por tê-lo interpretado na reconstrução (1998, p.
10)”. Mais do que capazes de reconstruir o conflito simbolicamente, a
mediação possibilita que o sujeito seja competente para decidir sobre sua
própria vida, sobre suas próprias relações.
Quanto ao papel do mediador, “sua tarefa é criar o canal de comuni-
cação e permitir que as partes transformem o conflito (REBOUÇAS, 2010,
p. 182)”. Ainda, contribui para um olhar sobre o conflito, e possibilita
aos envolvidos visualizar o conflito como um espaço de reconstrução, de
aprendizagem (WARAT, 1998).
Warat compreende que:
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exposto anteriormente.
Contudo, após sancionada a lei, no final do ano de 2014 que de-
termina que a guarda, mesmo em casos no qual o divórcio é litigioso, e
sem acordo, deve ser compartilhada, não exclui a possibilidade do uso da
mediação, pois a responsabilidade parental é conjunta, não individual e
que portanto, deve ser promovido o diálogo entre os pais. Vale ressaltar
aqui, a importância de se distinguir três conceitos: conjugalidade, pater-
nidade e parentalidade. Nestes casos, a psicanálise utilizando o lugar de
mediador pode contribuir para delinear e distinguir os papeis (conjugal),
funções (paterna e materna) e atribuições (tutela) de cada um.
Acredita-se que a guarda compartilhada será a melhor forma de
não transformar o filho(a) num processo judicial em que se fará tudo em
nome dele. Contudo, é importante o uso da mediação, bem como da es-
cuta psicanalítica nos processos de divórcios, pois como Spengler, muito
bem menciona:
Por fim, mesmo que em termos jurídicos o conflito seja extinto, sa-
be-se que em termos de lei simbólica, muitas vezes, não é findado, nem
resolvido, podendo ser repetido. E ainda, conforme propõe Rebouças
8. Considerações finais
Tudo mudou. O tempo, o espaço, a estética, os padrões, e as re-
lações em sua sequência. A contemporaneidade tem sido acompanhada
dessas transformações. Estas fazem reflexo em todos os campos da so-
ciedade. Na medida em que a sociedade se transforma, são exigidos do
homem respostas que conformem as alterações implicando novas pos-
turas frente à realidade. Estas respostas nem sempre ocorrem de modo
linear e, muitas das vezes, esbarram nas dificuldades impostas pelos
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novos arranjos estabelecidos.
Numa tentativa de dar conta das novas problemáticas, tentou-se
articular as práticas jurídicas e psicanalíticas, em especial relacionadas
ao Direito de Família, o uso da mediação. Esta foi o instrumento mais
adequado para esta articulação, aparentemente oposta e distante, pois
enquanto o Direito apregoa o uso da objetividade no seu discurso, a psi-
canálise vale-se das questões subjetivas do sujeito.
A partir desta interlocução pode-se perceber que na maioria das
vezes, os sujeitos que se dirigem ao Judiciário buscando a solução de seu
conflito, só querem se fazer ouvidos e reconhecidos na sua diferença. E
sabendo-se disso, é necessária uma mudança de postura ética, pois com-
preendendo os conflitos humanos à luz da psicanálise, se é possível res-
tituir o ethos (morada) nas relações humanas e fornecer condições mais
dignas àqueles que se dirigem ao Judiciário para ser reconhecido.
Referências
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Janeiro: Imago, p. 77-154, 1996 (1921).
GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo, Companhia
das Letras, 1989.
ORICCHIO. Luiz Zanin. Z. Freud- uma herança possível para o século 21.
Suplemento especial do jornal O Estado de São Paulo, 08/10/2000,
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AS AUTORAS
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Ilise Senger
Izabele Zasso
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98