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VISÃO DO MUNDO1

(notas)
Camilo Michalka Jr.

Paradigmas

Paradigma científico: Thomas Kuhn define paradigma com “uma constelação de


realizações – concepções, valores, técnicas etc. – compartilhada por uma comunidade
científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos”.
Mudanças de paradigma: de acordo com Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas
descontínuas.
A crise intelectual dos físicos quânticos na década de 20 espelha-se hoje numa crise
muito mais ampla, nos paradigmas sociais.
Paradigma social: segundo Capra, é “uma constelação de concepções, de valores, de
percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão
particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza”.

Paradigmas Científicos
1. Ênfase nas partes: conhecido como mecanicista, reducionista ou atomística.
Paradigma que está retrocedendo, que consiste em várias idéias e valores
entrincheirados entre os quais:
- visão do universo como um sistema mecânico
- visão do corpo humano como uma máquina
- visão da sociedade como uma luta competitiva pela existência
- crença no progresso material ilimitado pelo crescimento econômico e tecnológico
- como sendo uma lei da natureza a mulher colocada em posição inferior à do homem
.
2. Ênfase no todo: conhecido como holístico2, organísmico3 ou ecológico4.
Visão que concebe o mundo como um todo integrado.
Capra diz que os termos holístico e ecológico diferem ligeiramente em seus
significados, e considera que ecológico é mais apropriado para o novo paradigma.
A palavra ecologia vem muitas vezes acompanhada de um adjetivo. Entre outros,
Capra distingue ecologia rasa e ecologia profunda.

1
O presente texto, que serve como base para as anotações para apresentação, está baseado no livro “A TEIA DA
VIDA, uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos”, de Fritjof Capra, Editora Cultrix 2004.
2
Holismo (Dicionário Aurélio):1. Filos. Tendência, que se supõe seja própria do Universo, a sintetizar unidades em
totalidades organizadas. 2. Teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível, e que não pode ser explicado
pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente; holística.
3
Organísmico: organização complexa em constante mudança.
4
Ecologia (Dicionário Aurélio):1.Parte da biologia que estuda as relações entre os seres vivos e o meio ou ambiente
em que vivem, bem como as suas recíprocas influências; mesologia. 2.Ramo das ciências humanas que estuda a
estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em suas relações com o meio ambiente e sua
conseqüente adaptação a ele, assim como novos aspectos que os processos tecnológicos ou os sistemas de
organização social possam acarretar para as condições de vida do homem
- Ecologia rasa – antropocêntrica, ou seja, centralizada no ser humano.
- Ecologia profunda – não separa seres humanos – ou qualquer coisa – do meio ambiente
natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de
fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes.
Daqui para frente, o termo ecologia estará sendo empregado com a concepção da
ecologia profunda.

Pensamento Sistêmico
Na ciência do século XX, a perspectiva holística tornou-se conhecida
com “sistêmica” e a maneira de pensar que ela implica passou a ser
conhecida com “pensamento sistêmico”.
O termo sistêmico é, segundo Capra, apenas um termo científico mais técnico do que
ecológico.
Com isto, o paradigma holístico passou a ser também conhecido como “paradigma
sistêmico”.

Os Paradigmas e a Mudança de paradigma


A mudança do paradigma mecanicista para o sistêmico tem ocorrido em diferentes
formas e com diferentes velocidades nos vários campos científicos.
A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e
maneiras de pensar, mas também de nossos valores.
A mudança de paradigma inclui uma mudança na organização social, uma mudança de
hierarquias para redes.
A mudança de paradigma tem ocorrido em diferentes formas e com diferentes
velocidades nos vários campos científicos. A tensão básica é a tensão entre as partes e o todo.

A Mudança de Paradigmas e a Ética


Quando a percepção de que todos os seres vivos são membros de comunidades
ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências, tornar-se parte de nossa
consciência cotidiana, emergirá um sistema de ética radicalmente novo:
- A natureza e o eu são um só.

Histórico sobre a visão mecanicista e sistêmica


Os pioneiros do pensamento sistêmico foram os biólogos, tendo surgido no início do
século XX, principalmente na década de 20. Entretanto, a tensão entre mecanicismo e holismo
tem sido tema recorrente ao longo de toda a história da biologia. Conseqüência inevitável da
antiga dicotomia entre substância (matéria, estrutura, quantidade) e forma (padrão, ordem,
qualidade).
Nos séculos XVI e XVII, a visão medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia
cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída
pela noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora
dominante da era moderna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em
física, astronomia e matemática, conhecidas com revolução científica e associadas aos nomes
de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton.
Capra diz que Galileu Galilei expulsou a qualidade da ciência, restringindo esta última
ao estudo dos fenômenos que podiam se medidos e quantificados. Estratégia muito bem
sucedida ao longo de toda a ciência moderna, essa obsessão com a quantificação e com a
medição também tem cobrado uma pesada taxa. O psiquiatra R. D. Lang afirma enfaticamente:
“o programa de Galileu oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a visão, o som, o sabor, o
tato, e o olfato, e junto com eles vão-se também as sensibilidades estética e ética, os valores, a
qualidade, a alma, a consciência, o espírito”.
René Descartes criou o método do pensamento analítico (paradigma cartesiano), que
consiste em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o
comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes. Baseou sua concepção da
natureza na divisão fundamental em dois domínios independentes e separados – o da mente e
o da matéria.
O arcabouço conceitual criado por Galileu e Descartes - o mundo como uma máquina
perfeita governada por leis matemáticas exatas - foi completado de maneira triunfal por Isaac
Newton, cuja grande síntese, a mecânica Newtoniana, foi a realização que coroou a ciência do
século XVII.

O Movimento Romântico
A primeira forte oposição ao paradigma cartesiano mecanicista veio do movimento
romântico na arte, na literatura e na filosofia, no final do século XVII e no século XIX. William
Blake, o grande poeta e pintor místico, que exerceu forte influência sobre o romantismo inglês,
era um crítico apaixonado em sua oposição a Newton. Ele resumiu sua crítica nestas célebres
linhas: “Possa Deus nos proteger da visão única e do sono de Newton”.
Os poetas e filósofos românticos alemães retornaram à tradição aristotélica
concentrando-se na natureza da forma orgânica. Figura central desse movimento, Goethe foi
um dos primeiros a usar o termo “morfologia” para o estudo da forma biológica a partir de um
ponto de vista dinâmico, desenvolvente. Ele admirava a “ordem móvel” (bewegliche Ordnung)
da natureza e concebia a forma como um padrão de relações dentro do todo organizado –
concepção que está na linha de frente do pensamento sistêmico contemporâneo. “Cada
criatura”, escreveu Goethe, “é apenas uma gradação padronizada (Schattierung) de um grande
todo harmonioso”. Goethe, em particular, sentia que a percepção visual era a porta para o
entendimento da forma orgânica.
Frequentemente considerado o maior dos filósofos modernos, Immanuel Kant
argumentou que os organismos, ao contrário das máquinas, são totalidades auto-reprodutoras
e auto-organizadoras. Numa máquina, as partes existem uma para a outra, no sentido de
suportar a outra no âmbito de um todo funcional, enquanto que num organismo, as partes
também existem por meio de cada outra, no sentido de produzirem uma outra. Com essa
afirmação tornou-se o primeiro a utilizar o termo “auto-organização”.
A idéia da Terra como um ser vivo, espiritual, continuou a florescer ao longo de toda a
Idade Média e a Renascença, até que toda a perspectiva medieval foi substituída pela imagem
cartesiana do mundo como uma máquina. Portanto, quando os cientistas do século XVIII
começaram a visualizar a Terra como um ser vivo, eles reviveram uma antiga tradição, que
esteve adormecida por um período relativamente breve.
Mais recentemente, a idéia de um planeta vivo foi reformulada em linguagem científica
moderna com a chamada hipótese de Gaia, e é interessante que as concepções da Terra
viva, desenvolvidas por cientistas do século XVIII, contenham alguns elementos-chave da
nossa teoria contemporânea.
O geólogo escocês James Hutton sustentava que os processos biológicos e geológicos
estão todos interligados e comparava as águas da terra ao sistema circulatório de um animal.
O naturalista e explorador alemão Alexander von Humbold, um dos maiores pensadores
unificadores dos séculos XVIII e XIX, levou essa idéia ainda mais longe. Seu “hábito de ver o
Globo como um grande todo” levou Humbold a identificar o clima como uma força global
unificadora e a reconhecer a co-evolução dos sistemas vivos, do clima e da crosta terrestre, o
que quase resume a contemporânea hipótese de Gaia.
Os triunfos da biologia do século XIX na teoria das células, embriologia e microbiologia
estabeleceram a concepção mecanicista da vida como um firme dogma entre biólogos. Mas
mesmo assim, as escolas da época opõem-se à redução da biologia à física e à química.
Afirmam que embora a química e a física sejam aplicáveis aos organismos, elas são
insuficientes para uma plena compreensão do fenômeno da vida. O comportamento de um
organismo vivo como um todo integrado não pode ser entendido somente a partir do estudo de
suas partes.
Como os teóricos sistêmicos enunciariam várias décadas mais tarde:

“O TODO É MAIS DO QUE A SOMA DE SUAS PARTES”

Durante o início do século XX, os biólogos organísmicos abordaram o problema da


forma biológica com um novo entusiasmo, elaborando e aprimorando muitas das idéias básicas
de Aristóteles, Goethe, Kant e Curvier.
O biólogo Lawerence Henderson foi influente no seu uso pioneiro do termo “sistema”
para denotar tanto organismos vivos como sistemas sociais. Dessa época em diante.
- “sistema” passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das
relações entre suas partes,
- “pensamento sistêmico”, a compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo
maior.
Esse é, de fato, o significado raiz da palavra “sistema”, que deriva do grego synhistanai,
colocar junto”. Entender as coisas sistemicamente significa, literalmente, coloca-las
dentro de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações.

Pensamento Sistêmico
Na visão mecanicista, o mundo é uma coleção de objetos. É fundamental no paradigma
cartesiano a crença segundo a qual em todo sistema complexo, o todo, ou o comportamento do
todo, pode ser entendido inteiramente a partir das propriedades das partes. Nela, acredita-se
fundamentalmente.
De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um organismo, ou
sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das
interações e das relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas quando o
sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Embora possamos
discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas, e a natureza
do todo é sempre diferente da mera soma das partes. As propriedades das partes não são
propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais
amplo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi revertida. Na abordagem
sistêmica, as propriedades das partes podem ser entendidas apenas a partir da
organização do todo.
A física quântica, na década de 20 forçou a aceitar o fato de que os objetos materiais
sólidos da física clássica se dissolvem, no nível subatômico, em padrões de probabilidades
semelhantes a ondas. As partículas subatômicas não têm significado enquanto entidades
isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações, entre
vários processos de observação e medida. Em outras palavras, as partículas subatômicas não
são “coisas”, mas interconexões de coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre
outras coisas, e assim por diante. Na teoria quântica, nunca acabamos chegando a alguma
“coisa”; sempre lidamos com interconexões.
A física quântica mostra que não podemos decompor o mundo em unidades
elementares que existem de maneira independente.
As novas concepções da física têm gerado uma mudança em nossas visões do mundo;
da visão do mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica
Critérios do Pensamento Sistêmico

Resumidamente, as características-chave do pensamento sistêmico são:


1. Mudança das partes para o todo; os sistemas vivos são totalidades integradas cujas
propriedades não podem ser reduzidas às partes menores; suas propriedades essenciais
ou “sistêmicas” são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui.
2. O pensamento sistêmico tem a capacidade de deslocar a própria atenção entre níveis
sistêmicos; há sistemas aninhados dentro de outros sistemas; diferentes níveis sistêmicos
podem apresentar diferentes níveis de complexidade.
3. Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a relação entre as
partes e o todo foi invertida; as propriedades das partes não são propriedades intrínsecas,
mas só podem ser entendidas dentro do contexto de um todo maior.
4. Todo pensamento sistêmico é pensamento ambientalista.

Na visão mecanicista, o mundo é uma coleção de objetos.


Na visão sistêmica, compreendemos que os próprios objetos são redes de relações,
embutidas em redes maiores. Aqui, as relações são fundamentais.

Importantes Questões da Nova Abordagem

Se tudo está conectado com tudo o mais, como podemos esperar entender alguma?
Uma vez que todos os fenômenos naturais estão, em última análise, interconectados, para
explicar qualquer um deles precisamos entender todos os outros, o que é obviamente
impossível.
O que torna possível converter a abordagem sistêmica numa ciência é a descoberta de
que há um conhecimento aproximado.
O velho conhecimento baseia-se na crença cartesiana na certeza do conhecimento
científico.
No novo paradigma, é reconhecido que todas as concepções e todas as teorias
científicas são limitadas e aproximadas. A ciência nunca pode fornecer uma compreensão
completa e definitiva. Não importa quantas conexões levamos em conta em nossa descrição
científica de um fenômeno, seremos sempre forçados a deixar outras de fora.
Na ciência, sempre lidamos com descrições limitadas e aproximadas da realidade.
A ciência avança por meio de respostas provisórias até uma série de questões, cada
vez mais sutis, que se aprofundam mais na essência dos fenômenos naturais.

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