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BOLETIM

SEGURANÇA E CIDADANIA
MARÇO 2016

21
VIOLÊNCIA E POLÍCIA:
T RÊS DÉC ADAS DE POLÍTICAS D E
S E G URA N ÇA NO RIO DE JANEIR O
S ILV I A RA M OS
RESUMO

Neste artigo discute-se o que aconteceu com o Rio de Janeiro


nos últimos 30 anos tomando como parâmetro as taxas
de homicídio do estado e do país. O Rio, campeão da violência
brasileira nos anos 1980, 1990 e em parte da década de 2000,
começou a alterar esse quadro a partir da década de 2000
e mais intensamente a partir de 2008. O artigo aborda
as características específicas e únicas da violência fluminense,
que transformaram o estado em um caso singular no Brasil
e com raros paralelos no mundo contemporâneo em termos
de criminalidade. O texto busca demonstrar que a variável
explicativa mais forte para entender as particularidades
e a intensidade da criminalidade e da violência no Rio de Janeiro
ao longo de três décadas é a própria polícia e as políticas
de segurança levadas a cabo ao longo dos governos desde
antes do fim da ditadura. E conclui que esta variável será decisiva
para sabermos o que ocorrerá com as dinâmicas de violência
e criminalidade nos próximos anos.
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Em janeiro de 2016, o Instituto de contra o patrimônio, que em geral SILVIA RAMOS


É CIENTISTA SOCIAL,
Segurança Pública, órgão da Secre- são fortemente subnotificados) e na COORDENADORA DO
taria de Segurança do Rio de Janeiro, maioria dos países são recolhidos pelo CENTRO DE ESTUDOS DE
divulgou os dados sobre homicídios no setor de saúde e não apenas pela área de SEGURANÇA E CIDADANIA
DA UNIVERSIDADE
ano de 2015 e revelou que a taxa na polícia e segurança pública. O principal CANDIDO MENDES.
cidade tinha sido a menor em 24 anos. ranking mundial de mortes violentas
A redução dos assassinatos ocorreu no (homicídios, acidentes e suicídios)
estado que foi, durante anos, recordista é baseado em dados da Organização Parte deste texto foi
publicada originalmente
do ranking da violência no país. Não é Mundial de Saúde e não em dados das
na coletânea Uma agenda
pouco, considerando que o Brasil esta- polícias. A segunda razão pela qual se para o Rio de Janeiro,
cionou há duas décadas entre as dez fala de homicídios como uma variável organizada por Mauro
Osório et al., com o título
nações mais violentas, mantendo taxas aproximada para violência criminal é Violência e polícia: o que
anuais de mais de 20 assassinatos por que em sociedades nas quais as taxas de aconteceu com o Rio de
100.000 habitantes, tendo chegado mortes intencionais são altas os demais Janeiro (FGV Editora, 2015).

a quase 30 em 2012 com seus quase crimes também o são: onde se mata
60.000 homicídios. muito, bate-se muito, ameaça-se muito
Neste artigo pretendo discutir o que etc. E onde se mata muito por arma de
aconteceu com o Rio de Janeiro nos fogo circula muita arma, e crimes vio-
últimos 30 anos para termos nos tor- lentos contra o patrimônio tendem a
nado os campeões de violência do Brasil ser altos. Em resumo, homicídios são
e como esse quadro foi e vem sendo a ponta mais visível e mais dramática
alterado. Vou tratar das características das condições de insegurança das socie-
específicas e únicas da violência flu- dades. Como são crimes mais fáceis de
minense, que transformaram o Rio em contabilizar do que os demais, eles são
um caso singular no Brasil e com raros usados como indicadores universais de
paralelos no mundo contemporâneo. violência, ainda que as generalizações
Buscarei demonstrar que a variável devam ser feitas com cautela.
explicativa mais forte para entender as O Brasil manteve taxas anuais de
particularidades e a intensidade da cri- mais de 10 homicídios por 100.000
minalidade e da violência no Rio de habitantes desde que o Ministério da
Janeiro ao longo de três décadas é a pró- Saúde passou a contabilizá-los e a divul-
pria polícia e as políticas de segurança gá-los em 19791 e chegou a 29 homicí-
levadas a cabo ao longo dos governos dios na taxa publicada em 2014 rela-
desde antes do fim da ditadura. tiva a mortes ocorridas em 2012. Para
termos padrões de comparação, as taxas
de países da Europa Ocidental situam-se
HOMICÍDIOS NO RIO
entre 0,5 e três homicídios por 100.000 1. Os dados publicados pelo
DE JANEIRO E NO BRASIL: Datasus, do Ministério da
habitantes. Os EUA mantêm números
PANORAMA DE 30 ANOS Saúde, referem-se ao SIM,
em torno de quatro a cinco. Os países Sistema de Informação de
Mortalidade, que reúne
O número de homicídios ocor- asiáticos e a maioria dos países orien- informações sobre todas
ridos nas sociedades é parâmetro para tais alcançam menos de 1 homicídio por as mortes. A classificação
desses eventos obedece a
indicar o grau de violência em países e 100.000. Todos os países com altas taxas uma tabela internacional
cidades por duas razões principais. Pri- estão situados na América Latina e no chamada Classificação
Internacional de Doenças
meiro, porque são crimes com notifi- Caribe. O Brasil apresenta um patamar (CID). Desde 1996, o Brasil
adota a 10ª. versão desta
cação obrigatória (diferente de outros acima de 20 por 100.000 há vários anos classificação (chamada
crimes contra a pessoa e daqueles e mantém-se, também há longo tempo, CID-10).
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em 6º. ou 7º. lugar no ranking mundial o Rio de Janeiro a encabeçar, por vários
(comparação com 95 países segundo anos, o ranking nacional da violência
dados do Sistema de Informações Esta- (Waiselfisz, 2012).
tísticas da Organização Mundial de De 1995 até 2006, houve uma
Saúde – WHOSIS). De acordo com a redução do número de mortes, mas o
OMS, os países com taxas de homicídio estado se mantém com taxas em pata-
maiores que o Brasil são El Salvador, mares ainda altíssimos (na casa de 50
Guatemala, Trinidad Tobago, Colômbia, e 40 por 100.000). A partir de 2007,
Venezuela e Guadalupe. as taxas anuais começam a cair, com
Até a década de 1980, o estado do Rio uma queda ainda mais acelerada de
de Janeiro mantinha suas taxas de homi- 2008 em diante (Waiselfisz, 2012). Em
cídio próximas às da média brasileira. 2012, pela primeira vez em 32 anos,
Começa a se afastar a partir de 1983 e o número de homicídios no Rio de
descreve uma curva ascendente muito Janeiro ficou abaixo da média no Brasil
acentuada até 1995, apesar de altos e (28 no RJ e 29 no Brasil). Isto porque
baixos. Em 1983 o Brasil ostentava uma a taxa do Rio de Janeiro manteve-se
taxa de 13,8 homicídios por 100.000, estável em relação ao ano anterior e
enquanto a do Rio de Janeiro era de a taxa média do país aumentou (Veja
15,9, ou seja, 16% maior. Já no final do a tabela completa das taxas ano a ano
período, a taxa do estado pulou para 62, correlacionadas aos governos estaduais
tendo aumentado 288,8%, o que levou no final deste capítulo).

GRÁFICO 1_TAXAS DE HOMICÍDIO BRASIL E RJ DE 1980 A 2014 E GOVERNOS ESTADUAIS

FONTE: DADOS DO SIM-DATASUS/MS. COLETADOS POR WAISELFISZ (1980 A 2012) E FBSP (2013 E 2014)

61,9

45,8

31,9

26,1 26,3
23,8 29

11,7

CHAGAS BRIZOLA MOREIRA BRIZOLA / ALENCAR GAROTINHO ROSINHA CABRAL


NILO

TX HOMICÍDIOS BRASIL TX HOMICÍDIOS RJ


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Uma das características constantes Quando observamos os dados da Secre- 2. Em 2012, a Secretaria
Nacional de Direitos
do Rio de Janeiro é o fato de que a taria de Segurança, que desagrega as Humanos recomendou a
abolição do termo “auto de
explosão e a posterior manutenção das mortes intencionais em homicídios
resistência” e outros e a sua
taxas em patamares altos são puxadas dolosos e autos de resistência,2 vemos substituição por “Homicídio

pela capital e a Região Metropolitana, que 61,9


as mortes provocadas pela polícia Decorrente de Intervenção
Policial”. Em 13 de outubro
sendo que o interior do Rio de Janeiro chegaram a representar 21,7% das ocor- de 2015, a Resolução
Conjunta nº 2 do Ministério
permanece com taxas comparativamente ridas no RJ em 2007, no pico da série da Justiça e outros
baixas (Musumeci, 2002). Waiselfisz histórica de mortes por ação policial. órgãos federais de polícia
45,8 definiu os procedimentos
(2012) observa que a Região Metropo- Quando os homicídios começam a a serem adotados em
todo o território nos
litana do Rio de Janeiro (RMRJ) fun- cair, a participação da polícia neles cai casos de ocorrências
cionou como motor-chefe da escalada mais acentuadamente, representando de morte ou ferimento
de opositor em ações
de homicídios, tendo crescido 345,8% 15,3% do conjunto das mortes inten- 31,9
policiais. O ISP adotou
entre
26,1 1983 e 1995. Este número fez com cionais no estado em 2015. Ou seja,26,3 a nova nomenclatura a
partir de 2013. Contudo, a
que a RMRJ também liderasse o con- 23,8 a 2015 (tomando 2008 como
de 2008 29
forma de contabilizar essas
junto das RMs do país no período, tendo marco, pois em 2009 teve início o pro- mortes em ação policial
ainda carece de precisão
atingido, em 1995, 70,6 homicídios por grama de implantação das UPPs), os no Rio de Janeiro. Veja
11,7 discussão sobre o tema
100.000 habitantes. homicídios no estado caíram 26,5% e os no Relatório da Anistia
Outra característica muito parti- autos de resistência, 43,3%. Em outras Internacional: https://anistia.
org.br/direitos-humanos/
cular da composição de mortes inten- palavras, a redução de mortes provo- publicacoes/voce-matou-
cionais no Rio de Janeiro são os altos cadas pela polícia liderou a queda das meu-filho/.
CHAGAS BRIZOLA MOREIRA BRIZOLA / ALENCAR GAROTINHO ROSINHA CABRAL
números de mortos pela polícia. NILO mortes intencionais no Rio de Janeiro,

TX HOMICÍDIOS BRASIL TX HOMICÍDIOS RJ

GRÁFICO 2_HOMICÍDIOS DOLOSOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – 2000 A 2015

FONTE: INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA - RJ


6.885

6.620
6.624

6.438

6.323
6.287

6.163

6.133

5.794
5.717

4.938
4.767

4.761
4.208

4.197
4.081

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
1.330
1.195

1.137
1.098

1.063

1.048
983
00

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2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
GRÁFICO 3_AUTOS DE RESISTÊNCIA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – 2000 A 2015

FONTE: INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA - RJ

1.330
1.195

1.137
1.098

1.063

1.048
983
900

855

644
592

581
524
427

419

415
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

mostrando que as dinâmicas de mortes carioca matou 2,7, e para cada opositor 3. Outro exemplo expressivo
das respostas rápidas
por uso da força policial são sensíveis a preso sem ferimentos, matou 3,3. Além a determinações de
comandos nas dinâmicas
comandos de polícia e a orientações das de excessiva e frequentemente ilegal
de mortes por intervenção
políticas de segurança.3 – com evidências, em diversos casos, policial ocorreu em São
Paulo. Entre 2009 e 2012,
De acordo com o Anuário Estatís- de que as vítimas foram executadas à Antonio Ferreira Pinto,
tico do Fórum Brasileiro de Segurança queima-roupa depois de rendidas, ou oficial aposentado da PM,
atuou como secretário
Pública (2015), baseado em dados for- foram mortas pelas costas enquanto da Segurança Pública e
necidos pelas polícias das Unidades da tentavam fugir – a violência policial colocou a Rota na linha
de frente da repressão ao
Federação, quando tomamos todos os mostrou-se altamente seletiva: mais nas PCC (Primeiro Comando
da Capital). Em 2012, a
estados, 3.022 pessoas foram mortas favelas do que no asfalto, proporcio- estratégia deu início a
por policiais no país em 2014, o que nalmente mais negros do que brancos, uma guerra, na qual o
crime organizado matou
corresponde a oito pessoas mortas por muito mais nos bairros pobres do que pelo menos 26 PMs na
agentes do Estado a cada dia. No mesmo nos bairros ricos da cidade (Musumeci, Grande SP, enquanto a
ação de policiais fardados
ano, 398 policiais foram mortos. Ainda 2002). Como veremos, estranhamente, e de grupos de extermínio
que consideremos o padrão brasileiro a revogação da “gratificação faroeste” – provocou centenas de
mortes na periferia. Num
de uso excessivo da força letal gene- que vigorou na administração Marcello único mês (maio de
2013) da gestão do novo
ralizado nas polícias, a quantidade de Alencar (1995 a 1998) e que previa que secretário de Segurança,
mortes provocadas por elas do Rio de policiais que prendessem ou matassem Fernando Grella, as mortes
por intervenção policial
Janeiro desafia as estatísticas nacionais criminosos passariam a incorporar um caíram 84% na capital
e internacionais, sendo a maior do país pecúlio aos seus salários – não se tra- (Ver www.soudapaz.org).
Ainda assim, em 2015,
e com raros paralelos internacionais. duziu em queda dos autos de resis- chacinas praticadas com
participação de policiais
Um dos indicadores de uso exces- tência. Pelo contrário, a prática foi em vários estados da
sivo da força é a relação entre mortos, incorporada como característica persis- Federação (Osasco e
Barueri em São Paulo
feridos e presos. Estudos de Cano tente da polícia fluminense, tendo atin- com 18 mortos; Messejana
(1997) no município do Rio, a partir gido seu auge nos anos 2000 nas admi- no Ceará com 12 mortos;
Cabula na Bahia com 12
de dados de janeiro de 1993 a julho de nistrações Anthony Garotinho (1999 mortos e Amazonas com 34
1996. indicaram que nesse período, a 2002) e Rosinha Garotinho (2003 mortos) demonstram como
setores da polícia estão fora
para cada opositor ferido, a Polícia a 2007) e nos dois anos iniciais da de controle dos comandos.
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primeira administração Sérgio Cabral mesmo nas organizações da sociedade,


(2007 a 2011), como mostra o gráfico 3. com algumas exceções. As surpreen-
As demais características da com- dentes tolerância e indiferença com que
posição de mortes intencionais no Rio temos tratado como nação as mortes
acompanham o quadro nacional: muito por assassinato, ano após ano, prova-
mais homens do que mulheres (mais de velmente são baseadas na distribuição
90% das vítimas de homicídios são do desigual de suas principais vítimas.4
sexo masculino), altamente concen- Como veremos na próxima seção,
trada entre jovens, especialmente na ainda que homicídios sejam um fenô-
faixa de 15 a 29 anos, e entre os classifi- meno multicausal e com comporta-
cados como “pretos” e “pardos” (Musu- mentos que muitas vezes tornam difícil
meci, 2002; Waiselfisz, 2014). O perfil estabelecer razões de causa e efeito,
faz com que no Rio de Janeiro as carac- como mostram diversos estudos (ver,
terísticas de sexo, idade e cor no que se entre outros, Musumeci, 2002; Cano &
refere à morte intencional coincidam Santos, 2001; Kahn, 2007; Manso, 2012;
com as do Brasil, isto é, muito desi- Risso, 2014), pretendo demonstrar que
gual. Em relação à geografia da morte, os há forte correlação entre mudanças nas
achados são contundentes: as taxas de políticas de segurança no Rio de Janeiro
homicídios segundo regiões do estado nas últimas três décadas e movimentos
(divididos por Áreas Integradas de na curva das taxas de homicídios.
Segurança Pública) mostram que áreas Uma observação importante é que
da Zona Sul da cidade têm taxas pró- algumas cidades mantêm taxas de
ximas às norte-americanas e europeias, homicídios muito altas, mas o efeito
estando as taxas de áreas da Zona Oeste das mortes cotidianas na coletividade
próximas às venezuelanas. é comparativamente pequeno, pois
As diferenças são ainda mais acen- os assassinatos podem estar extrema-
tuadas quando comparamos áreas do mente concentrados nos bairros pobres
município do Rio com áreas da Baixada e ocorrerem a partir de dinâmicas que
e São Gonçalo. E há ainda outra espe- atingem, de forma silenciosa, jovens
cificidade geográfica, as favelas. Em frequentemente envolvidos com o
trabalhos de georreferenciamento dos crime. Ou seja, a naturalização das
homicídios na cidade do Rio de Janeiro, mortes produz alheamento e indife-
desenvolvidos por Patricia Rivero rença tanto entre autoridades como nos
(2010) e Rute Imanishi e Patricia Rivero meios de comunicação, que ajudam a
(2012), ficou comprovada a intensa formar a agenda de políticas públicas. É
concentração das mortes intencionais o caso, por exemplo, no momento pre-
nos territórios de favelas da cidade. sente, de cidades do Nordeste, como 4. Surpreende sobretudo a
Como procurei mostrar antes (Ramos, João Pessoa ou Maceió. Um fenômeno inação na administração
Dilma Rousseff (iniciada em
2007), a distribuição altamente desi- diferente é o que ocorre em Salvador, 2011). Os poucos programas
gual dos homicídios por idade, cor e que conta com um movimento negro existentes em âmbito
nacional voltados para a
geografia – atingindo seletivamente os jovem e ativo, que reiteradamente faz prevenção da violência
foram desativados e nem
mais pobres e com menor capital social denúncias a respeito da violência poli-
mesmo a promessa de
– explica em grande medida o pequeno cial e do extermínio da juventude negra. lançamento de um Pacto
Nacional pela Redução
impacto que os números escandalosos Rio de Janeiro e São Paulo são casos em de Homicídios havia sido
de mortes violentas têm tido nos suces- que as taxas de homicídio vêm caindo cumprida após o primeiro
ano de seu segundo
sivos governos federais e estaduais e ao longo dos últimos anos, mas alguns mandato.
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homicídios produzem picos de mobili- morros, invadir barracos, desentocar


zação, especialmente quando as inter- assaltantes e “limpar a cidade” (Ven-
venções policiais são excessivas, brutais tura, 1994, p. 34-35).
ou ilegais, como nos casos de chacinas Em 1959, o famoso general, o exter-
ou mortes de crianças. Portanto, as minador de bandidos, o “duro contra
taxas de homicídios de cada local não o crime”, foi descoberto como o prin-
podem ser analisadas isoladamente, cipal beneficiário de caixinhas do
mas devem ser pensadas no contexto bicho, lenocínio, hotéis, cartomantes,
de outras variáveis, como a existência ferro-velho, economia popular, aborto,
de políticas voltadas para a sua redução, drogas e cassinos. O operador era seu
a presença de veículos de mídia que filho, Nei Kruel. As denúncias foram
sejam críticos e, muito especialmente, a feitas pelo jornalista Edmar Morel,
atuação de ativistas de direitos e grupos que as sustentou diante de uma CPI e
de jovens de periferia mobilizados em afirmou que o general inaugurava “a
seus territórios e nas redes sociais. invasão do crime nos quadros do Depar-
tamento Federal de Segurança Pública”
(p. 49). Kruel acabou demitido, mas
POLÍCIA E VIOLÊNCIA COM FINS
recebeu a solidariedade de delegados,
LUCRATIVOS COMO MÉTODO
detetives e de seu substituto, o coronel
Em seu livro Cidade Partida (1994), Crisanto Figueiredo. À saída da Secre-
Zuenir Ventura recupera por meio taria, desceu as escadarias do prédio
de pesquisa em jornais a trajetória do carregado nos ombros de comissários e
general Kruel. Ela é emblemática do investigadores.
que ocorreria no Rio de Janeiro nas O mesmo general voltaria à cena
décadas seguintes. Em 1958, quando com o golpe de 1964, quando ocupava
era chefe de polícia do Distrito Federal o poderoso comando do II Exército em
e foi pressionado pela Associação São Paulo. Era amigo pessoal de Jango,
Comercial do Rio de Janeiro, que afir- foi seu chefe de gabinete e seu ministro
mava que a cidade estava “infestada da Guerra. Jango acreditava em sua
de facínoras”, Kruel criou o Serviço de lealdade, mas na noite de 31 de março,
Diligências Especiais (SDE), que tinha Kruel aderiu ao golpe. Cecil Borer,
carta branca para tomar “medidas antigo auxiliar de Kruel, era o homem
drásticas” contra o crime. Na ocasião, forte no setor de segurança no governo
o general declarou que, se fosse pre- Carlos Lacerda (Ventura, 1994, p. 52).
ciso, autorizaria “o extermínio puro e Poucos meses depois do golpe, em
simples dos malfeitores”. Foi criado agosto de 1964, um dos membros do
um grupo de elite dentro da polícia grupo que formava o chamado Esqua-
que tinha em seus quadros egressos drão da Morte, o detetive Milton Le
da Polícia do Estado Novo. O Jornal Cocq, foi morto quando tentava matar
do Brasil dizia que “nenhuma restrição o bandido Cara de Cavalo. Após esse
foi imposta a suas missões”. O grupo episódio, a perseguição ao criminoso
do SDE, ao qual foi dado o direito de mobilizou 2 mil homens de todas as
matar se fosse preciso, ficou conhe- delegacias e divisões da Secretaria de
cido como Homens de Ouro, Turma Segurança. Na noite de 3 de outubro de
da Pesada e Esquadrão da Morte. Esses 1964, quando Cara de Cavalo foi apa-
homens tinham como missão subir nhado nos arredores de Cabo Frio, de
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bermudas, arrastando uma sandália, Vermelho. Leeds (p. 239) argumenta


sem carro e sozinho, recebeu cem tiros que, no final dos anos 70, o advento da
de metralhadora. Alguns dos policiais cocaína como nova mercadoria alta-
que estavam na tropa de fuzilaria eram mente lucrativa modificou radical-
Sivuca, Hélio Vígio, Luis Mariano e mente as perspectivas para o crime.
Euclides Nascimento (Ventura, 1994, A chefia do Comando viu no tráfico
p. 46). Vários personagens que partici- de cocaína um meio de manter altos
param da caçada ao Cara de Cavalo rea- lucros sem ter que pagar propina à
pareceriam em postos importantes na polícia, geralmente exigida por assaltos
segurança pública e na política do Rio a bancos. Também a repressão aos
de Janeiro nas duas décadas seguintes. assaltos a bancos, especialmente em um
Zuenir Ventura sustenta a tese de período do governo Moreira Franco (no
que no Rio dos anos dourados de 1950, início de sua administração, em 1987 e
na cidade bossa nova, foi inaugurada na 1988), estimulou ainda mais o negócio
polícia uma mentalidade que de certa com a cocaína. Em fins dos anos 1980
forma institucionalizou-se e cuja carac- surgiu um negócio suplementar, o
terística principal seria a combinação sequestro, sendo o dinheiro dos res-
de violência e corrupção. Luiz Eduardo gates usado para comprar cocaína nos
Soares (2000, 2005, 2010) retomou este países produtores vizinhos. Mais uma
tema em diversos trabalhos. Ventura vez, a polícia entrou no negócio dos
tenta demonstrar que o que aconteceria sequestros.6 Em 1994, os grupos de trá-
na favela de Vigário Geral em agosto de fico de drogas, já plenamente instalados
1993, 29 anos depois do assassinato de nas favelas, entraram nos negócios dos 5. Dois dias antes da chacina,
Cara de Cavalo pelos homens do Esqua- armamentos sofisticados. Traficantes quatro policiais do 9º. BPM
tinham sido emboscados e
drão da Morte, teve suas raízes nos anos das favelas situadas nas proximidades mortos na praça Catolé do
Rocha, próxima à favela, por
1950 e 1960. A referência é a Chacina do aeroporto e da zona portuária come- homens de Flávio Negão, o
de Vigário, em que policiais militares çaram a especializar-se na venda de chefe do tráfico de Vigário
Geral. Os policiais tinham
que participavam de um grupo intitu- armas aos traficantes de outras favelas ido à praça “mineirar” os
lado Cavalos Corredores – a temida que queriam se proteger da polícia e traficantes, pois tinham
a informação de que
tropa do 9º. Batalhão – entraram na dos grupos rivais. As armas poderiam estes receberiam uma
favela e mataram 21 pessoas. Como se ser roubadas de arsenais militares ou grande carga de cocaína.
A informação era falsa e
sabe, o episódio ocorreu precisamente importadas, em geral, com a cumplici- tinha sido propositalmente
divulgada por Flávio Negão,
a partir de dinâmicas que combinaram dade de funcionários da alfândega. que pretendia dar uma
licença para matar com práticas coti- O fato é que no final dos anos 70 e lição nos policiais. Dois
dias depois, numa ação
dianas de extorsão de traficantes.5 início dos anos 80 os líderes da Falange de vingança, um grupo de
Elizabeth Leeds (2006), em seu Vermelha já se encontravam nas policiais do 9º. Batalhão
entrou em Vigário e matou
texto clássico Cocaína e poderes para- favelas. Os chefes viam as favelas como às cegas 21 pessoas,
nenhuma delas ligadas ao
lelos na periferia urbana brasileira, publi- um reduto relativamente seguro, onde
tráfico de drogas (Ventura,
cado originalmente em 1996, explica contavam com algum apoio comuni- 1994, p. 66-68).

que o surgimento de facções do crime tário. Willian da Silva Lima, fundador 6. É famosa a frase do
no Rio de forma relativamente orga- da Falange Vermelha, teria declarado: delegado Hélio Luz quando
foi nomeado para chefiar a
nizada teve origem na convivência de “começamos a nos instalar nas favelas Delegacia Anti Sequestros
presos comuns com presos políticos, por uma questão de segurança. Res- (DAS), no governo Marcello
Alencar: “de hoje em diante,
iniciada no presídio da Ilha Grande peitávamos as comunidades e éramos a Anti Sequestro não
sequestra mais”, declarada
nos anos 1970. Ali apareceria a Falange bem recebidos” (Leeds, 2006, p. 261). ao Jornal do Brasil em maio
Vermelha, depois intitulada Comando De fato, o tráfico de maconha já existia de 1995 (Caldeira, 1997).
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há décadas, sendo as bocas de fumo uma proximidade das favelas com bairros de
constante na vida das favelas. Mas o classe média. Essa vizinhança possibi-
poder propiciado pelos ganhos finan- litou a venda de droga em polos fixos,
ceiros obtidos com a cocaína conferiu as bocas, sem que isto excluísse a circu-
aos traficantes uma importância sem lação de “aviões”, que servem os con-
precedentes (p. 239). sumidores em domicílio ou em outros
A autora afirma que durante o pontos da cidade – reproduzindo o
período em que pesquisou nas favelas modelo internacional típico de venda
cariocas, de 1988 a 1995, a presença de drogas no varejo. O sedentarismo
do tráfico só aumentou. De fato, 20 do comércio varejista implicou a valo-
anos depois da publicação de Cocaína rização do território e passou a exigir
e poderes paralelos, como sabemos, os investimento de segurança do ponto.
grupos de tráfico continuaram apro- O controle do ponto passou a ser patri-
fundando e universalizando seu con- mônio valioso e recurso estratégico na
trole nos territórios de favelas. Na lógica do mercado. Isto requeria armas
década de 2000 não só comandavam para dissuadir a tomada do território
a venda de drogas em todas as favelas, por falanges rivais e propina para a
conjuntos habitacionais e em diversos polícia. Em uma palavra, a organização
bairros da periferia da cidade do Rio de sedentária do comércio varejista levou a
Janeiro, mas também a venda, o aluguel que traficantes se estabelecessem como
e a posse de armas; e dessa forma assu- um poder sustentado no domínio terri-
miam o poder de mando sobre outros torial (Soares et al., 2005, p. 249).
crimes nos territórios adjacentes, por Os mesmos autores explicam como
exemplo, roubos de cargas e veículos. a presença das armas nas favelas, em
Além disso, em nível local, os grupos quantidades e modelos muito superiores
de tráfico tornaram-se, muito frequen- às necessidades, gerou um fenômeno de
temente, donos ou sócios de serviços corrida armamentista, mas também um
que eles monopolizavam, como venda excedente de armas que passou a ser
de botijão de gás, transporte por motos usado em crimes contra o patrimônio.
ou kombis, venda de sinal de televisão a Quando um relógio é subtraído com
cabo e internet, taxas de água e outros. a presença de uma arma poderosa ou
Ao mesmo tempo, controlavam ou ten- um carro é roubado com um fuzil, ele-
tavam controlar associações de mora- vam-se ao máximo as ocorrências letais,
dores, organizações não governamen- inclusive as motivadas por acidentes,
tais, grupos comunitários e religiosos e, balas perdidas ou imperícia. Assim, o
em especial, as atividades de cabos elei- problema do tráfico de drogas conver-
torais em períodos de eleição (Zaluar, teu-se já desde o começo dos anos 1980,
1994; Machado da Silva, 2008). quando a curva de homicídios do Rio de
Luiz Eduardo Soares, MV Bill e Janeiro começou a afastar-se da curva
Celso Athayde (2005) discutem como média do Brasil, num problema menor
e por quais razões o tráfico de drogas, diante do uso indiscriminado de armas
normalmente nômade, tornou-se de fogo, que não correspondiam a qual-
sedentário no Rio de Janeiro. O fenô- quer adequação funcional às práticas cri-
meno curioso, que teria grandes con- minais ou às necessidades técnicas das
sequências, se deu principalmente pela cenas de crime.
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Março 2016 11

As armas passaram a ser o cerne da Imparato, em 1953, crime que ele teria
barbárie do Rio. Sua presença espeta- executado pessoalmente, o Homem da
cular nas favelas, a ostentação de fuzis Capa Preta refugiou-se em sua fortaleza.
de guerra por garotos de 14, 15 ou 16 No momento em que a polícia tentou
anos, os tiroteios – apenas lúdicos, ou invadi-la, parlamentares da UDN se reu-
para intimidar, ou para advertir sobre niram no seu interior em “vigília cívica”.
o poderio bélico – tornaram-se trilha Adversário de Vargas, Tenório gozava de
sonora da capital durante duas décadas prestígio na UDN, justamente o partido
e se transformaram na marca regis- que denunciava o “mar de lama” no país
trada da violência no Rio. Ou seja, (Ventura, 1994, p. 23).
um modelo de violência em que áreas Em livros de ficção sobre o tráfico
urbanas se viram cada vez mais contro- no Rio de Janeiro e em entrevistas com
ladas militarmente por grupos armados, jovens do tráfico ou com líderes comu-
configurando um modelo único de nitários, surgem muitas histórias sobre
desenvolvimento criminal no Brasil e amor, predileção ou obsessão de chefes 7. Alguns funks “proibidões”
são expressivos do fascínio
raro em termos internacionais. Não do tráfico pelas armas de guerra. Alguns que as armas exercem
estamos falando de zonas rurais ou de são “inseparáveis” de suas armas pre- sobre alguns jovens e
moradores das favelas: Sou
alguns conjuntos habitacionais, ou de feridas e muitos encomendam auto- da Penha sim/ Família CV/
falo pra você/ quem ta na
áreas distantes nas bordas da cidade. máticas depois que as veem nas mãos
boca até o dia amanhecer/
Estamos falando de centenas de favelas de policiais de elite ou de delegados 762 nois tem/ AK nois
tem/ G3 nois tem aqui/ é
em todos os pontos da metrópole, dos famosos. A presença das armas nas o bonde do Tota/ Então
bairros mais ricos aos mais pobres, sob favelas tem também uma função simbó- desce, desce, vai lá no
Caveirão/ Então desde
o domínio de grupos de traficantes, lica de reforço de autoridade. Não por desce vai lá nos alemão.
que passaram a impor leis, a regular acaso, inúmeras letras de funks “proi- Ou: Morro do Dendê é ruim
de invadir/ Nois, com os
o funcionamento da vida coletiva e a bidões” cantam em prosa e verso os Alemão, vamo se diverti/
Porque no Dendê eu vô
enfrentar a polícia e os grupos rivais nomes das armas que estão presentes dizer como é que é/ Aqui
com poder altamente letal. em cada favela, inclusive aquelas que não tem mole nem pra
DRE/ Pra subir aqui no
As polícias, conscientemente ou não, não são usadas para seus fins, como morro até a BOPE treme/
impuseram o ritmo da corrida armamen- fuzis para abater aviões.7 Da mesma Não tem mole pro exército,
civil nem pra PM/ [...] Vem
tista e muitas vezes eram os agentes dessa forma, há relatos de comandantes da um de AR15 e outro de
dinâmica, ora vendendo armas e muni- polícia militar de que soldados ficam 12 na mão/ Vem mais um
de pistola e outro com
ções, ora revendendo armamentos cap- nervosos sem o fuzil e que a resistência tresoitão/ Um vai de URU
na frente escoltando o
turados em confronto com traficantes, para retirar essa arma da corporação – camburão/ Tem mais dois
ora fazendo vista grossa para a entrada mesmo quando a possibilidade de uso na retaguarda, mas tão de
Glock na mão/ Lá vem dois
de fuzis, metralhadoras e munições de fuzis é pequena, como nas vias da irmãozinho de 762/ É que
nas favelas. É bom lembrar que a figura cidade – é em grande parte “psicoló- eles são bandido ruim e
ninguém trabalha/ De AK47
emblemática que primeiro ostentou uma gica”. Em conversas com a equipe de e na outra mão a metralha/
Quem é aqueles cara de
metralhadora como símbolo de poder pesquisa do CESeC, mais de uma vez
M16/ Nas entradas da
foi Tenório Cavalcanti, que circulava em oficiais mencionaram que alguns sol- favela já tem ponto 50/ E
se tu toma um pá, será que
Caxias e outras áreas da Baixada Flumi- dados “se sentem nus sem o fuzil”. você grita/ Seja de ponto
nense com sua famosa “Lurdinha”, exi- Uma vez fixado o novo modelo do 50 ou então de ponto 30/
[...] Acabo com o safado
bida como acessório inseparável. Tenório tráfico no Rio de Janeiro, cuja base é dou-lhe um tiro de Pazã
era recordista de votos, prócer da UDN o domínio territorial, ele se desgarra [...] E se não for de revólver
eu quebro na porrada/ E
e dominou a região durante a década de seus determinantes geográficos e finalizo o rap detonando de
granada (letra de autoria
de 1950. Quando foi acusado do assas- se generaliza, tornando-se a forma por desconhecida) (Soares da
sinato do delegado de Caxias Albino excelência da organização dos grupos Silva, 2014).
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Março 2016 12

de varejo de drogas cariocas. Mesmo


onde não há “necessidade” de armas de
guerra para defender o território de fac-
a traficantes de armas capturadas em
operações policiais. A mais universal
é a propina semanal apanhada na boca

HÁ UMA
LÓGICA
SELETIVA
ções rivais ou da polícia, o tráfico se esta- de fumo por policiais que distribuem
belece antecipadamente neste modelo. a semanada entre colegas do Batalhão, ACIONADA
É isto que verificamos a partir de 2012, na mais fiel tradição das antigas “caixi- POR GRUPOS
quando grupos de traficantes da capital, nhas” do jogo bicho.8 DE POLICIAIS
expulsos de seus territórios de origem As doses de violência e letali- VIOLENTOS E
pela chegada de UPPs, impõem novos dade para sustentar os métodos foram
CORRUPTOS:
padrões de criminalidade, com armas aumentando ao longo dos anos. O cres-
de fogo e todo o repertório das gan- cimento do número de autos de resis- PRENDER OS
gues do Rio, às vezes em regiões quase tência (gráfico 3) é expressivo da esca- CRIMINOSOS
rurais da região metropolitana. Beato e lada. O “arrego”, isto é, a “quebra de IMPORTANTES
Zili (2014), mesmo reconhecendo dife- arrego”, tem sido a causa principal de E NEGOCIAR A
renças importantes no formato do trá- chacinas, banhos de sangue e excessos
VIDA DOS PEIXES
fico carioca, procuram identificar fases policiais que o Rio de Janeiro conheceu
de estruturação comuns à organização durante 30 anos (Soares et al., 2010). PEQUENOS”
social do crime em cidades brasileiras. A dinâmica é simples, ainda que con-
Os elementos estruturantes da organi- traintuitiva. Os policiais “duros contra
zação criminal teriam aspectos seme- o crime”, os mais intransigentes, as
lhantes em toda parte. tropas mais violentas, aqueles que não
A contribuição da polícia no apro- têm dó nem piedade de criminosos são
fundamento e na radicalização do precisamente os mais inclinados ao
modelo de criminalidade e nas dinâ- uso da força letal e, ao mesmo tempo,
8. Em um texto publicado
micas de violência letal que se desen- à eventual negociação quanto ao direito em 2006, o jornalista Xico
Vargas expõe o sistema de
volveram nas últimas três décadas de matar. Como numa guerra, o obje- transferência de dinheiro
tem sido discutida exaustivamente em tivo é matar os inimigos. Mas se é per- arrecadado em delegacias
do Rio para gabinetes da
vários trabalhos a partir de diversos mitido matá-los... bem, é possível nego- Assembleia Legislativa,
pontos de vista. Entre eles, vale men- ciar a vida dos menos importantes. dando conta do grau de
institucionalização da
cionar Zaluar (1994), Ventura (1994), Afinal, como dizem muitos policiais, corrupção nas polícias
Rafael (1998), Leeds (2006), Misse não adianta prendê-los, pois em pouco fluminenses. Vargas afirma
que o sistema já existia
(1997), Soares (2000, 2005, 2006, tempo estarão soltos. Há uma lógica na gestão de Marcello
Alencar, mas sofisticou-
2010), Lemgruber, Musumeci e Cano seletiva acionada por grupos de poli- se nos dois mandatos do
(2003) e Rodrigues (2014). Os obser- ciais violentos e corruptos: prender casal Garotinho (Vargas,
Xico, “O Caminho do
vadores concordam num ponto: não há os criminosos importantes e nego- Ouro”, 01.05.2006, jornal
tráfico e domínio territorial do tráfico ciar a vida dos peixes pequenos. Dar o No Mínimo). Soares, em
Meu casaco de general
sem participação policial. Seja na forma máximo nas apreensões de grandes car- (2000), já havia chamado
as delegacias de ”apitanias
de omissão, negociação de meios, seja regamentos de armas e drogas e nego-
hereditárias” e mostrado
com informação ou proteção. Na ver- ciar os pequenos carregamentos. São que as titularidades eram
negociadas em gabinetes
dade, as formas de participação da essas lógicas que regem os cálculos da ALERJ e no próprio
polícia no negócio do crime no Rio de cotidianos de intervenção policial, que Palácio Guanabara. Nesse
sentido, pode-se dizer
Janeiro foram se sofisticando. No con- tantas vezes acabam em tragédias. que, no caso do Rio, de
texto das favelas, as mais frequentes Naturalmente, entre os autos de modo geral, as práticas
de corrupção na PM se
são a prisão e o sequestro de traficantes resistência existem efetivamente con- concentram no varejo (e
por isso são mais letais) e
para serem vendidos a facções ini- dições em que os policiais usaram da as da PC, no atacado, isto é,
migas ou à própria facção, e a revenda força letal em situações de legítima “por cima”.
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defesa ou quando não havia outra longo de anos, conquistar a unanimi-


solução (por exemplo, ao serem obri- dade. A polícia desrespeita, humilha,
gados a entrar em uma área domi- bate, fere e às vezes mata. Os traficantes
nada por grupos armados para resgatar também, mas em geral quem não se mete
um colega ferido ou uma guarnição com o tráfico não é molestado (Zaluar,
encurralada). Mas há em meio àqueles 1994; Ramos, 2009). Leeds (2006)
números desde situações híbridas de situa os problemas com o tráfico e a
força excessiva, quando teria sido pos- polícia nas favelas e nos bairros pobres
sível prender o opositor, ou desleixo como o dilema da democracia brasi-
em prestar socorro a um ferido, até leira, já que a governança democrática
atos inequívocos de execução. local é fundamental para a democrati-
Há também erros, precipitações zação da sociedade organizada.
e balas perdidas. Os erros ocorrem Resta ainda mencionar outro fenô-
quando policiais atiram e matam pes- meno específico do Rio de Janeiro,
soas pensando que eram traficantes. também uma variante dos problemas de
9. Os policiais do Rio de
Ao descobrirem que cometeram um violência e corrupção nas polícias flumi- Janeiro também são vítimas
erro e mataram um inocente (que era nenses, que se estruturou no início dos de violência letal em
proporções muito acima
“estudante” ou “trabalhador”, como anos 2000: as milícias. Em março de da média das polícias do
mundo. Em 2011, foram
se diz nas favelas), via de regra tentam 2005, a jornalista Vera Araújo, do jornal
mortos sete policiais da PM
fraudar a cena do crime e colocam uma O Globo, publicou uma reportagem inti- e cinco da PC. Em 2012,
foram 14 PMs e quatro PCs.
arma na mão da vítima para caracte- tulada “Policiais cariocas montam milí- Em 2013, foram 16 PMs
rizar que o jovem os recebeu com tiros. cias e expulsam tráfico das favelas”, que e quatro PCs. Em 2014,
foram 16 PMs e, em 2015,
Nesses momentos, os moradores, que dava conta da existência de 11 grupos foram 23 PMs e três PCs.
conhecem a vítima, se revoltam e saem atuando em 42 favelas da região da Barra Apesar de os números
parecerem pequenos
da favela para protestar, muitas vezes e Jacarepaguá, seis deles chefiados por quando comparados com
os de civis mortos, estudos
ateando fogo em pneus, fechando ruas e policiais militares. Vera denominou-os de Souza e Minayo (2013)
queimando ônibus. O enredo, encenado “milícias”, expressão que se tornou cor- mostram que quando se
pondera os policiais mortos
no Rio centenas de vezes nos últimos rente nos anos seguintes. Em decor- em função do contingente
20 anos, em geral diz respeito a “ino- rência desta matéria, a jornalista foi da polícia, o Rio de Janeiro
ostentava uma das maiores
centes” mortos pela polícia. Mas o fato é ameaçada, obrigada a deixar a cidade e taxas de mortes em serviço
que os “culpados”, isto é, os traficantes, a viver um período de quarentena. Em do país: 85 no caso dos
policiais civis e 137 dos
também não deveriam ser mortos pela 2008, um grupo de jornalistas do jornal policiais militares. Os
valores são extremamente
policia, pois é exatamente a licença O Dia foi torturado quando fazia uma altos para todos os padrões
tácita que os policiais do Rio de Janeiro reportagem sigilosa na favela do Batan, internacionais considerados.
Além disso, não deve ser
sentem que têm para “matar traficantes” na Zona Oeste do Rio. desprezado o fato de que
que gera a maior parte da violência Os grupos de milicianos, formados algumas mortes de policiais
envolvem dinâmicas que
excessiva. Olhando apenas os últimos 10 com a participação de policiais, ex-po- espalham insegurança,
terror e finalmente ódio
anos, de 2006 a 2015, a polícia do Rio liciais, bombeiros, agentes penitenciá-
em toda a tropa, como
matou 9.019 pessoas. Estes números são rios e outros, multiplicaram-se rapida- nos casos de policiais
baleados covardemente
da própria polícia – pessoas mortas em mente pela cidade, dominando grandes em atentados de surpresa
confronto por policiais em serviço – e áreas, principalmente na Zona Oeste. quando se encontravam
parados em pontos fixos
não incluem execuções fora de serviço, Em alguns casos, os grupos retomaram de patrulhamento. Esses
desaparecimentos nem a atuação de áreas antes sob o poder do tráfico, em atentados contribuem
para reforçar na polícia e
grupos de extermínio.9 outros, simplesmente passaram a con- na sociedade a ideia de
que “estamos em guerra”.
Os depoimentos de moradores de trolar áreas que estavam livres de qual- Nas guerras, o objetivo é
favelas sobre a polícia conseguiram, ao quer domínio. Mais recentemente, a aniquilar o inimigo.
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partir da década de 2010, começaram os grupos de Ligas de Auto Defesa


a submeter ao seu poder conjuntos (Cano, 2014). Da mesma forma, o chefe
residenciais do programa Minha Casa, de Polícia nos governos Garotinho e
Minha Vida. Em geral, a milícia vende Rosinha, Álvaro Lins, foi acusado de ter
“segurança” por meio de cobrança de sido eleito em 2006 com grande apoio
taxas a comerciantes e, em algumas das milícias da Zona Oeste, bem como
áreas, a moradores, indo de casa em Marcelo Itagiba, secretário de Segu-
casa. Além disso, na medida em que rança de Garotinho, eleito deputado
têm o controle armado sobre o terri- federal em 2006.10 Ambos, Lins e Ita-
tório, milicianos passam a explorar e giba, foram acusados na CPI das Milí-
a monopolizar outros negócios, como cias da ALERJ, presidida, em 2008, pelo
transporte alternativo, água, gás, sinal deputado Marcelo Freixo. Lins acabou
de TV a cabo e internet, e também entre os 218 indiciados pela CPI.
transações imobiliárias (cobrando per- Com a repercussão do caso do jornal
centuais sobre vendas que ocorrem O Dia, as denúncias da CPI das Milí-
dentro da área controlada) e, às vezes, cias e a condenação crescente sobre o
agiotagem. Cano (2008) observa que fenômeno nos meios de comunicação,
as milícias se estruturaram sobre muitos líderes políticos abandonaram
cinco eixos comuns: domínio territo- a ambiguidade e o primeiro governo
rial; coação; empreendimento lucra- Sergio Cabral (2007-2011) tomou
tivo; discurso de legitimação baseado medidas fortes, reunindo investigação,
na luta contra o tráfico, as drogas e desarticulação e punições. Em pouco
a desordem; e presença de agentes tempo, centenas de membros das milí-
armados do Estado em posições de cias – começando pelos que possuíam
comando. Além disso, outra caracterís- cargos eletivos – foram processados,
tica de alguns desses grupos foi o inves- presos e condenados. No entanto, as
timento em controle de currais eleito- milícias têm demonstrado grande capa-
rais, além da alta letalidade nas ações cidade de adaptação. Atuam de forma
de manutenção do poder territorial. mais discreta, menos ostensiva, em áreas
O que motivou o surgimento e a menores, exercendo um controle de ter-
rápida proliferação desses grupos foi a ritório que deixou de ser armado nas
percepção, por parte de policiais que entradas e nas saídas, à moda do tráfico,
viviam de propina recebida de trafi- mas que nem por isso é menos violento.
cantes, de que eles poderiam fazer o As áreas de milícias continuam com
mesmo e receber todo o dinheiro de altos índices de mortes por agressão,
um determinado território, e não uma além das evidências de que sempre que
parcela dos negócios de terceiros. Além possível optam pelo sumiço dos corpos
disso, diferente do tráfico, poderiam (Cano, 2014, p. 330).
desenvolver um discurso moralista Também é bom lembrar que a
com o objetivo de assegurar legitimi- modalidade “milícia” ocorre simultane-
dade e adquirir apoio comunitário. No amente a outros fenômenos com parti-
início da década de 2000, vários grupos cipação de grupos de policiais que unem
de milícias, especialmente na Barra violência e fins lucrativos, como é o caso 10. Álvaro Lins foi condenado
por crime de corrupção e
da Tijuca, receberam apoio de mora- dos grupos de extermínio e a chamada não assumiu seu mandato
de deputado estadual na
dores e autoridades. O prefeito do Rio, polícia mineira. Os grupos de extermínio ALERJ, tendo sido preso.
Cesar Maia (2001-2009), denominou nunca deixaram de ser um fenômeno Foi cassado em 2008.
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importante na Baixada Fluminense e O primeiro governo de Leonel Bri-


parecem ter uma participação não des- zola (1983-87) procurou afastar-se das
prezível na subida das taxas de homi- políticas autoritárias e dos “resquí-
cídio que se observam naqueles muni- cios da ditadura” fazendo um discurso
cípios a partir de 2012, com a expansão declarado contra a violência policial,
das UPPs na capital. Por outro lado, a com ênfase nas palavras “direitos” e
instalação da Delegacia de Homicídios “respeito aos favelados”. Brizola queria
da Baixada (em janeiro de 2014) e a justamente distanciar-se da política que
queda dos assassinatos em 2014 e 2015 já havia décadas preconizava “desen-
parecem estar relacionadas, conside- tocar bandidos das favelas” e “limpar
rando que os grupos de matadores dei- a cidade subindo os morros”. Um dos
xaram de atuar livremente. gestos ousados de Brizola foi nomear,
logo no início de seu primeiro governo,
um comandante da Polícia Militar que
POLÍTICAS DE SEGURANÇA não era oriundo das Forças Armadas. À
NA DEMOCRATIZAÇÃO:
provocação de não nomear um general
BRUTALIDADE E CORRUPÇÃO
para comandar a PM, como era tra-
CONCENTRADAS NAS FAVELAS
dição, Brizola acrescentou um detalhe
Quando olhamos as políticas de que chocou os militares e surpreendeu
segurança adotadas pelos governos flu- a sociedade. O coronel Carlo Magno de
minenses após a ditadura, verificamos, Nazareth Cerqueira não apenas era um
sobretudo nas primeiras décadas, uma coronel oriundo da PM como era negro.
alternância na ênfase dada aos direitos Leeds (2006) registra a frustração
humanos (dois governos Brizola e Nilo de Nazareth Cerqueira – um intelectual
Batista e início de governo Garotinho) sofisticado, com ideias avançadas, respon-
e às estratégias declaradas de guerra sável pela introdução das primeiras expe-
ao crime (Moreira Franco e Marcello riências de policiamento comunitário no
Alencar). Posteriormente, os governos Brasil e que inspirou várias gerações de
Garotinho e Rosinha foram mar- oficiais – por não ter conseguido mudar
cados pelo discurso ambíguo em prol sua própria corporação. No Plano Diretor
de direitos e o descontrole proposital da PMERJ (1984-87), o comandante
das polícias. Soares (2000) chamou de Nazareth Cerqueira publicou o seguinte
movimento de pêndulo o que ocorreu discurso para a tropa:
até a década de 2000. Mas, como
veremos, as corporações policiais flumi- A mudança de conduta do Governo
nenses nunca superaram de fato a cul- em relação à comunidade deve come-
tura de brutalidade e corrupção, espe- çar pelo respeito aos direitos humanos
cialmente contra os pobres e dentro das em todos os níveis, particularmente
no que diz respeito à segurança do
favelas. Afinal, equação dureza contra
cidadão comum. É necessário criar
o crime com fins lucrativos encontra
junto à população a consciência do
raízes bem estabelecidas e institucio- fim da arbitrariedade e da impunida-
nalizadas na polícia do Rio de Janeiro de, no que diz respeito às autoridades
desde antes da ditadura militar, ou seja, estaduais. O cidadão não deve temer a
pelo menos desde os anos 1950. polícia, que será acionada para prote-
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gê-lo, e não para reprimi-lo. Não have- drogas em seis meses”. Mas durante
rá prisões sem flagrante delito e não se sua gestão, em 1990, o Rio de Janeiro
entra nas favelas arrombando portas atingiu a taxa recorde até então, che-
de barracos, mas, ao contrário, a nova
gando a 56 homicídios por 100.000
administração vem tentando atuar em
habitantes. Elizabeth Leeds (2006)
colaboração com a comunidade. A
manutenção da ordem pública se fará
conta que o governador, para cumprir
através do policiamento preventivo, a promessa da campanha, e às vésperas
do diálogo e da ação política, e o go- da eleição municipal de novembro de
verno garante ao cidadão o direito de 1988, adotou um plano de caça e exter-
se manifestar livremente. mínio de criminosos com o objetivo de
livrar as favelas de suas gangues de trafi-
Anos depois das duas passagens pela cantes. Após um massacre na Rocinha,
administração Brizola, Nazareth Cer- em que vários traficantes foram mortos,
queira reconheceu que subestimou as Moreira prometeu dar à favela serviços
resistências dentro da polícia. De fato, de saúde, assistência jurídica, banco de
o primeiro governo de Brizola, que empregos e “todo o saneamento básico
começou com uma taxa de 19 homicí- que faltava há anos”. Tal como outros
dios por 100.000, acabou com 30. O projetos de “políticas sociais” combi-
saldo também foi negativo em termos de nadas com “intervenção policial”, tudo
crimes contra o patrimônio e, sobretudo, não passou de promessa em véspera de
da extrema insatisfação dentro das cor- eleições. Meses depois o tráfico voltou e,
porações policiais, que reclamavam por no ano seguinte, os assessores do gover-
“não poderem trabalhar”. Na maior parte nador estavam negociando com os novos
dos meios de comunicação ecoaram for- traficantes a licença para que os candi-
temente as críticas das polícias. Como datos de Moreira pudessem fazer cam-
exemplo do clima que se estabeleceu, é panha dentro da Rocinha (p. 254). Na
suficiente mencionar que, ao final do pri- administração Moreira, vários dos per-
meiro governo Brizola, o delegado Hélio sonagens que encontramos nos episó-
Vígio (um dos componentes do Esqua- dios do antigo Esquadrão da Morte rea-
drão da Morte criado por Kruel), assim pareceram. Delegados subiam as favelas
se referia à política de segurança pública armados com metralhadoras e jornalistas
de Brizola e Nazareth Cerqueira: “Ban- contam que nessa época a corrida arma-
dido só respeita repressão. Querem fazer mentista entre tráfico e polícia intensifi-
do policial um assistente social. Não cou-se como nunca até então.11
podemos tocar nas favelas, são reduto O segundo governo Brizola (1991-
dele. Temos coragem de falar porque 1994) e de seu sucessor Nilo Batista
temos moral. Já vivemos outros regimes (1994-1995) terminou com um episódio
políticos, mas nunca fomos tão desres- traumático na história do estado, a Ope-
peitados”. O discurso de Vígio encon- ração Rio (outubro de 1994 a julho de
tra-se na edição do Jornal do Brasil de 4 de 1995). A decisão do governo federal, à
novembro de 1986 (Silva, 2013, p. 8). revelia do governo estadual, de enviar
Não por acaso, Moreira Franco tropas do Exército para ocupar favelas 11. Depoimento do jornalista
(1987-1991) elege-se prometendo Luarlindo Ernesto Silva para
foi tomada às vésperas das eleições a pesquisa Mídia e Violência
“acabar com a violência e o tráfico de governamentais e presidenciais de 94. (Ramos & Paiva, 2007).
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O clima de tensão entre as duas esferas


de governo chegou ao grau máximo, e
os planos falavam mais uma vez em
O governo Marcello Alencar (1995-
1998) convocou de volta um militar
de alta patente para comandar a segu-

NO GOVERNO
DE MARCELLO
ALENCAR O
desarmar as favelas, livrá-las do trá- rança, um general. Nilton Cerqueira
fico, diminuir a criminalidade. Havia havia estado à frente da ação que BOPE DEIXOU
também um discurso, por parte do resultou na morte de Lamarca na DE ACEITAR
governo Fernando Henrique, sobre a época da ditadura e não se desligara de RENDIÇÃO
necessidade de integrar as favelas ao suas relações com militares que par- DE BANDIDOS.
resto da cidade. Mas a operação somou ticiparam diretamente de repressão à
QUEM SE
uma quantidade impressionante de esquerda armada. Além de ter criado
arbitrariedades e desrespeitos e teve o a gratificação por bravura (ou gratifi- RENDESSE SERIA
efeito de ampliar o estigma e a crimina- cação faroeste anteriormente mencio- EXECUTADO.
lização das favelas (Leeds, 2006; Soares nada), o general Cerqueira assumiu o OS CRIMINOSOS
et al., 1996). Em 1993 o Rio chegara ao discurso da “guerra ao crime”, incen- MUDARAM DE
fundo do poço, chocado com a Chacina tivou os confrontos, ampliou os tiro-
ATITUDE E
da Candelária e meses depois com a teios nas favelas e liberou as opera-
Chacina de Vigário Geral. Nilo Batista, ções com licença para matar. Assim PASSARAM
na condição então de vice-governador que assumiu o comando da Secretaria A LUTAR ATÉ
e secretário de Polícia e Justiça, reco- de Segurança, ele declarou sobre os A MORTE.
nheceu nas primeiras horas do mas- programas de policiamento comuni- A ESCALADA
sacre de Vigário que aquilo era coisa da tário implantados pelo coronel Naza-
NÃO PAROU
polícia. Teria dito “a cultura de exter- reth Cerqueira na gestão Brizola: ”Ima-
mínio está viva nos porões da polícia e gine um cara lá, conversa com a vovó, ATÉ QUE SE
sai como uma fera à noite para matar” ajuda o outro a atravessar a rua, isso ATINGISSE A
(Ventura, 1994, p. 67). não resolve, tem que ter um carro com MAIOR TAXA
No mesmo ano, como parte de res- um monte de gente, com cara feia, com DE HOMICÍDIOS
postas da sociedade civil, o Viva Rio foi umas metralhadoras saindo pela janela,
EM 30 ANOS”
criado por iniciativa de intelectuais, tipo a ROTA, em São Paulo, que é isso
líderes empresariais e comunitários. que vai diminuir o roubo de bancos e o
Duas grandes manifestações pela paz sequestro” (Silva, 2013, p. 16).
pararam uma parte da cidade. O clima Soares (2006) revela que nesse
de violência e indignação era irrespi- período do governo Alencar o BOPE
rável (Ventura, 1994). Nilo terminou deixou de aceitar rendição de ban-
o mandato de Brizola acuado, isolado didos. Quem se rendesse seria execu-
e acusado de receber dinheiro da cai- tado. Quando o novo procedimento foi
xinha do jogo do bicho (acusação que introduzido, os criminosos mudaram de
posteriormente se revelou inverídica). atitude e passaram a lutar até a morte;
Durante o segundo governo Brizola, não lhes restava alternativa. O arma-
as taxas de homicídio do estado man- mento passou a ser comprado e acumu-
tiveram-se em patamares alarmantes, lado não apenas para combater quadri-
mais 40 por 100.000, sendo que no lhas rivais, mas sobretudo para enfrentar
último ano, em 1995, o estado do Rio a polícia. O círculo vicioso fez com que
de Janeiro apresentou taxa de 49 homi- as piores profecias se cumprissem: os
cídios por 100.000. bandidos tornaram-se mais violentos e
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passaram a antecipar-se, atacando antes, em Meu casaco de general (Soares, 2000)


o que levou a polícia a atirar preventi- e é antecipatória do que aconteceria no
vamente (entrar nas favelas atirando). Rio de Janeiro durante os oito anos da
Não é difícil entender que a supressão do gestão do casal Garotinho. De fato, no
direito ao devido processo legal, mani- governo Garotinho e na administração
festado na recusa à rendição, acabou se subsequente, de Rosinha Garotinho
voltando como um bumerangue contra (2003-2007), o estado isolou-se até o
os próprios policiais e indiretamente limite, os governantes tendo rompido
contra a população. Esse período da com os governos municipal e federal,
década de 1990 produziu um ponto de a sociedade civil e com diversos setores
inflexão na violência do Rio. O tempo de do empresariado. A segurança pública
permanência do general Cerqueira legou foi comandada por criminosos, como
uma explosão dos autos de resistência Álvaro Lins, que saiu preso da chefa-
e levou o tráfico a investir pesado em tura de polícia. Ele havia comandado
armas. A política alucinada do confronto a PCERJ nas duas administrações do
precipitou uma espiral de violência. Os casal. A corrupção tornou-se um padrão
efeitos do conjunto das medidas foram de gestão tanto na Polícia Civil como na
imediatos e o governo Marcello Alencar Polícia Militar.
teve durante três anos o recorde de Avaliando o conjunto dos oito anos
homicídios no decorrer das três décadas das duas administrações Garotinho,
que estamos analisando, com taxas de as taxas de homicídio tiveram uma
62 por 100.000 no estado e de 74 por redução não desprezível de 11,5% (de 52
100.000 na cidade do Rio. por 100.000 para 46 por 100.000). Em
A despeito de Garotinho (1999- minha opinião, o fenômeno dos homicí-
2002) ter sido eleito com um programa dios respondeu aos vários novos arranjos
de segurança que preconizava a possibi- nas políticas de segurança durante esses
lidade de combinar respeito aos direitos dois governos: modernização da Polícia
humanos e eficiência policial – prome- Civil (informatização, novo sistema de
tendo escapar do movimento de alter- gestão, fim das carceragens, treinamento
nância das quatro administrações ante- e renovação dos quadros) por meio do
riores – mergulhou numa crise pouco programa Delegacia Legal, que deu
mais de um ano após seu início. Luiz início a um processo profundo e bem-
Eduardo Soares, intelectual e formu- -sucedido de reforma da Polícia Civil; o
lador de diversos programas implan- sistema de controle e remodelação das
tados nos primeiros meses (Delegacia Áreas Integradas de Segurança Pública,
Legal, Ouvidoria, reformulação das que articulou uma integração mínima
áreas de segurança, AISPs, estabeleci- na ação da PM e da PC. Além de pro-
mento de metas por áreas, Centros de gramas de metas, nesse período também
Referência de Proteção de Minorias foi criado o ISP, o Instituto de Segu-
e outros) foi demitido de seu cargo de rança Pública, responsável pela coleta e
subsecretário de Segurança e acusou a divulgação dos dados sobre crimes pro-
Garotinho de ter-se rendido à “banda duzidos pelas delegacias.
podre da polícia”. A história desse Ainda assim, a corrupção profunda
período está detalhadamente analisada nas polícias fez com que os autos de
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resistência explodissem, passando siste-


maticamente a mais de 1.000 por ano,
indicando a estabilização de uma situ-
sem qualquer capacidade para comprar
juízes ou ameaçar promotores, sem vín-
culos políticos e sem raízes comunitá-

O RIO
TORNOU-SE
UM CASO ÚNICO
ação em que brutalidade e corrupção rias, como no caso das maras e pandillas
se tornaram um modo de ser da polícia da América Central, ou os conflitos reli- NO BRASIL
fluminense, concentradamente dentro giosos ou étnicos, como os da Palestina E RARO
das favelas. Ao mesmo tempo, a forma ou Bósnia. Pura criminalidade comum EM TERMOS
espetacular, teatral, ruidosa, ousada comandada por bandos pouco articu- MUNDIAIS:
e contínua de atuação do tráfico de lados com o único objetivo de lucrar
UMA DAS
drogas – com tiroteios em áreas nobres com a venda de drogas e os roubos. A
da cidade, ameaças ao espaço aéreo, luta era sistematicamente perdida não POUCAS CIDADES
ampliação do controle de território porque os traficantes do Rio fossem DE PAÍSES RICOS
para fora das bordas das favelas e toques mais inteligentes ou preparados do COM ÁREAS
de recolher – revelava um quadro de que os demais traficantes do Brasil CONTROLADAS
deterioração da segurança pública que ou do mundo, mas porque as polícias
POR GRUPOS
parecia não conhecer limites. A cada mergulharam no negócio do crime de
dia parecia piorar. O contexto do Rio uma forma sem precedentes. O Rio de ARMADOS
ensejava matérias diárias na mídia Janeiro chegou ao fundo do poço em CONVIVENDO
nacional e internacional. termos de perspectivas ao fim das duas COM ÁREAS
O Rio tornou-se um caso único no gestões do casal Garotinho e dos dois ONDE
Brasil e raro em termos mundiais: uma mandatos municipais de Cesar Maia
PREDOMINAVAM
das poucas cidades de países ricos com (2001-2009).
extensas e múltiplas áreas controladas Sergio Cabral (2007-2014) assume A PROSPERIDADE,
por grupos armados ilegais convivendo, o governo com uma taxa de 46 por A MODERNIDADE
simultaneamente, com áreas onde pre- 100.000, em um clima de desesperança e E A DEMOCRACIA”
dominavam a prosperidade, a moder- pessimismo em relação aos esforços ante-
nidade e a democracia. Não existiam riores de enfrentamento do tráfico e da
casos similares ao Rio, com exceção de criminalidade no estado. E efetivamente,
Bogotá e Medellin, que tinham pontos nos primeiros dois anos de sua adminis-
em comum (mas lá o poder dos car- tração predominou a política do con-
téis se assemelhava ao das máfias, fronto e as velhas práticas de entrar em
ameaçando o Executivo, o Judiciário favelas atirando. Em 2007, no primeiro
e o Legislativo, combinando seques- ano de seu governo, os autos de resis-
tros, ações terroristas e criminalidade tência chegaram ao ápice de toda a série
comum). No Rio, os tiroteios diários histórica, com 1.330 vítimas. O escândalo
com armas de guerra só eram compa- das milícias explodiu em seu segundo ano
rados a regiões em conflito declarado. de governo, 2008, enquanto as respostas
As taxas de homicídio não eram tão dos comandos da PM e da Polícia Civil
altas como na gestão Alencar, mas a mantinham-se fracas em relação a denún-
segurança pública tornou-se um drama. cias cotidianas de corrupção.
A cidade e o país perdiam diaria- Além disso, algumas tragédias que
mente a batalha para quadrilhas de abalaram a cidade chocaram o país.
pequenos bandidos, jovens semianal- Entre elas, a morte do menino João
fabetos, despreparados e cruéis, mas Hélio, arrastado por criminosos menores
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de idade que roubaram o carro de sua era uma tradição no Rio de Janeiro. O
mãe no bairro de Oswaldo Cruz, em mesmo em relação aos tenentes-coro-
fevereiro de 2007, e o caso de João néis indicados às vagas de coronel full,
Roberto, menino de 3 anos morto por aos delegados de segunda para irem
policiais que faziam uma perseguição a a delegados de primeira etc. (Soares,
bandidos nas ruas da Tijuca, em julho de 2000; Vargas, 2006). Cabral esta-
2008. Este último fato revelou dinâmicas beleceu que a partir de sua adminis-
típicas de autos de resistência aciden- tração não haveria interferência polí-
tais: os policiais atiraram em um carro tico-partidária na vida interna das
presumindo que ali havia traficantes, polícias. Este ponto foi repetido como
pois esta era a orientação dos comandos um mantra pelo governador e por seu
da PM: eliminar traficantes a qualquer secretário de Segurança e, até onde
custo. Depois da tragédia, o governador foi possível observar, foi cumprido
chamou os policiais de “débeis mentais”, ao menos em parte e representou um
mas eles se justificaram dizendo que ponto de inflexão na história das polí-
estavam apenas cumprindo seu dever. cias fluminenses nas últimas décadas.
Em julho de 2007 a PM, juntamente Outra decisão importante foi esta-
com a PC, ambas comandadas pela belecer na área de segurança o mesmo
Secretaria de Segurança, fizeram a auto- que havia para outras secretarias: um
denominada megaoperação de “reto- programa de modernização da gestão
mada” do Complexo do Alemão, com com metas que deveriam balizar a ação
1.350 homens, que resultou na morte de de todos os servidores, que receberiam
19 pessoas e em 13 feridos. A operação, bônus caso cumprissem as metas. O pro-
com evidências inequívocas de exe- grama de gestão parece ter tido impacto
cução, chocou o país e foi questionada na redução de vários índices de crimi-
pela Secretaria Nacional de Direitos nalidade, inclusive na redução de autos
Humanos do Governo Federal, pela de resistência, que foi incorporado entre
OAB, por grupos de direitos civis e por os indicadores que deveriam cair em
parte da mídia. A Força Nacional man- cada AISP (Área Integrada de Segurança
teve um cerco nas entradas das favelas, Pública), sob a responsabilidade de um
mas em poucos dias os traficantes circu- comandante da PM e um ou mais dele-
lavam ostensivamente armados dentro gados. As metas obrigaram a PM e a PC
do Complexo do Alemão e seu poder e a trabalhar de forma minimamente inte-
sua crueldade tinham se ampliado.12 grada, pois quando as metas são atin-
Contudo, mudanças importantes gidas, a bonificação é distribuída para
foram percebidas mesmo durante os todos os policiais civis e militares das
dois primeiros anos da administração respectivas delegacias e batalhão da área.
Cabral. A primeira foi a sinalização de Em janeiro de 2010 foi criada a DH, a
que não haveria interferências polí- Divisão de Homicídios da Capital, depois
ticas na gestão das polícias. A nego- transformada em Divisão de Homicídios
ciação de titularidades de delegacias integrando as DHs da Capital, Baixada 12. Observações de pesquisa
de campo cujos resultados
e comandos de batalhões por parte de e Niterói. Finalmente, outra mudança encontram-se, entre outros
vereadores, deputados e comerciantes percebida logo no início da gestão Cabral textos, em Ramos (2007).
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foi o tom do discurso da área da segu- reproduzir o binômio violência com


rança. Cauteloso, o secretário Mariano fins lucrativos dentro das favelas.
Beltrame reestabeleceu em poucos Surpreendentemente, as UPPs não
meses o diálogo que havia sido rom- foram um programa de segurança pre-
pido há anos entre o setor de segurança viamente concebido, detalhadamente
e líderes comunitários, empresários, planejado e posteriormente implemen-
mídia, ONGs e pesquisadores. tado. Tiveram um formato muito par-
Em dezembro de 2008, isto é, após ticular de implantação, na medida em
dois anos de governo, o secretário Bel- que foram se constituindo com grande
trame compareceu pessoalmente ao dose de experimentação e improvi-
Morro Santa Marta, em Botafogo, e sação, a partir de resultados práticos.
anunciou que a favela fora ocupada São escassos os instrumentos de insti-
pelo BOPE e que, depois da ocupação, tucionalização e formalização do pro-
a comunidade receberia uma tropa fixa grama, tanto em sua criação como
formada por policiais recém-ingressos seis anos após13 A estrutura normativa
13. As UPPs contam com
na corporação, e que eles ali permane- reduzida, composta apenas por três poucos instrumentos de
institucionalização: Decreto-
ceriam e respeitariam os moradores. Um decretos governamentais, se, por um
lei nº 41.650 de 21 de janeiro
mês depois, em janeiro de 2009, esse lado, valoriza as experiências práticas, de 2009; Decreto-lei nº
41.653 de 22 de janeiro
projeto piloto recebeu o nome de Uni- por outro, denota baixa institucionali- de 2009; Decreto-lei nº
dade de Polícia Pacificadora, UPP. dade do programa e o torna pendente 42.787 de 6 de janeiro de
2011. Os dois decretos de
de um processo de formalização e sis- 2009, promulgados pelo
tematização que consolide um modelo governador um mês após
UPP: UM PROGRAMA PARA MUDAR o início da experiência no
claro que possa ser mantido ou alterado Santa Marta, apenas criam
A POLÍCIA as UPPs e preveem um
no futuro (Rodrigues & Siqueira, 2012; pagamento de gratificação
Em mais de uma ocasião, quando Cano, 2012). Além disso, como há de R$ 500 para os policiais
lotados nas UPPs. O
apresentei o caso particular da violência baixa padronização de procedimentos, decreto de 2011, dois anos
criminal no Rio de Janeiro em seminá- ocorrem duas tendências problemá- após a primeira experiência
e depois da implantação
rios fora do Brasil e expus o programa ticas: a primeira é que cada comandante de mais cinco UPPs, é o
imprime seu próprio estilo nas ações primeiro instrumento formal
das UPPs para mostrar o que estava que estabelece de forma
mudando na cidade, ouvi a pergunta: em campo, fazendo com que as favelas enxuta as linhas gerais do
programa, suas fases, sua
mas por que vocês demoraram tanto? De dependam desproporcionalmente de doutrina de policiamento
fato, o Rio de Janeiro levou 30 anos para suas virtudes e dos seus defeitos. O de proximidade e seus
objetivos (ver Cano, 2012).
implantar um programa simples, ins- segundo problema é a tendência quase Em fevereiro de 2015, o
pirado nos princípios de policiamento inercial à deterioração da qualidade de governador Luis Fernando
Pezão publicou o Decreto
comunitário, para policiar favelas sem serviços públicos dentro de favelas ao nº 45.146 que “dispõe
sobre a institucionalização,
infligir às populações locais mais danos longo do tempo, que caracteriza todos
planejamento e controle
que os traficantes infligem. Talvez a os setores públicos e mais fortemente o da política de pacificação”.
Entre outras providências,
resposta à pergunta sobre o porquê setor de segurança. O desvirtuamento é o instrumento prevê a
de demoramos tanto seja exatamente favorecido onde não há procedimentos articulação de secretarias
para a realização de
esta: porque o grande desafio do Rio previamente estabelecidos e padrões uma “ocupação social”
escritos a serem mantidos. O terceiro nas favelas “pacificadas”
de Janeiro não está em mudar o crime,
e uma comissão de
mas em mudar as polícias – essas cor- e mais grave problema da baixa insti- avaliação permanente para
acompanhar cada área,
porações em que cultura e instituciona- tucionalidade é a ausência de avaliação coordenada pelo próprio
lidade se combinaram por décadas para sistemática de metas e de práticas. governador.
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Ainda assim, desde as primeiras 5. A valorização do policial que tra-


experiências, algumas características do balha em UPPs por meio de paga-
projeto o tornaram um ponto de inflexão mento de gratificação;
em anos de intervenção em favelas.14
6. Forte estratégia de mídia que acom-
Além de seus dois únicos objetivos prin-
panhou a instalação das UPPs nos
cipais – recuperação por parte do estado
primeiros anos, insistindo na ideia
de territórios dominados por grupos cri-
de que se tratava de um programa
minosos e o fim dos confrontos armados
de governo e não apenas de um
– alguns aspectos fundamentais e distin-
programa de polícia.
tivos do programa foram:
Talvez, mais estratégicos e radicais
1. A ideia de que uma tropa fixa, inspi-
do que os objetivos declarados das UPPs
rada na estratégia de policiamento
sejam os objetivos que não fazem parte
comunitário, ou policiamento de
do programa: o fim do narcotráfico, a
proximidade, ou policiamento vol-
vitória na guerra contra os traficantes, a
tado para resolução de problemas,
salvação das favelas. Se a guerra contra o
ocupa o território da favela ante-
tráfico consistiu o paradigma tradicional
riormente dominado por grupos
da política de segurança no Rio de Janeiro
armados e lá permanece;
por quase 30 anos dentro das favelas, com 14. Não é possível comparar as
UPPs ao Mutirão pela Paz,
2. A lógica de policiamento de satu- poucos períodos de exceção, a aceitação experimentado na favela
ração, em que a razão do número de de que o tráfico não necessariamente Pereira da Silva em 1999,
ou ao GPAE (Grupamento
policiais pelo número de moradores será derrotado com a implantação das de Policiamento em
é, em média, quatro vezes maior do UPPs abre espaço para uma política em Áreas Especiais) criado
no morro do Cantagalo,
que a média da cidade e até oito vezes que a redução dos confrontos armados e a Pavão, Pavãozinho em
2000, ou a outras inúmeras
maior do que a média do estado; segurança da população local são as prio- experiências tópicas de
ridades. E onde não há confrontos siste- policiamento ou ocupação
3. A presença permanente de um em favelas ou fora delas
máticos não há licença para matar, e são vivenciadas no Rio de
oficial no campo: um capitão ou
reduzidas, ou mais controladas, as opor- Janeiro ao longo das
tenente é responsável pelos poli- décadas anteriores. Isto
tunidades de negociação com o crime, a inclui as duas gestões
ciais na comunidade, tem razoável de Brizola no estado,
venda de informações sobre operações
autonomia e serve não apenas como com a implantação
policiais e a extorsão de traficantes. de experiências de
supervisor da tropa, mas como um policiamento comunitário
Nesse sentido, na medida em que lideradas pelo coronel
elemento de contato com a popu-
limitam a violência e controlam a cor- Nazareth Cerqueira (ver
lação, facilitando o recebimento de Silva, 2013; Ribeiro, 2006).
rupção policial, as UPPs são antes de Embora todas sejam
reclamações de desvios de conduta obviamente inspiradas na
mais nada um programa para mudar a
de soldados, cabos e sargentos; doutrina de policiamento
polícia, um programa cujo mérito prin- comunitário, nenhuma
4. A determinação, nos primeiros cipal é conter a escalada de violência teve nem remotamente
a abrangência, a escala
cinco anos da experiência, de e corrupção exatamente ali onde elas e o caráter de política de
governo que tiveram as
compor a tropa fixa com policiais tinham se institucionalizado, as favelas, UPPs. Rodrigues (2014) se
predominantemente recém-for- e que caracterizaram as polícias flumi- refere à experiência das
UPPs no Rio de Janeiro
mados (Musumeci et al., 2013) e nenses por três décadas, como vimos. (com aproximadamente
não viciados em práticas antigas Em outras palavras, as UPPs realmente 40 unidades e mais de
9.000 policiais) como uma
da PM nas favelas, como diversas representam em boa medida um pro- experiência de policiamento
de caráter comunitário sem
vezes declarou o secretário de grama de “pacificação da polícia” nenhuma outra comparação
Segurança; (Burgos et al., 2011). no mundo.
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Após os primeiros sete anos, com


aproximadamente 40 unidades insta-
ladas em mais de 250 favelas, envol-
gradativamente à substituição da força
pela legitimidade. Em muitas UPPs per-
cebe-se que o projeto ficou no estágio

UMA DAS ÁREAS
MAIS FRÁGEIS
DO PROJETO
vendo aproximadamente 9.000 poli- inicial: o território foi ocupado, policiais
ciais e beneficiando em torno de 1,5 foram colocados, mas não se avançou na DAS UPPs É A
milhão de pessoas,15 o balanço é incerto. mudança das relações e no diálogo entre RELAÇÃO ENTRE
A redução das mortes nas favelas com a polícia e a comunidade. Mesmo nos A COMUNIDADE
UPPs e nas áreas adjacentes (Cano, locais onde as UPPs são bem sucedidas, E OS POLICIAIS.
2012) foi substantiva nos primeiros isto é, onde não ocorrem disputas ou
NÃO HOUVE
cinco anos (tendo atingido seu ponto tiroteios constantes entre policiais e tra-
mais positivo em 2012) e impactou ficantes, moradores se ressentem de não UM ESFORÇO
as taxas do estado do Rio de Janeiro. serem ouvidos, consultados e respei- DE ESCUTA E
Depois de 30 anos, os homicídios pas- tados como os interlocutores soberanos CONSULTA ÀS
saram da casa dos 60, 50 e 40 por do local. Especialmente entre os poli- COMUNIDADES
100.000 para a casa dos 20 por 100.000. ciais e os jovens, as tensões e as hostili-
POR PARTE DA
A taxa de homicídios caiu para menos dades são grandes em toda parte. É sur-
de 20 por 100.000 (na cidade do Rio de preendente que após sete anos nenhum POLÍCIA”
Janeiro, ela chegou a 18,6 por 100.000 projeto voltado para a redução dos
em 2015). Se a queda das mortes não estigmas e dos preconceitos entre juven-
pode ser atribuída exclusivamente às tude e polícia tenha sido desenvolvido. É
UPPs, mas também a outras mudanças ainda menos compreensível que um pro-
na área da segurança (DH, programa de grama que objetiva a retirada das armas
metas, aumento do efetivo da PM, foca- dos territórios não tenha sido acom-
lização nos crimes contra a vida na Bai- panhado de qualquer projeto com os
xada e São Gonçalo), é inegável que as jovens que anteriormente participavam
UPPs demarcam uma mudança radical dos grupos armados (apoio à integração 15. Os dados são da
nas trajetórias das políticas para a área, social, busca de emprego, retomada dos Coordenadoria de Polícia
Pacificadora, órgão da
no decorrer de três décadas, com o fim estudos etc., como ocorre com dezenas PMERJ. O cálculo de
do discurso da guerra nas favelas. São de programas na Colômbia). moradores beneficiados
envolve uma contabilidade
essas mudanças que explicam a forte Um segundo aspecto crucial é a própria que soma
redução dos crimes violentos contra a ausência de articulação entre o trabalho moradores das favelas
ocupadas com um número
vida no Rio de Janeiro. Mas a despeito da de policiamento ostensivo e o trabalho não especificado de
moradores do entorno das
importância e da magnitude do projeto, de investigação. Uma tropa num ter- favelas. Ver: http://www.
maior do que qualquer esforço na área reno, mesmo com um efetivo nume- upprj.com/ Acesso em
28.06.2014.
de segurança pública no Rio de Janeiro roso, pode pouco se o trabalho de polícia
em 30 anos, alguns problemas tornaram se resumir a grupos parados ou a patru- 16. Quase seis anos após
a primeira experiência
o futuro da experiência preocupante. lhas cegas pela favela. Por meio de rádios na favela Santa Marta,
em 2 de setembro de
Em primeiro lugar, uma das áreas e celulares, grupos armados se reorga-
2014, foi inaugurado o
mais frágeis do projeto é a relação entre nizam facilmente pelas costas dos poli- primeiro Conselho de
Gestão Comunitária de
a comunidade e os policiais. Não houve ciais e passam a controlar faixas do ter- Segurança de UPP na
um esforço de institucionalizar a relação ritório, num processo já bem conhecido favela da Mangueira, com
a promessa de funcionar
e tornar obrigatórios os encontros e as em que o próximo passo é surpreender nos moldes dos Conselhos
dinâmicas de escuta e consulta às comu- uma pequena guarnição policial e esta- Comunitários de Segurança
existentes nas AISPs
nidades por parte da polícia.16 Este é um belecer um confronto num terreno que (Áreas Integradas de
Segurança Pública), isto é,
aspecto crucial da estratégia de policia- os traficantes conhecem melhor que os com reuniões obrigatórias
mento de proximidade, o que levaria policiais. Ao longo de 2013, 2014 e 2015 mensais.
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Março 2016 24

houve vários episódios de ataques de


traficantes a policial, alguns deles com
mortes. Em algumas áreas, correspon-
as favelas isoladas. Mas nos grandes
conjuntos de favelas e nas de grandes
dimensões, a experiência vem encon-

A FORMAÇÃO
DOS POLICIAIS
NÃO MUDOU
dentes a aproximadamente um terço trando muitas dificuldades. Basica-
do conjunto das UPPs, de acordo com mente, essas áreas não foram desar- SUBSTANCIAL-
avaliação da PMERJ em 2015, como, madas, o que tem levado a tiroteios MENTE NOS
por exemplo, Complexo do Alemão, da sistemáticos, com diversos episódios ÚLTIMOS ANOS.
Penha, Rocinha, Coroa e Fallet, Lins e de mortes de pessoas consideradas ino- O MODELO
outras, tiroteios tornaram-se diários, centes pelos moradores. Há balas per-
GUERREIRO
criando situações constantes de tensão didas, erros e excessos na atuação poli-
e revolta na população local. Segundo cial (com alguns casos emblemáticos DA TROPA
relatos de moradores, em algumas dessas e rumorosos, como o desparecimento DE ELITE
áreas a insegurança tornou-se pior do do pedreiro Amarildo na Rocinha em INSPIRADO
que na época em que traficantes tinham 2013, o assassinato do dançarino Dou- NO BOPE
domínio absoluto do território.17 glas da Silva, da TV Globo, em 2014, e a
CONTINUA
Depois de décadas de fracassos, não morte do menino Eduardo, em abril de
deveria haver sombra de dúvida de que 2015, no Complexo do Alemão). FORTE
os grupos armados nas favelas têm que Também tem havido casos trau- NA POLÍCIA
ser controlados e desmobilizados com máticos de mortes de policiais que são FLUMINENSE”
investigação, inteligência e antecipação, emboscados em serviço, quando cami-
e não aceitando o convite de criminosos nham em torno da sede da unidade ou
para a guerra com tiroteios e confrontos. em confrontos nas vielas. As respostas
Mas o trabalho de polícia investigativa dos comandos a esses erros, em geral,
parece ausente do projeto. A desarticu- têm sido lentas e hesitantes, o que tem
lação da PMERJ, da PCERJ e da PF apa- contribuído para desgastar o projeto não 17. Em junho de 2015, a
Coordenadoria de Polícia
rentemente só se intensificou ao longo apenas nessas áreas. Cada tragédia rea- Pacificadora classificava as
dos anos, quando se esperava o con- cende a memória traumática da cidade UPPs da forma que segue.
Vermelhas (com 14 a 49
trário. Os policiais vivem situação de sobre a velha polícia que atira antes de confrontos nos cinco meses
isolamento e solidão nas UPPs, gerando perguntar, que é violenta ou ineficiente, anteriores): Nova Brasília,
Parque Proletário, Alemão,
sentimentos de abandono e pessimismo. ou que procura fraudar as evidências para Rocinha, Vila Cruzeiro,
O terceiro problema estrutural das que o jovem morto pareça um traficante, Cidade de Deus, Mangueira,
Lins, São Carlos, Caju,
UPPs é a ausência de avaliação siste- e assim por diante, em scripts conhecidos. Turano, Camarista/Meier E
São João); Amarelas (com
mática sobre o que está dando certo As favelas em que a UPP não conseguiu cinco a 13 confrontos nos
e o que não funciona em cada UPP desarmar os traficantes, retomar o terri- cinco meses anteriores):
Mandela, Coroa/Fallet
(Rodrigues, 2014). As experiências tório e onde os confrontos são constantes e Fogueteiro, Chatuba,
locais são heterogêneas e cambiantes antecipam de forma simbólica o temido Macacos, Adeus/Baiana,
Ladeira dos Tabajaras,
ao longo do tempo (Mourão, 2013). desvirtuamento de todo o programa, Providência, Salgueiro,
Fazendinha, Manguinhos,
Daí ser ainda mais necessário um pro- como se fosse uma profecia a se cumprir.
Andaraí, Pavão/Pavãozinho,
grama permanente de avaliação con- Em quarto lugar, a formação dos Mangueirinha, Vila Kennedy;
Verdes (com menos de
junta entre policiais e moradores sobre policiais não mudou substancialmente quatro confrontos nos cinco
os resultados da ação da polícia em cada nos últimos anos. O modelo guerreiro meses anteriores): Formiga,
Borel, Jacarezinho, Cerro
favela. Seja como for, está claro que, de da tropa de elite inspirado no BOPE Corá, Batan, Chapéu
modo geral, nas comunidades menores continua forte na polícia fluminense, e Mangueira/Babilônia,
Prazeres/Escondidinho,
as UPPs tendem a ter mais sucesso, e mesmo entre muitos policiais das UPPs Vidigal, São Carlos,
Formiga, Barreira/Tuiuti,
o modelo parece ser adequado para a (Musumeci et al., 2013; Mourão, 2013; Jacarezinho, Santa Marta,
maioria das favelas pequenas ou para Rodrigues, 2014). Ainda que nas UPPs Fé e Sereno.
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Março 2016 25

estejam envolvidos quase 10.000 poli- verdade, o conjunto de políticas para


ciais – parte expressiva e jovem da tropa as favelas sofreu interrupção ou enfra-
da Polícia Militar do estado – elas não quecimento após as reeleições dos
se tornaram um modelo alternativo e governos estadual (2010) e municipal
concorrente de polícia, como se espe- (2012) de Cabral e Paes. O mesmo se
raria de um projeto que teve o apoio verificou com a interrupção do PAC
do governo, da mídia e da sociedade, o das Favelas, do Morar Carioca ou do
que ocorreu nos cinco primeiros anos. projeto Pouso, entre outros. A única
Embora as resistências dentro da polícia intervenção pública forte em favelas
às práticas de policiamento comuni- – seja em âmbito federal, estadual ou
tário e de proximidade sejam previsí- municipal – que se mantém em pleno
veis e universais (Skolnick & Bayley, vigor após sua implantação é o projeto
2002; Ribeiro, 2014; Rodrigues, 2014), de polícia. E esta ocorre isoladamente.
um número não desprezível de policiais Por esta razão, muitos líderes comuni-
das UPPs continua identificado com um tários afirmam que os governos só veem
ideal de polícia obsessivamente voltado as favelas como espaços perigosos que
para a derrota dos criminosos e, inclu- devem ser controlados, e que a única
sive, para o confronto armado. Pesquisas política social que as elites oferecem
realizadas pelo CESeC com policiais para as comunidades é a polícia. Pela
que trabalhavam nas UPPs em 2010, mesma razão, isto é, porque apenas as
2012 e 2014 indicaram que ao longo dos polícias entraram nas favelas por meio
anos práticas que visam à proximidade das UPPs e não as contrapartidas sociais
foram sendo substituídas por procedi- na proporção que se esperava, mora-
mentos que objetivam o combate (como dores e também policiais perguntam se
a criação de grupamentos táticos, o as UPPs serão mantidas após os grandes
aumento das abordagens e a redução das eventos do Rio de Janeiro.
atividades comunitárias), como mostra
análise de Musumeci (2015).
Por último, um aspecto forte- CONCLUSÕES
mente problemático das experiências
das UPPs diz respeito às intervenções O estado do Rio de Janeiro, espe-
sociais que supostamente se segui- cialmente sua região metropolitana, 18. Em setembro de 2014,
o nome UPP Social foi
riam à retomada das favelas das gan- foi durante muitos anos recordista da alterado para Rio + Social.
gues armadas. O desenho de UPP Social violência no Brasil – lembrando que O programa continuou sob
a gestão do Instituto Pereira
baseado em coordenação e articulação o Brasil se mantém há anos entre os Passos (IPP), órgão do
de políticas sociais nos territórios ocu- dez países mais violentos do mundo, Município do Rio de Janeiro.
Em fevereiro de 2015, o
pados, estabelecido inicialmente no tomando por base as taxas anuais de governo do estado publicou
âmbito do governo estadual (ver Hen- um decreto que dispunha
homicídios. O ápice da violência flumi-
sobre “institucionalização,
riques & Ramos, 2011), foi interrom- nense ocorreu nos anos 1990, quando planejamento e controle da
política de pacificação no
pido antes que completasse seis meses. o estado atingiu taxas de homicídios Estado do Rio de Janeiro”,
Sua transferência para a esfera muni- de mais de 60 por 100.000 habitantes, identificando o governador
como o coordenador das
cipal foi suficiente para que o pro- enquanto o Brasil permanecia na faixa ações de 15 secretarias
grama social não fosse inteiramente dos 20 por 100.000. Nos anos 2000, as envolvidas com a prestação
de serviços em favelas com
encerrado, mas o projeto enfrentou ao taxas recuaram para um patamar ainda UPPs, mas até meados de
2016 não se tinha notícias
longo dos anos seguintes de existência altíssimo, de 50 a 40 homicídios por da atuação desse modelo
dificuldades e descontinuidades.18 Na 100.000 habitantes, com o agravante coordenado.
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de que a modalidade da violência em


algumas favelas cariocas se universa-
lizou para todas as favelas e se enraizou
da capacidade de negociar com fornece-
dores de drogas no atacado e com con-
trabandistas de armas, e também de

O QUE HOUVE
DE PARTICULAR
NO RIO DE
nos morros, conjuntos habitacionais corromper a polícia no varejo da venda
e em muitos bairros pobres, tornando das drogas nas favelas. Além disso, JANEIRO FOI A
o Rio um caso particular, com poucos usam a violência como uma linguagem COMBINAÇÃO
paralelos em termos de violência e cri- permanente de poder a ponto de torná- SOFISTICADA DE
minalidade. Centenas de áreas dentro -los donos, patrões e chefes absolutos BRUTALIDADE
da região metropolitana, em favelas dos territórios que ocupam, algumas
AUTORIZADA
situadas nas áreas ricas ou pobres, vezes com crueldade desmedida.
foram controladas por gangues que O que houve de particular no Rio de CONTRA AS
fizeram desses territórios não apenas Janeiro foi a combinação profunda, sofis- POPULAÇÕES
locais de venda de drogas. O tipo de ticada e diversificada de brutalidade MAIS POBRES
mando sobre as populações dessas autorizada contra as populações mais E EXTORSÃO
favelas inviabilizou a governança demo- pobres e extorsão praticada por poli-
PRATICADA
crática local. Os traficantes se tornaram ciais contra criminosos por décadas nas
provedores de serviços públicos e pri- favelas cariocas e em outras áreas pobres POR POLICIAIS
vados que eram monopolizados e as da Região Metropolitana, como a Baixada CONTRA
armas passaram a ser um negócio bem Fluminense e São Gonçalo. Pelo menos CRIMINOSOS
mais preocupante e letal que as drogas. desde os anos 1950, com raros períodos NAS FAVELAS”
Como isso foi acontecer em uma de exceção, como nas duas gestões de
região que é a segunda mais rica de Leonel Brizola, essas práticas foram aco-
um país que tem uma das maiores eco- bertadas por discursos oficiais sobre a
nomias do mundo? Como se explica guerra contra o crime. Muito frequente-
que traficantes passaram a mandar em mente as práticas policiais foram acom-
áreas dentro de regiões entre as mais panhadas pela promessa de limpeza da
abastadas do Brasil, como Ipanema e cidade por meio do extermínio de fací-
Copacabana? Não há nada de muito noras, com caráter heroico que emol-
específico nos traficantes cariocas e durou o convite para a guerra, aceito
fluminenses. Seu único objetivo é a por tantos policiais honestos. Junto com
venda de drogas, os roubos, o crime a naturalização da violência policial, o
comum. Os grupos não têm conotação direito tácito de matar concedido a poli-
ideológica, religiosa ou étnica, como ciais que sobem os morros, o fechar os
ocorre em situações complexas de vio- olhos aos casos de desvios de conduta e a
lência em diversas partes do mundo. glorificação da ideologia da tropa de elite,
As quadrilhas são formadas por jovens o Rio de Janeiro conheceu outras especi-
com baixíssima escolaridade, que cir- ficidades. Entre elas, a interferência cons-
culam pelas gangues em alta rotativi- tante da política partidária na política de
dade devido às mortes e às prisões em segurança, chegando ao limite de verea-
quantidades que se contam na casa dores e deputados indicarem delegados
dos milhares por ano. Eles apresentam titulares e comandantes de batalhões,
pequena ou nenhuma capacidade através dos quais mantinham negociações
de ameaça ou articulação junto aos com o mundo do crime.
poderes Judiciário ou Legislativo, como As políticas de segurança, isto é, as
acontece com as máfias ou os cartéis. “soluções” para acabar com o crime,
Os traficantes cariocas se valem apenas sempre estiveram no centro dos debates
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eleitorais do Rio de Janeiro, ainda que causava danos ainda maiores aos mora-
os investimentos na polícia e na moder- dores e às regiões no entorno, com o
nização da gestão da segurança tenham fechamento de escolas, tiroteios trau-
sido pouco expressivos ao longo de máticos, mortes de traficantes, de
décadas. O bordão “bandido bom é ban- moradores e de policiais. O último
dido morto” foi originalmente usado degrau desse processo foram as milí-
em campanha eleitoral pelo delegado cias, grupos de policiais e ex-policiais
Sivuca, um dos 12 “homens de ouro” que passaram a copiar o sistema de con-
que, junto com outros componentes do trole de território de traficantes para
chamado Esquadrão da Morte, matou oferecer segurança e serviços que eles
o bandido Cara de Cavalo na década de monopolizavam. No Rio de Janeiro, as
1960 e posteriormente criou a Escu- polícias foram fundo nos negócios do
derie Le Cocq. A frase, usada frequen- crime e a sensação que predominava
temente em campanhas eleitorais, em meados da década de 2000 era que
continua elegendo bancadas da bala o Rio de Janeiro não tinha jeito.
na ALERJ e na Câmara de Vereadores, Em dezembro de 2008, o governo
embora o fenômeno não seja exclusivo do estado deu início a uma experiência
do Rio de Janeiro. A despeito da intensa de retomada dos territórios das favelas
politização do tema da segurança, até que estavam sob o controle das gan-
pouco tempo os salários da PM do RJ gues armadas – sem que as fases de
estavam entre os piores do país. intervenção tática e estabilização prio-
Paralelamente a isso, a sociedade rizassem a morte ou a captura de trafi-
fluminense viveu mais de 30 anos um cantes, mas sim a segurança da popu-
esquema ciclotímico que combinava lação local – o que alterou de forma
indiferença pelo que se passava coti- inédita o quadro anterior. As Unidades
dianamente nas favelas com o susto de Polícia Pacificadora foram capazes
provocado de tempos em tempos por de acabar com os tiroteios em muitas
cada tragédia que extravasava os limites áreas, reduzir de forma expressiva os
dos morros. A maioria dessas tragédias homicídios dentro das comunidades e
envolveu policiais como protagonistas, no entorno e controlar alguns crimes
como as chacinas e as execuções por contra o patrimônio, como roubos de
vingança decorrentes do rompimento veículos e de cargas. De lá para cá, as
do esquema de propinas. Outras foram taxas de homicídio caíram 26,5% e os
devidas a acidentes e equívocos, como autos de resistência recuaram 43,3%.
erros de avaliação por parte de poli- A redução das mortes no estado do
ciais e balas perdidas. De outro lado, Rio de Janeiro não pode ser atribuída
criminosos passaram a atirar e a exe- exclusivamente às UPPs. Observadores
cutar policiais mesmo em ocasiões em indicam que a queda de homicídios
que não havia confrontos. O Rio de nas áreas em que UPPs foram implan-
Janeiro chegou, no final da década de tadas explicam aproximadamente 10%
2000, a uma situação do tipo ardil 22: das mortes que deixaram de ocorrer no
se a polícia não fazia nada nas favelas, estado. Outras mudanças nas políticas
permitia ao tráfico ampliar seu poder, de segurança passaram a ser desenvol-
inclusive aumentando o controle de vidas, como o estabelecimento de um
território para fora das favelas e amea- sistema de gestão por metas, ao qual
çando até o espaço aéreo; se fazia algo, todos os batalhões e delegacias estão
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submetidos, a criação da Divisão de


Homicídios e a determinação de inter-
romper a tradição de interferência polí-
de segurança que não se baseasse na
lógica da guerra contra o crime, não teve
até agora lucidez, disposição ou coragem

A PRINCIPAL
PERGUNTA PARA
ENTENDER O
tica em áreas técnicas de segurança. para liderar uma reforma da polícia,
Meu ponto é que o conjunto de novas especialmente da Polícia Militar, que RIO DE JANEIRO
políticas de segurança e as novas deter- aposente os velhos e os novos oficiais É POR QUE
minações dadas às polícias foram as que defendem o modelo passado, que DEMORAMOS
principais variáveis responsáveis pelos estabeleça sistemas modernos e ágeis de 30 ANOS
distintos patamares das taxas do estado, controles de gestão e reduza a corrupção,
PARA CRIAR
ainda que outros fatores possam ter que modifique definitivamente a for-
influenciado esse movimento. mação de oficiais e praças e que aposte RESPOSTAS
A principal pergunta para entender na proximidade como padrão de polícia ÓBVIAS PARA
o Rio de Janeiro é por que demoramos em todas as áreas do estado. Temos REDUZIR O
30 anos para criar respostas simples e experiências de sobra para entender CONTROLE
óbvias para reduzir o controle de terri- que comandos bem intencionados e
DE TERRITÓRIO
tório por gangues, os tiroteios e as altas honestos e até mesmo eficientes no QG
taxas de mortes. As UPPs e outras polí- da Polícia Militar não garantem que os POR GANGUES,
ticas implantadas a partir de 2008 são soldados que servem à população e seus OS TIROTEIOS E
intervenções baseadas em noções de comandantes nos batalhões respeitem AS ALTAS TAXAS
policiamento de proximidade e na ideia a filosofia que vem de cima enquanto DE MORTES”
de substituir a força pela legitimidade. esta for apenas uma filosofia. Para que
Elas protagonizam aquilo que espe- a PMERJ vire uma página em relação à
cialistas e observadores defenderam tradição que manteve nos últimos 30
durante décadas: que é possível con- anos, serão necessários um processo pro-
trolar a violência de grupos armados nas fundo de modernização e mudanças, que
favelas com inteligência, planejamento, têm que se dar de fora para dentro, com
policiamento efetivo e respeitoso em a participação de cientistas, técnicos e
relação às populações locais, trocando lideranças sociais.19
o temor pela confiança. A chave da A experiência nas UPPs chegou a
questão está na polícia e na política, e reunir em seus primeiros anos uma quan-
não nos criminosos ou nos moradores tidade de resultados positivos, apoios e
das favelas. Demoramos porque tem aplausos a ponto de a inversão de expec-
sido difícil mudar a polícia, alterar sua tativas ter feito a polícia, a mídia e parte
cultura e suas práticas ancoradas na da sociedade minimizarem os problemas
brutalidade com os jovens negros e que o modelo carrega e a necessidade
os mais pobres e na tolerância com a de avaliações e ajustes, como em qual-
extorsão de criminosos, práticas que no quer experiência de polícia, sob pena
caso do Rio de Janeiro datam dos anos de sua falência. Segundo análise que
1950 e foram criativamente sendo rein- desenvolvi neste artigo, as três princi-
ventadas nas décadas seguintes. pais fragilidades das UPPs são as escassas
Demoramos 30 anos e não sabemos práticas de diálogo permanente entre
se as mudanças até aqui serão sustentá- polícia e moradores das favelas; o isola-
veis ou se o processo iniciado pelas UPPs mento da Polícia Militar no território, 19. Similar ao processo
ocorrido na PCERJ há
será revertido, porque o governo do sem o apoio de inteligência e trabalho uma década e meia atrás,
quando teve início, em 1999,
estado, mesmo tendo tido coragem para investigativo profissional da Polícia Civil o programa de Delegacias
implementar um importante programa e Federal, com o consequente aumento Legais.
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de episódios de tiroteios entre policiais


e traficantes; a ausência de programas
para a reintegração de jovens envolvidos

GESTORES DE SEGURANÇA TIVERAM A OUSADIA
DE ALTERAR O DISCURSO SOBRE A VIOLÊNCIA
E NÃO REPETIRAM O MANTRA DA GUERRA
com os grupos armados que desejam sair
das gangues. Além disso, as UPPs são AO CRIME E MORTE AOS TRAFICANTES, MAS
uma parte apenas das políticas de segu- TÊM SIDO OMISSOS NOS DISCURSOS DE QUE
rança. Elas dizem respeito aos territórios É IMPERIOSO MUDAR A PRÓPRIA POLÍCIA”
dominados por quadrilhas. Tem havido
respostas lentas a um conjunto de outras
fragilidades estruturais de polícia no Rio
de Janeiro, como a baixa taxa de esclare- perseguindo traficantes e atirando do
cimentos de crimes, inclusive de homicí- alto, ou seja, em vez de a UPP mudar a
dios, a formação dos policiais ainda vol- polícia convencional, parece que está
tada predominantemente para o modelo ocorrendo o oposto. Se os gestores de
guerreiro e não para o modelo comuni- segurança tiveram a ousadia de alterar
tário, e outras. o discurso sobre a violência e não repe-
Durante as duas gestões da admi- tiram o mantra da guerra ao crime e
nistração Cabral e no primeiro ano morte aos traficantes – e isto tem feito
da gestão Luiz Fernando Pezão (ini- diferença na sociedade, nas favelas e
ciada em 2015) acompanhamos uma nos comandos das polícias – as mesmas
política bipartida de segurança. Para autoridades têm sido omissas nos dis-
as favelas com UPPs, a recomendação cursos de que é imperioso mudar a pró-
de respeito e trabalho de proximi- pria polícia. Como procurei demons-
dade. Para as favelas sem UPPs preva- trar aqui, esta variável será decisiva para
lece a autorização para matar, os tiro- sabermos o que ocorrerá com as dinâ-
teios, os excessos, as balas perdidas na micas de violência e criminalidade no
hora da saída da escola, os helicópteros Rio de Janeiro nos próximos anos.
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TABELA 1_TAXAS DE HOMICÍDIOS BRASIL E RIO DE JANEIRO


E RESPECTIVOS GOVERNOS ESTADUAIS – 1980 A 2014

ANO TX HOMICÍDIOS TX HOMICÍDIOS GOVERNOS


BRASIL RJ ESTADUAIS

1980 11,7 26,1


1981 12,6 22,0 Chagas Freitas
1982 12,6 18,8
1983 13,8 15,9
1984 15,3 20,8
Leonel Brizola
1985 15,0 21,3
1986 15,3 20,2
1987 16,9 30,9
1988 16,8 24,7
Moreira Franco
1989 20,3 34,2
1990 22,2 56,1
1991 20,8 39,5
1992 19,1 35,0 Brizola /
1993 20,2 41,0 Nilo Batista

1994 21,2 48,7


1995 23,8 61,9
1996 24,8 60,0
Marcello Alencar
1997 25,4 58,8
1998 25,9 55,3
1999 26,2 52,5
2000 26,7 51,0 Garotinho /
2001 27,8 50,5 Benedita

2002 28,5 56,5


2003 28,9 52,7
2004 27,0 49,2
Rosinha Garotinho
2005 25,8 46,1
2006 26,3 45,8
2007 25,2 40,1
2008 26,4 34,0
2009 27,0 31,7
2010 27,5 33,1
Sergio Cabral
201 1 27,1 28,3
2012 29,0 28,3
2013 28,2 29,8
2014 29,0 31,9

FONTE: DADOS DO SIM-DATASUS/MS. COLETADOS POR WAISELFISZ (1980 A 2012). DADOS DE 2013 E 2014
FORNECIDOS PELO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA A PARTIR DE DADOS PRELIMINARES DO
SIM-DATASUS/MS PUBLICADOS EM 23/12/2015.
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Março 2016 31

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CENTRO DE ESTUDOS DE SEGURANÇA
E CIDADANIA (CESEC)
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
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ISSN 1807-528 2

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