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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DÉBORA DE CÁSSIA LOPES

MEMORIAL DE FORMAÇÃO:

AFETIVIDADE E O SUCESSO/FRACASSO

ESCOLAR

Campinas

2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DÉBORA DE CÁSSIA LOPES

MEMORIAL DE FORMAÇÃO:

AFETIVIDADE E O SUCESSO/FRACASSO

ESCOLAR

Memorial apresentado ao Curso de Pedagogia –

Programa Especial de Formação de Professores

em Exercício nos Municípios da Região

Metropolitana de Campinas, da Faculdade de

Educação da Universidade Estadual de

Campinas, como um dos pré-requisitos para

conclusão da Licenciatura em Pedagogia.

Campinas

2006

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© by Débora de Cássia Lopes, 2006.

Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca


da Faculdade de Educação/UNICAMP

Lopes, Débora de Cássia


L881m Memorial de formação : afetividade e o sucesso/fracasso escolar / Débora
de Cássia Lopes. – Campinas, SP : [s.n.], 2006.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual


de Campinas, Faculdade de Educação, Programa Especial de Formação de
Professores em Exercício da Região Metropolitana de Campinas (PROESF).

1.Trabalho de conclusão de curso. 2. Memorial. 3. Experiência de vida.


4. Prática docente. 5. Formação de professores. I. Universidade Estadual de
Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

06-712-BFE

3
“Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não

posso abrir-lhe outro mundo de imagens... Nada lhe posso

dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave... ajudarei a

tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo”.

(QUEIROZ, 2001, p.5)

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UM POUCO DE QUEM SEMPRE FOI MUITO

“Nenhum de nós sabe de onde veio. Portanto não há

nada que nos obrigue a limitar nossas metas.” (Nasrudin)

Dedico este memorial às pessoas que me ajudaram nessa jornada. Pessoas estas que,

diariamente, tornaram meu estudo brilhante, entusiasmando minha missão enquanto

educadora e aliviando meu cansaço.

Muitas pessoas nessa caminhada, nem sabem o quanto foram importantes para mim.

Alguns nas minhas experiências, outras na minha vida e até nas correrias do meu dia-a-

dia. Fizeram a cada momento, me sentir mais viva. Levaram-me a vitórias e abreviaram

os meus fracassos.

Dedico também, a pessoas que me fizeram capaz para estar aqui e passar

plenamente por essa etapa. Ensinaram-me a ajudar a quem de mim precisar:

-Meu pai, Benedito, que sempre me transmitiu um modelo de otimismo, empenho e

luta.

-Minha mãe, Maria Doraci, um modelo de força, garra e inteligência, um modelo de

poder sobre o conhecimento.

-Meus irmãos Douglas e Marcos

“Minhas” quatro pessoas... (vocês são muito especiais)

Pessoas responsáveis pela minha força e crescimento,

Pessoas que me auxiliam a superar minhas próprias limitações...

A vocês dedico este trabalho!

Foram tantos apoios, carinhos, cuidados, auxílios... Que ao término deste memorial

me invade o sentimento de gratidão...

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Então, também dedico parte deste memorial a todos os meus mestres. Pois cada um

ao seu modo me inspirou a buscar mais do saber, e isso acabou me influenciando a

querer transmitir o melhor. Acredito que muito em mim, como profissional, me faz

discípula dos que foram mestres na educação e abriram-me os olhos para um mundo que

sempre me fascinou: o da “educação”.

Não posso deixar de dedicá-lo também às queridas amigas da graduação: Cleusa,

Conceição, Sandra, Silvana e Suzirene. E colegas de trabalho, que sempre se

demonstraram disponíveis, carinhosas e muito colaboraram para eu chegar até aqui.

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MUITO OBRIGADA...

A Deus que esteve na frente de todos os momentos de minha vida, me usando de

forma especial no meu pensar e agir.

Aos meus pais, pessoas muito importantes para mim, minha sincera gratidão.

Às queridas amigas da graduação que foram a grande recompensa, juntas tivemos

grandes vitórias.

Às colegas de trabalho que me encorajaram neste processo de muitas batalhas.

E aos professores deste curso que me proporcionaram melhoria na minha formação

profissional e pessoal, além de me incentivar a busca contínua pelo meu aprimoramento.

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SUMÁRIO

1- APRESENTAÇÃO: SOBRE O

MEMORIAL..............................................................................................................08

2- COMO TUDO

COMEÇOU...............................................................................................................10

3- MINHA ESCOLHA

PROFISSIONAL......................................................................................................12

4- EDUCAÇÃO E AFETIVIDADE........................................................................14

5- AFETIVIDADE E FRACASSO

ESCOLAR............................................................................................20

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................28

7-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................31

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Apresentação

“Seja consciente: viva aquilo em que acredita.”

(Caroline Myss)

Ao escrever um memorial, pensamos sobre o que e como fazê-lo, busquei, então

dentro de mim, uma resposta. O que me orientou foi todo o fruto, que está em mim após

um longo processo educativo: minha escolha profissional, minha experiência e meu

processo de aprendizagem nessa graduação.

Cada uma reflete diferentes tipos de vínculos que vão desde minha experiência

profissional, como aluna inserida em um processo educativo, até a minha

individualidade enquanto ser humano.

Para realizar esse registro, procurei fazer uma produção relacionando a teoria e a

prática, vivenciadas por mim como aluna e professora. Constatei nessa graduação, o que

sempre acreditei: a teoria é essencial na ampliação do conhecimento e a prática é

necessária à vida. Ambas se completam.

O cotidiano na sala de aula nos leva a verificar que existe uma proximidade entre a

afetividade e o desenvolvimento cognitivo do aluno, conseqüentemente também na sua

avaliação. Considerando que pensar e sentir são ações intimamente ligadas,

indissociáveis, ao longo deste texto, buscarei defender esta idéia, direcionando-a ao

campo educacional.

Levantarei algumas questões teóricas sobre a relação da afetividade e o

desenvolvimento cognitivo da criança embasadas em alguns teóricos do

desenvolvimento cognitivo e do desenvolvimento afetivo analisados com uma visão

psicanalítica.

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Buscarei fornecer subsídios para discussões referentes à compreensão da avaliação

como processo contínuo de aprendizagem, considerando as diferenças de cada aluno no

processo ensino-aprendizagem, com respaldo teórico em autores consagrados,

Vygotsky, Piaget, Luckesi, Libâneo, Perrenoud e outros fundamentam este texto.

Boa leitura!!!

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Como Tudo Começou

“Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não

é senão uma gota de água no mar. Mas o mar

seria menor se lhe faltasse uma gota.”

(Madre Teresa de Calcutá)

Não posso falar de minha vida sem antes dizer sobre minha família, o meu porto

seguro. Meus pais, pessoas humildes que desde muito cedo ensinaram a mim e aos meus

dois irmãos que o bem maior que se pode deixar de herança aos filhos é a boa educação,

nos mais amplos sentidos.

Assim como meus irmãos, iniciei meu processo educativo escolar aos quatro anos

de idade e dessa época tenho vagas recordações, uma delas era a dificuldade em me

adaptar às rotinas escolares. Lembro-me com muita intensidade da alegria e satisfação

que sentia ao conhecer alguns materiais até então desconhecidos por mim, assim como

da angústia de realizar atividades de coordenação motora, quem é que não se lembra dos

caderninhos de linha verde?

Segundo Freire (1996), a escola não deve ser/ter partido, ela deve ensinar os

conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operarão por si mesmos.

Se a escola não deve tomar partido, por então nos deparamos com inúmeras

situações como as que irei relatar neste memorial.

Em 1984, já na primeira série do ensino fundamental ocorreu um fato extremamente

marcante em minha vida. Certa vez a professora entregou um daqueles desenhos

mimeografados para que pintássemos, era um aquário com um peixe dentro, então

muito entusiasmada por pintar um desenho tão bonito quanto aquele, abri meu estojo e

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peguei o lápis de cor que eu mais gostava, cor de rosa e pintei com bastante capricho

aquele desenho, ao terminar fui mostrá-lo à professora que espantada me questionou se

eu não sabia que a água é azul e me deu outro desenho para que eu pintasse como ela

queria.

Enquanto pintava o outro desenho pensava a fim de “lembrar” da água que eu bebia,

tomava banho e brincava se realmente era azul, é claro que na época fiquei sem resposta

e para agravar a situação além de pintar todas as águas de azul, esta acabou se tornando

minha cor preferida por um longo tempo. Você pode imaginar o que significa para uma

criança de seis anos ouvir essa crítica sem ter a oportunidade de expor seus

pensamentos?

Durante todo o ensino fundamental, outras situações humilhantes aconteciam

mesmo que com outros alunos da classe (chapéu com orelha de burro, castigo por

conversar nas aulas, leitura em voz alta, chamada oral, dentre tantas outras), vendo

todas aquelas situações chegava a ficar amedrontada em se quer me imaginar em uma

delas, então, mais retraída, insegura, calada e sem iniciativa eu ficava.

Estou certa de que estas e outras situações são co-responsáveis pelo fracasso escolar.

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Minha Escolha Profissional

“A intenção é o poder que move o desejo.”

(Deepak Chopra)

Sou professora, poderia dizer, desde que vim ao mundo. Nasci para ensinar,

nasci para viver apaixonada. E acredito que ensinar é “apaixonante”.

Desde pequena me fascinava pela arte de educar, sentia-me deslumbrada no meio

de folhas, lições, lousa, bonecas e escolinhas, onde com 7 ou 8 anos eu já era a

professora (para as minhas amigas e bonecas, é claro!).

O meu sonho de ser professora se tornou realidade. Em 1996, me formei no

magistério. Meus pais expressavam uma razoável expectativa em relação ao sucesso

profissional de seus filhos. De forma meio nebulosa, lembro que sentia alguma atração

pela carreira de bailarina, já que fazia ballet há bastante tempo, mas de certa forma, o

destino de professora parecia já estar definido em algum nexo de minha vida. O

magistério parecia uma carreira nobre, cujos vôos, por mais ambiciosos que fossem, não

se comparam com as possibilidades de um provável futuro de esposa e mãe de família.

Com certeza, esses foram anos extremamente importantes para minha vida pessoal e

profissional, pois foi no magistério que tive a oportunidade, na verdade a necessidade,

de mudar meu comportamento enquanto aluna, pois começaram os estágios, as

discussões sobre algum texto, os seminários, etc. No início tive muita dificuldade em

me adaptar, já que como outras tantas pessoas, vim de uma educação autoritária, onde

não havia espaço para diálogos, discussões e muito menos se valorizava a

espontaneidade e a criatividade.

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Apesar de estar satisfeita com o magistério, isto é, com o embasamento teórico

que tive ao fazê-lo, sentia-me extremamente insegura para receber em minhas mãos

uma turma de alunos, pois, sempre me preocupei e ainda me preocupo cada vez mais

com a diferença que poderei fazer na vida de cada aluno, ou melhor, me tornar um

modelo positivo e inesquecível formando seres humanos que farão diferença no mundo.

Como diz Freire (l996), a educação é uma forma de intervenção no mundo.

Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou

aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu

desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a

outra dessas coisas. Nem apenas desmascaradora da ideologia dominante, portanto

precisamos de educadores conscientes de seu papel na educação.

Iniciei minha profissão em escola particular de Educação Infantil. E começaram

meus primeiros salários: Que delícia! Foi nesse momento que verdadeiramente passei a

amar essa profissão e tudo o que estudei. Não pelo salário, muito menos pelas

dificuldades diárias, mas por exercer minha formação de professora.

Depois foram outras escolas particulares, redes de ensino municipais, concursos,

sempre na educação infantil, e agora, a grande oportunidade: TRABALHAR COM

ENSINO FUNDAMENTAL com a grande missão de alfabetizar e ao mesmo tempo

educar, no sentido mais amplo da palavra.

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Educação e Afetividade

Ao tomar contato com algumas disciplinas na graduação: Pensamento Histórico da

Educação, Multiculturalismo e Pedagogia da Educação Infantil, pude perceber que o

processo educativo é aquele em que o aluno adquire conhecimentos e desenvolve sua

capacidade intelectual, sua sensibilidade afetiva e suas habilidades psicomotoras.

Como ressalta Dulban (1997), “A própria identidade não é jamais concedida, ela é

sempre construída e reconstruída”.

Educação também se caracteriza pelo processo de transmissão de uma pessoa para

outra, em que professores e alunos englobam de forma indissociável, processos de

aprendizagem e de ensino.

“Nesse sentido, o professor tem o importante papel de provocar a reflexão crítica

de seus alunos... Pois é importante que esse professor seja um sujeito reflexivo que

sempre avalie suas ações como profissional e cidadão” (AMARAL, 2001, p.81).

E para provocar essa reflexão critica nos alunos, o professor não deverá jamais ter a

mesma postura que tinha há tempos atrás, em minha época de aluna, por exemplo, onde

não podíamos ser criativos e nem críticos e é justamente isso que busco em minha

prática diária, considero o aluno como agente ativo na construção do conhecimento e

vejo o aprendizado dentro de um contexto social.

Ao iniciar um conteúdo, por exemplo costumo levantar com meus alunos as

hipóteses que têm sobre o tema, deixando-os que conversem, dialoguem antes de

chegarmos a uma conclusão após o estudo.

As emoções, assim como os sentimentos e os desejos, são manifestações da vida

afetiva. Na linguagem comum costuma-se substituir emoção por afetividade, tratando os

termos como sinônimos. Todavia, não o são. A afetividade é um conceito mais

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abrangente no qual se inserem várias manifestações. O papel da afetividade para Piaget

é funcional na inteligência. Ele define a afetividade como todos os movimentos mentais

conscientes e inconscientes não-racionais (razão), sendo o afeto um elemento

indiferenciado do domínio da afetividade.

Vygotsky também tematizou as relações entre afeto e cognição, documentando que

as emoções integram-se ao funcionamento mental geral, tendo uma participação ativa

em sua configuração. Ele buscou no desenvolvimento da linguagem (sistema simbólico

básico de todos os grupos humanos) os elementos fundamentais para compreender as

origens do psiquismo. Em suma a linguagem forneceria, pois, os conceitos e as formas

de organização do real, um modo de compreender o mundo, se compreender diante e a

partir dele e de se relacionar com ele.

É o que ocorre nas escolas, constantemente nos deparamos, principalmente na

educação infantil, sempre no inicio de cada ano, período de adaptação, podemos ver de

perto o quanto a afetividade é importante na escola, pois somente quando a criança se

afeiçoa a professora é que passa valorizar os acontecimentos da escola.

De acordo com Piaget, não existem estados afetivos sem elementos cognitivos,

assim como não existem comportamentos puramente cognitivos. Quando discute os

papéis da assimilação e da acomodação cognitiva, afirma que esses processos da

adaptação também possuem um lado afetivo: na assimilação, o aspecto afetivo é o

interesse em assimilar o objeto (o aspecto cognitivo é a compreensão); enquanto na

acomodação a afetividade está presente no interesse pelo objeto novo (o aspecto

cognitivo está no ajuste dos esquemas de pensamento ao fenômeno).

Nessa perspectiva, o papel da afetividade para Piaget (1953, p.54) é funcional na

inteligência. Ela é a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu

funcionamento. Ele explica esse processo por meio de uma metáfora, afirmando que “a

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afetividade seria como a gasolina, que ativa o motor de um carro mas não modifica sua

estrutura”(ibidem.,p.5). Ou seja, existe uma relação intrínseca entre a gasolina e o motor

(ou entre a afetividade e a cognição) porque o funcionamento do motor, comparado

com as estruturas mentais, não é possível sem o combustível, que é a afetividade.

Na relação do sujeito com os objetos, com as pessoas e consigo mesmo, existe uma

energia que direciona seu interesse para uma situação ou outra, e a essa energética

corresponde uma ação cognitiva que organiza o funcionamento mental. Nessa linha de

raciocínio, diz Piaget, “é o interesse e, assim, a afetividade que fazem com que uma

criança decida seriar objetos e quais objetos seriar” (ibidem.,p.10). Complementando,

todos os objetos de conhecimento são simultaneamente cognitivos e afetivos, e as

pessoas, ao mesmo tempo que são objeto de conhecimento, são também de afeto.

Na escola, isso acontece através do sucesso ou do fracasso escolar, muitas vezes um

aluno se recusa a freqüentar as aulas e sempre o julgamos e o culpamos, mas quantas

vezes paramos para refletir qual é nossa parcela de culpa?

Vários foram os pensadores e filósofos que, desde a Grécia Antiga, postularam uma

suposta dicotomia entre razão e emoção. Quando Platão definiu como virtude a

liberação e troca de todas as paixões, prazeres e valores individuais pelo pensamento,

considerado, por ele, um valor universal e ligado à imutabilidade das formas eternas

(Silva, 2002), e quando Descartes criou a tão conhecida e famosa afirmação na história

da filosofia - "Penso, logo existo"-, sugeriam a possibilidade de separação entre razão e

emoção ou, o que seria mais adequado, assumiram implicitamente uma hierarquia entre

tais instâncias do raciocínio humano, em que o pensamento tem valor de excelência.

Vygotsky explicita claramente sua abordagem unificadora entre as dimensões

cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico. Afirma ele que (1996):

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"A forma de pensar, que junto com o sistema de

conceito nos foi imposta pelo meio que nos rodeia, inclui

também nossos sentimentos. Não sentimos simplesmente: o

sentimento é percebido por nós sob a forma de ciúme,

cólera, ultraje, ofensa. Se dizemos que desprezamos

alguém, o fato de nomear os sentimentos faz com que estes

variem, já que mantêm uma certa relação com nossos

pensamentos."

Marta Kohl de Oliveira (1992), numa explicação acerca da afetividade na teoria de

Vygotsky, salienta que o autor distinguia, dois componentes para o significado da

palavra: o "significado" propriamente dito (referente ao sistema de relações objetivas

que se forma no processo de desenvolvimento da palavra) e o "sentido" (referente ao

significado da palavra para cada pessoa). Neste último, relacionado às experiências

individuais, é que residem as vivências afetivas. Em tal sentido, a autora afirma que

"no próprio significado da palavra, tão central para Vygotsky, encontra-se uma

concretização de sua perspectiva integradora dos aspectos cognitivos e afetivos do

funcionamento psicológico humano".

Pois bem, já sabemos que não é possível separar afetividade e aprendizagem, mas

porque é que a escola ainda se preocupa tanto com conteúdos e se esquece de fatores

extremamente importantes?

Quantas vezes, inclusive na educação infantil, tivemos que deixar de lado as

brincadeiras para trabalhar conteúdos de linguagem oral e escrita...

...No município onde trabalho, todos os professores fizeram um curso de linguagem

oral e escrita, neste curso os projetos não eram interdisciplinares, está ai o primeiro

empecilho, pois acredito que para haver uma assimilação pelos alunos é necessário que

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haja uma relação entre o que está sendo trabalhado e alem disso, os conteúdos eram

muitos conto, reconto, produção oral e produção oral com destino escrito e isso tudo

ocupava muito de nosso tempo nas aulas que muitas vezes deixávamos de ir ao parque

para darmos conta de tudo, pois havia uma certa “fiscalização”

Mesmo tendo visto nas aulas de Pedagogia da Educação Infantil, enquanto primeira

etapa da educação básica, que a criança não é uma aluna e a professora não dá aulas, o

que deve acontecer é promover a construção da cultura infantil e a construção da

identidade nesta criança, contudo, sabemos sobre a importância das atividades de

movimento, das brincadeiras, mas infelizmente trabalhamos dentro de um sistema de

ensino que ainda precisa de reestruturação.

Para isso é necessário que seja repensada toda a prática pedagógica, a política

educacional e o currículo da educação infantil, pois cada vez mais estamos formando

adultos em miniatura muito antes do necessário. Falo aqui de uma política neo-liberal,

onde com o crescimento econômico nos tornamos cada vez mais capitalistas e neste

mundo globalizado não podemos mais pensar em somente formar “bons empregados” ,

para que esse individuo seja um bom empregado, não basta que ele conheça apenas o

próprio trabalho. A globalização exige versatilidade e é justamente isso que devemos

buscar desde a educação infantil, uma criança feliz que se sinta bem em estar naquele

ambiente e principalmente que siga em frente numa constante busca pelo desconhecido.

E como podemos propiciar isto?

Compreendo então que afetividade e inteligência, portanto, são aspectos

indissociáveis, influenciados pela socialização. Sendo o afeto uma energia necessária

para o desenvolvimento cognitivo, torna-se primordial que a escola deveria não ser só

uma extensão do lar, mas inspirar-se no ambiente familiar para oferecer um ar de

segurança e afeto, para que a criança possa ter um espaço de confiança.

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Afetividade e Fracasso Escolar

[...] qualquer aprendiz precisa ser estimulado, incentivado,

encorajado... é muito importante nesse caminho ter alguém em

quem confiar. Mas, para isto, nós educadores, professores,

temos que ter uma confiança inabalável na potência de vida dos

nossos alunos, olha-los e sermos capazes de nos fascinar com a

vida e as múltiplas possibilidades que ela nos apresenta...

(TRINDADE, 2000, p.13).

Muitas são as reclamações de pais e educadores com relação às crianças que

apresentam dificuldade na aprendizagem ou simplesmente não conseguem acompanhar

o ritmo da sala de aula.

Veremos aqui um dos motivos que interferem na aprendizagem, seja em crianças ou

em adultos.

O campo da psicopedagogia estuda quatro fatores básicos que podem ser a causa

para o fracasso escolar. São elas: causas corporais; causas do organismo; do intelecto e

da afetividade.

Enfocarei esse texto no fator da afetividade. Atualmente estudos mostram que o

maior índice de problemas esta diretamente relacionado à afetividade. Fatores

emocionais costumam mobilizar de tal forma o ser humano, que este passa a manifestar

sintomas como por exemplo o mal desempenho escolar.

Um aspecto muito importante a ser observado por mim enquanto professora refere-

se ao fato de muitas vezes o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrerem num

processo nem sempre linear e contínuo, ou seja, o desenvolvimento físico pode não ser

compatível com a maturação intelectual. Por esse motivo vemos muitas vezes, crianças

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maiores freqüentando salas de crianças menores, o que chama a atenção dos adultos,

porém isso não é tão raro de acontecer. Na verdade o motivo é que a idade cronológica

pode não coincidir com a idade mental. Esse é um fator que podemos observar em

vários adultos inclusive, onde o desempenho intelectual não condiz com a idade

cronológica da pessoa.

Sigmund Freud, médico que criou a teoria psicanalítica, em seus estudos científicos

concluiu que somente o desejo coloca em funcionamento o aparelho mental. Isto é, uma

pessoa se empenha em aprender algo que lhe desperte o interesse, caso contrário não se

esforça para colocar em funcionamento seu raciocínio intelectual. Esse é um fator que

muitas vezes faz com que a criança tenha um péssimo desempenho em alguma matéria

específica, como, por exemplo, ter ótimas notas em matemática e péssimas em

português, pois seu interesse e desejo maior estão centrados na matéria que mais lhe

agrada.

Todavia, a maneira como a escola avalia é o reflexo da educação que ela valoriza.

Quando indagamos a quem ela beneficia, a quem interessa, questionamos o ensino que

ela privilegia.

Quantas vezes precisei fazer atividades avaliativas para identificar o nível da escrita

de meus alunos e minhas alunas pelo simples fato de uma tabulação.

Quando nós, professoras de educação infantil somos cobradas em relação a fase da

escrita dos alunos, estamos aceitando esse sistema de ensino onde o mais importante é o

que o aluno “aprendeu” e não o quanto ele já se desenvolveu.

Como já citei acima, trabalho em um colégio privado no município de Vinhedo,

nele, este ano, tive a oportunidade de pela primeira vez lecionar para uma primeira

série, e percebo isso com muito mais clareza, pois começam as avaliações, as notas, os

sucessos e os fracassos.

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Tenho uma aluna vinda de outra escola, que ainda não está alfabetizada, enquanto

todos os outros da sala já estão. Imagino o que sentia essa criança, escola nova, novos

amigos, novos professores, pois temos aulas de áreas, e ainda sendo comparada com os

demais devido ao fato de somente ela não escrever convencionalmente.

Apesar de não fazer diferença entre eles, a criança percebe quando está fora do

“padrão”, se é que isso existe na escola, padrão este estipulado por quem?

De acordo com Vygotsky (1994), a aprendizagem ocorre a partir de um intenso

processo de interação social, através do qual o indivíduo vai internalizando os

instrumentos culturais. Dessa maneira, pode-se supor que as experiências vivenciadas

com outras pessoas é que vão determinar a qualidade do objeto internalizado e que tais

experiências acumuladas, constituindo a história de vida de cada um, é que vão

possibilitar a ressignificação individual do produto internalizado. Por isso, os processos

de significação estão diretamente ligados às interações sociais, ou seja, à mediação feita

pelo outro. Portanto, a ação de conhecer é obra da atuação do elemento mediador (Pino,

1997).

Entendendo o professor como um dos mediadores em sala de aula, as interações

entre ele e os alunos não se limitam apenas aos aspectos cognitivos; a afetividade é uma

dimensão sempre presente nos processos interativos. Nesse sentido, procuro interagir

com meus alunos através de afetividade, pois, seguramente, esta carga afetiva vai

exercer uma influência na aprendizagem. Acredito que a intervenção pedagógica,

centrada principalmente na interação professor-aluno, é determinante na construção de

todo e qualquer conhecimento, incluindo o relacionado com a leitura e escrita, como no

caso citado acima.

A criança em idade escolar está em intenso progresso no campo intelectual sendo

que, segundo Wallon (1968), a afetividade possibilita tal avanço, pois são os motivos,

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necessidades, desejos que dirigem o interesse da criança para o conhecimento e

conquista do mundo exterior; é, pois, importante observar e descrever como o professor

utiliza-se dos aspectos afetivos para promover o avanço cognitivo, já que a elaboração

cognitiva funda-se na relação com o outro. Tal relação é permeada pela afetividade,

uma vez que "conforme o tom com que fala, o olhar que lança, o gesto que esboça, a

fala (do professor) adquire um valor determinado para o conjunto de alunos e,

certamente, uma ressonância particular para alguns deles" (Cunha, 1988, p. 18).

Nesse sentido, a escola, que detém o status legitimado historicamente de

desenvolver modalidades de pensamento bem específicas, tem um papel diferente e

insubstituível na apropriação da experiência culturalmente acumulada. Tem o

compromisso de tornar acessível o conhecimento formalmente organizado e, ainda, a

função de possibilitar o acesso da criança aos objetos enquanto significado cultural. Isso

ocorre através de relações concretas, onde a afetividade está presente nesta complexa

rede.

Na escola, porém, atualmente, a avaliação tem sido praticada para aprovar ou

reprovar os alunos, caracterizando-se como uma ameaça que intimida o educando.

Descomprometida com a aprendizagem do aluno, contribui para auto-imagem negativa,

causando reprovação e repetência e ainda, fracasso escolar, sendo cada vez mais comum

encontrar no âmbito escolar uma avaliação que prenuncia castigo. Desta forma, a

garantia do ensino de qualidade foi abolida do processo escolar.

Segundo Luckesi, avaliar o aluno deixa de significar um julgamento sobre sua

aprendizagem para servir como modelo capaz de revelar o que o aluno já sabe, os

caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento, o que o aluno não sabe, o que

pode vir a saber, o que é potencializado e revelado em seu processo, suas possibilidades

de avanço e suas necessidades para superação, sempre transitória do saber.

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Assumindo um caráter pedagógico, a avaliação precisa desvincular do processo

classificatório, seletivo e discriminatório, para estabelecer o básico da sua função que se

aplica principalmente ao professor que a utiliza, analisando e refletindo os resultados

dos alunos. Desta forma, a avaliação propicia retomada de conteúdos, novas

metodologias e um redimensionamento de trajetória conforme a necessidade do

momento. Enfatizando assim o processo, refletindo o ensino que busca a construção do

conhecimento.

A avaliação deve ir muito além de avaliar a aprendizagem do aluno, ela ultrapassa

essa dimensão avaliando em contra-partida o trabalho da escola e o desempenho do

professor, promovendo a revisão e a redefinição dos objetivos propostos.

Fazendo uma análise da história da educação, especificamente a questão da

avaliação, através dos tempos, percebe-se que desde o princípio da história da educação

no Brasil e em muitos outros momentos desta história a questão de avaliar sempre

esteve ligada a uma prova escrita ou oral, centrando-se o poder absoluto no professor,

que avaliava e dava nota sobre o que o aluno sabia de determinado conteúdo.

E dentro desta perspectiva histórica, por muitos anos fez-se uso de métodos de

avaliação como um instrumento a serviço de quem a aplicava, buscando-se em uma

série de perguntas com respostas prontas a ser estudada, decoradas e transmitidas em

dias de prova. Julgava-se, dentro desta visão, que existia um controle do professor sobre

a aprendizagem e sobre todo um grupo de alunos, aplicando-se a idéia de

homogeneidade do saber das crianças. Isto, baseado no princípio de que o professor

ensina e o aluno devolve a informação tal como foi recebida.

... o ato de avaliar não se encerra na configuração do valor ou qualidade atribuídos

ao objeto em questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao

objeto da avaliação, com uma conseqüente decisão de ação.“ (LUCKESI: 1998, p. 76)

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Ao longo da história da educação moderna e de prática educativa, a avaliação da

aprendizagem escolar, por meio de exames e provas, foi se tornando algo místico, onde

se faz porque tem que ser feito, na maioria não se explica ou se entende o porquê..

Transformou-se numa espécie de “entidade” criada pelo homem para atender uma

necessidade, mas que se torna independente dele e o domina.

Atualmente, a avaliação da aprendizagem escolar, além de ser praticada com uma tal

independência do processo de ensino / aprendizagem, vem ganhando aspectos de

independência da relação professor-aluno. As provas e exames são realizados conforme

o interesse do professor ou do sistema de ensino. Nem sempre se leva em consideração

o que foi ensinado.

“Mais importante do que ser uma oportunidade de aprendizagem significativa, a

avaliação tem sido uma oportunidade de prova de resistência do aluno aos ataques do

professor”.

(LUCKESI, 2002, p. 23).

As notas são operadas como se nada tivessem a ver com a aprendizagem. A

concepção de avaliação deve ir além de uma visão tradicional, que visa apenas o

controle externo do aluno mediante notas ou conceitos, para ser compreendida

como uma parte integrante ao processo educacional.

... O conceito "avaliação" é formulado a partir das determinações da conduta de

"atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso de ação...", que por si,

implica um posicionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato ou curso de

ação avaliado. (LUCKESI, 1998, p. 76).

Para Perrenoud, mudar a avaliação significa, provavelmente, mudar a escola.

Mudança essa extremamente árdua, uma vez que a avaliação se apresenta desta forma

como o retrato da escola, demonstrando a educação que ali se aplica, desvelando a

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concepção de escola, de homem, de mundo, de sociedade. Acreditamos que esse é o

caminho.

Avaliar o rendimento escolar portanto, é um dos elementos para reflexão e

transformação da prática escolar e deve ter como princípio o aprimoramento da

qualidade do ensino. Os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os quantitativos.

“... a inspirar amor ao trabalho sem sanções arbitrárias, já existem sanções naturais e

inevitáveis. Sobretudo, evitemos fornecer às crianças a noção de comparação e medidas

entre compreender a diversidade infinita que existe de caracteres e inteligência, é

necessário evitar a figura de concepção imutável do bom aluno.” (FRANCISCO FERRE

– de um artigo de Maurício Tragtemberg).

Avaliar, mais do que saberes técnicos, exigem sabedoria para compreender a

complexidade do ser humano em desenvolvimento, para relevar suas deficiências

menores, para despertar valores e virtudes, muitas vezes adormecidos, e, sobretudo, um

depósito de discernimento, equilíbrio, afetividade, valores morais, intelectuais, estéticos,

religiosos, elementos fundamentais para a importância e a grandeza da ação do

professor.

“Avaliação significa ação provocativa do professor, desafiando o educando a refletir

sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses, encaminhando-se a um

saber enriquecido.”

(HOFFMANN: 1994, p. 58)

A avaliação escolar deve ser mais estudada e detalhada cientificamente, buscando

considerar relações de afetividade entre professor e aluno que possam ser garantidas

dentro das variadas formas de avaliação. A afetividade tem um respaldo significante sob

a avaliação do aluno como um todo, devendo ter como aspecto fundamental, alcançar os

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objetivos do processo de ensino dentro dos fatores cognitivos e sócio-emocional,

intimamente ligada a interação professor-aluno.

“Na avaliação inclusiva, democrática e amorosa não há exclusão, mas sim

diagnóstico e construção. Não há submissão, mas sim liberdade. Não há medo, mas sim

espontaneidade e busca. Não há chegada definitiva, mas sim travessia permanente em

busca do melhor. Sempre!”. (LUCKESI, 1997).

Muitas vezes, ao realizar as atividades avaliativas, me perguntava porque saber a

fase da escrita de uma criança se não para ajudá-la a progredir em suas hipóteses? É

claro que sabemos a resposta, fazemos parte de um sistema, sistema esse com inúmeras

falhas, sistema que precisa rever o sentido que dá a educação de nossos pequenos e

pequenas, para que no futuro possamos nos orgulhar de nossa educação.

Devido a isso defendo a transformação na prática, a busca do conhecer a si mesmo,

baseada no currículo humanista, para tentar que meu aluno atue à minha imagem. Que

eles aprendam o encanto que reside em fazermos a diferença.

Saviani (1997), ressalta que a escola deve universalizar o saber, de modo que todos

tenham acesso. Ao entrar na sala, consciente de sua tarefa e de sua importância na vida

de seus alunos, com um trabalho crítico e novas formas de lidar com o conhecimento, o

educador assume uma postura política e está dentro de uma luta pela democratização

social.

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Considerações Finais

"Nenhum ser humano nunca nasceu com impulsos

agressivos ou hostis e nenhum se tornou agressivo

ou hostil sem aprendê-lo."

(Ashley Montagu)

As pessoas ainda querem que o jovem seja delicado no ônibus com a mulher

grávida, que ceda lugar na fila para o idoso... Essa é uma questão séria. É necessário

disseminar valores que elevem a auto-estima do jovem e a base para isso deve ocorrer

em sua formação pessoal.

Quando na escola damos a oportunidade de o aluno colocar essas situações em

prática? Muitas vezes quando meus alunos estão em pé andando pela sala, passa alguém

e vê toda aquela situação nem imagina o quanto aquele momento é importante para esse

aprendizado.

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de

conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de

neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores.

Contudo, trago a certeza de que necessitamos construir um sistema educativo que

supere a clássica contraposição entre razão e emoção, cognição e afetividade, e que

rompa com uma concepção - por nós tão conhecida -, que atribui ao desenvolvimento

do intelecto, dos aspectos cognitivos e racionais, um lugar de destaque na educação,

relegando os aspectos emocionais e afetivos de nossa vida a um segundo plano.

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Para discorrermos sobre a dimensão afetiva no campo da educação, vislumbramos a

possibilidade de reflexão sob duas perspectivas diferentes, inter-relacionadas e

complementares: a do desejo, aqui entendida apenas em sua dimensão motivacional, de

interesse; e a dos sentimentos e afetos como objetos de conhecimento.

Um bom caminho para a promoção de tal proposta é lançar mão do emprego de

técnicas de resolução de conflitos no cotidiano das escolas, principalmente se os

conflitos em questão apresentarem características éticas que solicitem aos sujeitos

considerar ao mesmo tempo os aspectos cognitivos e afetivos que caracterizam os

raciocínios humanos, e ainda a partir de situações reais.

Acredito que uma escola de qualidade deve transformar os conflitos do cotidiano em

instrumentos valiosos na construção de um espaço autônomo de reflexão e ação, que

permita aos alunos e alunas enfrentarem, autonomamente, a ampla e variada gama de

conflitos pessoais e sociais. Sentimo-nos encorajadas a investir na reorganização

curricular da escola, para que seja um lugar onde, de forma transversal, se trabalhem os

conflitos vividos no cotidiano.

Nesta perspectiva, considero, por um lado, que os sentimentos, as emoções e os

valores devem ser encarados como objetos de conhecimento, posto que tomar

consciência, expressar e controlar os próprios sentimentos talvez seja um dos aspectos

mais difíceis na resolução de conflitos. Por outro lado, a educação da afetividade pode

levar as pessoas a se conhecerem e a compreenderem melhor suas próprias emoções e as

das pessoas com quem interagem no dia a dia.

A título de ilustração, descrevo, brevemente, uma atividade realizada por mim em

minha classe de primeira série, que demonstra como é possível promover a educação

dos sentimentos e emoções em uma perspectiva transversal e interdisciplinar, por meio

de técnicas de resolução de conflitos. Um fato recente que aconteceu no colégio privado

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onde leciono numa sala de primeira série, onde estávamos trabalhando a partir de um

encarte de propaganda de ovos de páscoa onde a manchete dizia: “A Maior Páscoa do

Mundo”, relacionei então este anuncio com a vida real de pessoas carentes, discutimos

muito sobre como seria a páscoa destas crianças.

Qual não foi a minha surpresa quando um aluno sugeriu que levássemos ao colégio

ovos de páscoa para distribuirmos para essas crianças. Resolvemos então abraçar uma

campanha de arrecadação de ovos de chocolate para fazermos uma doação.

Posso garantir que todos os meus alunos se envolveram com aquela situação e por

conseqüência toda a escola também. Qualquer pessoa poderia me perguntar se trabalhei

algum conteúdo do currículo com meus alunos, posso garantir que muito mais que

trabalhar um mero conteúdo da série, trabalhei com um conteúdo da vida, pois essas

crianças se envolveram de tal maneira que tenho certeza que isso mudará suas vidas, se

não agora, em muito breve, pois uma situação como essa muda a concepção de vida de

qualquer pessoa.

É isso que a escola precisa fazer mais que tudo, formar o aluno para a vida e

valorizar a afetividade como pressuposto básico para a aprendizagem e a sua eficácia na

avaliação do rendimento escolar. Acredito que para isso seja essencial trabalhar a

questão da felicidade centrada na subjetividade. Formar crianças e adolescentes

sociáveis, felizes, livres e empreendedores, capazes de gerenciar os pensamentos,

administrar as emoções, ser líder de si mesmo e principalmente superar conflitos.

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