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Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503

Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI


14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL

GT 8. Marx e marxismos latino-americanos - Painel

O Estado na América Latina


para Ruy Mauro Marini
Débora Villetti Zuck∗

Resumo
Na tentativa de entender como se apresenta o Estado latino-
americano e qual sua configuração, há a necessidade de se pensar categorias
de análise assentadas na concreticidade a que pertence, num tempo e num
espaço determinados historicamente: entender o Estado na América Latina
desde adentro, apreender as perspectivas desenvolvidas desde el sur, porque
aí estão entendimentos relevantes que precisam ser explicitados, tal como o
de Ruy Mauro Marini.
Ruy Mauro Marini (1932-1997) economista político brasileiro e
militante marxista, conforme Sader (2009) é um intelectual revolucionário,
pois pensou a realidade do ponto de vista da sua transformação
revolucionária, enquanto um militante. Ao trabalhar o modelo de
acumulação capitalista das sociedades dependentes da região, Marini,
fornece fatores de produção que permitem a reprodução de capital nas economias
centrais do capitalismo e, ao mesmo tempo, condiciona as burguesias da periferia,
inferiorizadas na competição pelo mercado internacional, a induzir em nossas
formações o processo de superexploração do trabalho” (apud SADER, 2009, p. 31).

∗ Pedagoga; Discente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação – Mestrado, na


UNIOESTE - Universidade Estadual do Paraná; Bolsista DS/CAPES/PRPPG; e integrante do Grupo de
Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS). End. eletrônico: debi_vz@hotmail.com
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Aí se insere o principal tema da obra de Marini, e revela sua
atualidade, que é a superexploração do trabalho, realizada “por meio da
intensificação do trabalho, do prolongamento da jornada e da expropriação
de parte do trabalho necessário para a própria reprodução do trabalhador”,
que juntamente com o intercâmbio desigual, constitui a essência da
dependência latino americana (RIZZOTTO; NOGUEIRA, 2005).
Marini, ao se dedicar ao estudo do Estado, no artigo Acerca del
Estado en América Latina explicita que a emergência de uma nova ordem
estatal na América Latina está relacionada a três questões: a primeira “tiene
que ver con los modos de participación de la sociedad en las estructuras y en
el ejercicio del poder, es decir, con la democracia”; a segunda “con la
capacidad de esa sociedad para formular e implementar políticas atendiendo
a sus propios intereses, lo que atañe a la autonomía y, por ende, la
dependencia”; e a terceira “se plantea en la perspectiva del futuro de
América Latina, en el contexto de las transformaciones por las que pasa el
mundo en este fin de siglo” (MARINI, 1991, p. 1).
Portanto, é a partir destas três questões centrais: o poder popular e os
movimentos sociais, autonomia e dependência e o futuro da América Latina,
que se circunscreve a temática do Estado latino-americano para Marini
(1991).

Objeto e Objetivos
Este trabalho tem como objeto de estudo o entendimento de Estado
para Ruy Mauro Marini. No intuito de, ainda que de forma breve e
introdutória, se aproximar da posição deste latino-americano, resultado de
estudos e discussões sobre o Estado na América Latina no Grupo de
Pesquisa em Políticas Sociais. O objetivo geral do trabalho é explicitar a
concepção de Estado para Marini, localizando o entendimento de Estado do
referido autor.

Metodologia
O caminho metodológico para essa investigação se deu por meio de
leitura e fichamento de texto base específico: Acerca del Estado en América
Latina. Vale ressaltar que, esta escolha se deu por considerar que é neste
fragmento que Marini apresenta a problemática em questão, qual seja, sobre
o Estado na América Latina, o que viabiliza a apreensão do objeto de estudo
por parte do pesquisador. Além deste texto, foram utilizados, de forma
secundária, textos de autores que estudaram a obra do referido autor.

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Resultados e conclusões
Para Marini (1991), as lutas democráticas contemporâneas na
América Latina tem sido influenciadas pelas mudanças que a região teve
experimentado em sua formação socioeconômica, especialmente os que
induziram o assalariamento e a urbanização, bem como pelo marco
internacional da guerra fria, que determinou a agudização das lutas de classe
e a polarização de forças políticas. Manifestações destas lutas tem sido os
esforços radical por afirmar e ampliar a participação das massas no contexto
dos regimes democráticos burgueses, cristalizando o fenômeno do poder
popular e a resistência popular a regimes de cunho tecnocrático e militar,
que originou os movimentos sociais.
O projeto democrático liberal, burguês imperialista, do ponto de vista
da reconstrução democrática, enfatiza o papel do parlamento, instância em
que a burguesia pode com facilidade obter maioria de forma direta ou por
uma elite política a serviço. Em relação ao papel do Estado na vida
econômica o projeto abraça o neoliberalismo, a fim de adequar a economia
latino-americana aos interesses dos grandes centros, privatizar o capital
social da esfera pública e limitar a capacidade de intervenção na economia
de que o executivo dispõe, seja transferindo parte das atribuições ao
parlamento, seja apropriando-se a burguesia mesmo de outra parte, em
nome dos supostos direitos da iniciativa privada. Nesse sentido, Marini
(1991), coloca que o movimento social se orienta para a proposta de um
área social regida pelo princípio da autogestão e da subordinação dos
instrumentos estatais de regulação as organizações populares. Pois,
La experiencia de los pueblos latinoamericanos les ha enseñado que la concentración
de poderes en manos del Estado, cuando éste no es suyo, apenas lo refuerza en tanto
que máquina de opresión de la burguesía. Debilitarlo hoy, restarle fuerza económica y
política interesa, pues, al movimiento popular, siempre que ello implique
transferencia de atribuciones y riqueza no a la burguesía, sino al pueblo (MARINI,
1991, p. 3).
Logo, para o autor a tarefa central da esquerda latino americana é
formular uma alternativa viável ao projeto democrático-liberal e fazê-lo
junto com as massas, precisará resgatar as conquistas históricas alcançadas
na sociedade burguesa e criar novos institutos jurídicos e normas de vida,
que correspondam a sociedade superior, sobre uma base de unidade.
Em relação a capacidade de autodeterminação dos países latino-
americanos, nos anos 1970 em face ao declínio do poder norte americano
houve espaço para tal no plano internacional, situação essa que foi alterada
substancialmente na década seguinte, caracterizada pela contra ofensiva
norte-americana e a queda do socialismo europeu, junto a isso, a crise
econômica internacional agravou os problemas da América Latina. E, em
face da retomada dos Estados Unidos, com instrumentos de intervenção em

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assuntos da região, o grau de autonomia foi praticamente nulo, uma vez que
subordinados aos acordos referentes aos empréstimos e taxas de juros pelos
serviços da dívida externa realizados, o que fixou uma política orçamentária,
planos de investimento, a quantidade de gastos sociais, o nível da taxa de
juro. No marco desta política, funcional aos objetivos dos centros
capitalistas cabe a periferia abastecê-los com matérias primas e manufaturas
de segunda ou terceira mão, a custa do desmonte das estruturas produtivas e
do próprio mercado. Ao Estado, então cabe a função de reprimir as massas
para garantir o alcance destes propósitos (MARINI, 1991).
Os efeitos econômicos e sociais dessa política de reconversão
implicam a modernização ou destruição de setores produtivos mais baixos,
de impacto negativo nos empregos e contribuem para degradar o salário,
por isso cabe as forças populares atuarem nesse sentido. A Reforma do
Estado, levada a cabo na América Latina carece ser revisada, pois é preciso
que
el Estado asuma papel rector en esa nueva etapa del desarrollo económico, a fin de
orientar el proceso y cohibir la cupidez de los grupos nacionales y transnacionales.
Trátase, también, de garantizar que la privatización de las empresas estatales no
signifique tan sólo el traspaso del patrimonio público a manos privadas, mediante
transacciones de dudosa seriedad, sino que conduzca a una creciente participación
popular en el plano de la producción y de la distribución. Trátase, en fin, de que las
llamadas políticas de austeridad representen realmente el término de las
transferencias de recursos al sector empresarial privado e impliquen,
simultáneamente, el redireccionamiento del gasto estatal hacia las políticas sociales
(MARINI, 1991, p. 4).
Marini explicita, ainda, que as possibilidades futuras da América
Latina estão na região enquanto “integrada y solidaria ante los campos de
fuerzas que configura el nuevo orden mundial” . É necessário levar em
conta a integração econômica da América Latina, contudo “La integración
debe dejar de ser un mero negocio, destinado tan sólo a garantizar áreas de
inversión y mercados, para convertirse en un gran proyecto político y
cultural, tal como la ha concebido la mejor tradición de la izquierda
latinoamericana” (MARINI, 1991, p. 5).
A integração política parece estar submetida ao duplo processo: de
um lado, a emergência de uma Europa ocidental politicamente unificada,
porém em que se observa uma série de nacionalidades reivindicando
autonomia e, por outro lado, a derrubada do Estado soviético que deu lugar
a uma multiplicidade de novas nações. É como se iniciasse a derrocada do
Estado nação, expressão necessária e única de afirmação – e negação – das
nacionalidades que o desenvolvimento do capitalismo mundial colocou de
pé. Em seu lugar, sobre a base da internacionalização econômica e cultural,
se esboça uma tendência a constituição de entidades maiores e, em

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contradição aparente, entidades nacionais menores e mais vinculadas as
raízes históricas, étnicas e culturais de cada povo.
En la mejor tradición de la izquierda latinoamericana, el sueño de Bolívar y del Che
se encuentra hoy reactualizado por la vida misma. No nos cabe sino luchar por una
América Latina integrada política y económicamente, mediante estructuras
supranacionales capaces de asegurar a sus pueblos y etnias el derecho a desarrollarse
sin cortapisas. Pero, tanto en el plano regional como mundial, la desigualdad de los
sujetos que se confrontan y las relaciones de explotación que subyacen a todo el
proceso representan un reto que demanda un esfuerzo formidable de invención,
tanto más que el mismo socialismo ha sido puesto en cuestión [...] parece ser
altamente improbable que ese nuevo curso de la historia pueda seguir adelante sin la
superación del capitalismo (MARINI, 1991, p. 6).
Por conseguinte, foi possível depreender que para Marini, ao discutir
o Estado latino-americano - na essência dependente que caracteriza a região:
via superexploração e intercâmbio desigual nos marcos do sistema capitalista
internacional - a temática do Estado está relaciona ao poder popular e os
movimentos sociais, autonomia e dependência e o futuro da América Latina.
Isso porque, é preciso transferir atribuições e riquezas ao povo, pois
enquanto o poder está concentrado em mãos do Estado, e por decorrência
da burguesia, apenas o reforça enquanto máquina de opressão burguesa. Daí
também a necessidade de a esquerda latino-americana criar alternativas e
capacidade de autodeterminação, embora as limitações desencadeadas pela
situação de dependência, os mecanismos de intervenção nos assuntos da
região. Portanto, Marini sustenta a idéia que a capacidade futura da região
está na possibilidade de integração da América Latina, política e
economicamente para se inserir no mercado mundial, retomando os ideias
integracionistas de Bolívar e Chê, que dão aporte a luta, na direção de
superar o atual modo de produção. Quiçá este processo já esteja em curso,
com a situação de novos governos de oposição ao projeto neoliberal nos
países da região, tais como: na Bolívia, na Venezuela e no Equador. Mas,
esse quadro favorável, somente será mantido se houver pressão da
sociedade, tencionando os governos do sul. Vejamos o sul, pois nuestro
norte es el sur.

Bibliografia
MARINI, Ruy Mauro. Acerca del Estado en América Latina. Havana, 1991.
Disponível em: <www.marini-escritos.unam.mx/030_estado_es.htm>
Acesso em: 27 de Abril de 2009.
RIZZOTTO, Maria Lúcia Frizon; NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães.
Compreendendo o capitalismo dos países dependentes iluminado pela teoria de Ruy
Mauro Marini: pressuposto para a análise de políticas sociais. Anais do 2º
Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais no Brasil, Cascavel, 2005.

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Disponível em: cac-
php.unioeste.br/projetos/gpps/midia/seminario2/trabalhos/economia/
meco08.pdf Acesso em 30 de abril de 2009.
SADER, Emir. Ruy Mauro, intelectual revolucionário. In: SADER, Emir;
SANTOS, Theotonio dos (coord). A América Latina e os desafios da
globalização: ensaios dedicados a Ruy Mauro Marini. Rio de Janeiro: Ed.
PUC-Rio; São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.

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