Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO ABSTRACT
O PRESENTE ARTIGO TEM COMO OBJETIVO REFLETIR SOBRE T HIS PAPER HAS THE GOAL TO REFLECT UPON POSSIBLE
POSSÍVEIS PARÂMETROS PARA A INTERPRETAÇÃO DO ART. 927, GUIDELINES FOR THE INTERPRETATION OF ART . 927, PARÁGRAFO
PARÁGRAFO ÚNICO , DO CC – QUE INTRODUZIU NO DIREITO ÚNICO , OF THE NEW B RAZILIAN C IVIL C ODE , WHICH HAS
BRASILEIRO UMA NORMA GERAL DE RESPONSABILIDADE INTRODUCED A GENERAL STRICT TORT LIABILITY RULE
OBJETIVA – COM BASE NAS FUNÇÕES NORMALMENTE INTO B RAZILIAN LAW . I N ORDER TO DO THAT , THE AUTHOR
ATRIBUÍDAS À RESPONSABILIDADE E NOS PRINCÍPIOS ANALYZES THE FUNCTIONS NORMALLY ATTRIBUTED DO TORT
DESENVOLVIDOS PELA DOUTRINA PARA JUSTIFICAR A IMPUTAÇÃO LIABILITY , AS WELL AS THE PRINCIPLES DEVELOPED TO JUSTIFY
DE RESPONSABILIDADE SEM CULPA . STRICT LIABILITY IN GENERAL .
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA / NOVO C ÓDIGO C IVIL / STRICT TORT LIABILITY / NEW BRAZILIAN C IVIL C ODE /
FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL FUNCTIONS OF TORT LIABILITY
mantidos (art. 938, por exemplo); ao seu lado foram incorporados expressamente casos
de responsabilidade objetiva desenvolvidos pela jurisprudência (art. 932, I, II, III), pre-
sunções iuris tantum de culpa foram abandonadas (art. 936) e, principalmente, incluiu-
se o parágrafo único do art. 927, dispositivo sem correspondente no Código anterior.
Estabelece o art. 927, parágrafo único, do CC:
Além disso, ela implica um custo alto, devido ao longo processo judicial normal-
mente necessário, tornando-se inacessível para a vítima em muitos casos.13 A exis-
tência de seguro não resolve esse problema, pois não elimina o processo judicial.
civil terá o efeito de prevenir a ocorrência de danos até o limite em que o exercício
cuidadoso da atividade em questão pode evitá-los.21
De todo modo, a responsabilidade deve ser apenas um dos mecanismos em uma
política de prevenção de acidentes. A experiência comprova que há outros meios,
muitas vezes mais eficazes, de prevenção desse tipo de dano, como o controle e a fis-
calização efetivos das atividades perigosas.22
Tomando o exemplo de A.Tunc,23 o paciente confia no médico porque sabe que
ele não pode exercer sua atividade sem possuir um diploma, e não por causa de sua
responsabilidade pelos danos que eventualmente causar à saúde dos clientes.
é distribuir os danos, ela deve ser atribuída ao sujeito em melhores condições para
repartir o prejuízo, de modo que um número maior de pessoas o suporte e seja dimi-
nuído o fardo individual.54
3 BREVES CONCLUSÕES
Percebe-se que a norma geral de responsabilidade objetiva do art. 927, parágrafo
único, do CC está ainda em grande medida por fazer. O legislador fixou alguns parâ-
metros para a imputação dessa responsabilidade, mas bastante amplos e vagos.
A imputação de responsabilidade a uma pessoa, constituindo uma opção dentre
várias alternativas possíveis, possui um caráter político intrínseco. Muitas vezes as
opções são feitas bastante claramente pelo legislador. Não é o caso do art. 927, pará-
grafo único, do CC.
Caberá ao Poder Judiciário, portanto, a realização dessa opção, ao definir o que,
de fato, se deve considerar como atividade naturalmente perigosa de modo a impu-
tar responsabilidade ao sujeito que normalmente a exerça.
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 11
: ARTIGO CONVIDADO
NOTAS
1 A autora agradece a José Rodrigo Rodriguez pela leitura atenta e pelas críticas feitas às primeiras versões deste
trabalho, aos membros do Workshop de Pesquisadores da Direito GV, aos Professores Ricardo Terra e Marcos Nobre e mem-
bros do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap, pelas críticas feitas por ocasião das discussões de versões anteriores deste
texto.
2 Além de hipóteses expressas de responsabilidade sem culpa, como a do art. 1.529 (responsabilidade do habi-
tante de uma casa ou parte dela por dano proveniente de coisas que dela caíssem ou fossem lançadas em lugar indevi-
do), o CC de 1916 previa casos de culpa presumida, como aquele do art. 1.527 (responsabilidade do dono ou detentor
do animal por danos causados por este), em que se invertia o ônus da prova, ficando a cargo do imputado responsável
a comprovação de não ter agido com culpa. Além disso, a jurisprudência brasileira já havia reconhecido a existência de
responsabilidade sem culpa em certos casos, por meio da interpretação do antigo Código. Assim é que a Súmula 341 do
STF, por exemplo, já determinava ser presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou pre-
posto, para os efeitos do art. 1.521, III, do CC de 1916.
3 Essa circunstância é devida ao fato de ser o parágrafo único do art. 927 uma cláusula geral. Como técnica legis-
lativa, a cláusula geral se opõe à casuística. Enquanto na casuística o legislador procura prever do modo mais completo
e detalhado possível as hipóteses de aplicação da norma, tipificando condutas, as cláusulas gerais não pretendem dar pre-
viamente resposta a todos os problemas da realidade, deixando à jurisprudência a tarefa de sua construção progressiva.
Sobre o estado atual do debate acerca das cláusulas gerais, cf. J. Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, São Paulo: RT,
2000. Esse espaço que a cláusula geral abre para a atuação judicial levanta a questão do seu controle institucional demo-
crático. Para uma reflexão sobre a relação entre cláusulas gerais e Rule of Law, cf. J. R. Rodriguez, Franz Neumann, o
direito e a teoria crítica, Lua Nova, n. 61, p. 53-73, 2004.
7 Cf. Idem, p. 133-134; P. S. Atiyah. The damages lottery. Oxford: Hart, 1997. p. 108.
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 12
8 A distribuição de danos, no entanto, pode ser vista como um meio de facilitar a realização da função de inde-
nização da vítima. Alguns autores incluem entre as funções contemporâneas da responsabilidade civil também a garan-
tia dos direitos dos cidadãos. Cf., a respeito, A. Tunc, La responsabilité civile, p. 149-155.
9 De acordo com B. Starck (Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considerée en sa double fonction de
garantie et de peine privée. Paris: Rodstein, 1947. p. 491-492), manter o efeito preventivo da responsabilidade civil, sem
diminuir a garantia para as vítimas é o ponto nevrálgico do seguro de responsabilidade civil. Há meios de realizar essa
conciliação – como o estabelecimento de franquias e a variação do prêmio de acordo com a conduta do segurado – mas
todos apresentam problemas. A franquia, por exemplo, é desvantajosa para a vítima, que corre o risco da insolvência do
autor do dano com relação a esse valor.
10 É possível até mesmo imaginar um sistema em que esses objetivos sejam perseguidos sem recurso à responsa-
bilidade civil. Na Nova Zelândia, por exemplo, desde a década de 70, todos os danos acidentais são indenizados com
recursos de um fundo constituído especialmente para esse fim (trata-se do Accident Compensation Scheme, administrado
pela Accident Compensation Corporation e regulado, principalmente, pelo Injury Prevention, Rehabilitation and Compensation
Act, de 2001), tendo a responsabilidade civil perdido nesse campo a sua função de indenização e distribuição de dano.
Lá admite-se, por outro lado, a responsabilidade civil com fim puramente punitivo. Sobre a experiência neozelandesa,
cf.: A. Tunc, La responsabilité civile, p. 79-83; J.Y. Gotanda. Punitive damages: a comparative analysis. Colum. J.Transnt’l
L., 42, p. 415-420, 2004; J. Manning. Reflections on exemplary damages and personal injury liability in New Zealand.
NZ Law Review, p. 143-184, 2002.
11 Cf. A.Tunc, La responsabilité civile, p. 142. A função indenizatória da responsabilidade civil é amplamente reco-
nhecida pela doutrina (em geral, ela não é nem discutida, mas pressuposta pelos autores). Cf., entre outros: C. M. da
Silva Pereira. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 10; J. de Aguiar Dias. Da responsabilidade civil.
8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 1, p. 16; S. Rodrigues. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 4, p. 4-6; M. H. Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2002. v. 7, p. 6-8; O. Gomes. Obrigações. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 337; S. Cavalieri Filho. Programa de
responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 36.
13 Na verdade, há outros meios de indenização da vítima, muitas vezes mais adequados do que a responsabilida-
de civil, como a previdência social. Lembre-se também, a título de exemplo, do mencionado Accident Compensation
Scheme neozelandês. Cf. A. Tunc, La responsabilité civile, p. 143.
15 Cf. A. Tunc, La responsabilité civile, p. 146; S. Rodrigues, Direito civil: responsabilidade civil p. 4.
18 A função de prevenção de comportamentos anti-sociais será referida como função punitivo-preventiva, pois o
efeito preventivo atribuído à responsabilidade civil considera-se derivar da imposição de uma sanção punitiva. A função
punitivo-preventiva da responsabilidade civil é admitida por parte da doutrina brasileira. A favor da função punitivo-
preventiva da responsabilidade civil, cf., entre outros: C. M. da Silva Pereira Responsabilidade civil, p. 11; S. Rodrigues,
Direito civil: responsabilidade civil, p. 4 (pelo menos quando se trata de dano causado dolosamente); C. A. Bittar.
Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 232-239. Pela admissibilidade do caráter punitivo-preven-
tivo apenas em casos específicos, cf. M. C. Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 263. Contra o caráter punitivo-preventivo da responsabilidade civil,
cf. W. Melo da Silva, O dano moral e sua reparação, Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 346-347. Na doutrina francesa, a
obra de B. Starck (Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considerée en sa double fonction de garantie et de peine
privée, p. 11 e 354-482), em defesa da função punitivo-preventiva da responsabilidade civil, foi um marco, tendo o tema
sido retomado recentemente por S. Carval (La responsabilité civile dans as fonction de peine privée. Paris: LGDJ, 1995. p.
379-384). No Brasil, existem muitas decisões judiciais admitindo expressamente a função punitivo-preventiva da res-
ponsabilidade civil em tema de indenização por danos extrapatrimoniais. Assim, por exemplo: STJ – 4.ª T. – REsp
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 13
246258 – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – 18.04.2000; STJ – 4.ª T. – REsp 215607 – Rel. Sálvio de Figueiredo
Teixeira – 17.08.1999; STJ – REsp 445646 – 4.ª. T. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – 03.10.2002; STJ – REsp 389879
– 4.ª T. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – 16.04.2002; STJ – REsp 173366 – 4.ª T. – Rel. Sálvio de Figueiredo
Teixeira – 03.12.1998. Não é possível prever o modo como doutrina e jurisprudência serão afetadas pelo art. 944,
caput, do CC, que expressamente determina medir a indenização pela extensão do dano. Note-se que no parágrafo único
do mesmo art. 944, ao vincular a possibilidade de redução da indenização ao grau de culpa do agente, o próprio CC
parece pressupor a lógica punitivo-preventiva, considerando injusto punir alguém cuja conduta é apenas levemente
reprovável. Se o CC considerasse apenas a função de indenização, tal norma não faria sentido. Afinal, independentemen-
te do grau de culpa do agente, o dano está feito e, se não é indenizado, fica a cargo da vítima, “condenada”, a suportá-
lo em definitivo. De qualquer forma, o reconhecimento de um efeito punitivo-preventivo da responsabilidade, ainda
que secundário, não implica necessariamente a possibilidade de condenação a reparações que ultrapassem o valor do
prejuízo sofrido pela vítima. Em situações que geram para o responsável ganhos superiores ao valor do dano provoca-
do, é certo que o efeito punitivo-preventivo só pode ser obtido por meio da condenação a pagar valor superior à exten-
são do dano (por exemplo, no caso em que o aumento das vendas de uma revista ultrapassa o valor do dano causado
pela violação à privacidade decorrente da publicação de certa notícia). Mas, nos demais casos, a simples obrigação de
indenizar o prejuízo causado continuará a ter algum efeito punitivo-preventivo.
19 Cf. A. Tunc, La responsabilité civile, p. 135; F. Pessoa Jorge. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.
Reimpressão. Coimbra: Almedina, 1999. p. 48. Segundo F. Pessoa Jorge, há autores que defendem possuir a responsa-
bilidade civil função exclusivamente punitivo-preventiva. Essa posição não se sustenta no direito civil brasileiro, em pri-
meiro lugar, pelo fato de prever o CC, em seu art. 927, caput, que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (grifos nossos). Além disso, o art. 944 estabelece que a indenização se mede
pela extensão do dano, excluindo seu caráter exclusivamente punitivo-preventivo. Por fim, como aponta F. Pessoa Jorge
(ibidem), se a responsabilidade civil desempenhasse função exclusivamente punitivo-preventiva, seria preciso admitir
sua aplicação em caso de tentativa de lesão, bem como excluir a transmissão mortis causa da obrigação de indenizar.
21 Cf. A. Tunc, La responsabilité civile, p. 137-138. Naturalmente, desde que não haja seguro de responsabilidade
civil, caso em que o sujeito causador do dano não é quem efetivamente arca com o custo total da indenização, sendo
este distribuído entre todos os segurados.
23 Ibidem, p. 141.
24 G. Marton (Les fondements de la responsabilité civile. Paris: Sirey, 1938. p. 156-157) identifica em certos autores
da Escola do Direito Natural do século XVIII os primeiros representantes conscientes da idéia de que o autor de um
dano pode ser considerado responsável, mesmo na ausência de qualquer culpa de sua parte. Em virtude das condições
de vida daquela época, foi a responsabilidade das pessoas privadas de discernimento (menores e alienados) que ocupou
esses autores. O próprio G. Marton adverte, no entanto, que essas primeiras construções da responsabilidade sem culpa
não chegaram a obter grande repercussão, tendo o problema reaparecido na literatura jurídica com força e importân-
cia teórica apenas ao final do século XIX.
25 Cf.: G. Viney. Traité de droit civil: introduction à la responsabilité. 2. ed. Paris: LGDJ, 1995. p. 82; G. Marty e
P. Raynaud. Droit civil: les obligations. 2. ed. Paris: Sirey, 1988. t. 1, p. 434; P. Trimarchi. Rischio e responsabilità oggetti-
va. Milano: Giuffrè, p. 12; J. de M. Antunes Varela. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2003. v. 1, p.
631-634. Segundo G. Viney [Le déclin de la responsabilité individuelle, Paris: LGDJ, 1965, ora in S. Carval (Org.), La cons-
truction de la responsabilité civile, Paris: PUF, 2001, p. 333], foi determinante para a superação da culpa como critério de
imputação o desenvolvimento de técnicas de indenização coletiva, como os seguros. No mesmo sentido, S. Rodrigues,
Direito civil: responsabilidade civil p. 5.
26 Cf. G. Marton, Les fondements de la responsabilité civile, p. 157; G.Viney, Traité de droit civil: introduction à la res-
ponsabilité, p. 82-83. Também é alemã a primeira lei a atribuir claramente a responsabilidade civil à empresa com fun-
damento no risco envolvido em sua atividade: a Lei Prussiana sobre Estradas de Ferro (Preussisches Eisenbahngesetz), de 1838,
promulgada em uma época em que a Prússia contava com menos de cem quilômetros de trilhos instalados [sobre essa
lei, cf.: H. Kötz. Deliktsrecht. 8. ed. Neuwied: Luchterhand, p. 136; P. Trimarchi, Rischio e responsabilità oggettiva p. 12;
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 14
G. Alpa e M. Bessone. La responsabilità del produttore. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1999. p. 96; A. Tunc, La responsabilité civi-
le, p. 68].
29 Segundo G.Viney [Traité de droit civil: introduction à la responsabilité, p. 83], na França, J.-E. Labbé, em 1890,
já se havia manifestado de modo favorável ao princípio segundo o qual, quem obtém vantagem por meio do uso de uma
máquina capaz de prejudicar terceiros deve reparar os prejuízos causados. Isso não tira, no entanto, de R. Saleilles e L.
Josserand, o mérito de haver dado a essa idéia, em trabalhos publicados alguns anos depois, a dimensão de uma verda-
deira teoria, capaz de explicar e justificar toda uma nova orientação da responsabilidade civil. A doutrina francesa é,
sem dúvida, aquela que maior influência teve sobre os autores brasileiros, como se percebe pelas referências feitas pelos
doutrinadores nacionais às obras francesas. A relação entre a doutrina francesa e a alemã, mais antiga, não é totalmen-
te clara. Segundo G. Marton [Les fondements de la responsabilité civile, p. 206] é certo que R. Saleilles e L. Josserand conhe-
ciam as teorias alemãs. Apesar disso, afirma G. Marton, ambos mantiveram em suas obras plena independência com
relação à doutrina germânica.
30 Para uma exposição acerca do desenvolvimento da teoria do risco na França, cf. G. Viney, Traité de droit civil:
introduction à la responsabilité, p. 83-93. Paradoxalmente, como informa esta autora, ao mesmo tempo em que a teo-
ria do risco foi gradativamente adotada pela jurisprudência e pela legislação, ela começou a perder adeptos entre os
doutrinadores, passando rapidamente a enfrentar uma verdadeira hostilidade. Como opositores da teoria do risco na
França, a autora menciona, entre outros: M. Planiol, H. Mazeaud e L. Mazeaud. Hoje, após grande polêmica havida em
torno da obra de A. Tunc na década de 60, G. Viney aponta dominar na França uma posição intermediária. Há casos de
responsabilidade objetiva consagrados, muitos autores são favoráveis à extensão da responsabilidade objetiva à maioria
das atividades perigosas, mas, ao mesmo tempo, têm ainda uma ligação forte com a noção de culpa, à qual desejam con-
servar um lugar como fundamento da responsabilidade civil. Sobre a teoria do risco na França, cf. também: G. Marty
e P. Raynaud, Droit civil: les obligations, p. 433-443; J. de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil pp. 58-75; W. Melo da
Silva. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1962., p. 92-113.
31 Responsabilidade civil, p. 281-285. Sobre a doutrina brasileira, cf. também W. Melo da Silva, Responsabilidade sem
culpa e socialização do risco, p. 127-138.
33 Ibidem, p. 284.
35 G. Marton [Ibidem, p. 156-222] demonstra que nenhum desses princípios é capaz de justificar por si só a res-
ponsabilidade objetiva. Como afirmam K. Larenz e C.-W. Canaris [Lehrbuch des Schuldrechts. 13. ed. München: C. H.
Beck, 1994. v. 2, t. 2, p. 606], no direito positivo (os autores referem-se ao direito positivo alemão, mas a afirmação
pode ser considerada válida para a responsabilidade objetiva em geral) os vários princípios que fundamentam a respon-
sabilidade pelo risco não aparecem todos sempre da mesma forma, nem com a mesma força. Eles se combinam de modo
variável, de forma que a fraqueza de um é compensada pela força de outro.
36 Cf. K. Günther. Responsabilização na sociedade civil. Tradução de F. P. Püschel. Novos Estudos 63, p. 109,
2002.
37 Sobre as conseqüências ambivalentes dessa opção, no que se refere aos espaços de liberdade do indivíduo, cf.
K. Günther, ibidem, p. 109-110.
38 Não é demais lembrar, mais uma vez, que a responsabilidade civil não tem o poder de desfazer o acontecido.
Uma vez ocorrido um dano, o direito cuida apenas de definir quem deverá suportá-lo, se a vítima, outra pessoa, uma
coletividade de pessoas etc. Em outras palavras, alguém sempre paga.
39 Assim, por exemplo, o princípio da prevenção se relaciona diretamente com a função de prevenção de
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 15
comportamentos anti-sociais, o princípio da distribuição dos danos com as funções de indenização da vítima e de
distribuição dos danos, os princípios da correspondência entre risco e vantagem e da causa do risco com as funções
de indenização e prevenção de comportamentos anti-sociais e o princípio da eqüidade, com a função de indeniza-
ção. A exposição que se fará apresenta as principais justificativas da responsabilidade por risco invocadas pela dou-
trina. Ela não se pretende exaustiva e não exclui a eventual existência de outros fundamentos para a responsabili-
dade objetiva. Cf., a respeito, K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, p. 606.
40 Cf. R. Saleilles. La responsabilité du fait des choses devant la Cour Superieure du Canada. Rev.Trim. Dr. Civ.
10, p. 48 e 51, 1911; L. Josserand. Cours de droit civil positif français. 2. ed. Paris: Sirey, 1933. v. 2, p. 215; G. Marton,
Les fondements de la responsabilité civile, p. 173-174; C. M. da Silva Pereira, Responsabilidade civil, p. 281; K. Larenz e C.-
W. Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, p. 605; G. Marty e P. Raynaud, Droit civil: les obligations, p. 436; P. Trimarchi,
Rischio e responsabilità oggettiva, p. 13; G. Alpa e M. Bessone, La responsabilità del produttore, p. 96; A. Lima. Culpa e risco.
São Paulo: RT, 1960. p. 120-121; J. de M. Antunes Varela, Das obrigações em geral, p. 633.
41 Les fondements de la responsabilité civile, p. 178: “(...) il faut supposer que tous ceux qui agissent librement, par
leur propre volonté, le font dans leur propre intéret”.
42 Cf. K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, p. 605-606. Ver também o que se diz sobre o princí-
pio da distribuição do prejuízo, abaixo. G. Marton [Les fondements de la responsabilité civile., p. 174-176] identifica o aus-
tríaco V. Mataja como o primeiro a chamar atenção, em obra publicada em 1888, para os efeitos econômicos da adoção
de uma responsabilidade subjetiva ou objetiva, apontando a necessidade de se considerarem os prejuízos decorrentes da
atividade econômica como débito no balanço, sem o que se tem uma falsa percepção dos resultados econômicos da
empresa. Se ao empresário é permitido transferir os prejuízos causados por sua atividade a terceiros (como ocorre na
responsabilidade subjetiva) ele recebe na verdade uma espécie de subvenção oculta e corre-se o risco de manter em fun-
cionamento empresas que são na verdade prejudiciais ao conjunto da sociedade. Tais considerações de política econô-
mica, pondera G. Marton, aumentam o valor intrínseco do princípio da correspondência entre risco e vantagem.
44 Segundo J. de M. Antunes Varela [Das obrigações em geral, p. 630], o fato de a vítima ter de suportar um dano
advindo de caso fortuito, força maior ou fato não culposo de terceiro, “é uma espécie de preço que cada um tem que
pagar por estar no mundo ou viver em sociedade”.
45 O princípio do risco extraordinário teve grande desenvolvimento na literatura alemã e constituiu a idéia fun-
damental para a consolidação teórica da responsabilidade objetiva naquele país. Cf. G. Marton, Les fondements de la res-
ponsabilité civile, p. 196.
46 Cf. K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, p. 607. Já R. Saleilles, em artigo datado de 1911 [La
responsabilité du fait des choses devant la Cour Superieure du Canada., p. 53-54] reconhecia a existência de riscos ine-
rentes à vida e à liberdade, devendo a responsabilidade deles resultante fundar-se na apuração de culpa. Segundo o
autor, a responsabilidade não deve ser objetiva em qualquer circunstância, mas apenas naqueles casos em que a ativida-
de se afasta do que se considera normal, criando riscos extraordinários. Cf. também, do mesmo R. Saleilles, Etude sur
la théorie générale de l’obligation d’après le premier projet de code civil pour l’empire allemand, 3. ed., Paris; LGDJ, 1925, p.
440.
49 Para uma crítica a essa teoria, cf. G. Marton, Les fondements de la responsabilité civile, p. 163-168.
50 Como afirma G. Marton [Ibidem, p. 168-169], o princípio da causalidade não pode ser considerado como
único fundamento da responsabilidade, mas tem a função de determinar a direção da atribuição de responsabilidade.
Não se deve esquecer, como também adverte o mesmo autor [Ibidem, p. 169, n.8], que a exigência de relação de cau-
salidade não é exclusividade da responsabilidade objetiva, mas se exige também na responsabilidade subjetiva.
51 Cf. G. Marton, Les fondements de la responsabilité civile, p. 178-179; K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 16
52 Cf. K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, p. 609. Para uma crítica da função preventiva da res-
ponsabilidade civil em geral, cf., entre outros, A. Tunc, La responsabilité civile, p. 141-142.
53 Cf. G. Marton, Les fondements de la responsabilité civile, p. 178-179; K. Larenz e C.-W. Canaris, Lehrbuch des
Schuldrechts, p. 605; G. Marty e P. Raynaud, Droit civil: les obligations, p. 437.
54 Cf. G. Marton, Les fondements de la responsabilité civile, p. 192; A. Tunc, La responsabilité civile, p. 147-149; P.
Trimarchi, Rischio e responsabilità oggettiva, p. 14; G. Alpa e M. Bessone, La responsabilità del produttore, p. 96. De acordo
com J. de Aguiar Dias [Da responsabilidade civil, p. 50.], a distribuição do ônus do prejuízo atende ao interesse da paz
social. Segundo K. Larenz e C.-W. Canaris [Lehrbuch des Schuldrechts, p. 354 e 607-608], a responsabilidade objetiva é
uma manifestação da justiça distributiva, em contraposição à justiça comutativa, de que é exemplo a responsabilidade
subjetiva. A justiça distributiva não tem caráter de compensação por algo devido. Isso não quer dizer que a indenização
no caso da responsabilidade objetiva não tenha a função de, na medida do possível, recompor a situação anterior ao dano
(essa função da indenização está presente tanto na responsabilidade objetiva quanto na responsabilidade subjetiva). A
diferença é que, na responsabilidade subjetiva, isto é, nos casos de manifestação da justiça comutativa, trata-se de entre-
gar à vítima algo que o ofensor lhe tirou, algo que lhe é devido. A justiça comutativa trata da correção da injustiça
(Unrecht), enquanto a justiça distributiva cuida da distribuição do infortúnio (Unglück). De acordo com G. Viney (Le
déclin de la responsabilité individuelle., p. 333), a possibilidade de distribuição de danos é fundamental para justificar o
deslocamento – feito pela responsabilidade sem culpa – do ônus de arcar com o prejuízo dos ombros da vítima para
aqueles de alguém que não agiu com nenhuma culpa. Nas palavras da autora: “Si les conditions physiques, économiques
et sociales de la civilisation moderne ont donc contribué à libérer l’indemnisation de la condition d’une faute prouvée
(...), c’est uniquement grace au développement des techniques d’indemnisation collective qui ont donné au déplace-
ment de l’incidence naturelle du préjudice, en dehors de la culpabilité, une justification théorique e pratique” [“Se as
condições físicas, econômicas e sociais da civilização moderna contribuíram para libertar a indenização da condição de
uma culpa provada (...), foi unicamente graças ao desenvolvimento das técnicas de indenização coletiva, que deram à
transferência da incidência natural do prejuízo, na ausência de culpabilidade, uma justificação teórica e prática” (tradu-
ção nossa)].
56 Cf. Idem, ibidem, p. 188-189. Como pondera este autor, se a simples eqüidade fosse suficiente para fundar a
responsabilidade, todas as pessoas ricas poderiam ser obrigadas a indenizar todo prejuízo sofrido por qualquer indiví-
duo pobre.
57 Como o controle e fiscalização de atividades perigosas, com a aplicação de sanções administrativas, para a pre-
venção e o sistema previdenciário para a função de reparação.
58 Um exemplo da influência que a falta de outros mecanismos de indenização, distribuição e/ou prevenção pode
ter sobre a jurisprudência em tema de responsabilidade civil nos dá o voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em acór-
dão no qual o STJ decidiu pelo aumento do valor da indenização de um prejuízo extrapatrimonial: “Como não há outro
modo eficaz de se obter algum tipo de reparação diante da omissão dos órgãos administrativos, o resultado da conces-
são de sanções irrisórias pelo descumprimento da regra do Código de Defesa do Consumidor (...) consistirá em estí-
mulo ao abuso” (STJ – REsp 445646 – 4.ª T. – Rel. Ruy Rosado de Aguiar – 03.10.2002).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALPA, Guido; BESSONE, M. La responsabilità del produttore. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1999.
ATIYAH, P. S. The damages lottery. Oxford: Hart, 1997.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: RT, 1999.
CARVAL, S. (Org.). La construction de la responsabilité civile. Paris: PUF, 2001.
––––––. La responsabilité civile dans as fonction de peine privée. Paris: LGDJ, 1995.
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
06_ARTIGO_Flavia.qxd 6/1/05 20:57 Page 17
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
GOMES, Orlando. Obrigações. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
GOTANDA, J.Y. Punitive damages: a comparative analysis. Colum. J.Transnt’l L., n. 42, p. 415-420, 2004.
GÜNTHER, K. Responsabilização na sociedade civil. Tradução de F. P. Püschel. Novos Estudos, n. 63, p. 109,
2002.
JORGE, F. Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 1999.
JOSSERAND, Louis. Cours de droit civil positif français. 2. ed. Paris: Sirey, 1933.
KÖTZ, H. Deliktsrecht. 8. ed. Neuwied: Luchterhand, 1998.
LARENZ, Karl; CANARIS, C.-W. Lehrbuch des Schuldrechts. 13. ed. München: C. H. Beck, 1994
LIMA, Alvino. Culpa e risco. São Paulo: RT, 1960.
MANNING, J. Reflections on exemplary damages and personal injury liability in New Zealand. NZ Law Review,
p. 143-184, 2002.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 2000.
MARTY, G.; RAYNAUD, P. Droit civil: les obligations. 2. ed. Paris: Sirey, 1988.
MARTON, G. Les fondements de la responsabilité civile. Paris: Sirey, 1938.
MORAES, M. C. Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais, Rio de
Janeiro: Renovar, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Franz Neumann, o direito e a teoria crítica. Lua Nova, 2004.
SALEILLES, R. Etude sur la théorie générale de l’obligation d’après le premier projet de code civil pour l’empire allemand.
3. ed. Paris: LGDJ, 1925.
––––––. La responsabilité du fait des choses devant la Cour Superieure du Canada. Rev.Trim. Dr. Civ., n. 10, p.
48 e 51, 1911.
SILVA, W. Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955.
––––––. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1962.
STARCK, B. Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considerée en sa double fonction de garantie et de peine
privée. Paris: Rodstein, 1947.
TRIMARCHI, P. Rischio e responsabilità oggettiva. Milano: Giuffrè, 1961.
TUNC, A. La responsabilité civile. 2. ed. Paris: Economica, 1989.
VARELA, J. de M. Antunes. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
VINEY, G. Le déclin de la responsabilité individuelle, Paris: LGDJ, 1965.
––––––. Traité de droit civil: introduction à la responsabilité. 2. ed. Paris: LGDJ, 1995.