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Trabalho Desafio Jurídicos - Igor Strobilius PDF
Trabalho Desafio Jurídicos - Igor Strobilius PDF
1LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017),, p.4
Unidos se desesperaram diante da situação. O alarde foi tanto que até o New York Times
noticiou o fato no dia seguinte em sua capa, como se observa na seguinte imagem:
Não se trata exatamente de uma fake news pelo aviso no início da transmissão, mas
ilustra o ponto que esse fenômeno não depende da internet e das redes sociais, ainda
que estas a amplifiquem e facilitem.
O fato é que ainda que notícias falsas já existissem elas nunca tiveram tamanha
influência como tem hoje e isso se dá por conta de mudanças tecnológicas e culturais em
nossa sociedade. Antes da internet, o indivíduo tinha o jornal, seja ele no formato
impresso ou transmitido pela televisão/rádio, como sua principal fonte de notícia. Os
jornais, por sua vez, eram poucos. Isto é, havia um número limitado de jornais,
diferentemente da quase infinidade de sites/blogs existentes. Além disso, por haver um
pequeno número de atores no ramo era difícil que um deles noticiasse algo falso e os
outros não reagisse. Por exemplo, se o jornal A noticiasse uma invasão alienígena no
Acre, os leitores desse jornal poderiam acreditar na notícia. Mas ao notarem que nenhum
dos outros jornais sequer toca no tema e que no dia seguinte todos rebatem o jornal A, o
leitor percebe a mentira e deixa de comprar A pela sua falta de credibilidade. Isso
incentiva os jornais a checarem a veracidade de suas notícias (“fact-checking”) e a
apenas noticiarem algo quando puderem estabelecer a credibilidade da fonte. Deriva daí
a importância do editor no processo jornalístico, como aquele que filtra o que é escrito
pelos jornalistas, determinando o que pode ser veiculado como notícia e aquilo que não
se tem certeza acerca da veracidade. Enquanto o editor serve como um gatekeeper,
controlando o fluxo da informação, dentro do jornal, o jornal em si é um gatekeeper na
sociedade. Uma pessoa pode até sair distribuindo panfletos com notícias suas, mas elas
não gozarão de credibilidade a menos que publicadas por um veículo com reputação já
estabelecida.
Com o surgimento da internet, tornou-se muito mais fácil o acesso a informação. O
jornal, ainda que eletrônico, deixa de ser visto como um gatekeeper, e se torna um mero
intermediador. Surge assim uma multiplicidade de sites e blogs noticiando fatos,
sensacionalizando-os, sem qualquer esforço em checar a veracidade da informação. Isso
ocorre, pois o incentivo econômico é outro. Enquanto o jornal deveria ter notícias
confiáveis para reter consumidores, a receita da maioria dos sites advêm das
vizualizações de página que esse recebe, criando-se um incentivo para a criação notícias
que despertem interesse.
São as redes sociais, contudo, que têm maior impacto na disseminação de
notícias. Em 2016, as pessoas gastavam, na média, 50 minutos do dia delas no
Facebook, mais do que qualquer outra atividade de lazer, exceto televisão. E as redes
sociais mais do que um espaço de partilhar de informações pessoais, servem como um
local de compartilhamento de fatos públicos. Contudo, no Facebook, por exemplo, há um
algoritmo que determina o que o usuário vê, o que aparece em seu feed. Como, em geral,
as pessoas preferem aquilo que reforça as opiniões delas, esse algoritmo cria uma
câmara de eco. Isto é, uma "situação em que uma informação, ideias, crenças são
amplificadas ou reforçadas por transmissões e repetições dentro de um sistema de
encapsulamento”2.
Trata-se de uma tendência psicológica humana que se torna muito evidente e com
efeitos particularmente negativos nas redes sociais. Em uma conferência de Yale sobre
fake news os participantes concluíram que essa era uma característica importante do ser
humano no passado para a sua sobrevivência, mas que na era digital isso pode ser
prejudicial. Segundo o relatório:
Desse modo, há um cenário que favorece a disseminação de fake news uma vez
que: (i) não há gatekeepers; (ii) há incentivos econômicos para a criação de notícias que
atraiam atenção sem preocupação com veracidade; (iii) amplifica-se notícias de mesma
posição, e se isola dissonâncias.
3THE FLOYD ABRAMS INSTITUTE FOR FREEDOM OF EXPRESSION. Fighting Fake News. The
Information Society Project – Yale University, workshop report published in April of 2017, p.5.
4LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017), p.6
contrário, as partes não conseguem avançar em um debate, pois não encontram “terreno
comum” em que debater. Por outro lado, regular as fake news também traz riscos à
democracia, pois pode ameaçar a liberdade de expressão. Afinal, a liberdade de
expressão não se aplica somente quando o conteúdo for verdade e relevante ao público.
Liberdade de expressão não está subordinada à condição alguma. Pelo contrário, muitos
argumentam se tratar de um direito especial com prioridade sobre os demais pelo seu
caráter instrumental: sem liberdade de expressão, não é possível se ter qualquer outro
direito. Contudo, essa liberdade não é tão somente instrumental, é constitutivo do ser
humano a necessidade de se expressar.
Disso deriva uma repulsa a qualquer tipo de censura. Há certo consenso em
qualquer sociedade democrática acerca da correta proibição da censura política.
Entretanto, há um debate muito maior sobre a possibilidade de se censurar expressões
que ofendam alguém por motivos fúteis ou baseados em mentiras e estereótipos. O
argumento seria de que é necessário censurar A para proteger os direitos de B, sua
dignidade pessoal. Contudo, ao se fazer isso apoia-se na premissa de que o discurso de
A não é correto e não serve ao debate público. Trata-se de uma rotulação feita por um
indivíduo/grupo que goza de poder e autoridade para determinar o que seria “correto” e
“relevante”. A liberdade de expressão, por sua vez, surge justamente como proteção
contra esses posicionamentos assumidos pela maioria, é a garantia que uma das
condições mais íntimas do ser humano, a de se expressar, está garantida independente
do conteúdo desta.
Em 2006, diante de uma polêmica discussão acerca da possibilidade de jornais
ocidentais publicarem charges ofensivas à muçulmanos, Ronald Dworkin publicou um
artigo defendendo a liberdade de expressão em face de diversos protestos da
comunidade islâmica. Nele, Dworkin afirmou que:
Sendo assim, qualquer regulação às fake news deve ser rigorosamente analisada,
de modo que não viole a liberdade de expressão. Em vista disso, vale analisar de modo
geral os diferentes tipos de regulação possíveis e seus impactos.
Modos de regulação
5DWORKIN, Ronald. Even bigots and Holocaust deniers must have their say. Disponível em:
https://www.theguardian.com/world/2006/feb/14/muhammadcartoons.comment
precedente para que o mesmo ocorra com outros tipos de fala. Portanto, conclui-se que a
regulação estatal negativa é ruim e não deve ser aplicada.
A regulação positiva, ou new speech regulation segundo Balkin, teria como seu
destinatário as plataformas sociais, a infraestrutura digital. Esse tipo de regulação poderia
tomar as mais diversas formas, como whitelists, exigência que a plataforma apresente
visão contrária, mas a mais popular e factível é transferir a responsabilidade para a
plataforma, isto é, torná-la civilmente responsável pelo conteúdo de terceiros que a
utilizam. Ao impor essa responsabilidade à plataforma ela buscaria combater as fake
news e seria o ator mais eficiente a fazer isso uma vez que dispõe das ferramentas
tecnológicas. Essa solução, todavia, traz três problemas: (i) censura colateral; (ii)
cooptação público-privado; (iii) governança privada6 . Como as plataformas podem ser
responsabilizadas caso haja alguma notícia falsa, elas têm um grande incentivo em retirar
todo conteúdo que possa ser falso, sem haver incentivos na direção contrário. Isso faz
com que seja muito provável que censurem notícias e artigos que pareçam falsos, mas de
fato não o sejam, os falso positivos. Nesse sentido, basta 1 falso positivo para que a
plataforma esteja censurando conteúdo verídico e os riscos desse tipo de censura
desmedida são muito grandes à liberdade de expressão e democracia. Além disso, as
plataformas sociais poderiam banir indivíduos que disseminar muitas notícias falsas,
contudo isso seria uma censura prévia, pois retira o direito de tais indivíduos se
expressarem. Em segundo lugar, a possibilidade de responsabilizar a plataforma dá ao
Estado um instrumento muito eficaz para pressionar tais empresas a realizarem o que
desejam. Por fim, o terceiro problema se dá em relação a governança das infraestruturas
digitais. Transfere-se a elas o poder de censurar, regular, e determinar tudo o que ocorre
dentro de suas plataformas, contudo como elas lidam com tais poderes? Como
governam? Seguem os interesses de quem? Vale notar que nesse debate não só a
liberdade de expressão, como também a privacidade.
Os efeitos de propor que a regulação ocorra por parte das plataformas são muitos
similares aos já expostos. As empresas de infraestrutura digital teriam o poder de regular
como bem entendessem. Contudo, isso não resolve o problema, apenas o transfere de
mãos. As plataformas podem buscar melhorar os algoritmos, de modo que notícias que
tenham características típicas de notícias falsas não sejam mais tão prevalentes, mas isso
não elimina os possíveis conflitos com a liberdade de expressão.
6Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p.1175
Balkin argumenta que vivemos uma sociedade algorítmica, o que seria, segundo
ele, uma sociedade em que plataformas sociais grande e multinacionais estão entre
Estados-Nação e indivíduos, usando inteligência artificial e algoritmos para governar
populações7 . O autor argumenta que enquanto na sociedade tradicional vivia-se um
modelo em que o poder do Estado ameaça a capacidade do indivíduo se expressar, na
sociedade algorítmica o modelo é pluralista, pois o indivíduo pode ser censurado tanto
pelo Estado quanto pela infraestrutura privada, as plataformas sociais. Além disso,
haveria uma tensão perpétua entre o Estado e as empresas de infraestrutura pelo
controle das redes digitais, o Estado estaria sempre buscando controlar ou cooptar os
atores privados. A capacidade do indivíduo de se expressar estaria também sujeita ao
resultado desse conflito8. Para o autor, o Estado não deve intervir na governança privada
e n questão de fake news. Ele acredita que do mesmo modo que vemos o médico ou o
advogado como um fiduciário de informações, as empresas de infraestrutura digital
devem ser vistas sob a mesma perspectiva, tendo liberdade, porém tendo deveres
fiduciários.
Apesar de diversas tentativas de solução, observa-se uma grande dificuldade em
encontrar respostas ao problema das fake news, pois, além de ser muito difícil combatê-
las, elas são uma forma de discurso e devem ser protegidas pela liberdade de expressão.
As fake news são um problema multidisciplinar e multifacetado, qualquer solução terá que
ser correspondente ao problema. Nesse sentido, uma interessante fonte de soluções é a
psicologia. No relatório XXX, um dos modos propostos de mitigar as notícias falsas seria
criar pontes entre comunidades, ou seja, estimular interações sociais positivas entre
membros de comunidades diferentes que compartilham de ideologias diferentes. Segundo
o relatório, esse seria um modo muito mais eficaz do que a contradição direta9.
Outra solução possível seria que as plataformas sociais buscassem identificar e
rotular toda publicação que envolvesse bots. Além disso, poderia se criar um sistema que
busca identificar quais são os sites, páginas, que mais compartilham notícias falsas e
expor um aviso ao lado da publicação falando da possibilidade de aquilo ser uma notícia
7Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p.1151
8Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p. 1153
9LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017), p.12
falsa. Essa soluções não restringiriam a liberdade de ninguém ao mesmo tempo que
facilitariam a identificação.
Uma outra potencial solução seria estimular veículos mais tradicionais da mídia
com presença digital a divulgar notícias com manchetes claras e objetivas de modo a se
distinguir das fake news. Também seria possível realizar uma campanha para que as
empresas fossem mais seletas com os sites que recebem seus anúncios, buscando
reduzir a quantidade de anúncios em sites de fake news e consequentemente o lucro de
seus autores.
Todas as soluções apontadas são paliativas, nenhuma delas elimina o problema
das notícias falsas. Porém, seria impossível realizar isso sem também eliminar a liberdade
de expressão. Para além das soluções propostas é necessário compreender a
capacidade do ser humano de se adaptar e aprender. As fake news tiveram papel
importante nas eleições de 2016, mas atualmente grande parte das pessoas já sabe da
sua existência e já tem uma maior desconfiança, o que faz com que naturalmente elas
tendam a perder parte da importância que tinham. Desse modo, inserem-se em um ciclo
de aprendizado e evolução humana. O maior risco, portanto, advêm não das fake news,
mas de um tentativa de regulá-la e acabe por restringir a liberdade de expressão.
Conclusão
A melhor regulação estatal possível no caso das fake news é o governo intervir tão
somente quando necessário para a proteção da liberdade de expressão.
Vale tomar como paralelo a história do próprio jornalismo. Até meados do início do
século XX, o jornalismo não gozava de padrões de profissionalismo que se conhece
atualmente. As noções de fact-checking e imparcialidade não eram padrões da atividade
jornalística e vieram a se tornar referências somente pela década de 1910-1920 nos
Estados Unidos10. Isso ocorreu, em parte, como reação ao surgimento e disseminação da
propaganda, e a noção de que esta colocava o jornalismo em risco11.
Ainda que se trate de situações diferentes, o desafio no cerne de ambos os casos
é o mesmo: como informar o público adequadamente sem limitar a liberdade de
expressão. O problema das fake news ainda exige muitas pesquisas e está em um
10LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference
Official Report (February 17-18, 2017), p.8
11Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p. 1209-1210.
estágio de discussão muito inicial, o que dificulta a proposição de soluções efetivas. Até
que ocorram pesquisas mais conclusivas, as melhores soluções são as paliativas que
mitigam o problema sem afetar os direitos fundamentais. A censura, seja ela praticada por
uma empresa ou por um Estado, é muito mais danosa a sociedade do que uma notícia
falsa.
Referências:
Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance,
and New School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018
Forthcoming); Yale Law School, Public Law Research Paper No. 615. Available at SSRN:
https://ssrn.com/abstract=3038939 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3038939
DWORKIN, Ronald. The coming battles over free speech. Disponível em: http://
www.nybooks.com/articles/1992/06/11/the-coming-battles-over-free-speech/
DWORKIN, Ronald. Even bigots and Holocaust deniers must have their say. Disponível
em: https://www.theguardian.com/world/2006/feb/14/muhammadcartoons.comment
LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action.
Conference Official Report (February 17-18, 2017). Disponível em: <http://
www.sipotra.it/wp-content/uploads/2017/06/Combating-Fake-News.pdf>
RAINIE, H., Anderson, J.Q. and Albright, J., 2017. The future of free speech, trolls,
anonymity and fake news online. Washington, DC: Pew Research Center.