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Regulação de fake news e os riscos a liberdade de expressão

Curso: Desafios jurídicos da inteligência artificial


Professor: Alexandre Pacheco
Aluno: Igor Strobilius

Introdução e panorama histórico do problema

As eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos marcaram não só a


ascensão de Donald Trump ao poder como também das fake news. Em uma eleição
polarizada, em que contrastava um candidato populista e uma representante do
establishment americano, as fake news tiveram papel importante ao impedir um diálogo
franco pautado em fatos compartilhados. Serviram para disseminar mentiras,
manipulando o eleitorado americano em uma direção ou outra. Mais do que isso o
discurso político daquela eleição ficou marcado pelas fake news, pois elas foram parte
essencial dele1. Trump as utilizava a seu favor e as redes sociais amplificavam os seus
efeitos de tal modo que qualquer debate entre lados políticos opostos tornou-se inviável
devido à incapacidade em concordar no que seria verdade ou mentira. O resultado disso
foi o pior possível: polarização política extrema e uma erosão da democracia.
Infelizmente, o papel das fake news não se restringe às eleições americanas. Não
se trata de um fenômeno novo, as notícias falsas travestidas de autoridade e verdade
existem há tempos ainda que apenas atualmente tenham se amplificado e intensificado a
ponto de trazer impactos significativos na vida pública. Ainda em 30 de outubro de 1938,
Orson Welles, o famoso cineasta americano, dramatizava na rádio CBS a “Guerra dos
Mundos”, em que narrava Nova Jersey sendo invadida por alienígenas. Houve um breve
aviso no início da transmissão de que se tratava de radioteatro, porém muitos ouvintes
apenas acompanharam o programa após o seu início, acreditando se tratar de noticiário
real. O resultado foi um pânico coletivo, em que milhares de pessoas pelos Estados

1LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017),, p.4
Unidos se desesperaram diante da situação. O alarde foi tanto que até o New York Times
noticiou o fato no dia seguinte em sua capa, como se observa na seguinte imagem:

Não se trata exatamente de uma fake news pelo aviso no início da transmissão, mas
ilustra o ponto que esse fenômeno não depende da internet e das redes sociais, ainda
que estas a amplifiquem e facilitem.
O fato é que ainda que notícias falsas já existissem elas nunca tiveram tamanha
influência como tem hoje e isso se dá por conta de mudanças tecnológicas e culturais em
nossa sociedade. Antes da internet, o indivíduo tinha o jornal, seja ele no formato
impresso ou transmitido pela televisão/rádio, como sua principal fonte de notícia. Os
jornais, por sua vez, eram poucos. Isto é, havia um número limitado de jornais,
diferentemente da quase infinidade de sites/blogs existentes. Além disso, por haver um
pequeno número de atores no ramo era difícil que um deles noticiasse algo falso e os
outros não reagisse. Por exemplo, se o jornal A noticiasse uma invasão alienígena no
Acre, os leitores desse jornal poderiam acreditar na notícia. Mas ao notarem que nenhum
dos outros jornais sequer toca no tema e que no dia seguinte todos rebatem o jornal A, o
leitor percebe a mentira e deixa de comprar A pela sua falta de credibilidade. Isso
incentiva os jornais a checarem a veracidade de suas notícias (“fact-checking”) e a
apenas noticiarem algo quando puderem estabelecer a credibilidade da fonte. Deriva daí
a importância do editor no processo jornalístico, como aquele que filtra o que é escrito
pelos jornalistas, determinando o que pode ser veiculado como notícia e aquilo que não
se tem certeza acerca da veracidade. Enquanto o editor serve como um gatekeeper,
controlando o fluxo da informação, dentro do jornal, o jornal em si é um gatekeeper na
sociedade. Uma pessoa pode até sair distribuindo panfletos com notícias suas, mas elas
não gozarão de credibilidade a menos que publicadas por um veículo com reputação já
estabelecida.
Com o surgimento da internet, tornou-se muito mais fácil o acesso a informação. O
jornal, ainda que eletrônico, deixa de ser visto como um gatekeeper, e se torna um mero
intermediador. Surge assim uma multiplicidade de sites e blogs noticiando fatos,
sensacionalizando-os, sem qualquer esforço em checar a veracidade da informação. Isso
ocorre, pois o incentivo econômico é outro. Enquanto o jornal deveria ter notícias
confiáveis para reter consumidores, a receita da maioria dos sites advêm das
vizualizações de página que esse recebe, criando-se um incentivo para a criação notícias
que despertem interesse.
São as redes sociais, contudo, que têm maior impacto na disseminação de
notícias. Em 2016, as pessoas gastavam, na média, 50 minutos do dia delas no
Facebook, mais do que qualquer outra atividade de lazer, exceto televisão. E as redes
sociais mais do que um espaço de partilhar de informações pessoais, servem como um
local de compartilhamento de fatos públicos. Contudo, no Facebook, por exemplo, há um
algoritmo que determina o que o usuário vê, o que aparece em seu feed. Como, em geral,
as pessoas preferem aquilo que reforça as opiniões delas, esse algoritmo cria uma
câmara de eco. Isto é, uma "situação em que uma informação, ideias, crenças são
amplificadas ou reforçadas por transmissões e repetições dentro de um sistema de
encapsulamento”2.
Trata-se de uma tendência psicológica humana que se torna muito evidente e com
efeitos particularmente negativos nas redes sociais. Em uma conferência de Yale sobre
fake news os participantes concluíram que essa era uma característica importante do ser
humano no passado para a sua sobrevivência, mas que na era digital isso pode ser
prejudicial. Segundo o relatório:

Because human beings are more likely to believe there is a


reason for something if we see others promoting it,
retweeting or sharing information alters how that content is
perceived by subsequent content consumers. If we see a
crowd of people running, our natural inclination is to run as
well. Historically, this response may have helped us avoid
predators; in today’s digital world, it makes us vulnerable.
People often use the number of retweets or shares as a
proxy for credibility, even though there are many reasons to
be skeptical of those numbers. First, the literature on
signaling (especially Dan Kahan’s work), highlights how
people repeat phrases—or retweet or share—to signal their

2 Apresentação do curso (material didático), slide 20.


membership in a certain group, and regardless of whether
they personally believe or endorse the content.3

Nesse sentido, o relatório realizado após a conferência XXX estabelece a relação


entre as câmaras de eco e as fake news:

The polarized and segregated structure observed in social


media (Conover et al, 2011) is inevitable given two basic
mechanisms of online sharing: social influence and
unfriending (Sasahara et al., in preparation). The resulting
echo chambers are highly homogeneous (Conover et al,
2011b), creating ideal conditions for selective exposure and
confirmation bias. They are also extremely dense and
clustered (Conover et al., 2012), so that messages can
spread very efficiently and each user is exposed to the same
message from many sources. Hoaxes have higher chances
to go viral in these segregated communities (Tambuscio et
al., in preparation).
Even if individuals prefer to share high-quality information,
limited individual attention and information overload prevent
social networks from discriminating between messages on
the basis of quality at the system level, allowing low-quality
information to spread as virally as high-quality information
(Qiu et al., 2017). This helps explain higher exposure to fake
news online.4

Desse modo, há um cenário que favorece a disseminação de fake news uma vez
que: (i) não há gatekeepers; (ii) há incentivos econômicos para a criação de notícias que
atraiam atenção sem preocupação com veracidade; (iii) amplifica-se notícias de mesma
posição, e se isola dissonâncias.

Fake News e liberdade de expressão

Esse ambiente traz dificuldades à democracia. O espaço democrático caracteriza-


se pelo debate público, garantido pela liberdade de expressão. As fakes news, contudo,
impedem que tal debate ocorra. Um diálogo só ocorre se dois atores concordarem em
premissas básicas e a partir disso apresentarem argumentos razoáveis a ambos. Caso

3THE FLOYD ABRAMS INSTITUTE FOR FREEDOM OF EXPRESSION. Fighting Fake News. The
Information Society Project – Yale University, workshop report published in April of 2017, p.5.
4LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017), p.6
contrário, as partes não conseguem avançar em um debate, pois não encontram “terreno
comum” em que debater. Por outro lado, regular as fake news também traz riscos à
democracia, pois pode ameaçar a liberdade de expressão. Afinal, a liberdade de
expressão não se aplica somente quando o conteúdo for verdade e relevante ao público.
Liberdade de expressão não está subordinada à condição alguma. Pelo contrário, muitos
argumentam se tratar de um direito especial com prioridade sobre os demais pelo seu
caráter instrumental: sem liberdade de expressão, não é possível se ter qualquer outro
direito. Contudo, essa liberdade não é tão somente instrumental, é constitutivo do ser
humano a necessidade de se expressar.
Disso deriva uma repulsa a qualquer tipo de censura. Há certo consenso em
qualquer sociedade democrática acerca da correta proibição da censura política.
Entretanto, há um debate muito maior sobre a possibilidade de se censurar expressões
que ofendam alguém por motivos fúteis ou baseados em mentiras e estereótipos. O
argumento seria de que é necessário censurar A para proteger os direitos de B, sua
dignidade pessoal. Contudo, ao se fazer isso apoia-se na premissa de que o discurso de
A não é correto e não serve ao debate público. Trata-se de uma rotulação feita por um
indivíduo/grupo que goza de poder e autoridade para determinar o que seria “correto” e
“relevante”. A liberdade de expressão, por sua vez, surge justamente como proteção
contra esses posicionamentos assumidos pela maioria, é a garantia que uma das
condições mais íntimas do ser humano, a de se expressar, está garantida independente
do conteúdo desta.
Em 2006, diante de uma polêmica discussão acerca da possibilidade de jornais
ocidentais publicarem charges ofensivas à muçulmanos, Ronald Dworkin publicou um
artigo defendendo a liberdade de expressão em face de diversos protestos da
comunidade islâmica. Nele, Dworkin afirmou que:

Freedom of speech is not just a special and distinctive emblem of


Western culture that might be generously abridged or qualified as
a measure of respect for other cultures that reject it, the way a
crescent or menorah might be added to a Christian religious
display. Free speech is a condition of legitimate government. Laws
and policies are not legitimate unless they have been adopted
through a democratic process, and a process is not democratic if
government has prevented anyone from expressing his convictions
about what those laws and policies should be. (…) So in a
democracy no one, however powerful or impotent, can have a right
not to be insulted or offended. That principle is of particular
importance in a nation that strives for racial and ethnic fairness. If
weak or unpopular minorities wish to be protected from economic
or legal discrimination by law—if they wish laws enacted that
prohibit discrimination against them in employment, for instance—
then they must be willing to tolerate whatever insults or ridicule
people who oppose such legislation wish to offer to their fellow
voters, because only a community that permits such insult as part
of public debate may legitimately adopt such laws. If we expect
bigots to accept the verdict of the majority once the majority has
spoken, then we must permit them to express their bigotry in the
process whose verdict we ask them to accept. Whatever
multiculturalism means—whatever it means to call for increased
“respect” for all citizens and groups—these virtues would be self-
defeating if they were thought to justify official censorship.5

Sendo assim, qualquer regulação às fake news deve ser rigorosamente analisada,
de modo que não viole a liberdade de expressão. Em vista disso, vale analisar de modo
geral os diferentes tipos de regulação possíveis e seus impactos.

Modos de regulação

Há dois tipos de regulação governamentais possíveis segundo o relatório Fighting


Fake News de Yale: positiva e negativa.
A intervenção negativa envolve a punição, por meio de multas por exemplo,
daqueles que criarem, exporem, disseminarem fake news. Essa solução não afetaria
diretamente as plataformas, destinando-se primariamente aos próprios indivíduos ao criar
um incentivo negativo a certo tipo de conduta. Ainda que essa regulação possa ser efetiva
no combate a notícias falsas, ela traz uma série de problemas. Dentre eles, tem-se: (i)
como determinar para fins judiciais a falsidade de uma matéria?; (ii) matérias
“sensacionalistas" ou que distorcem fatos, sem apresentar mentiras, são notícias falsas?;
(iii) é necessário dolo daquele cria e/ou dissemina?; (iv) como determinar para além de
uma dúvida razoável se aquele que criou/compartilhou uma reportagem o fez sabendo ser
notícia falsa ou se é caso de desconhecimento/ignorância?
Além desses problemas em sua aplicação, a intervenção negativa seria imoral e
inconstitucional por restringir a liberdade de expressão exageradamente. Estaria se
punindo um discurso pelo seu conteúdo. Esse tipo de iniciativa também traz grande perigo
à democracia, pois ao permitir que um certo tipo de discurso seja proibido e punido cria

5DWORKIN, Ronald. Even bigots and Holocaust deniers must have their say. Disponível em:
https://www.theguardian.com/world/2006/feb/14/muhammadcartoons.comment
precedente para que o mesmo ocorra com outros tipos de fala. Portanto, conclui-se que a
regulação estatal negativa é ruim e não deve ser aplicada.
A regulação positiva, ou new speech regulation segundo Balkin, teria como seu
destinatário as plataformas sociais, a infraestrutura digital. Esse tipo de regulação poderia
tomar as mais diversas formas, como whitelists, exigência que a plataforma apresente
visão contrária, mas a mais popular e factível é transferir a responsabilidade para a
plataforma, isto é, torná-la civilmente responsável pelo conteúdo de terceiros que a
utilizam. Ao impor essa responsabilidade à plataforma ela buscaria combater as fake
news e seria o ator mais eficiente a fazer isso uma vez que dispõe das ferramentas
tecnológicas. Essa solução, todavia, traz três problemas: (i) censura colateral; (ii)
cooptação público-privado; (iii) governança privada6 . Como as plataformas podem ser
responsabilizadas caso haja alguma notícia falsa, elas têm um grande incentivo em retirar
todo conteúdo que possa ser falso, sem haver incentivos na direção contrário. Isso faz
com que seja muito provável que censurem notícias e artigos que pareçam falsos, mas de
fato não o sejam, os falso positivos. Nesse sentido, basta 1 falso positivo para que a
plataforma esteja censurando conteúdo verídico e os riscos desse tipo de censura
desmedida são muito grandes à liberdade de expressão e democracia. Além disso, as
plataformas sociais poderiam banir indivíduos que disseminar muitas notícias falsas,
contudo isso seria uma censura prévia, pois retira o direito de tais indivíduos se
expressarem. Em segundo lugar, a possibilidade de responsabilizar a plataforma dá ao
Estado um instrumento muito eficaz para pressionar tais empresas a realizarem o que
desejam. Por fim, o terceiro problema se dá em relação a governança das infraestruturas
digitais. Transfere-se a elas o poder de censurar, regular, e determinar tudo o que ocorre
dentro de suas plataformas, contudo como elas lidam com tais poderes? Como
governam? Seguem os interesses de quem? Vale notar que nesse debate não só a
liberdade de expressão, como também a privacidade.
Os efeitos de propor que a regulação ocorra por parte das plataformas são muitos
similares aos já expostos. As empresas de infraestrutura digital teriam o poder de regular
como bem entendessem. Contudo, isso não resolve o problema, apenas o transfere de
mãos. As plataformas podem buscar melhorar os algoritmos, de modo que notícias que
tenham características típicas de notícias falsas não sejam mais tão prevalentes, mas isso
não elimina os possíveis conflitos com a liberdade de expressão.

6Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p.1175
Balkin argumenta que vivemos uma sociedade algorítmica, o que seria, segundo
ele, uma sociedade em que plataformas sociais grande e multinacionais estão entre
Estados-Nação e indivíduos, usando inteligência artificial e algoritmos para governar
populações7 . O autor argumenta que enquanto na sociedade tradicional vivia-se um
modelo em que o poder do Estado ameaça a capacidade do indivíduo se expressar, na
sociedade algorítmica o modelo é pluralista, pois o indivíduo pode ser censurado tanto
pelo Estado quanto pela infraestrutura privada, as plataformas sociais. Além disso,
haveria uma tensão perpétua entre o Estado e as empresas de infraestrutura pelo
controle das redes digitais, o Estado estaria sempre buscando controlar ou cooptar os
atores privados. A capacidade do indivíduo de se expressar estaria também sujeita ao
resultado desse conflito8. Para o autor, o Estado não deve intervir na governança privada
e n questão de fake news. Ele acredita que do mesmo modo que vemos o médico ou o
advogado como um fiduciário de informações, as empresas de infraestrutura digital
devem ser vistas sob a mesma perspectiva, tendo liberdade, porém tendo deveres
fiduciários.
Apesar de diversas tentativas de solução, observa-se uma grande dificuldade em
encontrar respostas ao problema das fake news, pois, além de ser muito difícil combatê-
las, elas são uma forma de discurso e devem ser protegidas pela liberdade de expressão.
As fake news são um problema multidisciplinar e multifacetado, qualquer solução terá que
ser correspondente ao problema. Nesse sentido, uma interessante fonte de soluções é a
psicologia. No relatório XXX, um dos modos propostos de mitigar as notícias falsas seria
criar pontes entre comunidades, ou seja, estimular interações sociais positivas entre
membros de comunidades diferentes que compartilham de ideologias diferentes. Segundo
o relatório, esse seria um modo muito mais eficaz do que a contradição direta9.
Outra solução possível seria que as plataformas sociais buscassem identificar e
rotular toda publicação que envolvesse bots. Além disso, poderia se criar um sistema que
busca identificar quais são os sites, páginas, que mais compartilham notícias falsas e
expor um aviso ao lado da publicação falando da possibilidade de aquilo ser uma notícia

7Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p.1151
8Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p. 1153
9LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference Official
Report (February 17-18, 2017), p.12
falsa. Essa soluções não restringiriam a liberdade de ninguém ao mesmo tempo que
facilitariam a identificação.
Uma outra potencial solução seria estimular veículos mais tradicionais da mídia
com presença digital a divulgar notícias com manchetes claras e objetivas de modo a se
distinguir das fake news. Também seria possível realizar uma campanha para que as
empresas fossem mais seletas com os sites que recebem seus anúncios, buscando
reduzir a quantidade de anúncios em sites de fake news e consequentemente o lucro de
seus autores.
Todas as soluções apontadas são paliativas, nenhuma delas elimina o problema
das notícias falsas. Porém, seria impossível realizar isso sem também eliminar a liberdade
de expressão. Para além das soluções propostas é necessário compreender a
capacidade do ser humano de se adaptar e aprender. As fake news tiveram papel
importante nas eleições de 2016, mas atualmente grande parte das pessoas já sabe da
sua existência e já tem uma maior desconfiança, o que faz com que naturalmente elas
tendam a perder parte da importância que tinham. Desse modo, inserem-se em um ciclo
de aprendizado e evolução humana. O maior risco, portanto, advêm não das fake news,
mas de um tentativa de regulá-la e acabe por restringir a liberdade de expressão.

Conclusão

A melhor regulação estatal possível no caso das fake news é o governo intervir tão
somente quando necessário para a proteção da liberdade de expressão.
Vale tomar como paralelo a história do próprio jornalismo. Até meados do início do
século XX, o jornalismo não gozava de padrões de profissionalismo que se conhece
atualmente. As noções de fact-checking e imparcialidade não eram padrões da atividade
jornalística e vieram a se tornar referências somente pela década de 1910-1920 nos
Estados Unidos10. Isso ocorreu, em parte, como reação ao surgimento e disseminação da
propaganda, e a noção de que esta colocava o jornalismo em risco11.
Ainda que se trate de situações diferentes, o desafio no cerne de ambos os casos
é o mesmo: como informar o público adequadamente sem limitar a liberdade de
expressão. O problema das fake news ainda exige muitas pesquisas e está em um

10LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action. Conference
Official Report (February 17-18, 2017), p.8
11Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance, and New
School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018 Forthcoming); Yale
Law School, Public Law Research Paper No. 615, p. 1209-1210.
estágio de discussão muito inicial, o que dificulta a proposição de soluções efetivas. Até
que ocorram pesquisas mais conclusivas, as melhores soluções são as paliativas que
mitigam o problema sem afetar os direitos fundamentais. A censura, seja ela praticada por
uma empresa ou por um Estado, é muito mais danosa a sociedade do que uma notícia
falsa.
Referências:

ALEMANO, Alberto. How to Counter Fake News? A Taxonomy of Anti-fake News


Approaches. European Journal of Risk Regulation, Vol. 9, Issue 1, 2018, pp. 1-5.

Balkin, Jack M., Free Speech in the Algorithmic Society: Big Data, Private Governance,
and New School Speech Regulation (September 9, 2017). UC Davis Law Review, (2018
Forthcoming); Yale Law School, Public Law Research Paper No. 615. Available at SSRN:
https://ssrn.com/abstract=3038939 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3038939

DWORKIN, Ronald. The coming battles over free speech. Disponível em: http://
www.nybooks.com/articles/1992/06/11/the-coming-battles-over-free-speech/

DWORKIN, Ronald. Even bigots and Holocaust deniers must have their say. Disponível
em: https://www.theguardian.com/world/2006/feb/14/muhammadcartoons.comment

ORTELLADO, Pablo. Notícias falsas desafiam equilíbrio entre liberdade eleitoral e


liberdade de expressão. Folha de São Paulo. Disponível em: https://
www1.folha.uol.com.br/colunas/pablo-ortellado/2018/06/noticias-falsas-desafiam-
equilibrio-entre-direito-eleitoral-e-liberdade-de-expressao.shtml

THE FLOYD ABRAMS INSTITUTE FOR FREEDOM OF EXPRESSION. Fighting


Fake News. The Information Society Project – Yale University, workshop report
published in April of 2017. Disponível em:<https://law.yale.edu/system/files/area/
center/isp/documents/fighting_fake_news_-_workshop_report.pdf>

LAZER, David et al. Combating Fake News: Agenda for Research and Action.
Conference Official Report (February 17-18, 2017). Disponível em: <http://
www.sipotra.it/wp-content/uploads/2017/06/Combating-Fake-News.pdf>

RAINIE, H., Anderson, J.Q. and Albright, J., 2017. The future of free speech, trolls,
anonymity and fake news online. Washington, DC: Pew Research Center.

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