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A pena de morte na óptica católica

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Por Erick Ferreira

“A razão histórica e a inclinação criminosa humana – que ninguém há de menosprezar –, depõe em


favor desta pena como fundamental para a ordem social, de modo que o pensador espanhol Donoso
Cortes observou sabiamente que onde quer ela é abolida “a sociedade passa a destilar sangue por
seus poros”. Por certo, os índices de criminalidade provam isso! Onde quer que se tenha abolido a
pena capital, também se verifica o aumento vertiginoso da criminalidade. E as razões disso são
claras e notadas há séculos. E muitas das respostas encontramos em tempos longínquos. Em suas
etimologias, escreveu Sto Isidoro de Sevilla: “As leis foram feitas para que, por medo delas, seja
coibida a audácia humana, a inocência defendida contra os maus e dos próprios maus refreada a
faculdade de fazer o mal, pelo temor do suplício” (Etymologias, V) Só os néscios discordariam de
tal verdade.”

QUAL O ENSINAMENTO TRADICIONAL DA IGREJA SOBRE A PENA DE MORTE

O Novo Catecismo não aboliu o ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de


morte. Nele se diz: “O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a
identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte” (Catecismo § 2267) Porém,
esta medida penal passou a ser quase desautorizada a partir do pontificado de João Paulo II até o de
Francisco. Recentemente, o Papa Francisco afirmou que “a defesa da pena de morte era um ato
imoral”. Mas tal afirmação implica em chamar de imoral o magistério tradicional da Igreja, e a
grande maioria dos santos, que em comunhão com este mesmo magistério, sempre consideraram a
pena de morte uma prática legitima e justa.

Santos como S. Jeronimo, S. João Crisóstomo, Sto Agostinho, Sto Tomás de Áquino,
S. Bernardo, S. Boaventura, Sto Isidoro de Sevilla, Sto Afonso de Ligório, S. Roberto Belarmino
entre outros, defenderam tenazmente esta prática; papas a apoiaram com denodo como S. Pio V,
Inocêncio I, Inocêncio III, S. Pio X, Pio XII; autores católicos de alta envergadura como Donoso
Cortés, Fulton J. Sheen, D. Jayme Balmes, Antonio Royo-Marin a autorizaram com a devida
racionalidade; autores seculares de grande prestígio como C. S Lewis, J. R. R Tolkien, filósofos
cristãos e ateus como Rousseau, Kant, Schopenhauer, Hegel, Leibniz entre outros a reputaram
fundamental para a ordem social. Há, portanto, uma licitude moral na pena capital reconhecida e
abalizada por homens ilustres e de ilibada conduta ao longo da história.

No entanto, vivemos os tempos onde um certo sentimentalismo exacerbado é a base


para o julgamento de todos os assuntos. Desta forma, parece-me que a maioria das objeções que se
vinculam atualmente contra a pena de morte partem antes de precipitações emocionais do que de
sólidos fundamentos racionais. Portanto, caso se queira ponderar seriamente este assunto, convém
antes de tudo, deixar de lado o excessivo sentimentalismo, e recorrer a uma óptica racional.

Convém notar, também que esta mentalidade que repudia a pena de morte, é bem
recente! Até o final do século XX, a maioria dos países ocidentais adotavam a medida com
naturalidade, e até sob aclamação popular. E até o começo do século XVIII – segundo Mr. Leven –,
não se conheciam países que não aplicassem a pena de morte a seus malfeitores (Introduction de la
peine de morte), A repulsa que o termo adquiriu parece ser um produto de nossos tempos.

OS SANTOS E A PENA DE MORTE


Aqui reuni alguns trechos de papas e santos sobre a pena de morte, a começar pelos assim
chamados “doutores máximos”.

Os dois maiores doutores da Igreja, Sto Agostinho e Sto Tomás de Áquino, foram
unânimes no reconhecimento da licitude moral da pena de morte. Em De Civitate Dei, Santo
Agostinho faz esta importante observação sobre o mandamento de não matar: “Não violaram o
preceito, não matarás, aqueles que, movidos por Deus [e nisso incluem-se santos como S. Luís IX,
Beato Urbano II, S. Fernando de Castela, Joana d’Arc] levaram a cabo guerras, ou os que,
investidos de autoridade pública e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de uma razão
justíssima, puniram com a morte os criminosos” (Livro I, Cap. XXI) E completa o maior dos
doutores católicos, Sto Tomás de Áquino: “Privar da vida os criminosos não só é lícito como
também necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade” (Suma Teológica, 1-2, q. 8, a3; 2-2,
q. 64, a2)
Mas além destes, cabe ressaltar que a maioria dos santos a aprovaram, entre os mais
enfáticos estão: S. Jerônimo que a respeito da pena capital escreveu em seus Comentários sobre
Ezequiel: "Aquele que ataca os ímpios em seus vícios e usa um instrumento de morte para matar os
vilões incorrigíveis, este é ministro de Deus”. E em seus Comentários sobre Jeremias, o santo
repete o mesmo argumento: “Punir os assassinos, os homens sacrílegos e envenenadores, não é um
derramamento de sangue, mas a administração da lei” (Cap. 22)

S. João Crisóstomo:

“Tu dizes ser Deus cruel por haver mandado tirar olho por olho, pois se a lei
de Talião é crueldade, também o será reprimir o assassino e cortar os passos
ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco poderão por remate
afirmá-lo. Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade
nisso, que melhor afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes
uma iniquidade… Imaginemos, senão, por um momento que toda a lei penal
foi abolida, e que ninguém tenha que temer castigo, que os malvados
possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar, matar, ser
perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de
cima a baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo
inteiro se encheria de crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com
todas as leis e seu temor e ameaças, os malvados a duras penas se contêm,
se essa barreira se deixara, que obstáculo restaria para impedir o triunfo da
maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e
contra nossas vidas? Com isso, juntar-se-ia outro mal menor, o deixar
indefeso o inocente e consistir que sofra sem razão e sem motivo.” (Sancti.
Joannes Chrysostomi. Opera omnia, Migni P. L. VII, Col. 246-246 – Ed.
esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955, I, 324-325)

Clemente de Alexandria:

“Quando alguém se mostra incorrigível e se lança ao crime, então o


governante, que tem o cuidado de todos, deve com muito justo direito, levá-
lo à morte, para que não cause dano aos demais” (Clementis Alexandrini,
Quae extant opera, Paris, 1572, Stromata, I, p. 114)

S. Roberto Belarmino:
“É lícito a um magistrado cristão punir com a morte os perturbadores da
ordem pública. Isto é provado, primeiro, pelas Sagradas Escrituras, pela lei
natural, pela lei de Moisés, e nos Evangelhos (…) é dever de um bom
governante, a quem foi confiado o cuidado do bem comum, impedir aqueles
membros que existem pelo benefício de prejudicá-lo, e portanto, se ele não
pode preservar todos os membros em unidade, ele deveria preferir cortar um
do que permitir que o bem comum seja destruído”.
(De laicis, cap. XIII)

Sto Hilário de Poitiers


“É lícito matar em dois casos: se um homem está cumprindo a função de
juiz, ou se ele está usando uma arma em sua própria defesa.
(Epístola III a Exuperius. Cap. 3)

Ao revisitarmos o passado, nos deparamos com certa unanimidade católica em relação a este ponto.
Um consenso que foi radicalmente alterado em nossos dias.

Sto Afonso de Ligório que fora um exímio jurista antes de sua conversão, compreendera bem a
necessidade da pena de morte para a ordem social e até para o bem espiritual dos malfeitores, e
mesmo após sua conversão, não mudou seu parecer sobre o assunto. O papa Inocêncio III então
afirma no Decreto Vergentis in Senium de 1199: “Se os criminosos de lesa-majestade são
condenados à morte [com o erram naqueles tempos], é mais um motivo para que os que ofendem a
Cristo devam ser eliminados [...] pois é muito mais grave ofender a majestade eterna do que ofender
a majestade temporal”. E desta forma adentramos em outro aspecto da pena de morte: seu aspecto
espiritual.
Nenhum ser humano é indiferente a realidade da morte, e um criminoso, por mais
endurecido que seja, ao ser confrontado com a morte, tem uma chance única de se redimir perante
Deus e a sociedade que ofendeu com seus crimes. A história nos mostra que a pena de morte foi um
instrumento eficaz de santificação para muitos celerados. Roberto Belarmino, o exímio doutor
católico, via na execução de um condenado, a possibilidade deste expiar sua culpa diante de Deus e
dos homens e alcançar a salvação, ao resignar-se com a pena imposta pelos tribunais humanos.
Deste modo, cabe dizer que a pena de morte também possui um caráter expiatório – e não só
correcional –, de que tiveram necessidade de impor, todas as sociedades, a seus criminosos. Mas
tais pensamentos são demasiadamente estranhos a uma sociedade que perdeu por completo a noção
de pena e culpa; de justiça e temor.

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