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Risco, Seguro e Assistência Suplementar no Brasil


Ligia Bahia
Junho de 2001

Introdução

Este texto objetiva inventariar definições de risco para examinar as


possibilidades e os limites da transposição destes conceitos para o sistema privado de
planos e seguros saúde no Brasil. Para tanto as referências mais freqüentemente
utilizadas pelas instituições gestoras de riscos são cotejadas com abordagens da
epidemiologia, antropologia e sociologia que questionam os fundamentos da teoria
econômica sobre riscos.
Estão relacionadas também, como um dos desdobramentos das dificuldades de
ajustes conceituais e operacionais entre seguro e saúde, algumas críticas à utilização
das ferramentas do cálculo dos prêmios de outros seguros para os seguros e planos de
saúde. Finalmente procura-se apontar singularidades do mercado de planos e seguros
no Brasil no que se refere especificamente às práticas de tarifação dos prêmios.

Risco

O termo risco designa incerteza de perda financeira. Também se refere a uma


pessoa segurada ou perigo contra o qual se efetua o seguro. Nas sociedades modernas
busca-se controlar a variabilidade dos eventos, compreender a natureza dos riscos, as
possibilidades de medí-los e avaliar suas conseqüências para converter o futuro incerto
em oportunidades de ganho que impulsione a sociedade. Nesse sentido o risco pode
ser definido como a variação relativa dos resultados reais em relação aos resultados
esperados (Bernstein, 1996 e Philips, 1998).
A literatura sobre seguro distingue dois tipos de risco. O risco puro, situação
que envolve a chance de perda ou não, mas não a chance de ganho, e o risco
especulativo. Sendo que os seguros estão voltados para a cobertura dos riscos puros.

Toda a base conceitual do cálculo do risco para os seguro está assentada na


idéia de que as incertezas, isto é, as dúvidas conseqüentes à inabilidade para predizer
resultados futuros afetam os processos de decisão dos indivíduos e empresas. As
técnicas de medição do risco convergem para a tentativa de transformar as
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incertezas em segurança. A variação de probabilidade constitui-se simultaneamente em


elemento do risco e em instrumento para as teorias de tomada de decisão. Nesse
sentido, o jogo talvez seja a mais forma mais objetiva para avaliar as preferências por
riscos. O que corre riscos prefere a pequena probabilidade de um grande ganho e a
grande probabilidade de pequena perda.
Quem tem aversão ao risco compra segurança. Isso significa preferir uma
pequena perda (prêmio do seguro) para prevenir a pequena probabilidade de uma
grande perda. O seguro, portanto, intervém no sentido da redução da variabilidade de
probabilidades futuras. Os indivíduos aversos ao risco preferem, escolhem
racionalmente, realizar seguros considerando a mais alta expectativa de utilidade. Isto
é, optam por transferir riscos para outra parte, desde que a realização do seguro
implique uma expectativa de utilidade maior do que a situação de não segurado.
Por isso nem todos os riscos são “seguráveis” por instituições privadas. É
necessário selecioná-los segundo critérios que garantam às seguradoras a
possibilidade de oferecer seguros sob preços que os segurados desejem pagar. Assim
as seguradoras tendem a evitar a cobertura para os denominados grandes riscos,
selecionando os “riscos ideais”. Por sua vez os compradores de seguros podem
modificar comportamentos diante dos riscos bem como omitir informações sobre perdas
previsíveis. Estas falhas de mercado, brevemente descritas a seguir estão presentes
em todas as modalidades de seguro.

Seleção de Riscos

Um risco pode ser considerado ideal para o seguro quando satisfizer quatro
condições:

1) um grande número de unidades independentes e identificáveis estão


expostas ao risco, cuja importância é suficientemente reconhecida pelas pessoas
responsáveis pelas unidades;

2) a perda pode ser definida ou determinada em termo de tempo, lugar, causa e


quantidade;

3) a expectativa da perda sobre um determinado período de operação deve ser


calculável ou seja o prêmio deve ser apropriado e viável;

4) a perda deve ser fortuita ou acidental


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Portanto, os fundamentos da seleção dos riscos consistem em maximizar as


áreas sobre as quais se tem controle e minimizar aquelas que não permitem
estabelecer previsões seguras. O seguro é uma das formas de tratamento de riscos,
mas não de quaisquer riscos e sim daqueles que se caracterizem por sua aleatoriedade
e caracterizem perdas quantificáveis (Williams, Smith e Young, 1998).

Moral Hazard

Um dos principais problemas enfrentados pelas instituições seguradoras é o


moral hazard que é a propensão de alteração do comportamento dos indivíduo porque
está segurado. Existem dois tipos de moral hazard. O ex-ante moral hazard diz
respeito ao efeito do seguro sobre a prevenção das perdas. Por exemplo, motoristas
com seguro podem passar a dirigir mais imprudentemente do que aqueles que não tem
seguro. No limite, a presença do seguro pode estimular a fraude (perda intencional). O
ex-post moral hazard refere-se ao efeito do seguro sobre a mitigação de perdas após
uma perda. Por exemplo, um desempregado protegido pelo seguro-desemprego pode
despender menos esforço para encontrar trabalho.

Seleção Adversa

É a tendência dos compradores de seguros utilizarem seu maior conhecimento


para adquirir seguros com prêmios mais baixos do que os atuarialmente justificáveis.
Tal problema decorre da assimetria de informações entre seguradoras e segurados.
Potencialmente os compradores de seguros detêm, freqüentemente, mais informação
sobre suas próprias propensões à perda do que os seguradores, abalando um dos
pilares fundamentais do modelo de mercados competitivos – a simetria de informações
entre compradores e vendedores.

Análise e Classificação de Risco

Risco enquanto um conceito estatístico pode ser definido como a freqüência


esperada de efeitos indesejados que surgem da exposição a fatores perigosos. Essa
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definição, centrada na probabilidade, pode ser expressa pela equação R = P * Mp,


onde P = probabilidade e Mp = magnitude da perda. Portanto, tanto os eventos de alta
probabilidade quanto os de alta magnitude estão diretamente relacionados com os
maiores riscos. Uma situação de alto risco de despesas potenciais, para as
seguradoras, pode decorrer de uma alta probabilidade dos riscos segurados, da
magnitude do valor segurado ou de ambos.

Essa equação permite que se visualize com facilidade que os riscos muito
prováveis bem como aqueles que impliquem perdas extremamente extensas não são
aqueles considerados ideais pelas seguradoras. As seguradoras podem negar
cobertura para um determinado objeto, para um indivíduo e para determinados grupos
populacionais, como o seguro para doenças ocupacionais de trabalhadores de minas de
carvão. Além da seleção de riscos, as seguradoras procuram minimizar os efeitos do
moral hazard e da seleção adversa.

Para controlar o moral hazard as seguradoras “devolvem” parte dos riscos


para os segurados. As franquias1 e os co-pagamentos2 são mecanismos que incentivam
a redução das perdas.

Duas abordagens podem ser utilizadas para atenuar os efeitos da seleção


adversa. A primeira está voltada a ampliar as informações das seguradoras sobre os
segurados, enquanto que a segunda direciona-se a desenhar contratos que encorajem
uma auto-classificação mais adequada do risco por parte do segurado. Por exemplo
apólices com franquias mais altas para o alto risco e sem franquias para o baixo risco.

Percepção do Risco

As abordagens da psicologia sobre a percepção do risco pressupõem a


subjetivação do conceito de risco. Segundo este enfoque o risco nem é objetivável e
nem ocorre externa e independente da interpretação dos seres humanos. O risco é uma

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Franquia é o mecanismo através do qual as seguradoras reduzem o pagamento pelas perdas
através de uma quantia fixada previamente. Um seguro com franquias requer que o consumidor
pague com seus próprios recursos as despesas até os valores previamente estabelecidos como sendo de
responsabilidade do segurado. Quando as despesas ultrapassam os valores das franquias a
responsabilidade passa a ser da seguradora.
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Co-pagamento é a redução do pagamento de perdas pelas seguradoras através de
porcentagem pré-determinada.
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abstração criada pelo homem para auxiliar o entendimento e o manejo dos perigos e
incertezas da vida.
Entre as aplicações das teorias sobre a percepção de risco baseadas no
comportamento subjetivo dos indivíduos encontram-se os estudos sobre as limitações
cognitivas dos indivíduos para processar informações sobre riscos. Tais estudos
sugerem que os indivíduos superestimam a possibilidade de ocorrência de certos
eventos catastróficos raros e sobrestimam a ocorrência de eventos freqüentes.
Segundo estudos sobre a percepção de riscos, as pessoas tendem a
subestimar os de baixa probabilidade e os freqüentes que ocorrem em situações
familiares. São conhecidos os diferenciais do impacto causado por eventos
extremamente comoventes (um desastre aéreo com artistas a bordo, um acidente de
carro com uma princesa) com perdas que não conotam tanta dramaticidade tais como
mortes por asma.

As escolhas das pessoas mais temerárias pela proteção aos riscos mais
freqüentes ou dos mais graves por parte das mais intrépidas gera um diferencial que
tem como corolário: muitas oportunidades de negócios em torno da proteção aos
riscos não existiriam se todas as pessoas atribuíssem a eles os mesmos valores.

Para os psicólogos a percepção individual sobre o risco possui duas dimensões.


A primeira e mais importante é denominada de fatalidade e concerne a natureza
incontrolável e catástrofica do evento. A segunda dimensão está referida ao
desconhecimento do risco. Sob a ótica da percepção individual do risco, os perigos
considerados voluntários são classificados como controláveis, bem conhecidos e
despertam uma certa intolerância por refererência às perdas decorrentes de riscos
desconhecidos e involuntários.

A fim de corrigir as percepções dos leigos de interpretar fatos isolados como


representativos recomenda-se a produção e disseminação de informações destinadas
a suprir ou reduzir os erros nas escolhas (seleção) sobre a exposição e a proteção aos
riscos. Trata-se portanto de intervir sobre os problemas cognitivos dos consumidores.
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Contexto Cultural e Percepção do Risco

Os antropólogos contestam as teorias econômicas e comportamentais que


tomam como ponto de partida a escolha racional ou ainda a percepção de risco do
indivíduo. A adoção da sociedade com referencial e não os indivíduos torna a
percepção de riscos fortemente mediada por valores e contingências institucionais.

A principal crítica à teoria de tomada de decisões, que usa a média de


distribuição de probabilidades, é que ela ignora o que é antes de tudo fundamental no
que refere aos riscos: sua própria distribuição. A perda da experiência real do risco3
leva a suposição que as decisões sobre exposição e proteção a eventos sejam tomadas
individualmente. As inferências baseadas em preferências individuais para a escolha
de grupos são fontes dos clássicos erros de falácia (quando uma característica do
indivíduo é indevidamente extrapolada para uma coletividade). As atitudes a respeito do
risco estão determinadas conjuntamente por valores e probabilidades, e não apenas
pela utilidade. A não explicitação da distribuição do risco é essencial para a
“individualização” do risco, possibilitando o tratamento de problemas manifestamente
sociais como disposições pessoais.

Questiona-se também a idéia dos diferenciais em relação à percepção do risco


elaborados pelos psicólogos. A idéia de uma “imunidade subjetiva” aos riscos
percebidos como baixos mas que são mais freqüentes é adaptativa, permite que os
seres humanos enfrentem com serenidade os perigos. Mas parece revelar a
irracionalidade dos seres humanos e a necessidade de uma educação voltada para o
ensino do probabilista já que se atribui às dificuldades cognitivas os comportamentos
polares em relação ao risco. Para antropólogos, como Douglas (1996) os processos
cognitivos sobre a percepção e os mecanismos de proteção aos riscos são altamente
socializados e não podem ser reduzidos a teorias que culpabilizam as vítimas (por
exemplo é o doente o responsável pela sua má saúde), notadamente eficazes para
silenciar denúncias sobre a totalidade do sistema social.

Esses questionamentos que provocam interrogações intrinsecamente


relacionadas com a justiça social, seriam respondidos de maneira diferente, caso uma

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As idéias sobre o mundo provem da experiência social. As idéias sobre aleatoriedade e conexão entre os
fatos não são independentes, tal como requer a análise formal de probabilidades (Douglas, 1996).
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análise custo benefício fosse aplicada a sistemas éticos distintos. Como se coaduna,
por exemplo, a concepção de seres racionais capazes de optar pela minimização de
riscos e maximização de benefícios no sentido da adoção de comportamentos e hábitos
seguros e saudáveis com a velha imagem do estilo de vida americano, segundo a qual
os pioneiros se tornaram ricos enfrentando toda sorte de riscos?

A lógica da satisfação individual transposta às instituições gestoras de risco, que


ocupam grande parte de suas agendas com processos de culpabilização e exoneração
de responsabilidade, por sua vez, encobre o processamento de decisões que
descartam a priori algumas opções e selecionam outras. Mesmo as demandas que
conseguem penetrar o processo de decisão e se tornam objeto de políticas públicas
recebem um tratamento técnico que as “destematizam” de seus contextos , sociais,
genéticos, biológicos, químicos etc. Para as seguradoras os riscos selecionados serão
valorizados independentemente de suas causas. Essa vocação das instituições que
absorvem perdas as torna, em princípio, pouco aptas ao desempenho de atividades
de prevenção e eliminação dos riscos.

Sob esse enfoque o problema não reside nem na busca da utilidade e nem na
irracionalidade dos indivíduos e sim no atual modelo de racionalidade. Como os riscos
e as incertezas são selecionados e administrados pelas instituições. As sociedades
fixam limites em relação aos riscos aceitáveis e não dos escolhidos. Na realidade,
as escolhas que se apresentam muitas vezes aos indivíduos consistem, quase sempre,
na incorporação ou não a instituições de diferentes tipos e não a preferências por
riscos.

Sociedade de Risco

Sociólogos como Beck (1997) consideram, tal como os antropólogos que os


discursos dominantes sobre risco permanecem instrumentalistas e reducionistas,
contudo enfatizam críticas ao conhecimento científico sobre os riscos, postulando que
é a própria ciência que produz perigos, mesmo quando tenta controlá-los.

A sociedade de riscos representa um terceiro estágio da modernização que


sucede a pré-modernidade e a “modernidade simples”, que está associada à sociedade
industrial. A sociedade industrial e a sociedade de risco são formações sociais distintas.
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Enquanto o princípio axial da sociedade industrial, que se orienta pela lógica da


escassez, é a distribuição de bens, o da sociedade de riscos é a distribuição de
malefícios, riscos. A sociedade de risco designa um estágio da modernidade onde
tomam corpo as ameaças produzidas e encobertas pelo desenvolvimento da sociedade
industrial. Na alta modernidade os riscos de auto-destruição, irrevogáveis, não são
personalizados e visíveis como em épocas anteriores. Muitas ameaças são
imperceptíveis para os sentidos, a universalidade dos riscos é por vezes evidenciada
apenas por seus efeitos colaterais. O aumento do bem estar e o aumento dos riscos
condicionam-se mutuamente.

A percepção de que os riscos são universais gera um novo tipo de dinamismo


social e político. A modernização envolve não apenas mudanças estruturais, mas uma
relação mutável entre estruturas e agentes sociais. O poder de questionamento dos
novos agentes sociais corrói as bases de veracidade e realismo da ciência. Surge um
ceticismo a partir da substituição da fé nos modelos de controle por discussões
múltiplas sobre as bases e as formas de racionalidade da sociedade industrial. A própria
calculabilidade dos riscos se torna problematizada: como compensar aqueles cujas
vidas são afetadas por esses riscos? A atividade dos especialistas em riscos limitada
por sua herança cultural, formas de patrocínio e orientações institucionais passa a ser
confrontada com a experiência. A liderança dos especialistas na definição das agendas
de controle de riscos é disputada. A equação que legitimativa as usinas nucleares e
atribuía ao hábito de fumar um estatuto estatisticamente mais perigoso do que a
possibilidade de destruição e contaminação nuclear começa a se tornar insustentável.

As críticas à ciência desenvolvidas pelos movimentos ecológicos e entre o


público leigo são reflexivas e podem delinear uma radicalização da racionalização. À
cultura do cientificismo que tem imposto uma identidade para os atores sociais ao
demandar sua identificação com instituições sociais particulares e suas ideologias,
notadamente nas acepções sobre risco, mas também em definições sobre sanidade,
comportamento sexual apropriado e outras incontáveis molduras “racionais” do controle
social moderno, pode ser transformada pela experiência pública.

Portanto, para alguns dos estudiosos, o que está em disputa não são as
concepções científicas sobre risco e sim a própria ciência e as instituições por ela
legitimadas.
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Risco e Epidemiologia

A epidemiologia utiliza o conceito de risco para medir ou quantificar ou medir a


freqüência com que os problemas de saúde ocorrem em populações humanas. As
medidas de freqüência são definidas a partir de dois conceitos epidemiológicos
fundamentais, denominados prevalência e incidência. A prevalência expressa o número
de casos existentes de uma doença, em um dado momento. Já o conceito de incidência
refere-se à freqüência com que surgem novos casos de uma doença, num intervalo de
tempo. Outras medidas, como as de mortalidade, letalidade e sobrevida, podem ser
entendidas como variações do conceito de incidência.
Porém, o número de casos de doenças incidentes, por si só, não permite
comparações entre diferentes populações ou áreas geográficas, ou entre diferentes
períodos bem como as investigações sobre associações sobre causas e efeitos
envolvidos com o processo de adoecimento. Para tanto são utilizadas medidas de
incidência expressas como freqüências relativas, como a taxa de incidência e a
incidência acumulada, ambas expressões numéricas, ou quantitativas, do conceito de
risco.
Nesse sentido, risco significa a probabilidade de um indivíduo adoecer durante
um intervalo de tempo determinado; é uma probabilidade condicionada à ausência de
riscos competitivos, ou seja, baseada na premissa de que o indivíduo não morra ou
adoeça por nenhuma outra causa ao longo do período de observação, antes de
desenvolver o problema de saúde em questão. Embora referido a indivíduos, o conceito
de risco é expresso numericamente a partir de observações envolvendo grupos de
indivíduos (Costa e Kale, 2001).
Os epidemiólogos operacionalizam o conceito de risco agregando dimensões
temporais e espaciais à probabilidade, o que lhes permite elaborar modelos causais,
delinear tendências e comparar a ocorrência de problemas de saúde em diferentes
populações.

As Instituições que Previnem, Controlam e Gerem Riscos

Essas concepções teóricas e seus respectivos repertórios instrumentais estão


presentes, ainda que de forma bastante heterogênea, nas instituições que previnem,
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controlam e gerem riscos. É possível associar com facilidade o conceito de risco


epidemiológico aos centros de prevenção e controle de doenças, bem como a teoria
da utilidade às empresas especializadas na gestão do risco, entre as quais se destacam
as seguradoras privadas.

Nas seguradoras as noções de risco, probabilidade orientam as atividades de


gestão de riscos. O seguro pode ser definido como uma tecnologia do risco, toda a
teoria do seguro repousa sobre a noção de risco. Sob um enfoque genérico a teoria do
seguro assenta suas bases na criação de fundos para a compensação de perdas
financeiras, que se estendeu a partir da demografia e do cálculo de probabilidades aos
seguros de pessoas.
De acordo com o Dictionary of Insurance Terms da Barron’s Business Guides
seguro é o mecanismo utilizado para transferir a carga de uma quantidade de riscos
puros através de sua interligação. Uma definição mais assentada na dimensão jurídica
do seguro pode ser encontrada no Dicionário de Seguros do Instituto de Resseguros do
Brasil, segundo o qual o seguro é o contrato que prevê a obrigação de uma das partes,
mediante cobrança de prêmio, a indenizar outra pela ocorrência de determinados
eventos ou por eventuais prejuízos.
Portanto, o seguro representa uma transação de transferência de riscos com
duas dimensões, uma financeira e uma contratual. O segurador se obriga ao
pagamento de uma compensação para determinados riscos (fogo, roubo) em troca de
contratos que implicam o pagamento de prêmios por parte dos segurados. Os prêmios
são calculados de maneira a permitir que em média sejam suficientes para pagar as
indenizações aos contratantes e para cobrir os custos de administração e os lucros das
seguradoras. Efetivamente, o seguro dilui os riscos entre um conjunto de expostos ao
longo do tempo, portanto, as perdas individuais são compensadas às expensas de
todos os que segurados. As formas tradicionais de seguro são os seguros gerais, os
seguros de coisas, como o marítimo e o de incêndio, comercializados desde o
mercantilismo, e o de pessoas, como o seguro de vida, sendo o último denominado
4
assurance , em função de sua cobertura ser relativa a um risco cuja ocorrência é
inevitável.

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Assurance ramo de seguros no qual o contrato é realizado através do pagamento de uma soma de
capital em uma data específica ou após a morte da pessoa segurada. A matriz do contrato ou apólice é
denominada termo ou seguro de doação sendo o último denominado seguro de vida. Ambos os tipos de
apólices podem ser realizadas com ou sem lucros durante o tempo de vida do contratante. Através do
pagamento de um prêmio elevado, o contratante pode receber parte dos lucros correspondentes a
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O primeiro tratado atuarial publicado por Richard Price, em 1796 baseado nas
tábuas de mortalidade, elaboradas inicialmente por Halley, desvelou a “ciência do
seguro” de pessoas - a aplicação da teoria das probabilidades aos registros de
nascimento e óbito – uma ferramenta para estimar o valor dos prêmios para os seguros
de vida, que adequava a lógica utilizada pelos seguros marítimos às novas
possibilidades de cálculo de duração da vida.

Contudo, as seguradoras não lograram imediatamente popularizar o seguro de


vida para homens livres. O seguro de vida foi proibido por sucessivas
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regulamentações . Embora os seguros para escravos fossem praticados desde o
século XVI, como uma variante do seguro marítimo, os seguros de pessoas só
tornaram-se mais difundidos com a industrialização, as condições de assalariamento
dos trabalhadores e sobretudo com o deslocamento da proteção dos riscos existenciais
da família para a órbita do Estado.
Indenizações e provimento de serviços para riscos como acidentes de trabalho,
ausência do trabalho por doenças transitórias, desemprego e envelhecimento e morte,
ou seja os relacionados diretamente com o mercado de trabalho, passaram a integrar
o orçamento e a pauta de consumo das famílias. A transformação da função produtiva
da unidade familiar em consumptiva e a dissolução da propriedade familiar aos
rendimentos individuais de cada um de seus membros impedem que os casos de
doenças e também a garantia do provimento de recursos para a velhice sejam
solucionados no âmbito da família.
Os seguros de pessoas expressam processos de “desfamiliarização” dos
riscos, da transferência de condições de viver e trabalhar para a órbita do Estado que
passa a assumir a prestação de serviços para necessidades básicas, seja confiando
tarefas sociais a agentes privados, seja como produtor das atividades. Da variação na

arrecadação do fundo de seguro de vida. As apólices podem também estarem vinculadas em alguns casos
a lucratividade (equities) e portanto o pagamento final é determinado pelos preços correntes no mercado.

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O Guidon de La Mer de 1584, Ordenança da Espanha de 1570, a Ordenança de Amsterdam de 1598 e a
da Marinha Francesa de 1681 impediam o seguro de vida de qualquer pessoa sob alegação da coibição de
crimes cometidos em segurados (Ferreira 1985:212-216).
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Aos escravos se imputava o valor de bens materiais, o código negro, um dos instrumentos legais do
tráfico de escravos, publicado no reinado de Luis XIV declarava os negros como móveis. Assim a “a
madeira de ébano”, mercadoria vulnerável pela alta mortalidade nas prolongadas travessias nos navios
negreiros era objeto de contratos que indenizavam a perda de escravos por doenças, motins ou
condenação por indisciplina (Lopes, 1987)
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intensidade e na visibilidade da intervenção do Estado no financiamento, gestão e


provimento dos serviços e pagamento de auxílios e indenizações referentes aos riscos
envolvidos com o adoecimento, morte, acidente de trabalho e aposentadoria decorrem
distintos modelos de previdência coletiva.
Idealmente os seguros sociais estariam voltados a cobertura de riscos sociais e
os seguros privados aos riscos individuais. Mas o processo de maior ou menor
estatização de determinadas atividades parece depender mais de razões atinentes a
rentabilidade associada ao progresso técnico envolvido com o risco segurado e dos
padrões de políticas sociais, do que da natureza dos riscos. Parece, portanto, que a
definição da natureza dos riscos não se realiza apenas em função da origem do agente
e da condição individual ou coletiva de exposição aos riscos, mas sim durante o
processo de institucionalização dos mecanismos compensatórios.

Seguros, Planos e Sistemas de Saúde

Os seguros saúde, enquanto integrantes do processo de institucionalização dos


riscos advindos com a industrialização, são ainda mais recentes do que os seguros de
vida. A literatura especializada em seguro afirma a semelhança do seguros saúde com
qualquer outra atividade de gestão de risco que envolva pessoas.

O gerenciamento de riscos pessoais pode ser aplicado à


exposição de agravos à saúde. Os agravos à saúde podem ser
identificados e avaliados em termos de despesas médicas
individuais ou familiares, perda de renda decorrente de
incapacidades e o custeamento das despesas de manutenção
de indivíduos impedidos de desempenho eventual de suas
atividades cotidianas (Halman e Hamilton, 1994)

Ao mesmo tempo, as diferenças entre o seguro saúde, o de vida e o de coisas


são suficientemente significativas e exigentes da elaboração de analogias para
justificar a manutenção da saúde nos mesmos marcos institucionais dos demais
seguros. Como selecionar, medir e avaliar os riscos, as expectativas de perdas,
envolvidas com a saúde?
A resposta a essa pergunta é aparentemente muito simples. O espectro de
riscos à saúde aceitáveis pelas empresas privadas de seguros e planos de saúde é
reduzido. Essas empresas não objetivam garantir a saúde e sim apenas indenizar
determinadas perdas financeiras decorrentes de despesas com assistência médico-
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hospitalar. Contudo, os problemas dos seguros saúde escapam das amarras da teoria
do seguro, não somente em função dos limites à pretensão de gerir riscos à saúde
considerando a possibilidade de delimitar um único momento do processo saúde
doença, mas também porque o contrato entre seguradoras e segurados, no que tange
ao seguro saúde, não é baseado no cálculo de um valor único a ser indenizado face à
perda do objeto ou da vida, como nos demais seguros, e sim referenciado a uma média
de probabilidade de consumo de serviços de saúde.

Riscos, Prática Médica, Planos e Seguros de Saúde

Se vistas sob outro ângulo, o do processo de empresariamento e capitalização


da medicina que acompanha a conformação do mercado de planos e seguros saúde, as
diferenças entre os seguros saúde dos demais ramos será justificada, precipuamente,
pela iniciativa dos prestadores de serviços de facilitar à população a eventual
necessidade de acesso a médicos e hospitais, cujos custos tornaram-se vultuosos,
através do pagamento de prestações prévias – pré-pagamento. Essa foi a motivação
declarada para a criação da Blue-Cross e Blue-Shields nos EUA e das empresas
médicas (medicinas de grupo e cooperativas) no Brasil.

A participação de médicos, proprietários de hospitais no processo de


transformação na natureza empresarial das atividades dos prestadores de serviços,
preservou o caráter assistencial do mercado de planos e seguros saúde, dotando-o
simultaneamente de uma face nitidamente financeira. Esse movimento de
incorporação da lógica financeira à da prestação de serviços, embora convergente ao
da crescente securitização das atividades econômicas, remete desafios permanentes à
adequação do seguro saúde às regras da gestão de risco.

Isso confere um hibridismo ímpar às instituições de planos e seguros, que, ao


contrário dos demais ramos, não necessitam, por exemplo, contar com corretores para
intermediar o atendimento de seus clientes e sim com uma rede assistencial orientada e
organizada, segundo teorias e práticas diferentes e conflitantes com a lógica do seguro.
Na prática, a denominada reparação das perdas se realiza através da prestação de
serviços médicos financiados pelas seguradoras e empresas médicas.
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Ademais, deixa à prática médica a tarefa de reordenar as atividades de


indenização dos riscos de perda patrimonial decorrentes de doenças. Alguns destes
reordenamentos incidem sobre a lógica do valor a ser segurado que passa a ser
definido, fundamentalmente pelos provedores de serviços, que ao mesmo tempo são
encarados como indutores de demandas. Essa falha do mercado – inversão do princípio
sobre a primazia dos compradores, perfeitamente informados sobre a qualidade dos
bens e serviços, sobre a decisão de comprar - ao lado dos efeitos específicos e
ampliados do moral hazard e da seleção adversa no mercado de planos e seguros
saúde, tornam o processo de seleção, análise e tarifação do risco de despesas
médico-hospitalares, sob a ótica meramente atuarial, extremamente complexo.

Como estimar a probabilidade e a magnitude de eventos como o consumo de


serviços de saúde para riscos que não são nem aleatórios, como por exemplo uma
gravidez planejada ou a realização de testes preventivos, quase sempre muito
prováveis, como por exemplo os exames laboratoriais e nem sempre relacionados a
perdas patrimoniais importantes?

De fato, os riscos envolvidos com o consumo de despesas médicas não


preenchem as condições de risco ideal para o seguro. Adicionalmente, os interesses
e conflitos de consumidores, prestadores de serviços e financiadores da assistência
médico-hospitalar e os constrangimentos regulatórios em torno da questão cobertura/
preços (gastos com saúde) remetem o debate sobre saúde à definição de prioridades.
O que se verifica, freqüentemente, é que os princípios da seleção de riscos que
orientam as atividades das seguradoras e empresas médicas entram em choque com a
experiência real de probabilidade de exposição ao risco e com os padrões e
necessidades de consumo de serviços de saúde.

Até os especialistas em economia da saúde mais ortodoxos como Greenberg


(2001) se referem a situações, nas quais os médicos “desconhecem” os problemas
dos pacientes e que não se encaixam nas molduras da propalada assimetria de
informação. Da mesma maneira a divulgação de informações sobre “resultados” da
prática médica pode não contribuir para aumentar a competitividade. A publicação das
taxas específicas de mortalidade dos cirurgiões relativas à revascularização do
miocárdio no estado de Nova York, geraram inicialmente uma migração da demanda
para outros estados dos EUA. Quando analisadas posteriormente, mostraram que os
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pacientes com taxas de mortalidade mais elevadas eram aqueles menos estáveis,
portadores de um risco prévio diferenciado.

As regras de ajustamento dos organismos vivos são imanentes e portanto


pouco adequadas aos cálculos externos, Características do processo saúde-doença e
da prática médica não se adeqüam aos conceitos de evento e ao cálculo de
probabilidades baseado em despesas pretéritas. Problemas como: 1) a complexidade
da medição e isolamento de riscos decorrente da intrincada rede de causalidade
envolvida na exposição e adoecimento; 2) a velocidade de ampliação das pautas de
consumo de serviços e a as mudanças e criação de procedimentos para o diagnóstico
e tratamento, ou são descartados nos cálculos atuariais ou reduzidos a uma equação
que iguala diagnóstico principal a evento ou ainda a uma homogeneização entre
envelhecimento, adoecimento e ao consumo de serviços de médicos.

Alguns dos mecanismos, que permitem que a seleção de riscos e critérios para
o cálculo de prêmios das seguradoras e operadoras de planos de saúde, são
examinados a seguir com o intuito de cotejá-los com práticas de tarifação dos prêmios
no Brasil.

Valor Atuarial dos Planos e Seguros Saúde

Os elementos básicos para a determinação do valor atuarial dos planos e


seguros saúde são: 1) morbidade e consequentes despesas relativas ao consumo de
procedimentos médicos e hospitalares; 2) despesas de comercialização e
administrativas; 3) garantias e reservas; 4) lucro. Entre os fatores considerados
tradicionalmente para classificar os riscos envolvidos com as despesas médicas
situam-se: idade, sexo, ocupação e área geográfica. Dessa maneira, a base atuarial
para os planos e seguros saúde inclui a estimativa de probabilidades da ocorrência de
despesas médico-hospitares por idade e sexo, avaliação da variação das despesas
médico-hospitalares, por idade, sexo e região geográfica, cálculo do denominado
“carregamento” do prêmio (lucro + despesas administrativas e de comercialização) e
fixação de tarifas. Esse painel tradicional de instrumentos atuariais não leva em conta
os elementos considerados exógenos aos riscos cobertos como a indução de despesas
pelos prestadores de serviços.
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As críticas à classificação do risco segundo tais elementos consideram as


dificuldades de mensurar a morbidade e a propensão de consumir serviços de saúde.
Variáveis como idade, sexo, participação em apólices familiares ou individuais, status
marital e educacional e outras como tempo de permanência no plano, status
ocupacional são medidas indiretas do status de saúde. Assim os preditores
demográficos, embora relativamente potentes para estimar médias, são
demasiadamente heterogêneos para discriminar classes diferenciadas de risco no
interior de agrupamentos por sexo e idade. Sob os modelos de ajuste por idade, todos
os homens de 55 anos teriam o mesmo risco.

Medidas mais diretas de status de saúde são requeridas para aprimorar a


classificação de risco. Internações hospitalares podem, em geral, indicar alterações
negativas no status de saúde. Entretanto três fatores contrariam essa perspectiva. O
primeiro diz respeito a modesta proporção de pessoas internadas (aproximadamente
10% do total), sendo que, em pessoas não idosas, grande parte das internações é em
obstetrícia. Sendo assim a imensa maioria da população ficaria agrupada em um
mesmo grupo de risco. O segundo refere-se aos padrões diferenciados de utilização
de procedimentos pelos médicos que determinam a variação da utilização de
internações. E, finalmente, identifica-se um efeito de cluster em torno de internações,
especialmente as prolongadas, que podem representar um processo de cura bem
sucedido ou a exaustão de eficácia da intervenção médica.

As informações sobre morbidade de pacientes ambulatoriais oferecem inúmeras


vantagens em relação às internações. Reduzem o problema de concentração, pois
permitiriam a classificação dos indivíduos em categorias de risco mais adequadas
levando em consideração a presença de doenças crônicas e até mesmo sintomas pré-
clínicos como hipertensão, hipercolesterolemia etc. O problema é que estas
informações não estão disponíveis de forma a serem relacionadas com as despesas.
Mesmo o uso prévio de serviços de saúde que pode predizer despesas futuras,
especialmente para os segmentos populacionais idosos, capta hábitos dos provedores
de serviços e incorpora padrões ineficientes de tratamento.

Uma outra alternativa para obtenção sobre o status de saúde é através dos
questionários de auto-avaliação que podem inclusive conter quesitos sobre
comportamentos de risco, como fumar, beber, hábitos esportivos, práticas sexuais bem
como sintomas psicológicos como depressão e ansiedade. Entre os obstáculos para a
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utilização da auto-avaliação para a classificação do risco situam-se: 1) a subjetividade


que pode levar a valorização de condições benignas e vice-versa; 2) erros de
mensuração em função das possibilidades de interpretação das perguntas; 3) se a auto-
avaliação é percebida como um instrumento de punição, ela estimula respostas para
enganar o sistema.

Existem também modelos baseados em informações sobre mortalidade que


podem ser utilizados para um grupo etário muito específico e também são pouco
aceitos por estimularem, ainda que indiretamente, uma racionalização de serviços para
pacientes terminais.

Tentativas mais recentes de ajustar os riscos envolvidos com os planos e


seguros saúde pressupõem que as despesas variam em decorrência de inúmeras
razões, incluindo variações no status de saúde dos beneficiários, eficiência dos
prestadores de serviços e seus estilos e hábitos e as expectativas da população a
respeito dos cuidados à saúde. A lógica consiste em decompor a variação da utilização
de serviços de saúde sob elementos lógicos (os que são endógenos, como as
características de saúde dos beneficiários e os exógenos, derivados da ineficiência ou
má prática dos prestadores de serviços) e designar cada componente ao locus
apropriado para modificar a lógica de financiamento dos planos de saúde (Hornbrook
e Goodman, 1991).

As alternativas para o pagamento dos prêmios dos seguros e planos de saúde


variam desde a estrita vinculação dos preços à classificação de pessoas com riscos,
avaliados como semelhantes e agrupados em “camadas” (tiered rating) até o
community rating que estabelece os mesmos valores para os prêmios de todos os
indivíduos de uma determinada área geográfica. De modo geral identificam-se duas
possibilidades para a divisão de riscos entre os participantes dos planos e seguros
saúde: 1) o experience rating, processo de determinação do prêmio para um grupo
baseado totalmente ou parcialmente na “experiência de despesas médico-hospitalares”
do grupo; 2) o community rating, que reflete o risco total de uma “comunidade”,
considerado como “desestabilizador” do mercado de planos e seguros saúde em
função da tendência de padronização em torno de preços mais elevados e desincentivo
aos consumidores de baixo-risco (Source Book of Health Insurance Data, 1999).
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Prêmios dos Planos e Seguros Saúde no Brasil

No Brasil o mecanismo mais visível, e certamente o mais acionado pelas


empresas de planos e seguros saúde para a seleção de riscos, foi uma
“nacionalização” do cream skimming. Em decorrência da segmentação dos grupos
populacionais com cobertura de planos e seguros saúde coincidir com aqueles mais
hígidos e da transferência dos riscos mais graves e vultuosos para os serviços
públicos, o painel de instrumentos propriamente atuarial tem sido pouco utilizado ou
pelo menos, subordina-se à lógica da restrição/negação de coberturas.

Por outro lado, o predomínio dos planos coletivos empresariais e entre estes, a
quase totalidade daqueles baseados em uma espécie de “rateio comunitário”, valor do
prêmio per capita, independente de sexo, idade, status de saúde – herdado dos
convênios empresa com a Previdência Social - dispensam o uso de classificações de
risco mais detalhadas.

Uma terceira característica do mercado de plano e seguros no Brasil, sinaliza


também em direção contrária ao uso mais intenso das técnicas atuariais, se refere a
tendência de retenção do risco de despesas médico-hospitalares pelas empresas
empregadoras que os encaram com benefícios/ salários indiretos que devam ser
homogeneamente distribuídos. Esta participação das empresas empregadoras na
gestão dos riscos assistenciais tem sido potencializada pela crescente presença dos
denominados planos administrados no mercado de assistência médica suplementar.

Os problemas de classificação de risco se intensificam nos planos individuais,


cujos valores dos prêmios, estão referenciados a possibilidade de atendimento por
redes de provedores diferenciadas por padrões de conforto e status profissional dos
médicos e não a probabilidade de adoecimento ou a propensão de utilização de
serviços. Em média as despesas hospitalares, excluindo-se os honorários médicos,
com internações clínicas de pacientes de planos executivos atendidos em hospitais
categorizados como primeira linha são sete vezes maiores do que a de clientes de
planos básicos internados em enfermarias de estabelecimentos tidos como de terceira
linha.

Diante do agrupamento das práticas da estimativa dos prêmios dos planos


empresariais coletivos com as dos planos individuais, que estruturam a operação de
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planos e seguros saúde no Brasil, depreende-se que a determinação do valor dos


prêmios seja baseada em critérios que não consideram propriamente o risco. A
substituição do cálculo atuarial por uma “conta de chegada”, suficiente para financiar os
diferentes padrões de consumo de serviços de saúde subjacentes a planos executivos
ou básicos, parece já legitimada pelo intenso uso de “pagamentos por fora” para
médicos e pela cobertura adicional prestada por determinadas empresas
empregadoras a riscos não atendidos pelas redes de serviços das operadoras de
planos de saúde.

As especificidades brasileiras em relação à gestão dos riscos à saúde por um


lado nos remetem desafios, presentes em outros modelos assistenciais semelhantes,
em relação a classificação do risco e definição do valor do prêmio. De outro lado
podem nos apontar saídas originais em relação a conceituação de risco e saúde mais
compatíveis com as necessidades universais de bem-estar.
A articulação de ambas tarefas: dotar o mercado de instrumentos mais precisos
para a classificação de riscos e simultaneamente conceber modelos de proteção social
mais includentes e permeáveis às variadas e dinâmicas concepções de risco, requer o
empenho de todas as instituições envolvidas com a regulação. Afinal de contas seguro
morreu de velho!

Bibliografia
BECK, U. (1997a) Risk society. Londres: Thousand Oaks: Nova Deli: Sage
Publications.
COSTA, A J. L. e KALE, P.L. (2001) Medidas de freqüência In MEDRONHO, R.
Epidemiologia. Rio de Janeiro: Ateneu

DOUGLAS, M. (1996) La aceptabilidad del riesgo según las ciencias sociales.


Barcelona: Paidós
GREENBERG, W. (2000) The health care marketplace. Nova York: Springer

HEALTH INSURANCE ASSOCIATION OF AMERICA (HIAA) (1999) Source Book of


Health Insurance Data. Washington;HIAA

HORNBROOK, M. C. e GOODMAN, M. J. (1991) Health plan case mix: definition,


measurement, and use In HORNBROOK, M. C. Advances in health economics and
health services research London: Jai Press Inc.

PHILIPS, R. D. (1998) The economics of risk and insurance: a conceptual discussion. In


SKIPPER, H. D. Jr. . Boston: Irwin McGraw-Hill

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