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MODULO II - INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

AULA 01: DIREITOS HUMANOS, SOCIEDADE E CULTURA: OS DESAFIOS ATUAIS

TÓPICO 06: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS

GLOBALIZAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E RESISTÊNCIAS


CULTURAIS

A antropóloga e professora da UNB Rita Segato (2006) defende que a moral


de determinada época ou de determinado povo influencia os processos de
formulação das leis. Com frequência, as deliberações traduzem as ideias dos
grupos que estão no poder, que nem sempre são expressas de maneiras
igualitárias. Uma maior equidade vai sendo reivindicada à medida que
minorias conseguem se articular o bastante para demandar
reconhecimento e proteção jurídica.

MINORIAS

Que como vimos, não são os segmentos menos numerosos em uma


sociedade, mas os segmentos dotados de menos poder.

Assim, os acordos e tratados sobre direitos humanos devem ser vistos como
documentos que representam o ponto de partida para construções mais
coletivas e mais solidárias. Além disto, expressam lutas sociais que se
modificam, se atualizam, de acordo com condições históricas específicas
(Bobbio: 1992).

Ao refletir sobre a construção histórica dos Direitos Humanos, observamos


que:

VERSÃO TEXTUAL DO FLASH

Os processos contemporâneos que algumas pessoas chamam de


"globalização" evidenciam o acirramento de conflitos. Colonialismo,
disputas territoriais, intolerância religiosa, afirmação de "identidades"
étnicas, imigração em massa da periferia para o centro do mundo
capitalista, são somente as faces mais visíveis desses conflitos.
Algumas abordagens teóricas sobre este fenômeno sugerem que a
intensificação dos contatos e da comunicação entre os grupos teria um
efeito "homogeneizante", apagando as diferenças locais. Aparelhos de
televisão, camisetas com a logomarca da Coca-cola, e mais
recentemente, a própria internet, são elaborações de culturas
particulares que se encontram espalhadas pelos quatro cantos do
mundo. Esse processo de 'difusão', supostamente, apagaria as
diferenças locais – como se o membro de uma etnia "indígena" que
usa uma camiseta da Coca-cola fosse "menos índio" por causa disto, e
estivesse "perdendo" suas "raízes".

Outro tipo de abordagem sublinha o caráter fragmentário do dito "mundo


globalizado". Esse é o contexto que pluralizam as identidades, demandas e
lutas políticas: "pós-colonialismo", cenário de múltiplas insurgências em que
grupos étnicos colonizados e sujeitos sociais subalternizados começam a
exigir reconhecimento e autonomia. É um cenário "multicultural" (pra usar
outra palavra que já andou muito em voga). A reflexão sobre as relações
entre direitos humanos e globalização assinalam as dimensões paradoxais
destas tensões entre o "global" e o "local". Este aparente paradoxo poderia
levar a uma pergunta inquietante:

Afinal, esta "cultura dos Direitos Humanos" que tanto valorizamos,


assegura a existência de diferenças, ou elimina diferenças?

Não é uma questão totalmente absurda – contudo, em boa medida, se


assenta em uma premissa enganosa. É uma pergunta que só faz sentido se
imaginarmos um mundo onde existam "culturas" perfeitamente homogêneas
e totalmente separadas umas das outras – coisa que nunca existiu. Todo
grupo social encontra-se, sempre, em um processo contínuo de
"transformação", a partir das interações de seus membros entre si, ou com
integrantes de outros grupos. Às vezes essas mudanças podem ser mais
rápidas ou mais lentas; valorizadas, cultivadas ou temidas. Mas, de um jeito
ou de outro, estão sempre acontecendo, implicadas em conflitos e relações de
poder internas e externas, entre aqueles que se consideram 'de dentro', e
com aqueles que são vistos como 'de fora'. Assim, ao invés de questionarmos
se campanhas ou intervenções em nome da defesa dos direitos humanos vem
'de dentro' ou 'de fora' de um grupo, deveríamos nos perguntar:

A quem estas intervenções beneficiam?

Quais são seus efeitos?

Haveria pessoas que se consideram 'de dentro' receptivas a uma aliança


com aquelas tidas como 'de fora'?

A concepção de "cultura" como totalidade homogênea e fechada foi


inventada na época de constituição dos Estados Nacionais, e de certo modo,
fez parte das ideologias que as "nações" construíram sobre suas próprias
"raízes" e seu passado. Com frequência, projetamos essa nossa ideia
imaginária sobre o que é uma "nação" sobre todo e qualquer grupo social.
Pensem como seria a vida dos indígenas no Brasil, antes da chegada dos
portugueses. Sabemos que os índios de carne e osso, diferente do índio dos
livros didáticos, pertenciam a incontáveis etnias e comunidades, distintas
umas das outras – com linguagens próprias e hábitos particulares, talvez
compartilhando alguns troncos linguísticos em comum. Será que, ao longo
dos séculos, essas comunidades não atravessavam nenhum tipo de
mudança? Não migravam, não guerreavam com grupos vizinhos? Não
tinham relações de troca e casamento com outros grupos? Não haveria, de
vez em quando, conflitos internos que fariam com que uma mesma "aldeia"
se dividisse em duas, partindo cada qual pro seu lado? Será que seus mitos,
transmitidos somente pela tradição oral, se mantiveram inalterados por
milênios a fio? Faria sentido imaginar que esses grupos sociais eram
sociedades "sem mudança"? Ou será que as mudanças ocorriam, mas as
pessoas simplesmente não se deram ao trabalho de "registrá-las", pois
estavam preocupadas com coisas que achavam mais importantes?

Como observamos anteriormente, a noção de "cultura" pode ser melhor


compreendida como:

Ao promover a dignidade da pessoa humana como um princípio que deveria


ser adotado por toda humanidade, não estamos interferindo sobre os
processos "internos" de culturas que existiam totalmente "separadas" da
nossa – estamos interagindo com outras pessoas que consideramos tão
"humanas" como nós, e demandando que elas tratem umas às outras e a nós
mesmos com a mesma deferência.

REFLEXÃO
De vez em quando, neste processo de interação, podemos esbarrar em
resistências significativas. Imaginem se um pequeno grupo de ativistas
contemporâneo dos direitos humanos pudesse entrar numa "máquina do
tempo", e ser transportado de volta à Alemanha nazista, durante a
Segunda Guerra. Como eles seriam recebidos, se saíssem espalhando essa
conversa sobre "dignidade" e "igualdade"? Decerto, seu poder de
influência seria muito restrito, por estarem isolados de outras redes que
apoiassem suas ideias e reivindicações. Hoje, contudo, os defensores dos
direitos humanos não estão mais sozinhos – e quem deseja promover esta
agenda pode construir alianças e obter apoio junto a inúmeras outras
redes. O grande desafio, neste processo de interação, é negociar – no
cruzamento entre as visões de mundo de diferentes grupos – definições
compartilhadas acerca de quais seriam, afinal, esses atributos que nós
consideramos inalienáveis do ser humano, seus "direitos fundamentais".
Devemos buscar estabelecer consensos sobre o que seriam a igualdade, a
liberdade, a escolha, a violência, a discriminação, e sobre as implicações e
formas de aplicação dessas ideias abstratas na prática. É somente por
meio das alianças conquistadas através desses consensos parciais –
arregimentadas por interesses comuns ou através de mecanismos como a
sensibilização, a persuasão e a negociação – que seremos capazes de
refutar regimes políticos e ideológicos que ameaçam a efetivação dos
Direitos Humanos.

A agenda dos Direitos Humanos incorpora ao longo de sua trajetória, cada


vez mais, novos sujeitos de direitos, assinalando a emergência de novos
atores e novas comunidades morais nessa cena social. Assim,
"costumes" e "tradições" (alguns dos quais inventados e adotados num
passado muito mais recente do que a gente imaginaria a princípio) podem
entrar em tensão com "novas" demandas. Nem sempre as contradições em
jogo nestes conflitos podem ser facilmente mediadas ou solucionadas. Novas
lutas sociais são instituídas, considerando as especificidades das demandas
dos movimentos. Estes conflitos e lutas sociais podem frequentemente ser
muito positivos, na medida em que criem rachaduras e fendas nos poderes
instituídos.

É preciso, ainda, distinguir "violência" de "conflito". Enquanto os conflitos


favorecem a dinamicidade das lutas sociais, a violência deve ser objeto de
atenção, regulação e normatização. Os defensores dos Direitos Humanos se
engajam em formas de combater e erradicar a violência que afeta populações
vulneráveis e em situação de desigualdade. Parafraseando as palavras da
antropóloga Débora Diniz (anteriormente citada), podemos dizer que:

Se o enfrentamento à violência e às desigualdades pode em certos casos


limites aparentar ser uma forma paradoxal de pacificação ou 'imposição', é
a melhor imposição de que dispomos até o momento, pois favorece o
florescimento, a pluralização e a convivência das diferenças.

Estas interações e tensões entre a "cultura dos Direitos Humanos" e


diferentes comunidades morais e atores sociais tornam a definição do que
seria "inalienável" no "humano" objeto de constantes disputas.
Evidentemente, para que sejamos coerentes com nossos próprios princípios,
não podemos em tais conflitos endossar nem defender posições que levem à
'desumanização' daqueles que, do nosso ponto de vista, poderiam ser
classificados como violadores dos direitos humanos. O pano de fundo das
disputas é a tensão entre a universalização dos direitos humanos e a
diversidade de comunidades morais existentes no mundo. Trata-se de um
complexo processo de construção de legitimidades, em que as fronteiras do
aceitável e do inaceitável se encontram sob contínua negociação.

LEITURA COMPLEMENTAR
Como vimos até aqui, os defensores dos "direitos humanos" sustentam a
crença na "universalidade" destes direitos – uma posição que contrasta
com o fato de que, na prática, nem todas as pessoas do mundo
compartilham dessa crença ou são diretamente beneficiadas por esta. A
efetivação dos "direitos humanos" guarda, portanto, significativos desafios
para nós, que estamos comprometidos com esta agenda. Visando fomentar
a reflexão sobre este tema, apresentamos adiante uma seleção de trechos
de um artigo do filósofo estadunidense Richard Rorty (1931-2007):

Direitos humanos, racionalidade e sentimentalidade (Visite a aula online


para realizar download deste arquivo.).

Pra quem tiver interesse, o documento original (em língua inglesa) pode
ser acessado na íntegra no site: Human Rights, Rationality, and
Sentimentality
(http://web1.uct.usm.maine.edu/~bcj/issues/three/rorty.html)
O CASO DO VÉU NA FRANÇA: ENTRE A LAICIDADE DO ESTADO,
A DENUNCIA DO SEXISMO E A XENOFOBIA

Na França foi aprovada em 12 de outubro de 2010, a Lei 1.192, direcionada a


cidadãs muçulmanas que fazem uso do véu, proibiu a dissimulação do rosto
em espaços públicos. O veto invadiu o princípio da liberdade e autonomia
cultural dos povos e lançou um novo conflito entre árabes e ocidentais.

A lei francesa contra o véu foi justificada, por alguns, em nome do combate
ao terrorismo (A defesa da 'segurança nacional'.) , e por outros, em nome do
combate ao sexismo. (Pois o uso do véu é percebido como sinal da
Fonte dominação das mulheres pelos homens.) Por outro lado, a norma cerceava a
(HTTP://F.I.UOL.COM.BR/FOLHA/MU liberdade das mulheres que fazem uso da burca ou véu – aparentemente
NDO/IMAGES/11265288.JPEG) contrariando princípios consagrados de direitos humanos, posto que muitas
destas mulheres não percebem o uso do véu como opressivo e reivindicam
esta forma de expressão como um "direito".

Um ponto importante e controverso nas discussões contemporâneas sobre os


direitos humanos diz respeito à laicidade do Estado, à regulação do lugar
social da religião e à influência desta na esfera pública.

As democracias liberais, de modo a assegurar a liberdade religiosa de seus


cidadãos e os valores da igualdade e da liberdade coletivas, têm uma relação
tensa com o tipo de ingerência que o poder religioso pode exercer sobre a
vida das pessoas. O principal paradoxo nestes debates é que, embora opções
religiosas possam ser vistas como "escolhas" livres pelos indivíduos que a
estas aderem, estas escolhas são em algum grau condicionadas pelas
experiências sociais dos próprios sujeitos.

Qual deveria ser a relação do poder do Estado com os poderes religiosos,


em um regime democrático?

Para melhor compreender esta controvérsia, é preciso também levar em


consideração que desde o atentado terrorista contra as Torres Gêmeas do
World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, existe nos Estados Unidos e
em alguns países europeus uma suspeita e uma animosidade contra os
muçulmanos. (A desconfiança de que estes possam ser ) Esta nova
conjuntura parece avivar antigas formas de xenofobia, medo e desprezo para
com os imigrantes, além de beirar a intolerância religiosa.

OLHANDO DE PERTO
PARA RELEMBRAR...

Sobre o atentado terrorista do 11 de setembro, sugerimos a leitura de texto


produzido pelo "UOL Educação" (que oferece ainda uma compilação de
links para várias matérias de mídia): World Trade Center: Ataque
terrorista foi um marco na história mundial
(http://educacao.uol.com.br/atualidades/world-trade-center-ataque-
terrorista-foi-um-marco-na-historia-mundial.jhtm)
Existe um documentário do diretor Michael Moore (2004) sobre este
mesmo episódio: Fahrenheit 9/11
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Fahrenheit_9/11) .

PARADA OBRIGATÓRIA
Em 2003, um ministro francês declarou que as mulheres muçulmanas não
poderiam usar a "burca" nas fotos de seus documentos de identidade. Um
pouco depois foi proibido o uso de símbolos religiosos nas escolas
francesas – interditando, deste modo, o uso do véu pelas jovens
estudantes muçulmanas (ver em: França proíbe símbolos religiosos em
escolas (http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI267926-
EI312,00-Franca+proibe+simbolos+religiosos+em+escolas.html) ).

Esta decisão do governo francês visava também diluir a separação e


tensões entre grupos religiosos no ambiente escolar. A França possui um
contingente expressivo de imigrantes oriundos de colônias francesas na
África, e também um número significativo de descendentes de imigrantes
nascidos na França. Esta situação torna as relações entre os ditos
"franceses de raiz", imigrantes e seus filhos bastante tensas.

LEITURA COMPLEMENTAR
A socióloga francesa Christelle Hamel (2006) investigou este conflito
étnico a partir de entrevistas com jovens de ambos os sexos na faixa dos 18
a 25 anos, em pesquisa realizada entre os anos de 1997 e 2003. Leia abaixo
o artigo com resultados deste estudo: Da racialização do sexismo ao
sexismo identitário entre imigrantes na França contemporânea (Visite a
aula online para realizar download deste arquivo.).

A autora argumenta que os ditos "franceses de raiz" manipulam acusações de


sexismo contra os homens de origem árabe, usando a denúncia de violação
dos direitos da mulher no interior de práticas discriminatórias que reavivam
ideologias antigas racistas, dirigidas contra os imigrantes. Hamell sugere que
estas acusações de sexismo dirigidas contra "a cultura do outro" poderiam,
inclusive, ter o efeito paradoxal de fazer com que alguns homens emigrados
do Magrebe e seus descendentes acabem aderindo ao retrato veiculado sobre
eles, que os caracterizava como "machistas" por natureza.

Alguns anos depois desta primeira controvérsia, o governo francês – que já


interditara o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas – proibiu a
"dissimulação do rosto" em todos os "espaços públicos". Uma reflexão sobre
o tema pode ser feita a partir das seguintes questões:

Quais foram os valores em jogo na elaboração da lei? A "segurança


interna"? A soberania do Estado em regular o uso de vestimentas de
cidadãos que vivem em seu território? A afirmação da igualdade de
gênero?

Estaria a norma francesa garantindo a liberdade de convicções religiosas?


A submissão das mulheres muçulmanas a seus pais e maridos deveria ser
considerada um traço "aceitável" de uma cultura "tradicional"?

Seria a liberdade, neste caso, um valor 'mais importante' que a igualdade?

Seria possível combater o sexismo e a desigualdade de gênero sem


favorecer a discriminação contra os imigrantes?

PORTFÓLIO
Como você acha que a nossa sociedade lida com a diferença? O que você
acha que nós educadores podemos colaborar com a construção dos
Direitos Humanos? (Aproximadamente 1 (uma) lauda)

FÓRUM
TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS.

Nesse fórum vamos discutir sobre a relação entre educação em direitos


humanos e discriminação. Veja o vídeo e faça uma reflexão no fórum,
relacionando o que leu nessa aula com o vídeo que assistiu. Acesse em:
http://www.youtube.com/watch?v=QZbZtI5AzYQ
(http://www.youtube.com/watch?v=QZbZtI5AzYQ) .

FÓRUM PERMANENTE
Neste espaço faça os seus comentários sobre o que entendeu sobre os
conceitos e ideias trabalhadas neste módulo.

Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual

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