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A doença que somos nós – a crítica de

Jung ao cristianismo, de John P. Dour-


ley. Tradução de Roberto Girola: revisão
Iracema Santos Fantaguci, Ivo Storniolo.
São Paulo: Ed. Paulinas, 1987.
Tommy Akira Goto

A analítica de Carl Gustav Jung é uma das abordagens psicológicas


contemporâneas que mais contribuiu para a teologia na leitura simbólica
das diversas religiões. O pensamento de Jung sobre a religiosidade
sempre deu ênfase às duas maiores religiões mundiais, o cristianismo
no Ocidente e o budismo no Oriente.
John Dourley, nesta obra, examina as reflexões de Jung a respeito
da ambivalência do cristianismo em relação com a psique humana e
com a ordem cultural onde se insere. Dourley analisa principalmente o
Ocidente representado pela religião cristã. Essa religião é vista por ele
como causadora de inúmeros problemas de natureza psicológica hoje
em dia. Sua análise procura identificar influências e conseqüências do
cristianismo no Ocidente bem como sua contribuição para a formação
psicológica das pessoas.
O tema fundamental a ser tratado nesta obra é o caráter ambiva-
lente detectado por Jung na experiência religiosa cristã. Por causa dessa
ambivalência, Jung mostra-se reservado em face das denominações e
dogmas cristãos. A partir daí ele desenvolve livremente suas análises
das características tanto salutares quanto patológicas perceptíveis no
cristianismo. Mesmo assim, Jung entende o cristianismo como força
simbólica capaz de promover tanto a cura interior como de fomentar
perturbações psíquicas entre seus seguidores. Segundo Jung, o cristian-
ismo tem sido importante para estruturar e formar símbolos na psique
humana. Esses símbolos são entendidos, a partir daí, como a principal
linguagem da psique de toda a humanidade, seja ela pessoal ou coletiva.

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Assim, temos em Jung a valorização e admiração do cristianismo pela


formação de símbolos e ritos, fundamentais na psique humana, como
também a problematização de uma religião que tem propensão de tornar
as pessoas doentes.
Para Jung a religiosidade se manifesta enquanto função psíquica
expressa na religião. A religião dá acesso ao homem às energias da
psique que tornam a vida da pessoa, tanto pessoal quanto coletiva,
renovada. Isso quer dizer, que a experiência religiosa tem relação com
o processo de cura interior.
Esta é uma das principais contribuições de Jung para possibili-
tar o entendimento da psicologia no âmbito das teologias e religiões.
Esta contribuição está em fazer coincidir a fonte curadora do processo
terapêutico com a experiência religiosa. Dourley, neste livro, mostra
detalhadamente como esta coincidência é possível e de que maneira
deve ser valorizada no campo das ciências psicológicas e teológicas.
O cristianismo, por formar símbolos na psique humana, organiza a
vida interior do homem na busca da compreensão do sentido originário
da existência. Entretanto, do outro lado desta ambivalência reside o
perigo do cristianismo de bloquear essa experiência salutar das ener-
gias psíquicas e desenvolver psicopatologias. Como diz Dourley: “as
concepções da fé, separadas de toda base experimental da consciência
que o homem te de si, tornaram-se desumanizantes substitutos da ex-
periência vitalizadora do inconsciente, que os símbolos manifestam.”
(Cf. p.26)
Na prática da psicoterapia de Jung, foram examinadas muitas pes-
soas que acabaram por desenvolver doenças devido a formação religiosa
que tinham, justamente porque a teologia delas não estava dando valor
ao conteúdo inconsciente e simbólico das religiões. O fundamental é
compreender, como mostra Jung, que o conteúdo inconsciente do homem
tem sua sede na religião e por isso ela oferece potenciais terapêuticos.
Assim, possuidor deste potencial a religião pode tanto estruturar como
desestruturar a psique humana. Por causa disso Jung mantém-se am-
bivalente e vê no cristianismo uma forma religiosa tanto perigosa como
libertadora, ou as duas ao mesmo tempo.
Além da ambivalência presente nas denominações cristãs, Jung
critica também a instituição religiosa por ser desnaturalizadora do

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processo natural na direção da divindade e por manter o poder do


monopólio dos instrumentos da graça e da salvação. Jung diz: “O Oci-
dente cristão considera o homem inteiramente dependente da graça de
Deus ou da Igreja, na sua qualidade de instrumento terreno exclusivo
da obra da redenção sancionado por Deus.” (Cf. p.34)
Assim, o Ocidente cristão guiado pelas instituições religiosas,
perde-se pouco a pouco em desenvolver doenças que causam perturba-
ções ao equilíbrio psíquico de nossas vidas. Esta perda se dá justamente
pelo desenvolvimento espiritual ocidental, ou seja, pela atitude raciona-
lista e intelectual de nossa teologia, na desnaturalização, nas reduções
das afirmações de fé e em outros fatores que causam o empobrecimento
espiritual de nossa vida religiosa ocidental.
Que nos resta fazer diante desta ambivalência que Jung revela em
suas pesquisas psicológicas e teológicas ? Como recuperar o sentido
salutar da religiosidade pra os osicentais? Como chegar à psicologia
pastoral e às psicologias dos pastores ? Esta obra de J. Dourley con-
sidera com lucidez estas e outras indagações semelhantes.

O autor é aluno do curso de pós-graduação em Ciências da Re-


ligião da UMESP.

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