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TRIBUNAL MARÍTIMO

TH/SBM PROCESSO Nº 28.179/13


ACÓRDÃO

Balsa “PIPES 82” e rebocador “PIPES 83”. Fatos da navegação. Morte de


passageiro a bordo de embarcação brasileira em águas interiores, conduzida
por tripulante não habilitado, sem registro de danos materiais e nem
ambientais. Rio Araguaia, Pau D’arco, Tocantins. Deficiência de
manutenção, aliada à inobservância de normas de segurança da navegação.
Infrações ao RLESTA. Condenação.

Vistos, relatados e discutidos os presentes Autos.


Consta dos Autos que no dia 28/04/2012, cerca de 21h30min, ocorreu a
morte do passageiro Cláudio Andrade Ribeiro após ser atingido pela manivela do
aparelho de içar o ferro a bordo da embarcação “PIPES 82”, conduzida por pessoa não
habilitada, quando navegava no rio Araguaia, Pau D’arco, TO, caracterizando os fatos da
navegação capitulados no art. 15, alíneas “a” e “e”, da Lei nº 2.180/54. Não houve
registro de danos ambientais.
A embarcação “PIPES 82” do tipo balsa sem propulsão é de propriedade e
armação de PIPES EMPREENDIMENTOS LTDA, era comandada por Jairo Dias
Rodrigues, possui casco de aço, 52 metros de comprimento, 155 AB e está classificada
para a atividade de transporte de passageiros e carga e navegação interior.
No Inquérito instaurado pela Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins foram
prestados quatro depoimentos, elaborado o Laudo de Exame Pericial, juntada cópia da
Certidão de Óbito de Cláudio Andrade Ribeiro (fl. 11) que aponta traumatismo torácico
como causa da morte, juntada cópia do Laudo Pericial nº LP 293/2012 do Instituto de
Criminalística Valdivino Tundelo de Carvalho (fls. 17 a 26) e anexados os documentos
de praxe.
No Laudo de Exame Pericial Direto, fls. 72 a 80, efetuado no dia 22/05/2012,
os Peritos concluíram que a causa determinante do fato foi a queda do ferro na água.
Dos depoimentos colhidos, em síntese, extrai-se que Jairo Dias Rodrigues
(MAC) declarou (fl. 55) que estava trabalhando na Balsa; que estava pilotando o
rebocador da balsa; que o senhor Welenilton o informou que o ferro havia caído na água;
que imediatamente parou os motores do Rebocador e a Balsa continuou em seguimento;
que por estar escuro, ficou no Rebocador aguardando o Welenilton voltar para dizer se

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havia conseguido içar o ferro da água; que Welenilton voltou e o informou que a
manivela havia batido contra o peito do senhor Claudio Andrade Ribeiro e que ele havia
caído no convés da Balsa; que acelerou os motores e atracou a Balsa o mais rápido
possível; que após atracar a Balsa aguardou o carro onde se encontrava a vítima.
Welenilton Costa declarou que (fls. 56 e 57) estava trabalhando na Balsa; que
trabalhava nas manobras de atracação e desatracação; que antes de ocorrer o fato com o
Claudio, o ferro da Balsa, por motivos ainda não investigados, desprendeu-se e caiu na
água; que depois de comunicar o fato ao Piloto, voltou ao aparelho que iça o ferro e
iniciou a faina; que percebeu a saída do passageiro vitimado da área de segurança
reservada aos passageiros, vindo em sua direção; que o Claudio perguntou-lhe o que
estava acontecendo; que não o alertou acerca do perigo a que estava exposto, porque não
deu tempo; que o passageiro pegou na manivela e tentou auxiliar-lhe; que em seguida o
cabo de aço embolou nas engrenagens, não a deixando funcionar normalmente; que a
manivela não se movimentava nem para frente, nem para trás; que tudo foi muito rápido,
em instantes o pino de travamento da manivela quebrou e a mesma foi arremessada em
sua direção; que se esquivou e a manivela atingiu o tórax do Claudio, que caiu no chão; e
que prestou socorro ao Claudio.
Valdemor Pereira Espírito Santo declarou que (fls. 59 e 60) é o gerente
administrativo da PIPES no município de Pau D’Arco; que estava em sua residência no
momento do fato; que, ao ser informado, ordenou a atracação imediata da Balsa e
telefonou para o hospital solicitando a presença da ambulância no Porto; que os
empregados alegaram que o pino de travamento da manivela que iça o ferro havia
quebrado e que o rapaz citado estava tentando auxiliar na retirada do ferro; que não há
registro de manutenção do ferro; que não houve relato, pelos funcionários, de
anormalidade no equipamento e a manutenção preventiva estava sendo realizada
normalmente; e que a Embarcação possui sinalizações de emergências e os funcionários
são treinados pela Marinha do Brasil, quando da realização do curso de aquaviário
referente a esses assuntos.
No Relatório de IAFN, fls. 103 a 115, o Encarregado concluiu que os fatores
material e operacional contribuíram para o fato, pois a alavanca manual empregada para
acionar o mecanismo usado para içar o ferro não dispõe de travamento que impeça sua
projeção, o MAF Fagner acumulava função e MAF Welenilton permitiu que o passageiro
sem conhecimento participasse do procedimento para içar o ferro.
Apontou Welenilton Costa, Jairo Dias Rodrigues e a “empresa” PIPES como

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possíveis responsáveis pelo fato da navegação.
Notificados da conclusão do Inquérito (fls. 118, 119 e 120), apenas o
indiciado PIPES apresentou defesa prévia (fl. 123).
A D. Procuradoria Especial da Marinha, após análise dos Autos, ofereceu
representação em face da “empresa” PIPES EMPREENDIMENTOS LTDA., de Jairo
Dias Rodrigues e de Welenilton Costa, todos com fulcro no art. 15, alíneas “a” e “e”, da
Lei nº 2.180/54, fundamentando às fls. 129 a 133.
As representações foram recebidas por unanimidade na Sessão Ordinária nº
6.850ª, do dia 05/11/2013.
Citados (fls. 144, 183 e 184), os representados Jairo Dias Rodrigues e
Welenilton Costa, que não apresentam antecedentes neste Tribunal, foram regularmente
defendidos por I. Advogados constituídos. O representado PIPES
EMPREENDIMENTOS LTDA. não apresentou defesa técnica, foi declarado revel (fl.
186) e notificado (fl. 190), após o que apresentou intempestivamente suas razões de
defesa (fls. 192 a 195), recebida como peça de informação.
A defesa do 2º Representado (fls. 167 a 170) trouxe a tese da
exculpabilidade, alegando que consta do laudo juntado aos Autos que o mecanismo de
içamento do ferro da Balsa encontrava-se avariado, não havendo dúvidas de que
contribuiu para o fato. Ressalta que o Representado não tinha como saber de tal
circunstância, haja vista que não fazia parte da equipe de manutenção da Balsa, uma vez
que são pessoas da “empresa” PIPES que residem no Maranhão e esporadicamente
aparecem no município de Pau D’arco, para realização de manutenção.
Argumenta que o Representado é pessoa humilde, trabalhadora e jamais quis
contribuir para o fato, além do que, por ser empregado deveria cumprir as ordens
emanadas da “empresa”.
A defesa do 3º Representado (fls. 159 a 164) trouxe a tese da
exculpabilidade, alegando que a prova produzida não demonstrou de forma inequívoca
que o Representado tenha concorrido dolosa ou culposamente para a morte do Passageiro
e nem que a conduta adotada nos procedimentos para içar o ferro tenha de algum modo
contribuído para o evento morte.
Ressalta que o Representado, em nenhum momento permitiu, concordou,
consentiu ou solicitou ajuda do Passageiro para algum procedimento. Destaca que o
Representado somente percebeu a presença do Passageiro nas proximidades da manivela
logo após o fato que causou o óbito.

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Aberta a Instrução, nenhuma outra prova foi produzida.
Em Razões Finais, os Representados Jairo Dias Rodrigues e Welenilton
Costa não se manifestaram, conforme a certidão à fl. 234.
É o Relatório.
Decide-se:
Relatados os fatos e analisadas as provas carreadas aos Autos, verifica-se que
a causa determinante dos fatos da navegação foi a deficiência de manutenção, aliada à
inobservância de normas de segurança da navegação, caracterizada pela falta de
habilitação do Condutor e descumprimento de Normas Regulamentadoras do Ministério
do Trabalho e Emprego (NR nº 6 e 12).
A PEM representou em face da “empresa” PIPES EMPREENDIMENTOS
LTDA., de Jairo Dias Rodrigues e de Welenilton Costa. A primeira representada, na
qualidade de armadora e proprietária das Embarcações, por não providenciar a necessária
e adequada manutenção do mecanismo de içamento do ferro da Balsa e mantinha
tripulação em deficiência de equipagem em sua acepção qualitativa, além de instruir de
forma insuficiente tais tripulantes no que concerne às Normas de Segurança e Medicina
do Trabalho, fatores que contribuíram para a morte do Passageiro e colocaram em grave
risco a segurança da navegação, ensejando a sua responsabilidade nos termos do art. 17,
da Lei nº 2.180/54; o segundo representado, na qualidade de comandante do comboio,
por deixar o comboio à deriva durante a faina de içar o ferro, permitindo que a força da
correnteza operasse sobre o mecanismo já deficiente e ao permitir que Welenilton Costa
realizasse tal tarefa sem auxílio de outro tripulante, contribuindo para os fatos; e o
terceiro, tripulante responsável pelos serviços gerais de convés, por ter assentido com o
auxílio de pessoa sem conhecimento técnico-operacional para a faina, contribuindo para
o óbito do Passageiro.
A 1ª Representada não apresentou defesa técnica e foi declarada revel.
Posteriormente apresentou suas razões de defesa intempestivamente, recebida como peça
de informação, na qual aponta a culpa exclusiva da vítima.
A defesa do 2º Representado apresenta a tese da exculpabilidade, alegando
culpa exclusiva da 1ª Representada, pois o Representado não teria como saber acerca da
avaria existente no mecanismo de içamento do ferro da Balsa.
A defesa do 3º Representado apresenta a tese da exculpabilidade, alegando
que ele não permitiu, concordou, consentiu ou muito menos solicitou ajuda ao passageiro
Cláudio.

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Não devem ser acolhidas as teses das defesas.
Verifica-se que o Comboio navegava no rio Araguaia durante a noite, na
travessia entre Pau D’Arco e Floresta do Araguaia, sob a condução de Jairo Dias
Rodrigues, quando o ferro caiu na água subitamente. No convés da Balsa, Welenilton
Costa, que não presenciou o exato momento da queda do ferro (fl. 56), ao perceber o fato,
avisou ao Condutor que parou a máquina, mas o conjunto ainda continuou com
seguimento.
Portanto, o Comboio navegou algum tempo com o ferro em arrasto.
Ato contínuo, Welenilton dirigiu-se ao aparelho de manobra do ferro e
iniciou o movimento para içá-lo, momento em que percebeu a aproximação do passageiro
Cláudio, que não foi avisado acerca do perigo iminente.
Segundo Welenilton, o passageiro teria percebido a sua dificuldade para içar
o ferro e teria empunhado a manivela, para auxiliá-lo, momento em que o pino de
travamento partiu-se e a manivela foi lançada na direção do Passageiro, que foi atingido
no tórax e veio a óbito.
Os Peritos Criminais apuraram que o pino que trava a manivela apresenta-se
com marcas recentes de ter sido soldado e que a alavanca de travamento das engrenagens
encontra-se com folga, possibilitando um movimento de lateralidade, podendo
ocasionalmente escapulir dos dentes da engrenagem, fazendo com que o ferro se solte (fl.
25). Diante de tais fatos concluíram que o sinistro teve como causa a negligência do
Proprietário e o Gerente da Balsa, por deixarem de fazer manutenções preventivas
periódicas na Embarcação, acrescido da imprudência do marinheiro Welenilton Costa,
por, mesmo tendo ciência de que o pino de sustentação da manivela encontrava-se solto,
permitiu que uma pessoa alheia à tripulação e ignorante às atividades de manuseio dos
instrumentos, ajudasse no cumprimento da tarefa, pondo em risco a vida de terceiros (fl.
26).
Segundo os Peritos no IAFN (fl. 78) a armadora não possui o registro das
manutenções preventivas e corretivas realizadas no equipamento de arriar e içar o ferro,
além de tal equipamento não possuir proteção que garanta a saúde e a segurança dos
trabalhadores. Ademais, não havia sinalização de segurança para advertir terceiros, como
o Passageiro vitimado, acerca dos riscos a que estavam expostos e nem EPI para os
trabalhadores, em desacordo com as NR nº 6 e 12.
Portanto, a 1ª Representada foi negligente com a manutenção preventiva do
mecanismo usado para arriar e içar o ferro e operou as Embarcações com deficiência de

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equipagem e sem observar as normas de segurança, expondo a risco as vidas e fazendas
de bordo, risco materializado na queda súbita do ferro e na morte do Passageiro.
O 2º Representado aceitou conduzir a Embarcação sem possuir habilitação
para o exercício da função e com deficiência de manutenção e segurança. Deixou a
Embarcação ser arrastada pela correnteza, dificultando a faina de içamento do ferro que
revelou-se desastrada, contribuindo para a morte do Passageiro.
O 3º Representado declarou que o Passageiro aproximou-se, perguntou-lhe o
que acontecia, pegou a manivela e tentou auxiliá-lo (fl. 56). Portanto, se não houve
solicitação para ser auxiliado, também não houve repulsa na conduta da vítima, e sim a
demonstração de aceitação, violando o dever de cuidado que o tripulante deveria ter,
expondo a risco a vida do Passageiro, risco materializado no óbito.
Desta forma, os três Representados devem ser responsabilizados pelo fato da
navegação.
Constatou-se, ainda, que o proprietário das Embarcações não apresentou o
CTS da Balsa, não apresentou o Certificado de Arqueação da Balsa, não apresentou o Rol
de Equipagem das Embarcações, não apresentou as Notas de Arqueação do Rebocador,
apresentou o Certificado Nacional de Borda Livre vencido, apresentou o CSN vencido e
não apresentou a dotação de sobrevivência. Embora tais fatos não guardem relação de
causalidade com os fatos da navegação, configuram infrações aos art. 13, inciso II, art.
14, inciso III e art. 19, do RLESTA, que devem ser oficiadas ao agente da Autoridade
Marítima.
Diante do exposto, devem ser julgados procedentes os fundamentos da
representação da Douta Procuradoria, responsabilizando a “empresa” PIPES
EMPREENDIMENTOS LTDA., Jairo Dias Rodrigues e Welenilton Costa, pelos fatos da
navegação, capitulados no art. 15, alíneas “a” e “e”, da Lei nº 2.180/54, por suas condutas
imprudente, imperita e negligente.
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão dos fatos da navegação: morte do passageiro Cláudio Andrade
Ribeiro após ser atingido pela manivela do aparelho de içar o ferro a bordo da balsa
“PIPES 82”, conduzida por pessoa não habilitada, quando navegava no rio Araguaia, Pau
D’arco, TO, sem registro de danos ambientais; b) quanto à causa determinante:
deficiência de manutenção, aliada à inobservância de normas de segurança da navegação;
c) decisão: julgar os fatos da navegação capitulados no art. 15, alíneas “a” e “e”, da Lei nº

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2.180/54, como decorrentes de imprudência, imperícia e negligência dos Representados,
responsabilizando a “empresa” PIPES EMPREENDIMENTOS LTDA., Jairo Dias
Rodrigues e Welenilton Costa, condenando a 1ª Representada à pena de multa de R$
5.000,00 (cinco mil reais) e o 2º e 3º Representados à pena de repreensão, com
fundamento no art. 121, incisos I e VII e § 5º, art. 124, inciso IX e § 1º, art. 127, § 2º, art.
135, inciso II, todos da mesma lei. Custas na forma da lei para a 1ª Representada; e d)
medidas preventivas e de segurança: oficiar à Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins,
agente da Autoridade Marítima, as infrações ao RLESTA, cometidas pela “empresa”
PIPES EMPREENDIMENTOS LTDA., para as providências cabíveis, com fundamento
no art. 33, parágrafo único, da Lei nº 9.537/97.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 10 de abril de 2018.

SERGIO BEZERRA DE MATOS


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 25 de junho de 2018.

MARCOS NUNES DE MIRANDA


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

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DN: c=BR, st=RJ, l=RIO DE JANEIRO, o=ICP-Brasil, ou=Pessoa Juridica A3, ou=ARSERPRO, ou=Autoridade Certificadora SERPROACF,
cn=COMANDO DA MARINHA
Dados: 2018.08.08 15:50:49 -03'00'

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