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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ


CAMPUS DE CAICÓ
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
PERÍODO 2016.2

CATARINA ARAÚJO DE MEDEIROS

FLOR-CAATINGUEIRA

CAICÓ
2016
CATARINA ARAÚJO DE MEDEIROS

FLOR-CAATINGUEIRA

Monografia apresentada ao Curso de


Pedagogia, do Centro de Ensino Superior do
Seridó, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
obtenção de título de Licenciatura em
Pedagogia, sob a orientação do Professor Dr.
Fernando Bomfim Mariana.

CAICÓ
2016
CATARINA ARAÚJO DE MEDEIROS

FLOR-CAATINGUEIRA

Monografia apresentada ao Curso de


Pedagogia, do Centro de Ensino Superior do
Seridó, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial para
obtenção de título de Licenciatura em
Pedagogia, sob a orientação do Professor Dr.
Fernando Bomfim Mariana.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
Professor Dr. Fernando Bomfim Mariana – Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

____________________________________________________
Professor Me. Alessandro Augusto de Barros Façanha– Examinador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

____________________________________________________
Professora Drª Maria Alexandra Miltão Rodrigues – Examinadora
Universidade de Brasília – UnB
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ensino
Superior do Seridó - CERES Caicó

Medeiros, Catarina Araújo de.


Flor-Caatingueira / Catarina Araújo de Medeiros. -
Caicó: UFRN, 2016.
50f.: il.

Orientador: Dr. Fernando Bomfim Mariana.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Ensino Superior do Seridó.
Monografia - Licenciatura em Pedagogia.

1. Educação e Comunhão de Saberes. 2. Lydia


Brasileira. 3. Mamulengos e Cultura Popular. I. Mariana,
Fernando Bomfim. II. Título.

RN/UF/BS-CAICÓ
CDU 37
Às traças, ao pó das bibliotecas
e as árvores que viraram folhas, dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS

Gratidão aos deuses e ateus que sou


aos exús, caaporas e franciscos.

Gratidão aos meus pais e aos pais dos meus pais


aos filhos dos meus pais e aos filhos da minha irmã.

Gratidão a muitos pais e aos pais desses pais


aos filhos de outros pais e aos filhos de muitos outros filhos.

Gratidão aos meus professores e professoras


e aos professores e professoras de muitos outros e outras

Gratidão ao meu companheiro pai de João


a João e a outros tantos Joãos,

Gratidão.
SUMÁRIO
1. FLOR-CAATINGUEIRA ...........................................................................................9
REFERÊNCIAS................................................. ...........................................................26
ANEXOS .......................................................................................................................27
Nota de ocupação
Somos o cupim nas fôrmas do capital e estamos aqui para ocupar os espaços que
nos foram negados e usar os entulhos fétidos do que nos é oferecido hoje como adubo
para plantar novas sementes. Negamos os padrões técnicos e normativos da "Ditadura
Gramatical" e 'Academicista' e no lugar delas plantamos poesia.
9

Flor-Caatingueira

Esses escritos tratam de inquietações, críticas, rupturas e agradecimentos


advindos de diferentes tipos de experimentações, mas nosso foco inspirador aqui são a
arte, a paixão e as ideias de vida e profissão da Flor-Caatingueria Lydia Brasileira, ex-
professora do Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES em Caicó-RN. Sendo
assim, essa é uma tentativa de produzir ecos em outras pessoas e lugares causando
paixão pelas experimentações que a vida pode ofertar e sensibilidade para enxergá-las.
Não nos dispomos a lhes apresentar inovações, nem fórmulas eficazes, manuais ou
qualquer outra forma padronizada que constitui o ideal educacional capitalista vigente,
nem para falar em quantidades ou qualidades, mas sim de sentimentos, pois tentamos
pular muros todos os dias com pessoas como Lydia, que rasgou seus títulos e entregou-
se e integrou-se ao Sertão-torrão de pés no chão e sem águas de cheiro, pronta para
construir e compartilhar muitos saberes.

Não apresentaremos um trabalho ordenado por normatividades e ornamentado


por aparatos burocráticos e tecnicistas. Usamos nossa liberdade poética e plantamos
nossos escritos em cima dos escombros dos muitos muros derrubados por Paulo Freire
em poesias como a "Pedagogia do Oprimido" que declama sobre

"A questão está em que, pensar autenticamente, é perigoso. O estranho


humanismo desta concepção “bancária” se reduz à tentativa de fazer dos
homens o seu contrário – o autômato, que é a negação de sua ontológica
vocação de Ser Mais". (FREIRE, 2011, p. 85)

Sob as terras férteis anunciadas por Paulo Freire, plantamos as sementes das
flores escritas por Feyerbend em "Contra o Método" que propõe a quebra dos grilhões
metodológicos e normatividades como a "ABNT" que sufocam a criação e no lugar elas
cantamos as letras de Hampâté escritas sobre a tradição oral, pois nos recusamos a
abaixar nossas cabeças ao que Lydia chama de "Ditadura Gramatical" que nos cega e
nos joga em um quarto escuro cheio de facas afiadas onde repetimos hinos sobre o "A,
B, C" que rima com sei lá o quê do "V" do vovô que viu a uva da língua do "V" nas
horrendas marchas alfabéticas. Dizemos não aos associados normatizados e
normatizadores das normas técnicas e aos seus aparatos ideológicos regulamentadores
insanos e indiscutivelmente pequenos diante da grandeza da visão cósmica metafórica
humana e sobre todos os sentidos e sentimentos das constelações e dos nossos buracos
negros. Portanto, decidimos escrever esse texto poeticamente não só por uma questão de
estilo de escrita, mas por tratar-se de Lydia que traz consigo encanto, sensibilidade e
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inspira pela sua busca harmoniosa, de com todos os seres viver a poesia da existência. O
corpo da pesquisa é um universo inteiro com todas as constelações que podermos
imaginar que foram filmadas e o mais importante disso tudo, foram sentidas. Também
fomos agraciados com as apostilas "No Espaço das Caatingas o Relicário Das Caaporas,
Uma Cultura Esquecida", "Em Abril, Quinhentos e Quinze Anos de Nau De Cabral,
Ancorada No Meu Brasil De Portugal" e uma outra que foi construída por Lydia
registrando os saberes tapuias do seu amigo Francisco Reis ou simplesmente Reis e sua
família em "Raízi Qatimgêras", o livro "O Boneco Mamulengo Na Escola de 1º Grau", a
revista "Nova Escola" que contém uma matéria sobre o trabalho de Lydia com
mamulengos e a matéria "Lydia Brasileira: Uma mulher que rompeu com o luxo por
uma vida sustentável" da revista "Collecione" e todo esse material reúne escritos sobre
diversos assuntos que vão desde o mito da criação até uma crítica a ostentação e
consumismo das festas tradicionais de Caicó.
Dentro das várias Lydias que surgiram ao longo desse trabalho, iremos falar da
Lydia Pedagoga que chamou a sua Lydia Artista Popular que transformou tudo em
mamulengo como um meio dialógico de compartilhamento de saberes. E quem é Lydia?
"Eu não sei nem explicar, eu sou tão infinita, e a gente é tão infinito, que a gente não diz
“eu sou fulano”, eu estou sendo!” (BRASILEIRA, 2016). E nos caminhos que seguiu
deixou rastros de identidade em seus escritos que nos ajudam a identificar e conhecer
suas vivências:

"Eu, Lydia Brasileira, nasci nas terras do Nordeste, mas não sou nordestina,
porque não falo os idiomas Tupis ou Tapuias e nem sequer o dialeto dos
nativos do sertão; não tenho identidade racial, porque não tenho cor, nem
sequer a da mestiça... Minha pele é branca, cheia de manchas da nobreza
descontextualizada do sol do interior, não tenho nacionalidade, porque sou
produto da cultura europeia da Família Real que orientou minha vida na
cidade de Caicó". ( BÁRBARA, 2016, p. 1)

No texto "Meu testemunho cristão-pagão" Lydia se descreve de duas maneiras


distintas:

“Nasci na praça da liberdade , em Caicó, mas as únicas experiências de


liberdade que guardo na memória aconteceram durante a minha infância, no
sítio, onde tive contato com a saúde existencial do trabalhador Tapuia: sua
simplicidade, sua humildade, sua afetividade. Somando-se a essa
aprendizagem, pratiquei a coragem de subir em árvores, nadar nos açudes;
pisar na terra quente; beber água dos seus riachos e comer frutas escaldantes
do sol; heranças naturais deixadas por nossos pais ancestrais, os Tupis,
Tarairius, Cariris, que sou capaz de repetir com a certeza de ser feliz." (
BÁRBARA, 2016 p.44)
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É aí que vimos florescer a Lydia guerreira Tapuia assumindo-se como criadora e


criatura dos seus saberes, resgatando suas raízes na essência do seu ser natural que
guiaram seus passos na universidade e nos caminhos que vem dançando até hoje. E
nessa dança ela guia-se pela negação da cultura capital que é delírio do bicho homem
que se esqueceu que é bicho vestindo-se de humanidade e para encobrir sua vaidade
conquistadora mascara-se de capital. E de onde vem essa negação da cultura
'pacificadora'?

"Por volta dos 6/7anos, fui iniciada no processo capitalista da Escola do sítio,
onde aprendi a cantar letras que jamais esqueci. “Brava gente brasileira,
longe vá temor servil, ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil”. O Brasil
era Portugal e esse hino cantado na Escola teve forte influência em meu
pensamento de criança, que aprendia a amar a pátria portuguesa, idolatrada
em seu idioma e adorada em seus valores europeus." ( BÁRBARA, 2016,
p.44)

O desejo de verter-se que percorre as seivas que alimentam o corpo de Lydia que
buscou novas proximidades ao reconhecer seus distanciamentos ou os distanciamentos
que nos induziram a ser, pois como ela mesma diz "distanciamento é a cultura da gente,
a gente se criou pra obedecer a uma cultura estrangeira portuguesa-europeia, que só não
é brasileira, só não é a nossa cultura indígena, a nossa cultura Tapuia, a nossa cultura
Tupi." (BRASILEIRA, 2016)
Ao reconhecer seus distanciamentos na busca pelas suas proximidades, surge
uma Lydia que sente dor por essa herança familiar dos intitulados reis da Terra, essa
herança de ostentação e conceituada riqueza que não lhe trouxeram beleza.

"Há poesia com a flor e com a beleza terrestre...


Há poesia que prescreve o luxo e o esplendor...
E há poesia que descreve os detalhes do amor...
A minha poesia é o rigor, que aponta a injustiça
E denuncia o opressor...A minha, é a poesia da dor..."
( BÁRBARA, 2016, p. 18)

Mas estamos falando de uma índia que veio contar sua história e resgatar nossa
memória natural. Ela é Lydia Brasileira Tapuia Bárbara nascida no dia que o Capital
reservou para os professores para que ela não esquecesse sua missão de educação vivida
e vida em comunhão. A Tapuia de que falamos dispensa títulos e ornamentos, rasgou
diplomas, devolveu suas joias a Terra, é arteira de nascença e saúda sua avó Caramucá,
índia Tapuia, plantando sementes em muitos corações e transmitindo muita paixão em
sua vidarte que nega a herança alegórica da vaidade conquistadora humana:
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"A partir da invasão da cultura artificialista, os filhos da nação tornaram-se


escravos do Invasor, Sua Majestade o poder do Capital, afastando-se da
originalidade de uma Nação comum a todos, para, obrigatoriamente
incorporarem o conceito de Pátria Amada – herdada de uma complicada
cultura estrangeira – fanaticamente dedicada ao progresso dos lucros
garantidos pela ordem.” ( BÁRBARA, 2016, p. 65)

Denunciamos através dos escritos e das ações de Lydia a educação capital


trazida pelos portugueses burgueses que instalaram a primeira ditadura em terras
brasileiras movidas pela ampliação do Império da 'Santa Igreja' e toda a sua ânsia por
lucro e poder. Não cabíamos e nem caberemos nos ideais capitalistas educacionais dos
poderes vigentes-vigilantes que 'adestraram' nossos irmãos índios através da espada ou
pela cruz e que os historiadores da educação convencionaram chamar tais catastróficas
atitudes de processo 'Educativo e Pedagógico' e que a antropologia chama de
aculturação. Na ausência de submissão da mente e do corpo do 'selvagem' à 'civilização'
a força bélica se incumbia não de educar mas de os 'pacificar', o que significa a guerra.
É necessário e sensato considerar que os índios que ocupavam as terras brasileiras, antes
da chegada dos europeus, tinham sua própria cultura e também sua maneira de educar,
mesmo que não possamos aplicar o conceito de educação a estes, pois cairíamos de
cabeça em um anacronismo eurocêntrico.

Quando contamos que a história da educação brasileira começou com a chegada


dos jesuítas assumimos a nossa cumplicidade com as amarras do capitalismo alucinação
coletiva do mundo 'moderno' e sobre as tentativas de aniquilação da poesia existencial
ditadas por modos e moldes comportamentais. A educação como filha do Capital tem
uma missão herdada e decretada de dominar e instaurar a civilização globalizada. E a
escola? Principal ensaio de sociedade, teatro primordial de papéis decretados e todos os
dias ensaiados por grandes e pequenos opressores. E os oprimidos? Permanecem
enfileirados com visão primeira da cegueira meritocrata em suas 'cadeiras' ou 'carteiras'
prontos para dar rasteiras e devorar cabeças pela traseira de seus 'inimigos'. E a
universidade? O mais alto grau de legitimação da vaidade ornamental diplomada
constituindo-se como ordem primeira do saber formal. Ela é desapropriadora de saberes
como os burgueses portugueses invasores, ela é preocupada com discursos e com sua
imagem de progenitora do saber primordial de uma cultura esquizofrênica feudal
mercantil servil. Como é possível existir a premiação de melhores 'alunos' nos
espetáculos finais das formaturas alegóricas de finalização de cursos? Negamos essa
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educação que nos prende na baia da meritocracia e nos faz correr através de suas
esporas sociais. Sendo assim, vale pensar sobre a que 'deus' andam servindo nossas
ideologias ou a que ideologias andam servindo nossos 'deuses' pois “Minha dor chama-
se Colonização e Capital, e me foi confiada pelo grupo familiar e social. Sua validade
educacional somente é possível, quando decepciona minha consciência, exigindo a
mudança da situação.” ( BÁRBARA, 2016, p. 18)

A crise da educação, do socialismo, do anarquismo, do capitalismo e demais


demagogias é a negação de suas próprias causas, a negação da heterogeneidade, a
negação de que não haverá ideologia boa o suficiente para agradar a todos os 'deuses' e
'deusas' que somos e que adoramos. A escola como está constituída é uma grande farsa
ideológica que pressupõe ter o poder do saber e um querer forte de converter a poesia da
existência em números que quantificam a tal sociedade e seus sociáveis.

Então seria a educação um conceito utópico utilizado tanto por ditadores quanto
por libertários? Tão utópica quanto real é o seu valor capital como moeda de troca para
a ascensão social? Tão utópica quanto real é o seu poder de libertação dos grilhões
servis do mercado vaidade monumental? O que está entre a educação, os libertários e os
ditadores? São comuns os seus meios de educar? A apropriação do saber Capital pelos
índios brasileiros como forma de submergir e dizer que eles também estão aqui é uma
forma de apropriação da educação como meio libertador e denunciador ou mais um
suspiro da escória burguesa de dizer que se é para contar que vocês estão aqui, que
sejam vocês letrados, formados e enfileirados na ordem econômica feudal? E como
responder a tudo isso? Não sei, mas acredito que o único jeito de descobrir é sendo.

Fechamos as portas para a escola-servidão-prisão preparada para separar os


'bonzinhos' dos 'malvadinhos' e que nela permanecem os que têm bom comportamento.
Escolas e prisões são sistemas sinônimos que possuem o mesmo padrão e patrão que
obrigam o uso do uniforme, optam pelo silêncio através do medo e das punições, estão
divididas em salas/jaulas, reduzem a autonomia individual e não possuem espaços para
a dúvida e muito menos para opiniões. A única coisa que separa a escola da prisão, é
que na escola os 'bonzinhos' serão preparados e formados para a competição capital-
social e nas prisões trancamos os nossos pensamentos corporificados mais perversos, o
bagaço triturado na forrageira econômica e religiosa.
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A diferença entre a educação dos ditadores e a educação que busca a


emancipação seria, então, que a primeira vem de uma organização hierárquica e prepara
os 'alunos' para o convívio social, para competir no mercado capital e a disputar
vaidades em forma de títulos e cédulas tratando-se de um conceito europeu-mercantil.
Já a segunda, trata-se da vida, a própria vida em comunhão, na qual todos e todas são
mestres por terem seus saberes respeitados e compartilhados em muitas mãos e com
muitas mãos. Olhando para esses dois caminhos está Lydia que vendo mais longe, sabe
qual caminho seguir quando diz: "Ao meu avô Portugal, a minha decepção pela cultura
do capital. A minha avó, Caramucá, índia Tapuia, meu reconhecimento pelo exemplo de
vida sustentável.” ( BÁRBARA, 2016, p. 19)

Dizem que a educação brasileira vigente tem fundamentos em um passado


ceifador no qual se podia ver a Máquina Capital apontando suas velas para as nossas
terras e hoje, o que se espera dela? Um discurso numérico? Uma possibilidade de
mudança? Educar, hoje, é apropriação das armas do opressor para nos tornarmos o quê?
Para servir a quem e a quê? Através dos caminhos que Lydia andou, negamos a
educação que nos tentaram atirar, negamos os conceitos de educação vigentes, a escola
e todos os seus agentes e no lugar de tudo isso nos assumiremos como comunhão.
Negaremos a fala portuguesa, as alfabetizações e brindaremos ao som de línguas que
não serão mais obrigadas a repetir porquês e nos ouvirão portugueses, americanos,
baianos e cariocas, pois a nossa voz ecoará respeito, ouvirá muito mais e será ouvida.

Queremos a comunhão de saberes no qual seremos todos mestres de nossos


aprendizados construídos com todos os outros mestres que nos cercam. Queremos
construir nossas formas de aprender e negamos a obrigatoriedade do trabalho. E como
negar os títulos se este trabalho está sendo escrito para obtenção de um diploma de
Pedagoga? Para quem e para o que servirá esse título? Negamos a Pedagogia e a
escravidão quem contam as horas de trabalho nas gaiolas dogmáticas ora chamadas de
escolas, ora chamadas de universidades. Negamos uma história sangrenta ditada até
hoje pelos doutores arquétipos feudais capitais e assumimos a troca de saberes em uma
nova comunhão.

"Na ESCOLA, a novidade do inglês para cantar Happy Birthday, falar Yes e
I Love you deixou o caaboco fascinado pelo capitalismo globalizado e hoje a
sua maior fantasia é ter uma importante ocupação: Astronaut, Model,
Architect, Engineer, Player e até Movie Star de TV, pois quem é burro para
permanecer na profissão de agricultor, sem valor e reconhecimento da
Nação?" (BRASILÊRA, p. 44)
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O massacre capital, apesar de questionado, não dispensa seus aparatos


educacionais e é por isso que negamos a educação e tudo que ela traz consigo, pois ela
não é e nunca será neutra já que sempre tem "alguém" apontando o que deve ser feito, o
que de ser estudado.

Então onde estará o conteúdo?

O que é conteúdo? Quem o criou? Quem o padronizou e institucionalizou? A


quem serve a padronização do ensino e dos meios de aprendizagem? Lydia Brasileira
propôs esses questionamentos aos estudantes que a acompanharam em suas descobertas
quando iniciava suas aulas perguntando "onde está o conteúdo?" e daí surgiam os
caminhos para a construção das aprendizagens com base em diferentes tipos de saberes.
Se considerarmos os conteúdos fluidos, transcendentes e diversos e se
consideramos todos e todas como educadores e educadoras, o que restou fazer a
Professora Lydia? Restou fazer provocações que ainda impulsionam a nossa partícula
criadora, inquieta e curiosa como os mestres dos saberes populares que não detém o
saber, mas mostram aquilo que aprenderam com a vida e na vida fazendo e criando suas
aprendizagens todos os dias pois como diz Lydia:“ é possível a saúde existencial ou
uma pátria Tapuia sem drogas, agrotóxicos, língua estrangeira, favoritismo/corrupção
política, moranguinho e coca-cola em nossa escola.” (BÁRBARA, 2016, p. 45)

Lydia trocou o conteúdo engessado, universal e padronizado, pela curiosidade,


pela construção, comunhão e compartilhamento de saberes advindas de experiências
que ela buscou construir aproximando-se dos seus saberes, das suas experiências de
vida, do sentimento humano, da natureza e das dívidas que com ela temos. Além dos
questionamentos, ela apropriou-se de elementos do saber popular para mostrar a si
mesma e aos estudantes o quão próximos e próximas do saber estamos e que a
idealização fantasmagórica de um saber unilateral nos distancia daquilo que somos, do
lugar de onde vivemos e nos projeta para uma visão com viseiras econômicas e
meritocratas. Nessa busca por um conteúdo significativo Lydia se aproximou cada vez
mais dos “caaboclos” da caatinga, esse encontro de Lydia e Francisco Reis é
considerado precioso para ela e para nós já que
"Francisco Reis que foi caçador e se arrependeu de ter sido, é que ele sabe
com detalhes, ele é especial! Eu acho que é a pessoa que mais sabe sobre os
animais, e sobre os vegetais também, porque ele é muito próximo da
natividade dele, que é uma natividade Tapuia, o pai dele era índio, era bem
indígena, a mãe era cabocla, o pai era moreno também, mas o avô que tinha
olho azul, o avô dele que tem suas descendências portuguesas, mas eles não,
eles tinham uma genética todo o histórico dele era histórico da índia, a avó
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dele que era esposa do avô de olho azul, avó dele era cabocla mesma, índia
assim: uma índia! Então, essa memória ainda existe, está viva ainda gente, a
gente tem que correr, correr se não a gente vai perder tudo!" (BRASILEIRA,
2016)

É através da busca pelos saberes populares que Lydia juntamente Reis construiu
as importantíssimas apostilas "Raízi Qatimgêras" e "No Espaço das Caatingas o
Relicário Das Caaporas, Uma Cultura Esquecida" e a exposição "Bordados na Pedra"
que foi realizada na Reserva Particular do Patrimônio Natural que fica entre os
municípios de Caicó e Jucurutu no estado do Rio Grande do Norte contando a história
da Caapora.
Aproximar-se da Caatinga, dos caçadores, agricultores, lavadeiras, 'doutores' e
muitos outros de nós por aí, fez com que ela criasse um caminho simples no qual
percebe-se que os esquemas que criamos para entender, por exemplo, o que é uma bola
são distintos, mas não mudam a bola em si, a coisa ou as coisas que significamos não
mudam em sua essência, o que muda são os significados que damos a elas e quanto
mais significamos mais o universo se colore, transpira e exala-se. Foi isso que Lydia
buscou quando disse:

"Olhe o que é proximidade e distanciamento, é meu conceito existencial, o


que é próximo e o que é distante, então distante seria Vygotsky, por exemplo,
distante seria Piaget” e eu disse: eu vou atrás das lavadeiras, dos
homossexuais, eu quero saber do sentimento desse povo” (BRASILEIRA,
2016)

Reconhecer que as coisas e as pessoas nos são próximas é expandir a nossa


compreensão sobre o mundo e no que podemos chamar de comunhão de saberes é
expandir nossos meios de aprendizagem e de relações com o mundo, é como coloca
Lydia:

“É óbvio que nesse momento da História do Capitalismo, minha doença não


se limita ao corporal, familiar ou regional, mas pertence ao Planeta Global e,
mesmo assim, ouso informar que a autoleitura tem sido a solução para a
restauração dos meus trabalhadores mentais, pois na leitura de mim descubro
ser viciosamente a cultura capitalista, a maior inimiga de minhas células e da
saúde do Planeta.
Para que vim ao planeta? De uma função estou certa: evoluir espiritualmente
e nenhuma religião, a esperança máxima da Humanidade me deu essa
condição, mas algo muito simples, que é a observação e correção de minha
consciência. A escola do futuro terá esse conteúdo de Restauração
Existencial em sua programação. Conto com você professora!" (BÁRBARA,
2016, p. 67)
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As principais diferenças entre os conteúdos educacionais de origem europeia e a


comunhão de saberes é que a primeira direciona seus esforços para a manutenção
absoluta e destrutiva de um conjunto de formulações mirabolantes e delirantes que
codificam a tão fantasmagórica economia envaidecida pelas instituições burguesas
corporativistas. Já a comunhão de saberes tem um pé na poesia e outro nas canções,
dispensa obrigatoriedades e faz-se nas mínimas relações e no reconhecimento dos seres
humanos como animais numa igualdade de direitos e respeitos, tratando das dores dos
vegetais e dos outros irmãos animais, agradecendo o dom das existências e
sensibilizando a apropriação dos alimentos que nos servem a alma e ao corpo.

Se não fôssemos obrigados a falar e estudar só o português, falaríamos várias


outras línguas, se não houvessem línguas, ainda restariam braços, pernas, têtas, bundas e
cabeleiras que nos manteriam em contato com o mundo, suas coisas e pessoas. Se não
existirem ouvidos atentos, poros abertos, arrepios, abraços e amor, não há português que
resista, língua de sinais que comunique e livro que registre.

O objetivo era criar as condições de aprendizagem, criar as orientações que


levariam aos conteúdos ampliando os meios de realizar trabalhos dentro de
encaminhamentos cooperativos e próximos ao que se interessa conhecer e ser. O
conteúdo perdeu seu significado de objeto carregado de valores, conhecimentos,
habilidades e atitudes que o professor, na educação europeia burguesa, tem que ensinar
para garantir o desenvolvimento da máquina capitalista ilusória e destruidora que dita a
socialização do estudante, que nesse sistema, é considerado como um aluno (ser sem
luz). A criação dos caminhos para troca de saberes através da proximidade possibilitou a
Lydia escrever textos para mamulengos como é possível ver no anexo I desta
monografia.

Na busca pelo conteúdo que se construía todos os dias e em todos os


lugares, Lydia fez com que o conteúdo e o currículo perdessem a sua utilidade capital,
terrorista, doutrinária e conceitual, para dar lugar a criação, a construção do fazer e
compartilhar modos de ser e de sermos. Negaram-se os conceitos que só definem a si
mesmos e os objetivos da escória vaidade.
Professores e alunos
Reinteramos aqui, que o que estamos falando nesse texto é de comunhão de
saberes, negamos a educação e tudo que ela traz consigo, pois acreditamos e
18

construímos nossas aprendizagens em comunhão e nesse contexto não há professores e


alunos, não há essa separação, não por uma mudança de paradoxo, de aproximação
entre professores e alunos, mas sim de uma negação dessa separação, pois todos nós
temos o que aprender e todos temos algo a compartilhar, sendo assim, não há motivos
poéticos que possam alimentar a alma e o corpo em uma relação na qual se separam
pessoas, coisas e bichos em níveis hierárquicos. Não estamos aqui para dizer que as
pessoas se educam e que precisam de mediadores do saber, mas para dizer que elas
podem compartilhar saberes e cuidados como podemos ver na poesia "Mensagem às
professoras" de Lydia:

"Há anos atrás, estava preparando um plano escolar para crianças Tapuias,
quando escutei um bem-te-vi cantando na janela de minha escola.
Alias, não era cantar, era dizer, e muito mais, perguntar:
- “Porque em vez de ensinar, você não aprende com as crianças?
Enquanto eu me surpreendia, o bem-te-vi perguntava:
- Quem é que tem mais pureza e espontaneidade e ainda não proibiu a
criatividade?
- Quem não aprendeu ainda os conceitos deturpados de como se sentar direito
ou dizer obrigado?
- Quem é que permite à imaginação poder visitar lugares e lugares, sem
nenhum preconceito de raça ou religião?
- Quem é que permite à imaginação poder brincar, conversar com os reis ou
virar um peixinho no fundo do mar?
- E o dom de maravilhar-se com as pequenas coisas, quem é que sabe o
segredo?
Enquanto eu raciocinava, quase envergonhada de minha pretensão, o bem-te-
vi perguntava:
- Então?
Então, hoje eu sou aluna de crianças, e é por isso que desejo minha Nação."
(BÁRBARA, 2016 p. 68)

Estamos aqui para negar a divindade institucionalizada que tentou dividir nossa
essência em boa e ruim. Somos preciosos e preciosas como somos e não como pedras
mercantis que só serão preciosas se forem lapidadas. Somos inclassificáveis e
multiplicáveis, negamos a existência de duas humanidades, pois é na negação do todo
que se constituem as bipolaridades que assombram o ideal de escola europeia e
mercantil que não nos satisfaz criando professores e alunos aos moldes ditatoriais.
Queremos aqui exaltar a multiplicação dos saberes pela sua divisão pois:

"Agora, a conciliação tem que partir de nós portugueses, porque é tempo


esgotado de entender que impomos – sem nenhuma consideração à legitima
nação – um conteúdo escolar distante de sua realidade. Assim é que: rosa,
lírio, moranguinho, coelhinho, história com leão, navio, avião, trenzinho e
urso de estimação configuram nos livros escolares, porque nós, europeus da
casa-forte, decidimos este assunto em nossas edições do capital."
(BRASILÊRA, p. 6)
19

Acreditamos que a separação entre alunos e professores não serve nem para
colocar os professores como mediadores do conhecimento, pois mediadores são só
mediadores. O que queremos é igualdade, pois mediar saber não é construir já que o que
se tenta mediar já está dado como orientação primordial, incontestável e absoluta.
Acreditamos que o saber transpira em nossos poros, move nossos lábios e está nas
unhas dos pés e que só a ajuda mútua é capaz de despertá-lo quando praticada na
observação do outro que é nossa imagem movimentando-se em torno dos nossos ‘eus’.

E como compartilhar saberes?

Na busca de um meio para compartilhar saberes Lydia se aproximou dos saberes


populares, a grande diferença da escola para a comunhão de saberes dentro da cultura
popular é que a escola capital tem patrões e empregados, não sabemos os seus nomes,
não produzimos nada, reproduzimos, sentimos que nos roubam os sentidos negando
nossa essência natural, já o saber popular e a comunhão de saberes são a vida em
movimento, são a corporeidade, o uso das mãos, é sentir o fazer e o onde ir se
precisarmos ir resistindo a ilusão mercadológica.

Quando negou a educação capital vigente, Lydia também negou suas


metodologias, seus meios e seus modos de distribuir conhecimentos artificialmente
arquitetados e criou uma relação dialógica entre mamulengos e a comunhão de saberes.
Ela colocou boneco na universidade, nas escolas e nas grades engessadas do
distanciamento da vida comercial padrão capital. Preocupada com a escola que seus
amigos e amigas, futuros professores e professoras encontrariam pelo caminho ela
decide utilizar-se dos bonecos para ajudá-los a compartilhar e a costurar saberes com as
crianças "Foi quando eu ‘meti a cara’ nos livros didáticos e na pesquisa de campo, com
a curiosidade de saber sempre mais..." (BRASILEIRA, 1997, p. 12).

Em diversos momentos da história difundem-se premissas socioculturais dentro


e fora das escolas em nome de crenças ofensivas e pejorativas entre os indivíduos em
uma concepção esquizofrênica de vida em sociedade, mas é preciso acreditar e utilizar o
saber da experiência que nasce da necessidade de sentir/refletir/agir da nossa força
criadora.
Então se negamos a educação e tudo que dela deriva, como vamos denominar o
que Lydia fez com os mamulengos? E o que são mamulengos? Chamaremos o que
Lydia fez de esquemas dialógicos de compartilhamento de saberes e os mamulengos são
20

as roupas que as pontas dos dedos das mãos usam para dançar quando vão contar as
nossas histórias.
O teatro de bonecos popular do nordeste brasileiro também conhecido como
Mamulengo, João Redondo, Babau, Cassimiro Coco, Calunga, João Minhoca e muitos
outros nomes dependendo do lugar que ele aconteça, diferentemente do teatro
franciscano que foi utilizado para nos domesticar inclusive com bonecos, o mamulengo
tem desde a sua origem o grito de liberdade que nasceu dentro das senzalas do império
servil como falou o "Extraordinário Mamulengueiro Januário de Oliveira"(1966, p.90)
para Hermilo Borba Filho que registrou em Fisionomia e Espírito do Mamulengo. Nas
mãos de Lydia toda essa força ganha também leveza e amor.

"Com isso, raciocinei com mais certeza, que o Personagem/Mamulengo iria


ser um material didático de inquestionável utilidade na escola de 1º Grau,
pois se eu, uma velha coroca, estava apaixonada por algo que me
possibilitava brincar e criar imagens, o que não iria acontecer com esse
brinquedo, na mão de crianças e adolescentes, cujas características são a
imaginação?" (BRASILEIRA, 1997, p. 13)

E como nasceram os mamulengos em Lydia?

"(...) me lembrei que em 69 eu fui a Recife pro Cecosne, que é o centro de


comunicação do nordeste, e lá tinha um curso de mamulengos e eu fiz, eu
disse: “vou retomar isso”, em 69, quando foi em 85 eu retomei isso na maior
facilidade porque eu me apaixonei, porque quando a gente ama aquilo,
quando a gente é apaixonado, quando a gente é ligadíssimo nisso a gente não
tem dificuldade não, parece que as coisas fluem, então os mamulengos
começaram a aparecer na minha cabeça, não aqueles mamulengos que eu
aprendi com, assim, personagens que demonstravam teatro, era assim,
personagens dos conteúdos escolares (...)"(BRASILEIRA, 2016)

E por que o mamulengo?


"A gente no mamulengo tem a oportunidade de botar um personagem ao lado
daquele português, um personagem que iria questionar esse português.
Pronto, foi isso ai!" (BRASILEIRA, 2016)

Questionadora é o papel que Lydia quis assumir na vida e com a vida


valorizando e incentivando isso no seu trabalho como professora. Essa figura
questionadora é facilmente encontrada no teatro de bonecos tradicional do Nordeste
brasileiro como, por exemplo, na personagem tradicional "Catirina" que por estar
grávida deseja comer a língua do boi preferido do patrão e pergunta por que o boi é só
dele no tema bumba-meu-boi.

E como era construído o conteúdo?


21

"Com agricultores, sobre vegetação, sobre plantio, épocas de invernos, sinais


de inverno, aí a gente tem esse material por eles, através deles, e a ciência
também, tá aqui: no IBAMA, no IDEMA... Os geógrafos... Os ecólogos já
estão produzindo esse material... Eu escrevi... Eu recebi um material através
do IBAMA do CEMAVES, de Brasília, que é o centro de aves, de pesquisa
de aves, sobre a ribaçã, veio de lá, fora o material que eu tinha aqui através
de Reis, através de caçador, eu tinha um material cientifico comprovando
isso, comprovando o que eles diziam." (Transcrição)

"Priorizamos o estudo do ambiente local, por ele estar próximo do aluno, e


porque não faz sentido ao aluno da Região do Seridó, deixar de estudar sobre
raposas e guaxinins, para elaborar textos sobre ursos polares ou coelhos da
páscoa" (BRASILEIRA, 1997, p. 16 e 17)

E os bonecos, como eram criados?


"A gente tinha um texto pra elaborar esse texto, e as vezes a gente elaborava
primeiro o mamulengo, aí depois surgia o conteúdo do mamulengo, que era
de acordo com o personagem, e as vezes a gente primeiro elaborava um texto
e criava um mamulengo praquele texto, aconteceram as duas coisas e dava
certo todas duas." (BRASILEIRA, 2016)

Lydia construía os textos e bonecos através de um caminho intuitivo que tinha


um nome, uma ideia envolvida:

"(...) era imagem em ação, eu inventei essa técnica, imagem em ação, que é
imaginação... Então sua imagem está em ação, você fecha os olhos,
começava assim do zero, que imagem? Eu via o que? Eu fiz; “eu vou fazer
um filme”, que imagem você viu na sua imaginação? Na sua imagem? Que
imagem você produziu aí no seu pensamento? Aí um dizia: “uma fumaça”,
aí eu dizia: “vaila-me deus”... Mas aparecia." (BRASILEIRA, 2016)

É através das ideias sobre imagem em ação que Lydia nos apresentou que
criamos dois exercícios de ação na imagem ou de imagem na ação, o primeiro deles é
um livreto intitulado de "A origem dos mamulengos segundo a Caapora" e o segundo é
uma exposição de desenhos intitulada de "O que é?". Tais exercícios, encontram-se
respectivamente nos anexos III e IV deste trabalho.

O livro de Lydia intitulado de "O Boneco Mamulengo Na Escola de 1º Grau"


conta como foi desenvolvido o trabalho com mamulengos em uma escola. Esse livro
encontra-se disponível na biblioteca do Centro de Educação Superior do Seridó -
CERES em Caicó - RN e contém informações que vão da construção do conteúdo ao
passo a passo de como construir os bonecos e as apresentações desenvolvidas com
crianças.

Deixamos aqui um relato em forma poética da experiência vivida em uma


oficina ministrada por Lydia durante a pesquisa que realizamos com ela:

Sob um saquinho redondo cheio de pó de madeira


22

pescoço rolinho-papelão
moldamos uma massinha ora menina
feita de papel, água, cola e vinagre
que após três dias secando
vestiria uma mão encomendada
para o seu corpo tecido.

Antes de irem às escolas, os estudantes realizavam apresentações na


universidade que na verdade eram ensaios do que seria feito para as crianças. A forma
de manipular os bonecos foi construída a partir da observação de uma apresentação de
um mamulengueiro na qual Lydia destacou que colocar o dedo indicador para cima e
para baixo dava a impressão de que o boneco estava andando e então ela utilizou-se
dessa observação para construir os movimentos dos mamulengos juntamente com os
estudantes enquanto os bonecos estivessem falando. E as apresentações?

" (...) Eu não podia me apresentar, eu não podia participar do texto não,
porque eu queria ver o que é que aquele mamulengo, aquele boneco, tava me
dizendo, e também o que era que ele passava, porque ele tem... Se eu fosse lá
pra dentro eu não sabia corrigir o que não se ouviu, porque o repasse do
conteúdo era importante demais, era isso que a gente queria... Fazia a
pesquisa, formando pesquisador, e formava um brincante também como
artista que ia apresentar pro público que podia vim assistir." (BRASILEIRA,
2016)

Como era feita a divulgação das apresentações?


"(...) Fazia com os estudantes, e levava pirulito, tal hora, tal show, num sei o
que... Era muita gente, e participava também." (BRASILEIRA, 2016)

Qual era o cenário das apresentações?


"(...) Era uma colcha, que nem era colcha, era maior que colcha porque foi
uma cortina, que era lá de uma sala do campus, que a gente pediu emprestado
essa cortina e nunca mais entregou, era uma cortina imensa que assim, que
tampava a parede, não sei o que de ar-condicionado... Uma cortina de brim
azul, pronto! A gente botou um letreiro LAMADI (Laboratório de material
didático), em letras de... Primeiro eram coladas, depois eu mandei bordar,
pregando de retalho... LAMADI, Laboratório de Material Didático."
(BRASILEIRA, 2016)

Lydia coordenou o Laboratório de Material Didático - LAMADI por vinte anos


trabalhando com os bonecos e quando saiu da universidade deixou o laboratório com
103 personagens que reapareceram durante a pesquisa através do professor Fernando
Bomfim que descobriu que a professora Grinaura Morais havia conseguido guardar uma
parte dos bonecos produzidos pelos estudantes e entre eles encontramos uma
personagem portuguesa que era feita com a cabeça de uma boneca de plástico. Podemos
buscar duas interpretações para o uso dessa cabeça: a primeira refere-se à cultura
artificialista capitalista que constrói e alimenta a cultura de massa e os ideais de beleza
23

caracterizando a ideia de uniformização, pois os padrões existem para definir quem está
mais próximo do poder e as regras servem para garantir a separação entre os patrões e
empregados. Já a segunda interpretação é que tudo pode virar mamulengo e que os
materiais que podem constituir os bonecos podem ser muitos.

Não tratamos aqui de fôrmas de mão de obra barata institucionalmente


certificada pelos patriarcas da pátria adestrada e sim de provocações que estimulavam e
estimulam a curiosidade e pesquisa. Tratamos da transfiguração da figura questionadora
dos mamulengos. O questionador é figura central no palco da reexistência e da busca
pela comunhão dos saberes, é o grito não dito pela incompreensão da violência sofrida
na invasão do capital, o questionador é a voz que hoje solta o seu grito em tom berrante
em meio ao pó e as carcaças de nossos ancestrais. O grito que ecoa é um socorro, é um
aviso, é um registro de que resistimos à invasão da vaidade capital.

Quando não gritamos aquilo que nos questiona as mordaças nos prendem
novamente e os grilhões agudos nos deixam surdos e surdas em poucos instantes.
Quando nos falta proximidade, nos sobra distanciamento e ele é sedento, é grotesco e
sabe aquelas músicas do lixo massificador comercial que falam de diferentes tipos de
apologias que fazem inúmeras referências a vários tipos de violências? São essas
modinhas 'desmusicais' que embalam a dança das cadeiras nos senados, presidências,
prefeituras e em outros cargos hierárquicos da máquina oligárquica organizacional
capital. A famosa "dança das cadeiras" hoje tem uma nova música chamada "FORA
TEMER", que já foi "FORA COLLOR" e "VIVA LULA" e até que as cadeiras sejam
retiradas muitas músicas surgirão, muitos gritos ecoarão, mas só serão ouvidos quando
não existirem cadeiras para serem ocupadas, músicas podem existir e que existam, elas
só não podem exigir cadeiras.

Fábricas de bolos

É engraçado pensar sobre a escola e sobre a ideia das receitas de bolos copiadas
e ditadas nas formações acadêmicas dos novos servos educacionais com furúnculos
cerebrais enterrados até o pescoço em uma competição de papagaios gagos. A escola é
um lugar de suicidas hipocondríacos automutiladores. Já que se fala tanto em bolos e
receitas, podemos considerar a escola como uma fábrica multinacional de bolos, os
professores e professoras são os padeiros e padeiras, suas metodologias são as receitas e
24

os alunos e alunas os bolos, e a sociedade é o super concurso de confeiteiros e


confeiteiras.

Esse trabalho poderia ser lido como uma receita de bolo mas não somos uma
fábrica de bolos multinacional. Mostramos o trabalho de Lydia como um mundo em
experimentação desenvolvido através de contatos com diferentes formas de saberes e
seres e isso proporcionou um caminho criativo considerado por ela como artístico e
pedagógico através dos mamulengos.

A escola não deixará de ser uma fábrica enquanto definir padrões normativos, a
escola não mudará se ela não for feita de agricultores e biólogos, a escola não mudará
enquanto for escola e enquanto não for feita de muitos ouvidos e olhares, silêncios e
gargalhadas. E se ao invés de escolas plantássemos árvores? E quando a chuva chegasse
ou o sol esquentasse que tal algumas salas sem paredes e sem aulas? E se no lugar de
diretores tivéssemos agentes de cultura preocupados em como conhecer outros terreiros
e outras salas sem aulas com outros arteiros e arteiras? E como seria se plantássemos
nossa comida ao invés de criarmos agrotóxicos?

Saquearam nossas ocas, vasculham nossos barracos

cercaram a terra, comemos agrotóxicos

domesticaram nossos avós e nos deram férias coletivas

construíram prisões, às escolas

dispensamos honrarias

e seus epitáfios biográficos

miseráveis letrados

oferecemo-lhes, humildemente,

uma dose

uma dose do néctar

docemente curtido dos corpos-mentes

os mesmos que apodreceram e renasceram


25

mas lhes aviso:

o alucinante mundo-mente-expansão-poesia

para quem vive no preto e branco,

pode ser alucinantemente avassalador.

(Des)Formação

Nesse momento deixo o "nós" e falo de uma "eus". Apesar de fazer parte de um
'curso de educação' foram raros os momentos de liberdade e as experiências de trocas de
saberes. Prefiro não falar sobre 'educação' em respeito aos índios, aos mestres da cultura
popular, aos vários estudantes espalhados nesse mundão e a todas as crianças, pois
ninguém merece ser educado. Não gosto da palavra educação e o seu significado
mercadológico. Quando penso em educação, penso em propriedade, aí penso em
militarismo, penso em crianças fardadas cantando hinos e batendo continência a
bandeiras. Quando penso em educação associo ao terrorismo e ao Estado. A educação
não nos pertence, ela é produto dos governantes que a coreografarão de acordo com a
dança que quiserem.

Quando penso nos saberes que sou e que construí ao longo da vida, lembro do
meu pai poeta doceiro, da minha mãe companheira doceira guerreira, do contador de
histórias popular que eu ouvia quando criança, das caminhadas longas a sítios para
colher frutas, da minha avó falando que "a vida é um sentimento", de um professora de
filosofia do ensino médio, das discussões com meus irmãos, das brincadeiras de rua que
tive oportunidade de vivenciar e dos amigos e amigas que acompanhei e que ainda
acompanho, do que consigo observar em João e em outras crianças, coisas e criaturas,
dos mestres e mestras populares que conheci caminhando ao lado do amado
companheiro kalungueiro, dos companheiros e companheiras do Coletivo Autônomo de
Estudantes, do Coletivo anarquista NENHURES e do Laboratório Internacional de
Movimentos Sociais, Educação Popular e Direitos Humanos - LAMPEAR e do Bom
Fim encorajador. Foram tantas Lydias nessa vida e nesse meu 'eus' que não caberiam
aqui.
26

Quero que a escola, a universidade e outras instituições deixem de tentar nos


institucionalizar. Não quero escolas, quero espaços livres construídos com o livre pensar
e para o livre pensar, não quero ser professora ou aluna, quero ouvir e ser ouvida, não
quero que nenhuma criança seja fardada, enfileirada e adestrada para rezar aos deuses
mórbidos que guiam a sociedade.
27

REFERÊNCIAS

BÂ, Hampâté Amadou. Amkoullel, o menino fula. São Paulo: Palas Atheena, 2013.
BRASILEIRA, Lydia . Entrevista I. [Abril . 2016]. Entrevistadora: Catarina Araújo de
Medeiros. Caicó, 2016. 1 Arquivo (29min50s). A entrevista na íntegra encontra-se
transcrita nos anexos desta monografia.
BRASILEIRA, Lydia . Entrevista I. [Abril . 2016]. Entrevistadora: Catarina Araújo de
Medeiros. Caicó, 2016. 1 Arquivo (O8min12s). A entrevista na íntegra encontra-se
transcrita nos anexos desta monografia.
BRASILEIRA, Lídia. O boneco mamulengo na escola de 1º grau. Caicó: EDUFRN,
1997.
BRASILEIRA, Lydia. EM ABRIL, QUINHENTOS E QUINZE ANOS DE NAU DE
CABRAL, ANCORADA NO MEU BRASIL DE PORTUGAL. Seridó, 2016.
BRASILÊRA, Lýda. Raízi qatimgêras.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. São Paulo: UNESP, 2007.
FILHO, Hermilo Borba. Fisionomia e espírito do mamulengo. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1966.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
NOVA ESCOLA. A revista do ensino de primeiro grau. N° 98. São Paulo: Abril,
1996.
28

ANEXOS
29

ANEXO I: Texto para mamulengos criados por Lydia Brasileira encontrados na


reportagem de capa da revista Nova Escola no ano de 1996:

Ilustrações: Antônio Marciano


30

ANEXO II: Transcrição de duas entrevistas realizadas com Lydia Brasileira utilizada
neste trabalho:

TRANSCRIÇÃO

PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA: vídeo com duração de 29min e 50s

Catarina: Tá gravando. As perguntas que eu tinha separado pra fazer...

Lídia Brasileira: Mas você...

Catarina: queria começar com “quem é Lídia brasileira?”

Lídia Brasileira: Sim...

Catarina: Quem é Lydia Brasileira?

Lídia Brasileira: Lydia Brasileira... Lydia Brasileira é uma pessoa bem diferente viu?
Eu não sou pessoa comum não, olhe que eu fui me oferecer... Eu posso ficar à vontade
né?

Catarina: Pode ficar à vontade!

Lídia Brasileira: Depois você tira os outros conteúdos que eu já disse e que eu repeti,
que eu posso repetir.

Catarina: Tem problema não.

Lídia Brasileira: Lídia Brasileira é uma pessoa diferente porque o objetivo do


professor é fazer um mestrado, um doutorado em universidades enormes que dão mais
condições e etc. Então quando eu era do departamento de artes, o chefe do departamento
Cláudio Galvão, ele me fez uma pergunta: “se eu não queria fazer mestrado na França”,
e eu disse: vou nada, eu vou fazer mestrado em Caicó e doutorado em Jucurutu, ele
falou: “Você é louca”, e eu disse: sou. Por que eu estava estudando os conceitos de
distanciamento e proximidade. Então, distanciamento é a cultura da gente, a gente
criou-se pra obedecer a uma cultura estrangeira portuguesa, europeia, que só não é
brasileira, só não é a nossa cultura indígena, a nossa cultura Tapuia, a nossa cultura
31

Tupi. Então, eu estava estudando os conceitos de proximidade e distanciamento, e eu


escolhi pelo conceito de proximidade, pra pesquisar esse conceito, o que era esse
conceito, e eu vim praqui pra Caicó com a intenção de fazer mestrado, um mestrado
informal, sem nenhuma orientação, era o que o artista fosse produzir, porque eu nasci
artista e artista não tem medo de errar, erra muitas vezes pra poder corrigir, e tudo isso
eu enfrentei, e não como um enfrentamento difícil, era da minha própria estrutura, de tá
errando, errando e acertando, foi isso! Lídia Brasileira é isso! Eu não sei nem explicar,
eu sou tão infinita, e a gente é tão infinito, que a gente não diz "eu sou fulano”, eu estou
sendo eu estou sendo. Pronto!

Catarina: E como é que a senhora chegou no mamulengo?

Lídia Brasileira: Como eu cheguei no mamulengo, quando eu cheguei em Caicó que


eu vi a ementa da disciplina, eu vim aqui... Eu troquei minha posição da universidade,
eu era professora universitária do departamento de artes e eu troquei com um uma
professora... Mas eu tenho um curso de pedagogia, estudei no Ceará, lá na UFCE e... Eu
vim “praqui”, por que eu troquei com uma professora de psicologia que estava com
muitos problemas, ela precisando morar em Natal e eu precisando morar em Caicó por
essa questão de proximidade, de naturalidade, de natividade, então eu troquei com ela,
vim pra disciplina dela. Quando eu cheguei, que eu vi os grandes psicólogos da
educação, Jean Piaget, todo esse povo que era da disciplina, da ementa da disciplina, eu
disse: “não é possível minha gente, a gente com prostituta, com mãe solteira, com
homossexual, com lavadeira, todo esse povo pra gente conhecer... Por que a gente é
muito distante disso! Olhe o que é proximidade e distanciamento, é meu conceito de
existencial, o que é próximo e o que é distante, então distante seria Vygotsky, por
exemplo, distante seria Piaget e eu disse: “eu vou atrás das lavadeiras, dos
homossexuais, eu quero saber do sentimento desse povo”, e eu comecei a mudar a
ementa... Agora mudar a ementa de uma disciplina não é fácil, eu enfrentei isso na
universidade, telefonei, enviei justificativas, e nunca recebi... Eu acho que a
universidade teve tanta confiança em mim, que não disse assim, que pode fazer, não
respondeu... E eu enfrentei isso, fazer-falar nisso. Então isso foi transformado em
material de exposição; negritude, que a gente tinha racismo na universidade, então as
pessoas que se sentiram discriminadas elas escreveram sobre isso e a gente expôs esse
material. Eu acho que foi o inicio de minha vida, uma vida muito artística ainda, eu
vinha do departamento de artes, onde os professores do departamento de artes se
32

confundiam com os estudantes, a gente não distinguia professor ou estudante, era tudo
pesquisador, e tudo era pessoa comum, de se vestir comumente como os estudantes, e
aqui em Caicó eu percebi isso, a diferença, a distância entre professor e estudante;
estudante tinha um figurino, professor tinha outro figurino, com joia, com bolsa, com
bolsa da moda, com esse tipo de coisa, com sapatos assim toilets, assim, sociais, e isso
me impressionou demais, eu vinha como um estudante, e isso aí eu comecei a fazer
movimento disso, eu fiz na disciplina de psicologia, eu ensinei a disciplina fazendo isso,
comprando uma coleção de roupas com uma boutique que estava em uma grande
promoção, eu comprei uma coleção de roupas com assessórios e bolsas iguais, e
comecei a desfilar no campus, aí as pessoas começaram a ficar assim inquietas, o que
era isso? “que isso era a gente que tava fazendo isso aqui, nós professores, estamos
fazendo isso”. E pronto, até bijuteria eu arranjei pra usar, que eu já nem usava mais,
porque eu vim me naturalizar aqui nesse Seridó, nessa Caatinga, nessa Caatinga
martirizada, a desertificação é um martírio. O quê mais?

Catarina: E o mamulengo?

Lídia Brasileira: Os mamulengos... Quando... Então eu encerrei a disciplina de


psicologia e me foi oferecida a disciplina TAVE (Técnica Audiovisual de Educação),
que era também um distanciamento maior do que a psicologia, distanciamento era tão
grande que mandava estudante... A minha clientela... Meus estudantes... Meus alunos...
Eles eram (maior parte deles) professores da rede pública e eles não contavam nem com
gravador, eu sei disso, nem existia televisão naquela época, isso foi em 84... 84 eu
cheguei, fiquei com psicologia, 86 eu já estava como TAVE, eu disse: pronto, é outra
justificativa pra mudar essa ementa da disciplina que mandava a gente fazer, os
estudantes fazerem, transparências para retroprojetor, que é retroprojetor é uma máquina
que só é usada nas universidades, uma rede pública que não tem nem um gravador que
eu dizia isso, uma professora não dispõe de um gravador, como é que eu vou fazer
retroprojeção? Nem dia-filme pra projetor... Não é possível, aí me lembrei que em 69 eu
fui a Recife pro Cecosne, que é o Centro de Comunicação do Nordeste, e lá tinha um
curso de mamulengos e eu fiz, eu disse: “vou retomar isso” em 69, quando foi em 85 eu
retomei isso na maior facilidade porque eu me apaixonei, porque quando a gente ama
aquilo, quando a gente é apaixonado, quando a gente é ligadíssimo nisso a gente não
tem dificuldade não, parece que as coisas fluem, então os mamulengos começaram a
aparecer na minha cabeça, não aqueles mamulengos que eu aprendi com, assim,
33

personagens que demonstravam teatro, era assim, personagens dos conteúdos escolares,
por que eu era de TAVE, eu era professora dos cursos de história, geografia, pedagogia,
matemática e letras... E aí eu disse: vou fazer mamulengo com a turma de geografia, de
história e de pedagogia, pedagogia vai ficar com ciências porque era descoberto, o
conteúdo escolar de ciências era descoberto por que geografia o assunto era só
geográfico, era ecologia, meio-ambiente, e fauna, e flora, e relevo, relevo e os rios, as
águas... Tudo isso era assunto de geografia: maquetes, mapas... E história é história, a
gente já sabia que era história, historia tanto faz ela ser aqui a historia da gente do
Seridó e... Olhe eu sofri na pele quando eu fui estudante que eu não sabia, eu vim saber
aqui em Caicó minha gente, que o rio Barra Nova ou o rio Seridó era geografia, eu não
sabia disso, eu pensava que era Reno, Eufrates... Foi isso que eu estudei e decorei
naquela época, eu disse: não, vai ter que ter mamulengo nessa historia, por que eu teria
oportunidade de botar um questionador, um mamulengo, mesmo que essa historia fosse
uma historia que a gente aprendeu aqui, que é a historia do português que era o herói de
tudo, eu vou... A gente no mamulengo tem a oportunidade de botar um personagem ao
lado daquele português, um personagem que iria questionar esse português. Pronto, foi
isso ai! Foi uma ideia que nasceu aqui em Caicó, pela necessidade, pela carência da
gente ter uma consciência cultural, porque eu já vinha com minha cabeça de cultura lá
do departamento de artes, e aí foi facílimo pegar mamulengo e transformar nesses
personagens da região, tudo, tudo é personagem, a galinha é personagem, o guiné é
personagem, o pato é personagem, o peru, jumento, boi... Tudo isso é personagem que
podia dizer sua historia, realmente isso aconteceu, e agente se apaixona mesmo, por isso
que eu acho que adolescente, que é uma fase de brinquedo, de lúdica, é uma fase lúdica!
Então ele vai se ligar nisso, e realmente houve uma demonstração que os estudantes se
ligavam porque eu trabalhei com estudantes marginais lá no CAIC, e eles se envolveram
com isso, eu não tenho dúvida nenhuma que seria uma missão humana que a gente teria
dessa proximidade, aqui na região, uma proximidade de sua história pessoal e de sua
preferência pessoal que é a idade do estudante, da criança ou adolescente, que também o
adolescente se envolve, né? Não é só criança, aconteceu... Como o mamulengo, tem
mamulengo que... Olha são 103 personagens que eu deixei no laboratório LAMADI
(Laboratório de Material Didático), tinha esse nome LAMADI, e esses personagens
falavam da história, da geografia, das ciências... De tudo... Como o sol e a terra, que o
sol pariu a terra, pariu outros planetas, e como foi que essa terra ao nascer... Ao ser
parida aliás, eu não posso dizer essa palavra nascer... Ao ser parida pelo sol o que foi
34

que aconteceu com ela? Aí a gente tem que ir aos conteúdos... De geografia, conteúdos
de historia, tem que ir...

Catarina: Como é que surgiu o laboratório? Quem eram os professores? Tinha algum
professor que era parceiro nessa ideia sobre o mamulengo? Como é que surgiu o
laboratório e se tinha algum professor que trabalhava juntos com vocês lá...

Lídia Brasileira: Não, eu não consegui muito tempo não... Eu gostaria disso... Mas eu
tive o professor Adalberto, que era meu vizinho de laboratório, ele me forneceu toda a
fauna da caatinga e dos animais eles... O reino animal... A gente contou com ele, com os
livros do IBAMA, ele estava com a coleção de livros do IBAMA, e ele forneceu
muito... E às vezes ele vinha corrigir: não, esse animal aqui ele não é muito assim não,
ele é vermelho, ele é dessa cor... Galo de campina... corrija esse galo de campina, bote
um traço aqui ele fez isso, a professora Graça Lago também, que era diretora do campus
de Caicó, ela me... Ela veio pra ensinar coordenadas quando a gente fabricou o globo,
que a gente também fazia o globo de papel machê, e ela veio ensinar pra turma de
geografia dela que saía da sala dela, veio ensinar dentro da produção, dentro da
modelagem do grupo... Esse globo, não sei se você reparou, mas é por que você não
entendeu isso, mas a terra que eu fiz eu queria uma coisa muito perfeita, que não saía
perfeito não, mas eu quis uma coisa muito perfeita, eu tirei xerox, eu tirei xerox de um
globo daquele tamanho, sabe? E... É claro que é um plano, a xerox é um plano, uma
copia é um plano, e aí eu fiz uns recortizinhos e preguei, acompanhando o formato,
entendeu? Eu fiz as xerox, eu copiei, mas o resto foi inventado.

Catarina: Mas e quanto a produção de conhecimento? Como era essa produção de


conteúdos e como eles se passavam pros mamulengos...

Lídia Brasileira: É... Bom, então eu fiz várias entrevistas no meio rural com caçadores,
principalmente caçadores, mas todo o pessoal do meio rural eles conhecem, umas são
perfeitos nisso! Eu acho que Francisco Reis foi a pessoa que mais observou a fauna da
caatinga, porque ele não observava só a fauna, ele observava também a flora da
caatinga, isto é, a vegetação da caatinga... A fauna são os animais, o reino animal, a
flora é o reino vegetal... ele observava aquele animal, o que é que ele comia, em qual
floração, qual a época de semente, aí isso fazia uma relação profunda de caatinga, o
solo, a história do solo, animais que moravam no subsolo, que faziam seus ninhos no
solo... A gente tem que contar esse detalhe aí... Não tem nem nesse caderno aqui sobre a
35

caatinga ou em qualquer outro caderno sobre a caatinga... Cuidando da caatinga (livro) é


uma coisa muito rara, esse material foi publicado há um ano atrás mais ou menos, quer
dizer, eu recebi de presente, não sei se foi há um ano atrás, mas eu recebi de presente,
cuidando da caatinga... E esses são projetos, aqui sobre o uso que a gente faz da
caatinga, a caatinga sustentável, antes que se acabe tudo... Agora, o caçador, e
principalmente Francisco Reis que foi caçador e se arrependeu de ter sido, é que ele
sabe com detalhes, ele é especial! Eu acho que é a pessoa que mais sabe sobre os
animais, e sobre os vegetais também, porque ele é muito próximo da natividade dele,
que é uma natividade Tapuia, o pai dele era índio, era bem indígena, a mãe era caaboca,
o pai era moreno também, mas o avô que tinha olho azul, o avô dele que tem suas
descendências portuguesas, mas eles não, eles tinham uma genética todo o histórico dele
era histórico da índia, a avó dele que era esposa do avô de olho azul, avó dele era
cabocla mesma, índia assim: uma índia! Então, essa memória ainda existe, está viva
ainda gente, a gente tem que correr, correr se não a gente vai perder tudo! Olhe o
pessoal que está chegando pra periferia de Caicó, eu estou em Caicó, por isso estou
dizendo isso, qualquer periferia de qualquer cidade, esse pessoal que está nascendo na
periferia não sabe mais de nada, não sabe mais do que é um animal, a gente já tem gente
aqui confundindo jurema com algaroba, quer dizer, isso é falta de vivência na caatinga,
da caatinga, e a gente tem que resgatar isso se não a gente... E tem mais, a caatinga é
exclusiva no planeta, só existe uma caatinga no planeta, é a nossa, é a nossa caatinga do
nordeste... E a gente tem que saber o que é se apaixonar por esse conceito de
proximidade, eu acho que é, a consciência cultural é essa.

Catarina: Então a senhora foi trabalhar com o mamulengo por causa desse conceito de
proximidade?

Lídia Brasileira: Foi! De proximidade...

Catarina: E foi a forma que a senhora encontrou pra trabalhar com essas pessoas, com
esses alunos, o conceito de proximidade usando o mamulengo e fazendo essa pesquisa
com os caçadores...

Lídia Brasileira: ... Com agricultores, sobre vegetação, sobre plantio, épocas de
invernos, sinais de inverno, aí a gente tem esse material por eles, através deles, e a
ciência também, tá aqui: no IBAMA, no IDEMA... Os geógrafos... Os ecólogos já estão
produzindo esse material... Eu escrevi... Eu recebi um material através do IBAMA do
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CEMAVES, de Brasília, que é o centro de aves, de pesquisa de aves, sobre a ribaçã,


veio de lá, fora o material que eu tinha aqui através de Reis, através de caçador, eu tinha
um material cientifico comprovando isso, comprovando o que eles diziam.

Catarina: Com esse conhecimento que foi trabalhado com os alunos, como era passado
esse conhecimento pro mamulengo? Como é que eles trabalhavam com esse
conhecimento cientifico e esse saber popular com o mamulengo? Como é que eles
passaram, falavam... Como que era a relação do encontro do aluno com o mamulengo?
Como é que eles faziam? Como é que eles...

Lídia Brasileira: Um aluno... Vamos dizer, uma turma de geografia chegava na minha
sala de aula, então o assunto era geografia, aí eles tinham que saber... Na minha sala de
aula eu tinha esse material, não científico de dificuldade assim de 3° grau, mas eu tinha
conteúdo escolar, eu tinha livro ilustrado, atlas... Eu tinha lá tipo uma bibliotecazinha
muito pequena, mas tava ali assunto de geografia, assoreamento de rio, erosão, o que era
erosão, o que era voçoroca, que é uma erosão pior do que a própria erosão, e eu tinha
tudo isso cientificamente, porque das editoras moderna, ática... As editoras que
trabalham com fundamentos de 1° grau... Então esses livros eu comprava e ficava
assim, eu comprava quando ia à Natal, comprava lá atlas grandes assim, corpo humano
também pra área de ciências, que era o pessoal de pedagogia porque senão ciências
ficava descoberto, geografia tava era com os mamulengos de geografia, era mais
maquete, tudo em papel machê, maquetes e mapas, tudo em papel machê, mamulengos
também... E a gente fez muito material de cartolina/papelão de geografia, era o cenário,
geografia se preocupava com rio, com relevo... A serra tal, alguém tinha que conhecer, e
sempre tinha a serra, a serra daqui, a serra da formiga, se falava na serra da formiga... O
que é que tem? Que animais têm na serra da formiga? Quem já foi lá?... Os caçadores
andavam por todo canto... E a gente preparava esse cenário e preparava os animais
também pra dialogar, pra... Era assim, os animais estavam conversando entre os
animais, eu não criei muita fantasia de animal conversar tipo lenda pra não fugir do
conteúdo, os animais estavam conversando entre os animais, as famílias entre elas...
Assim, as preocupações porque o filho ia nascer e o caçador vinha e ia destruir o ninho
deles, essa historia ai das ribaçãs...

Catarina: E na pedagogia? Como eram os trabalhos com os alunos de pedagogia?


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Lídia Brasileira: Ciências... Já houve também a história do português, da gramatica...


Foi aquela turma de Parelhas, acho que foi Parelhas, mas o pessoal de pedagogia tinha
gente da pré-escola de pedagogia que construiu, modelou uma língua, uma orelha, um
olho, o nariz... Pra falar dos sentidos, pra pré-escola isso... E esses mamulengos
apareciam em cena falando de si: “não fulano, você olhe... Você se lembra que a
pessoa... Você se lembra que eu não gosto muito de coisa muito quente, que dói na
minha garganta, dói na minha língua, na minha pele...esse tipo de coisa assim...

Catarina: E aí a senhora uma vez falou que ia pros alunos de pedagogia irem estagiar
noCAIC...

Lídia Brasileira: ... Foi no CAIC, eu levei pra lá!

Catarina: E como foi esse estágio?

Lídia Brasileira: Levei... Foi Lúcia, acho que Lúcia fazia pedagogia, Lúcia participou
desse projeto de lá, no CAIC...

Catarina: Qual era o nome do projeto?

Lídia Brasileira: Era O brinquedo mamulengo na escola de primeiro grau, era criança
até a quinta série... Gilmar Donizete foi um dos meus estagiários lá no CAIC, que ele
era professor do CAIC, entendeu? Aí foi estagiar lá umas 4 ou 5 pessoas, foram estagiar
lá na minha época de professora de mamulengo.

Catarina: Foram estagiar utilizando o mamulengo...

Lídia Brasileira: ... Mamulengo, a confecção do mamulengo... Ah! Alguém lá, um


geógrafo preferiu o CAIC também, e fez globos com eles... Não era perfeito como o da
gente, a gente também não tava copiando... Era aquela... Diferente... Mas eles tinham
noção, eu comprei globinhos, era mamulengos esse grupo... Não... Só a mãe terra, e o
sol que é da área de geografia, e pode até ser da área de ciências se falar de nutrientes,
se falar em minerais, vai depender do conteúdo... Era o globo, o globo era feito em cima
de uma bola, que eu tirava o pito, que eu tinha uma bomba de encher pneu de bicicleta,
e a gente tirava a bola pra sair de dentro do globo já por cima da bola, quando secava
era quando a gente ia preparar... Tirava a bola, secava o pito, tirava o pito, e ia preparar
como os globinhos que ia comer várias... Lapiseiras, lapiseira de globinho que custava
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50 centavos na época... Eu levei inúmeras, a quantidade dos alunos que iam fazer globo
lá na escola.

Catarina: E esse trabalho durou quantos anos? Com o mamulengo, na universidade


aqui em Caicó, com esse olhar mais voltado de proximidade...

Lídia Brasileira: Comecei em 86, 86-96, 20 anos... Eu terminei em 96, 96 foi quando
a... 95, a revista veio, 21 anos, 20 anos... Arredondar pra 20 anos de mamulengos... Eu
não sei... Eu não sei porque... Olhe, porque eu só vivia cheia de sacola no mei da rua
atrás de vareta pra fazer cartas, que a gente também fazia também, o pessoal de
pedagogia, qualquer pessoa que quisesse expor um trabalho teria que ser tipo vareta,
fazer propaganda, queria ver uma exposição... A gente ia apresentar mamulengo...

Catarina: Ai tinha apresentação de mamulengo?

Lídia Brasileira: Tinha...

Catarina: Como era?

Lídia Brasileira: Era assim de gente de todas as salas.

Catarina: Ai tinha períodos pra fazer? Ou era assim, vamos fazer uma apresentação...

Lídia Brasileira: Nãooo...

Catarina: Era certo?

Lídia Brasileira: ... Quando ficavam pronto, como ficou o texto, e os mamulengos, e
tudo

Catarina: Ai fazia apresentação para a universidade inteira... Aberta?

Lídia Brasileira: Era... Era aberta.

Catarina: Fazia a divulgação lá mesmo com os estudantes...

Lídia Brasileira: Fazia... Fazia com os estudantes, e levava pirulito, tal hora, tal show,
num sei o que... Era muita gente, e participava também... Eu me lembro que um aluno
meu de ciências foi explicar sobre um parto... ia dizer pedagogia, han? Ele se vestiu de
branco e como médico, foi ótimo, lindo!
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Catarina: E onde aconteciam essas apresentações?

Lídia Brasileira: Na sala do LAMPEAR (Laboratório de Movimentos Socias,


Educação Popular e Direitos Humanos) hoje em dia...

Catarina: ...que hoje em dia é ainda a sala do LAMPEAR... Ai essa sala como que ela
surgiu? Foi solicitada a direção? Como que ela surgiu? Era uma sala de materiais
pedagógicos?

Lídia Brasileira: Era... Era... Eu solicitei, mas num era nem por oficio não, eu dizia:
Lúcia, arranje ai uma sala pra gente trabalhar, porque não tinha cadeira não, entendeu?
Era banco...

Catarina: Porque precisava do espaço mesmo, tinha que ter pra poder trabalhar...

Lídia Brasileira: Tinha uma mesa que... De alvenaria, era maior do que aquelas que
tem hoje me dia, só que não era no meio da sala, era onde tem aqueles armários,
pertinho da porta, a entrada era entre uma porta e outra, sendo que era mais perto da
porta que fica mais...

SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA: vídeo com duração de 08min e 12s

Catarina: Como era?

Lídia Brasileira: Acontecia... Como era essa produção de mamulengos? A gente tinha
um texto pra elaborar esse texto, e as vezes a gente elaborava primeiro o mamulengo, aí
depois surgia o conteúdo do mamulengo, que era de acordo com o personagem, e as
vezes a gente primeiro elaborava um texto e criava um mamulengo praquele texto,
aconteceram as duas coisas e dava certo todas duas.

Catarina: E como era essa computação? Era um tecido amarrado na sala?

Lídia Brasileira: Era uma colcha, que nem era colcha, era maior que colcha porque foi
uma cortina, que era lá de uma sala do campus, que a gente pediu emprestado essa
cortina e nunca mais entregou, era uma cortina imensa que assim, que tampava a
parede, não sei o que de ar-condicionado... Uma cortina de brim azul, pronto! A gente
botou um letreiro LAMADI (Laboratório de material didático), em letras de... Primeiro
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eram coladas, depois eu mandei bordar, pregando de retalho... LAMADI, laboratório de


material didático,

Catarina: E a interpretação dos bonecos? Primeiro era ali no contato improvisação e


depois passava o texto?

Lídia Brasileira: Primeiro... Primeiro a gente tinha noção do que era o texto, você tinha
assim... Lembra daquela improvisação da gente né? Que a gente não noção de nada, eu
não me lembrava mais de nada, mas ai o pessoal de geografia já vinha... Já vinha com o
conteúdo do curso, o que era que tava fazendo, a teoria de oparin, vamos fazer a teoria
de oparin...

Catarina: Sabia que falaram...

Lídia Brasileira: Já sabia... Quando já ia pra cena, tinha muitos ensaios, ensaios que a
gente faz... Quando iam apresentar já iam, bem assim, seguros...

Catarina: E tinha alguma técnica pra ensinar o mamulengo?

Lídia Brasileira: Muito pouco... Muito pouco...

Catarina: Mas... Quais eram? Assim...

Lídia Brasileira: Assim... Essa questão de mamulengo, a gente tinha que dá mais
significado no mamulengo, porque senão o texto não era comunicado, mais devagar,
porque a gente fica nervosinha, viu? Você num disse que eu saia assim: “Vou me
embora... Vou me embora”, era o mais fácil de dizer... É a emoção, a própria emoção
que você joga através do boneco... Aí, eu não tinha muita técnica não, mas eu aprendi
umas coisa, que eu fui pro IBAMA e conheci um mamulengueiro lá, um calungueiro,
sabe? Lá em Mossoró...

Catarina: Quem é?

Lídia Brasileira: Era irmão e Antônio Francisco, aquele poeta, grande poeta cordelista,
era toínho, Antônio... Ele era do IBAMA, ele trabalhava com o IBAMA

Catarina: E era calangueiro?

Lídia Brasileira: Era calangueiro, ai ele era ótimo, a gente fez a história da vida da mãe
dele lá em Mossoró, a história do rio Seridó, da poluição... Do rio Mossoró aliás... E aí
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ele foi criado na beira do rio, ai eu via como ele fazia como ele andando [gesto com o
dedo indicador apontando pra cima em movimento cima-baixo, semelhante ao usado pra
representar o carnaval na tela... Era ótimo! Eu fui aprendendo...

Catarina: Ai vocês faziam era a improvisação com o jeito de manipular o boneco...

Lídia Brasileira: Era... Depois assim... Eu ficava... Eu não podia me apresentar, eu não
podia participar do texto não, porque eu queria ver o que é que aquele mamulengo,
aquele boneco, tava me dizendo, e também o que era que ele passava, porque ele tem...
Se eu fosse lá pra dentro eu não sabia corrigir o que não se ouviu, porque o repasse do
conteúdo era importante demais, era isso que a gente queria... Fazia a pesquisa,
formando pesquisador, e formava um brincante também como artista que ia apresentar
pro público que podia vim assistir...

Catarina: então, as apresentações da universidade também eram um teste pra saber se o


conteúdo estava sendo passado... Pra poder ir para escola...

Lídia Brasileira: Era... Era... Era muito bom... É ótimo isso... Eu sou apaixonada que
só... Eu sou apaixonada por isso, mas por isso que sou suspeita, né? É perigoso, de vez
em quando eu me corrijo nas coisas, que a coisa tá só dentro de mim, ninguém mais
teve a paixão que eu tive... Mas teve, teve...

Catarina: E o pessoal de letras? Que eles desenvolveram os bonecos, os mamulengos...

Lídia Brasileira: Muito pouco... Letras se envolveu muito com... Por exemplo, a turma
de letras, os projetos de exposições... Letras... Cartazes, que eu também dava cartazes
pra eles, e varetas, as varetas que eu disse que era os cartaz com a vareta e o pirulito,
que a gente chama de pirulito... Ai, a turma de letra se envolveu de mais nisso, por
exemplo, os textos que seriam colocados nas paredes, a turma de letras... A turma de
letras também produziu texto pra conteúdos também.

Catarina: Ai como eram feitos a produção dos textos das falas dos bonecos? Como
tinha...

Lídia Brasileira: Assim... Eu vou dizer... Eram mentais, os textos eram mentais... Eu
tinha um nome, era imagem em ação, eu inventei essa técnica, imagem em ação, que é
imaginação... Então sua imagem está em ação, você fecha os olhos, começava assim do
zero, que imagem? Eu via o que? Eu fiz; eu vou fazer um filme, que imagem você viu
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na sua imaginação? Na sua imagem? Que imagem você produziu ai no seu pensamento?
Ai um dizia: uma fumaça, ai eu dizia: vaila-me deus... Mas aparecia.

Catarina: Então o processo de criação dos textos e dos próprios mamulengos foi assim,
da própria imaginação...

Lídia Brasileira: Foi assim!

Catarina: Da imagem e ação...

Lídia Brasileira: É!

Catarina: Fechava o olho e imaginava...

Lídia Brasileira: Ai depois a gente ia, sabe o que fazendo? Direcionando, porque ficar
era do nada que você partia, eu via estrela, vamos fazer a estrela

Catarina: E depois criava um texto...

Lídia Brasileira: ... Coerente com aquela estrela! É... É muito subjetivo no inicio, mas
depois eu entrava no conteúdo e puxava o conteúdo... Quando eles estavam certos do
conteúdo eu botava um questionador dentro também... Tinha que ter, a coisa mais
importante Catarina, é esse questionador... É quem vai questionar e que vai ter
argumento e justificativa pra dizer que tal coisa tá errada... É desumano, entendeu? É
desonesto, que ele também tá chateado com isso, ele é um cara que tá ali questionando
os conteúdos...

Catarina: Todo texto tinha um questionador... Alguém pra questionar mas porquê isso
acontece...

Lídia Brasileira: Todo texto...

Catarina: Tipo: isso dá certo... Isso não dá certo

Lídia Brasileira: É...


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ANEXO III: Livreto "A origem dos mamulengos segundo a Caapora", criado para
apresentar as principais ideias deste trabalho:
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ANEXO IV: Imagens de parte do exercício de ação na imagem criado e inspirado nas
ideias de Lydia intitulado de: "O que é?":

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