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Banca Examinadora:
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Prof. Dr. Marcelo Jasmin - Orientador
Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro
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Prof. Dr. César Guimarães - Examinador
Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro
___________________________________
Prof. Dr. Renato Lessa - Examinador
Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro
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Prof.ª Dr.ª Ligia Terezinha Lopes Simonian
Universidade Federal do Pará
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Prof.ª Dr.ª Wilma Marques Leitão
Universidade Federal do Pará
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Prof. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo
Universidade Federal do Pará
Rio de Janeiro
2006
Para minha mãe, Dona Regina, porque sei que
ficaria feliz.
Para Expedito Arnaud, que me disse: por que
não vai para o Oiapoque e prossegue meu
trabalho?
AGRADECIMENTOS
A tese trata das relações entre índios e o Estado nacional no período 1988-2005,
caracterizado pela promulgação da Constituição de 1988, que reconhece o Estado
brasileiro como pluriétnico, e pluricultural. Nela são reconhecidos os direitos
indígenas que compreendem os direitos territoriais, culturais e a auto-organização.
No dizer dos operadores do direito, estes “novos direitos” em favor da diversidade
étnico-cultural e auto-organização, em outros termos, do direito à diferença, se
contrapõem ao modelo integracionista,. O avanço desta legislação reflete a luta do
movimento indígena, aqui considerado como um novo ator político, que mediante
uma política caracterizada por articulações transnacionais passa a criar um espaço
étnico nas arenas políticas, podendo representar oportunidades de mudanças no
comportamento político, nas instituições e na própria política indigenista. A
democracia participativa, como modelo de luta contra a exclusão social, ampliação
do espaço político e cidadania, bem como, as linhas de reflexão que associam
reconhecimento à identidade social e coletiva, foram adotadas como condutoras da
análise proposta. A educação escolar indígena, como exemplo da busca de
equidade social, e terras indígenas como demarcadora dos direitos territoriais, e,
sobretudo da identidade como povo, foram escolhidas como temas de reflexão.
This dissertation deals with the relations between indigenous peoples and the
Brazilian State, covering the time period of 1988-2005, a period characterized by the
promulgation of this country´s 1988 constitution, which the Brazilian State as
multiethnic and multicultural. This new constitution acknowledges indigenous rights in
terms of land rights, cultural integrity, and self determination. Within the scope of
lawmaking and execution. these “new rights” are juxtaposed to Brazil´s former
integrationist model, favoring ethnic-cultural diversity and self-determination. As
such, these rights are configured in the spirit of acknowledging ethnic differentiation.
Advances made by this legislation reflect the struggle of Brazil´s indigenous
movement, whereby indigenous peoples are reckoned as new political players in the
realm of transnational articulations in policy formulation. In this realm, room is
provided for ethnic groups in the political arena, thus making it possible for changes
in institutional political behavior and indigenist policy. The guiding principles of this
dissertation embrace participatory democracy as a model against social exclusion as
well as the expansion of citizenship and political articulation, not to mention the
reflexive analytical framework that ties ethnic recognition to social and collective
identity. The principal themes dealt with in this framework are indigenous education,
as an example of social equality, and indigenous land rights, as a marker of territorial
rights, but above all, as an identity marker of a people.
Império................................................................................................................................174
República............................................................................................................................175
República............................................................................................................................175
Em identificação.............................................................................................................181
Total Geral......................................................................................................................181
1 INTRODUÇÃO
A construção de uma história das relações entre as populações indígenas e o
Estado brasileiro, no período 1988-2005, buscou entender a presença indígena na
democracia brasileira recente, quando se instituiu uma redefinição das relações
entre Estado e sociedade, com ampliação da prática e da noção de cidadania,
mediante mecanismos institucionais operacionalizados pela/através da inserção da
sociedade civil (LOPES, 2000). Essa presença se fez através do movimento
indígena baseado na identidade étnica, na defesa dos direitos indígenas,
caracterizado pela articulação - nacional e internacional - que criou corpo a partir dos
anos 1970. Uma articulação à semelhança do que estava ocorrendo com outros
povos indígenas e demais minorias étnicas e sociais na América Latina, para fazer
frente às pressões externas, embutindo mudanças promovidas pelo
desenvolvimento, transformando sociedades que, muitas vezes, até então tinham se
mantido relativamente isoladas ou sem nenhum contato com o mundo exterior.
No Brasil, a realização de Assembléias Indígenas com apoio da Igreja
Católica foi o foro principal de discussão dos desafios que afligiam os indígenas tais
como: a exigência de demarcação de suas terras, em razão de invasões; a denúncia
ao modelo de política adotado pelo Estado brasileiro; o debate de temas que os
atingiam diretamente, como a autonomia e autodeterminação (VALLEJO LEAL,
2003).
As conquistas do movimento indígena se refletiram sobre a instituição
indigenista e na política aplicada aos índios. O movimento indígena se revelou para
o Estado brasileiro como um novo ator político (BRYSK, 2000). No cômputo da
história entre o Estado Nacional e as populações indígenas, estas aparecem
obstruindo o caminho da civilização, do progresso, e seus territórios se encontram
nas rotas do desenvolvimento. A Carta Magna de 1988 inaugurou um novo status
indígena, o de cidadão, ao reconhecer a diversidade das organizações sociais e o
direito originário sobre as terras onde vivem. Teve início um novo momento da
história do Brasil Indígena.
O modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, após o golpe militar de
1964, favoreceu grandes empresas mineradoras e projetos agrários de ampla
envergadura, atingindo populações indígenas e rurais, agravando as condições de
pobreza destes últimos. Quanto aos índios, a reação ao modelo político econômico
vigente pode ser observada no relato de Maybury-Lewis:
Entrementes, caravanas de chefes Xavante tinham-se tornado uma cena
comum em Brasília. Eles eram ajudados por alguns funcionários da Funai
genuinamente dedicados à causa indígena e aprenderam, enquanto o Brasil
caminhava para a abertura política, a utilidade de levar seu problema aos
deputados da oposição e aos canais de televisão, que gostavam de dar
cobertura a índios que enfrentavam os militares. Nesse processo, a Funai
foi autorizada pelo governo a demarcar e garantir as terras Xavante e a
patrocinar um sofisticado projeto de plantação de arroz entre eles, de modo
que os índios pudessem compartilhar com seus vizinhos as benesses
agrícolas que tinham caído sobre sua região (MAYBURY-LEWIS,
1990, p. 13).
1
Em 1980 foram criadas em Campo Grande/MS a União das Nações Indígenas/UNI e em Brasília a
UNIND, com a mesma designação, com historicidades diferentes, e objetivos similares. Trato deste
assunto no capítulo III. O relato da formação dessas organizações é feito por Ortolan Matos, 1997, p.
160-174.
2
Os indígenas brasileiros participaram do 4º Tribunal de Fundação pela Paz Bertrand Russel em
1980 em Roterdam, onde foram tratados casos de genocídio envolvendo os Nambiquaras e
Yanomami além de outros casos abrangendo índios do Alto Rio Negro. As acusações se baseavam
na maneira como os Grandes Projetos estavam sendo implantados e os impactos deles decorrentes.
Ver Vallejo Real, 2003, p. 192.
Assim, muitas associações passaram a se definir por região, como é o caso
da Associação dos Povos Indígenas de Oiapoque – APIO; por interesses
específicos, como as organizações de professores indígenas, mulheres indígenas ou
pelo local de moradia, como as associações dos Tembé-Tenetehara do Alto Rio
Guamá (Pará). O interesse em manter uma articulação política de caráter pan-
étnico, como era proposto pelas duas organizações (UNI e UNIND), não combinava
com a tendência de caráter regional que se tornava mais expressiva. A
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB é um
exemplo de organização que conseguiu expressão nacional e internacional,
funcionando também como um organismo de reconhecimento das Organizações
Indígenas da Amazônia.
As organizações indígenas têm por base a identidade étnica e caráter
associativo similar ao modelo de organização tribal, onde a assembléia é a instância
de discussão e deliberação dos negócios internos e externos do grupo indígena.
Individualmente ou através da COIAB, as diversas organizações têm possibilidades
de se articular com atores internacionais que podem favorecer ou inspirar a
produção de políticas de desenvolvimento para as comunidades indígenas e,
consequentemente, influir na modernização das políticas indigenistas produzidas
pelo Estado brasileiro3. A condição de organização indígena e o apoio de parceiros
nacionais e internacionais lhes permitem manifestar-se junto às arenas de decisão,
apesar do sucesso nem sempre ser garantido.
As novas diretrizes políticas estabelecidas pelo Estado Brasileiro, após 1988,
implicaram em transformações cujos reflexos se tornaram perceptíveis nas
instituições estatais, no interior das aldeias e no conjunto global das relações dos
índios com segmentos diversos da sociedade nacional e internacional.
As ações indigenistas, antes sob a responsabilidade da Fundação Nacional
do Índio (FUNAI), sofreram grandes alterações após 4 de fevereiro de 1991, em
conseqüência de decretos estabelecidos no governo Collor. Até aquele momento,
cabia a FUNAI gerir a tutela, mediar as relações entre povos indígenas e a
sociedade nacional, ação, aliás, inglória para o órgão. Após essa data, a instituição
teve seu perfil descaracterizado, favorecendo crises que fragilizaram o órgão4.
3
Alguns desses organismos são: o Banco Mundial, Fundo para o Desenvolvimento da Agricultura
(FIDA), a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ).
4
Em 04/02/1991 foram promulgados os Decretos 22; 23; 24; 25; 26 que estabeleceram novas
diretrizes para a política indigenista, repassando para diversos Ministérios ações antes desenvolvidas
Sob o ponto de vista administrativo, a gerência das terras indígenas
permaneceu sob a égide do órgão indigenista, enquanto as ações relativas à
educação e saúde passaram para os Ministérios da Educação e Saúde.
Pensar o “campo indigenista” como se expressa o antropólogo Antônio Carlos
de Sousa Lima (1995), é considerar que as relações entre o Estado nacional e os
índios, se constroem com a participação de vários atores que estiveram
historicamente ligados à questão e aqueles que estavam fora dessa relação como
referido anteriormente5. É considerar a dinâmica e a estrutura da instituição
indigenista, aquelas que passaram a ter nos indígenas uma nova clientela, como as
antigas entidades de apoio ao índio, que se transformaram em ONGs, do Conselho
Indigenista Missionário/CIMI, do Ministério Público Federal (MPF) e, mais
recentemente, as Universidades. É refletir sobre o papel dos organismos federais e
estaduais que tergiversam com a questão indígena, como o Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (IBAMA), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM) e Instituto de
Terras do Pará (ITERPA). Mas, principalmente, as ações do movimento indígena,
que mediante uma política indígena pautada em alianças locais, regionais e
internacionais, se inscreveram em cenários para além dos conceitos de Estado e
Nação, passando a agir através de redes de apoio pan-indígenas.
A problemática investigada neste trabalho visou compreender a complexidade
da questão indígena no Brasil, a partir das relações entre o movimento indígena e
sua luta em defesa dos seus direitos e o Estado brasileiro. Do ângulo do Estado, os
fatores que contribuem para a inexistência de um novo instrumento de regulação
dessas relações, da redefinição do papel do órgão indigenista diante da
fragmentação das ações indigenistas – e convém sublinhar, quanto a isso, que o
Estatuto das Sociedades Indígenas aguarda aprovação há mais de 10 anos. Do
ponto de vista do movimento indígena, o processo de ação apoiado no diálogo e
parcerias com atores estatais e não estatais, visando a defesa e ampliação dos
direitos e a busca de reconhecimento étnico de grupos considerados extintos como
povo, e/ou famílias de diferentes etnias nas grandes e pequenas cidades em várias
regiões do país, levou seus administradores a considerar estes segmentos no novo
cenário da democracia brasileira.
pela FUNAI.
5
Souza Lima, Antonio Carlos de. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação de
Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
Algumas perguntas nortearam este trabalho: Como a questão indígena se
apresenta na pauta política do Estado Brasileiro? A ação do movimento indígena na
vida política nacional produziu alterações no diálogo entre índios e o Estado? É
possível afinar as diferentes políticas para que possam se ajustar ao que é proposto
nos artigos 206, 210, 215 e em especial o 231 da Constituição Federal?6 Como está
se realizando a ação política do movimento indígena na produção de novas
demandas por reconhecimento? Essa ação tem sido decisiva para a produção de
políticas que atendam a agenda de interesses dos povos indígenas? Como se
apresenta a figura do “indígena cidadão”, diante das formulações jurídicas da tutela
e da proteção aos povos indígenas? Quais outros direitos devem ser buscados e
garantidos para que a “cidadania diferenciada” deixe de ser retórica para se tornar
realidade?
Estamos considerando que o caso indígena tem sido explicado por várias
razões: a) pelo baixo índice demográfico em relação à população brasileira, ou seja,
370 mil índios, cerca de 0,2 % da população brasileira em 2005 7; b) pela quase
inexistência de representatividade política nas arenas de decisão tanto a nível
nacional quanto regional, apesar da presença de vereadores e eleitores,
especialmente em cidades com significativa presença indígena8 c) pela divulgação
do consenso de que os índios não são produtores, porém assistidos, noção que
sustentou o modelo de desenvolvimento pós-64 implantado no Brasil, cujo conteúdo
ideológico desconsiderava a diversidade cultural das populações indígenas,
caboclas e negras, entendendo-as como culturas pobres e, portanto, sem prioridade
no processo de desenvolvimento. Nesse raciocínio, a ocupação tradicional das terras
indígenas foi vista como desperdício sendo mais produtivo direcionar para empresas
multinacionais e nacionais. Essa forma de tratamento contribuiu para a invisibilidade
desse segmento no conjunto das políticas públicas9; d) pela necessidade de
6
Art. 206: indica o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; Art. 210: assegura o uso das
línguas indígenas e processos próprios de aprendizagem; Art. 215: define como dever do Estado a
proteção às manifestações culturais; Art. 231: reconhece aos índios sua organização social e os
direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
7
BARIÉ, Cletus Gregor. Pueblos Indígenas y derechos constitucionales en América Latina: um
panorama.Bolívia: Instituto Indigenista Interamericano (III, México), Comision Nacional para el
Desarrollo de los Pueblos Indígenas (CDI, México) y Editorial Abya-Yala (Ecuador), 2004. CD-ROM.
8
As eleições de 2000 apresentaram o seguinte resultado: 350 índios pleitearam vagas; 13 foram
eleitos Prefeitos e 80 foram eleitos vereadores. Ver: Candidaturas Indígenas, Marcos Pereira Bonfim,
site:http://www.socioambiental.org.br
9
Violeta Loureiro ao analisar o Modelo de Integração da Amazônia aos mercados nacional e
internacional, admite que esse pressuposto foi determinante para que esses segmentos fossem
“obrigados a ceder o espaço em que moravam às populações pobres de outras regiões brasileiras, [..]
à agroindústria em expansão e destinada à exportação”. As populações indígenas por ocuparem
participação indígena no debate dos novos direitos para além dos direitos civis,
sociais e políticos decorrentes da organização da sociedade, fundamentais à
construção de uma nova sociabilidade, onde a diferença e a alteridade sejam
aspectos a considerar na elaboração de políticas; e) pela presença do discurso de
brasilidade e homogeneidade cultural que oculta crises e conflitos envolvendo
minorias étnicas e raciais.
O objetivo da tese foi abordar a participação do movimento indígena como
ator importante na construção e defesa dos direitos indígenas no período 1988-
2005, considerando elementos do cenário nacional contemporâneo como: a) os
ganhos obtidos na Constituição; b) as reformas institucionais estatais; c) a criação
de legislações específicas que incidem sobre vários aspectos da vida e da existência
destas populações; d) a repercussão da política indígena sobre a política indigenista,
fundamentais para a compreensão da inserção indígena no cenário atual da
democracia brasileira.
O trabalho preocupou-se em contribuir para o debate sobre o movimento
indígena como produtor de uma política indígena de caráter transnacional, que se
contrapõe ao modus das políticas indigenistas integradoras, homogeneizantes.
Tratou-se de discutir a política indígena como criadora de um “espaço étnico”, ou
seja, o espaço político que as etnias foram conquistando na arena política, podendo
representar uma oportunidade de mudança no comportamento político e nas
instituições.
Ao visualizar a política indígena contra a diferenciação identitária desigual e
como expressão que favorece a ampliação do projeto democrático do país,
argumentamos que, a presença de dispositivos legais que garantem os direitos
indígenas na Constituição Federal sugere a inclusão dessas populações no
processo de cidadania. Entretanto, as constantes ameaças de redução e/ou
supressão desses direitos indicam a existência de uma prática de exclusão que
aponta para um déficit de cidadania sustentada pelo modelo estrutural da sociedade
brasileira.
grandes extensões de terras, e atividades entendidas como sendo de baixa produtividade que “pouco
agregam ao conjunto da economia [..] porque não geram impostos” eram vistas como desperdício.
Ver LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Pressupostos do Modelo de Integração da Amazônia Brasileira
aos Mercados Nacional e Internacional em Vigência nas Últimas Décadas: a modernização às
avessas. In: Sociologia na Amazônia. Debates Teóricos e Experiências de Pesquisa. COSTA, Maria
José Jackson. (org). Ed. Universitária/UFPA. Belém, 2001.
Para atender a opção desse olhar sobre a política indígena, foi necessário
refletir sobre o transcurso histórico da política indigenista, compreendendo os
propósitos dessa política, o que favoreceu o entendimento do período analisado,
caracterizado pela busca dos povos indígenas por: reconhecimento das diferenças
étnicas, manutenção e garantia dos direitos territoriais, culturais e de auto-
organização, presentes na Constituição de 1988.
A noção de democracia participativa proposta por Boaventura dos Santos
(2003), entendida como um modelo que favorece que comunidades e grupos sociais
subalternos lutem contra a exclusão social e se mobilizem na aspiração de contratos
sociais menos excludentes e de democracias de mais alta intensidade, sugerindo
ser um caminho possível de discussão sobre uma política indígena que em sua
relação com o Estado brasileiro se proponha defender os direitos indígenas no
contexto da democracia brasileira. Essa alternativa é corroborada, de resto, por
autores que debatem o reconhecimento dos direitos de coletividades particulares
dentro de coletividades mais inclusivas em contextos democráticos liberais
(TAYLOR, 1997; RORTY, 1993), bem como, o entendimento do movimento
indígena, enquanto um movimento baseado na identidade, cujo propósito é mais do
que mobilizar ou inspirar a organização, mas, sobretudo, reescrever as relações de
poder (BRYSK, 2000).
A opção por uma abordagem interdisciplinar entre a Ciência Política, a
Antropologia e o Direito, possibilitou o tratamento do problema de várias
perspectivas, tendo em vista a necessidade do registro e da reflexão de um período
da história política brasileira, na qual os povos indígenas passaram a ter um papel
ativo e constituinte na democratização do país.
A terra, enquanto fator de produção, identificador de identidade e expressão
dos direitos territoriais indígenas, e a educação indígena como o instrumento que
lhes permite a inclusão em termos de eqüidade social, foram os pretextos escolhidos
para discutir o processo de conquista dos direitos indígenas na análise proposta.
A relevância da pesquisa está em registrar e refletir um período da história
política brasileira pela perspectiva dos direitos indígenas, em razão de um discurso
de brasilidade apoiado anteriormente numa suposta harmonia racial, e, mais
recentemente, no princípio da diferença e no reconhecimento do país como
pluriétnico. Mesmo assim, é possível observar contradições entre o discurso que
agrega e a prática que discrimina. Mediante a análise das influências recíprocas das
políticas indigenista e indígena é importante verificar como a democracia brasileira
se comporta em relação às populações indígenas, da mesma maneira, demonstrar
como os povos indígenas e diferentes atores institucionais têm lidado com essas
políticas.
Na construção do suporte teórico metodológico para esta tese, foi levado em
conta o trabalho desenvolvido junto às populações indígenas, fundamentais para a
construção de nossa prática profissional. Estes tiveram formatações que os definem
como técnicas, acadêmico-investigativas, mas ambos constituindo-se como
trabalhos de intervenção. Em nossa dissertação de mestrado em Antropologia Social
sobre educação indígena, “Escola Indígena: uma “frente ideológica”?”10,
apresentamos a escola como uma frente ideológica, por desempenhar o papel
político de agência civilizadora mediante a imposição da língua portuguesa e da
cultura nacional na fronteira Brasil/Guiana Francesa. Nela, registramos nossa
compreensão dos profissionais da docência nas comunidades indígenas, ao enfocar
a escola como um dos instrumentos da política de integração presente na conduta
do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), conduta que não passou por nenhuma
alteração mais substancial sob o comando da FUNAI. Quanto aos professores,
fossem estes funcionários da própria FUNAI, contratados da Secretaria de Educação
ou da Prefeitura, eram agentes do governo, desenvolvendo a educação segundo a
proposta de integração, leia-se civilização, e do ensino de acordo com o Manual do
Professor Rural.
A presença de um manual dessa natureza, como orientador para o modelo de
ensino a ser adotado pelo professor rural, por si só já expressava a invisibilidade dos
indígenas no sistema de ensino. Repleto de regras de boa educação, higiene,
horário e temas de aulas, deixava clara a intenção civilizadora e a negação da
diversidade das culturas e sociedades indígenas. Alguns resultados desse modelo
de ensino se expressavam no alto índice de repetência, na verificação de que ao
final de cinco anos o aluno oscilava entre o que chamavam à época de Primeiras
Séries “Atrasadas” e “Adiantadas”, sem conseguir aprender a ler e escrever. O
sentimento de frustração e derrota podia ser percebido por parte do professor e
descrença daqueles que se aventuravam ir à escola. Na maioria das vezes, o
professor continuava monolíngue, por não considerar importante o aprendizado da
10
ASSIS, Eneida Corrêa de. Escola Indígena: “uma frente ideológica?”. Dissertação de Mestrado em
Antropologia Social. Brasília: Universidade de Brasília – UNB, 1981
língua do grupo onde estava trabalhando, ou pela dificuldade em pronunciar certos
sons das línguas indígenas. O professor que por algum motivo se tornava
relativamente fluente na língua indígena, passava a ter laços de parentesco
simbólicos com algumas famílias ou com o grupo. Assim, por exemplo, uma
professora que ocupasse o seu tempo com as mulheres da aldeia treinando-as em
habilidades de grande valor interno como corte e costura, com ou sem máquina de
costura, crochê e tricô, ou o professor que revelasse qualidades de bom pescador,
caçador, ou abrisse uma roça com algum parceiro tribal, apresentando um bom
resultado, poderia obter algum sucesso no ensino. Com isso, poderia permanecer na
memória do grupo como alguém que se esforçara por aprender e ensinar
favorecendo melhores condições de acesso ao mundo exterior.
A participação em projetos de educação indígena se apresentou como
oportunidade de acompanhamento de tentativas de Formação de Magistério
Indígena por instituições como Universidade11 , Secretarias de Educação estaduais e
mais recentemente municipais. Observamos, in loco, as dificuldades dos candidatos
e das instituições para desenvolver estes projetos. Enquanto as instituições se
deparavam com a urgência em obter informações sobre as sociedades indígenas e
o modelo de educação a ser construído, os desafios dos candidatos repousavam na
apreensão do volume de informações com assuntos em sua maioria distante da
realidade das aldeias, na incorporação da linguagem escolar, inexistência de
literatura em suas línguas12 e necessidade de docentes com formação adequada.
A exigência de participação nas assembléias indígenas, a competência em
dialogar com assessores, confrontar-se com oponentes, representantes do Estado
eram desafios onde, a baixa escolaridade poderia ser um elemento de desvantagem
acrescido pelo desconhecimento de aspectos da cultura própria de certos nichos.
Nestas ocasiões a timidez se apresentava como estratégia enquanto os debates
eram processados e sintetizados. Ler, escrever, contar, compreender o particular e o
geral, e com isso possibilitar a comunicação, faria a diferença destes indígenas que
não podiam mais se restringir ao âmbito das aldeias, uma vez que estavam em
11
Entre 1991-1996 coordenei o Programa em Etnoeducação e o sub-projeto “Uma escola alternativa
para os Palikúr, município de Oiapoque/Amapá”.
12
Em alguns grupos a única literatura existente em suas línguas era a Bíblia traduzida pelos
missionários do antigo Summer Institute of Linguistics (SIL) atual Sociedade Lingüística Internacional,
material didático do Ensino Fundamental; livros e revistas publicados pelo CIMI abordando as
questões indígenas que suavizavam o caráter dramático da ausência de uma literatura indígena.
colisão com a sociedade global13. A formação de associações onde pudessem atuar
de maneira organizada e o ganho de espaço político eram os remédios apontados
por eles durante a realização das assembléias indígenas. As instituições, por outro
lado, se defrontavam com alguns desafios: a burocracia interna que dificultava a
criação de núcleos ou setores de educação indígena, em especial nas Secretarias
de Educação, falta de pessoal especializado, pesquisa em educação indígena
insuficiente14 e medidas políticas que traduzissem o interesse político em por em
prática a legislação existente. Enfim, um quadro que revelava a insuficiência de
poder por parte dos índios para pressionar os governos a adotar medidas de solução
e encaminhamento da educação indígena.
A elaboração de Relatórios de Identificação e Delimitação de Terras
Indígenas, cujos estudos realizados objetivam caracterizar e fundamentar a terra
como tradicionalmente ocupada pelo grupo indígena, conforme os preceitos
constitucionais presentes no Artigo 231 § 1º15 , chamaram atenção para a
importância estratégica da terra para os povos indígenas, sobre o que é ser índio
para a sociedade onde os diferentes atores, índios, agentes institucionais e outros
atores sociais se defrontam, e a exigência feita aos indígenas - provarem que são
índios16. No momento em que uma terra tem que ser definida como tradicionalmente
ocupada, a “indianidade” do grupo estudado é posta em discussão, à luz da noção
presente no critério de definição de “terras habitadas em caráter permanente”. Se a
Terra Indígena que está sendo identificada é ocupada por uma população que se
diferencia a olhos vistos dos chamados “civilizados”, a argumentação sobre a
“indianidade” do grupo pode tomar um rumo até certo ponto tranqüilo.
13
Iris Young, ao propor o conceito de democracia comunicativa, discute que diferenças sociais e
culturais impedem que as pessoas se tornem interlocutores em pé de igualdade em razão da
dependência econômica e da dominação política. A intenção da autora é demonstrar as limitações da
democracia deliberativa cujo ideal tende a supor que, quando eliminada a influência do poder político
e econômico, a forma de falar e compreender será idêntica para todos, o que só ocorre se for
eliminada as diferenças culturais e de posição social. Ver: YOUNG, Iris Marion. Comunicação e o
outro: além da democracia deliberativa In: SOUZA, Jessé (org) Democracia Hoje. Novos desafios
para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Ed. UNB, 2001 P.370.
14
A produção sobre processos de aprendizagem em grupos indígenas ainda está por ser feita, talvez
por exigir uma abordagem interdisciplinar. Quanto aos projetos de Formação de Professores
Indígenas, existe uma literatura razoável
15
A expressão terra tradicionalmente ocupada é um conceito jurídico cuja definição consta do
parágrafo 1º do Art. 231da CF/88, e que deve ser considerada “segundo seus usos e costumes”.
16
Coordenei dois projetos de Identificação e Delimitação de Terra Indígena: Em 1996 o GT
Mêkrãngnoti do Bau (Kayapó) com objetivo de rever os limites da área que estavam sendo
contestados por duas Mineradoras com base no Decreto No. 1775/96. Em 1998, o Gt-Amanayé que
resultou na identificação de duas Terras Indígenas: Saraua e Barreirinha. Foram produzidos 03
Relatórios relativos aos trabalhos e entregues a FUNAI.
A situação torna-se mais crítica, se o grupo que ocupa a terra que está sendo
identificada e delimitada, se inclui em categorias definidas como índio-caboclos,
índios ribeirinhos ou mais recentemente “ressurgidos”17. Para esses, os termos
“mistura”, “índios misturados” que tentam sintetizar o resultado de inúmeras
compulsões advindas do contato com a civilização, tem sido uma ferramenta
importante no argumento para defesa dos direitos indígenas a terra e aos demais
benefícios garantidos em lei18. Em qualquer das situações acima indicadas pode
haver revezes pela ação contestatória com base no Decreto 1775/1996, art. 2 º § 819.
A participação dos indígenas no processo de identificação, também um ganho
constitucional, tem sido fundamental, não somente pela indicação do que estão
pleiteando, mas principalmente pelo conhecimento a cerca de tudo que envolve
aquela terra.
Durante o percurso dos limites das terras a serem identificada, os indígenas
que serviam de guias iam desfiando as histórias de cada ponto geográfico
importante, pois estavam ligados a algum acontecimento fosse o nascimento de uma
criança, o lugar onde haviam visto alguma onça, ou morto algum branco quando
ainda eram “brabos” como alguns disseram. Essa geografia nativa era recheada de
ensinamentos sobre o uso de alguma planta, árvore, fruto ou um inseto, mas era
também um desafio para o trabalho de perícia antropológica definir os limites de um
território ou atestar que um determinado agrupamento humano é indígena tendo,
portanto, direito a terra. Os indígenas que acompanham o antropólogo também têm
consciência de sua responsabilidade, eles devem conhecer seu território, sua
história, seus personagens, expondo através de sua narrativa os elementos que
comprovam esse conhecimento mediante informações que se juntarão às demais
provas necessárias à construção do argumento comprobatório sobre aquela terra.
17
Termos que definem indígenas que vivem fora das aldeias ou já nasceram desaldeados.
18
A idéia de nações que congregam muitas “raças” e múltiplas “culturas”, ao contrário do modelo
universalista e assimilacionista da Revolução Francesa, fixa-se como uma alternativa política
democrática para parcelas crescentes das elites mundiais. Ver: GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo.
Nacionalidade e novas identidades raciais no Brasil. In: SOUZA, Jessé. Democracia Hoje: :novos
desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001 p.
393.
19
O Decreto Nº 1775/1996, art.2 § 8, estabelece que: desde o início do procedimento demarcatório
até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior e demais interessados
manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as
provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de
testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios,
totais ou parciais, do relatório que trata o parágrafo anterior.
Os relatórios ambientais em terras indígenas que subsidiam os EIA-RIMA,
têm sido para os antropólogos que neles trabalham sempre uma experiência que
pode envolver em alguns momentos confronto, seja com as empresas responsáveis
pelo empreendimento, seja com outros atores interessados20. O decreto
88.351/1983, art. 18, parágrafo 1, incumbiu o Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA, de fixar critérios básicos segundo os quais são exigidos estudos de
impacto ambiental para fins de licenciamento de atividades. O uso dos recursos
naturais em terras indígenas tem sido uma experiência muito difícil para os povos
que nelas habitam. Por serem empreendimentos que envolvem interesses múltiplos,
as externalidades resultantes são suavizadas pelo discurso do progresso, do
desenvolvimento ou da criação de oportunidades de emprego se tornando tão
veementes que, é possível esquecer a relação custo x benefício, e indagar se a
contabilidade dos prejuízos supera a dos lucros21.
No que se refere aos índios, pode haver por parte dos responsáveis pelo
empreendimento atitudes de negação de sua existência, que se reflete na demora
em consultá-los, na construção de argumentos que alegam o baixo índice
demográfico que apresentam ou que a existência de aldeamentos pode significar
embaraços aos planos de desenvolvimento. Da parte dos indígenas, expressões de
desapontamento, em relação à eficácia das leis, incerteza em relação ao futuro,
traduzem o efeito que mudanças drásticas podem provocar em uma população
atingida. Da mesma maneira, as cisões internas decorrentes do confronto de
interesses de grupos de famílias ou de indivíduos durante o processo de estudos,
podem ameaçar a unidade em torno da defesa do território e de seus direitos.
O acompanhamento do processo de organização de grupos indígenas pode
ser uma excelente oportunidade de entendimento das dificuldades enfrentadas e das
estratégias empregadas por eles, quando o sistema de vida aldeã com seu
procedimento e lógica, sofre interferências das ações e valores da sociedade
nacional. Os indígenas que conduzem o processo adotam algumas medidas para
que se tornem interlocutores em condições de compreender e se fazer
20
Coordenamos dois projetos de estudos: a) Estudos Indígenas para a CHE/Belo Monte
(FADESP/ELETRONORTE) em 2000-01; b) Os Amanayé e a Hidrovia do Rio Capim
(CEMA/AHIMOR) em 2003.
21
De acordo com a CF/88, cap. VIII, Dos Índios, art. 231, § 3º, “O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras
indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
compreendidos como, por exemplo: domínio da gramática do momento político e
das instituições com as quais têm que dialogar; conjugação da argumentação
política com a construção da imagem; articulação com outros grupos indígenas,
atores solidários à causa indígena e órgãos do governo; pressão sobre dirigentes de
órgãos que têm relação com essas sociedades. Estes trabalhos realizados no
período de 1996-2002 geraram reflexões, algumas formalizadas e apresentadas em
forma de artigos, sobre a política indigenista, políticas indigenistas de saúde e
educação, apresentados em reuniões da ABA-Associação Brasileira de Antropologia
e na a 1ª Semana de Ciência Política, realizada na cidade de Belém, no ano de
2002.
Todas essas experiências despertaram a necessidade de entender melhor
suas causas e significados, passando a constituir-se no leque de questões
norteadoras deste estudo. Para efeito desta tese foi feita a revisão de bibliografia no
campo da Ciência Política, Antropologia e Direito, contatos com lideranças
indígenas, servidores da FUNAI, enfim, trabalhos que exigiram períodos de campo
em diferentes momentos. Além disso, foi realizado levantamento de informações nas
bibliotecas da FUNAI-Brasília, do Senado Federal e Câmara dos Deputados, MPEG-
Museu Paraense Emílio Goeldi, CIMI-Conselho Indigenista Missionário, e de
documentos capturados na internet pertencentes ao ISA-Instituto Socioambiental,
INESC-Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos e LACED-Laboratório de
Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento.
A biblioteca da FUNAI/Brasília conta com um rico acervo, que é também um
desafio para o pesquisador na escolha dos critérios para o manuseio da
documentação. Como ensina Clara Galvão (1983), dois critérios iniciais podem
ajudar a consulta dos documentos relativos à política indigenista que se caracteriza
pelo volume e complexidade: a periodização e a origem das fontes. Quanto à
periodização, um dos caminhos sugeridos é o manuseio da legislação Colonial,
legislação do Império e legislação da República. Um outro critério é a subdivisão do
material segundo a sua origem: legislação central, legislação regional e legislação
específica.
A legislação central originada do poder central consiste nas leis gerais. Por
exemplo: no período Colonial, as Ordenações Afonsinas, e no Império, a legislação
a partir de 1808. Segundo a autora, as legislações regionais e as específicas estão
dispersas em arquivos públicos, missões religiosas e diferentes órgãos dos
governos Federal e Municipal, aumentando as dificuldades de consulta pelo
pesquisador. Segundo Clara Galvão, uma pesquisa sobre o assunto demandaria a
formação de uma equipe de especialistas e um tempo mínimo de seis meses. 22 O
mesmo pode ser dito em relação à documentação atinente ao movimento indígena,
da qual o Conselho Indigenista Missionário – CIMI e o Instituto Sócioambiental – ISA
são os maiores depositários dessa memória.
Considerando que o recorte temporal escolhido foi de 1988-2005, com um
tempo disponível relativamente curto para o levantamento de informações e sem
verba para a pesquisa, a estratégia escolhida foi iniciar pela biblioteca da
FUNAI/Brasília, onde está concentrada grande parte da documentação produzida
pelo órgão, além de outras instituições de interesse para a pesquisa. A segunda
etapa do levantamento foi destinada à consulta das bibliotecas do CIMI e Museu
Goeldi em Belém.
A orientação das bibliotecárias da FUNAI/Brasília, Cleide Albuquerque e Lina
Santos Rocha foi providencial às fontes primárias: concentrar o levantamento na
documentação da política indigenista do período escolhido, onde se incluíam
relatórios de propostas de reformulação do órgão, correspondência interna de
autoria de técnicos, artigos que envolviam o debate sobre os direitos indígenas,
além de monografias (dissertações e teses).
Sobre movimento indígena, a revista O Mensageiro publicado pelo CIMI,
possibilitou a retrospectiva do movimento indígena brasileiro dos primórdios ao
período atual. Além da bibliografia utilizada para o estudo em foco, foram visitados
sites de ONGs e outras instituições de apoio à questão indígena. Analisar as
políticas indigenistas e indígenas é também rever uma história de discriminação, de
construção de invisibilidade, do processo de organização para o ganho de voz nas
arenas de disputa, fortalecimento da identidade étnica e, consequentemente, de
defesa e ampliação dos direitos indígenas.
Foram realizadas algumas entrevistas com um roteiro prévio, porém flexível,
permitindo agregar outras informações tanto no momento da entrevista, quanto no
desenrolar da pesquisa de campo. Entre abril e junho de 2003, enquanto realizava a
pesquisa na biblioteca da FUNAI-Brasília, tivemos a possibilidade de participar como
observadora de um curso de indigenismo e, dessa forma, conviver com funcionários
22
GALVÃO, Clara. Legislação Indígena. Ministério do Interior/Fundação Nacional do Índio/Centro de
Documentação do Museu do Índio. Rio de Janeiro: outubro, 1983.
de carreira, tanto índios quanto não índios, indígenas que estavam trabalhando por
contrato, indígenas que estavam realizando curso superior em Brasília (Direito),
lideranças do Parque Nacional do Xingu, que formam uma espécie de elite talvez
por ter acesso mais fácil aos corredores da FUNAI/Brasília. Poder conhecer o ponto
de vista desses atores sobre a instituição e sua política, os problemas que os índios
enfrentam quando migram para a cidade, as opiniões - tanto de índios quanto de
funcionários - sobre índios que se dizem lideranças e que na verdade podem não
ser, colocaram a representação como um tema que aflige a todos. Foi possível ouvir
também as opiniões de funcionários e contratados de secretarias de Educação,
professores não índios que trabalham nas escolas da região de Altamira (PA) e de
Oiapoque (AP), missionários e alguns índios representantes ou membros das
nascentes organizações de Altamira (PA) e Oiapoque (AP).
Esses contatos puderam acontecer em razão de convites para participar
como professora de Cursos de Formação de Professores em Altamira e Macapá, e
oficinas promovidas pelo CIMI e FUNASA23. Os cursos permitiram o contato com um
número razoável de professores que estavam trabalhando no ensino fundamental e
médio, alguns com quase dez anos de escola em áreas indígenas e outros com
apenas alguns meses de “mato” conforme a expressão que se tornou corrente
nesses cursos, com técnicos das secretarias e indígenas que estavam pleiteando
prosseguir seus estudos de nível superior, voltados ou não para o exercício do
magistério ou freqüentando cursos técnicos na área de saúde. Esses contatos não
se caracterizaram pela realização de uma entrevista formal em nenhum dos casos,
mas por uma conversa onde foi exposto o objetivo da pesquisa. Alguns desses
encontros puderam ser gravados, outros não, por razões particulares dos
interlocutores.
A pesquisa foi conduzida numa perspectiva interdisciplinar, dado o caráter do
tema, subsidiada na literatura da ciência política, antropologia e do direito, com
emprego do método etnográfico inspirado em Malinowisky (1984), que sugere ao
pesquisador estabelecer relações com as pessoas do lugar onde vai trabalhar,
selecionar informantes, transcrever textos. A dimensão etnográfica do trabalho de
campo exigiu a coleta de informações junto àqueles que viveram os processos de
luta em defesa de seus direitos, daqueles que estiveram ao lado dos povos
23
Essas atividades se realizaram entre 2003-2004.
indígenas, bem como dos atores que prosseguem na luta. Nesse sentido, a
“comunidade” pensada em Malinowisky foi de certa maneira atendida.
A tese está distribuída, além da Introdução, em duas partes contendo
capítulos sob forma de ensaio, encerrando com as Considerações Finais.
O primeiro capítulo delineia o argumento proposto e considera a literatura
produzida nos estudos sobre temas de interesse do presente trabalho, com o intuito
de possibilitar um diálogo entre a Ciência Política, Antropologia e o Direito: contato
interétnico, política indigenista, movimento indígena, direitos indígenas, democracia
participativa, políticas de reconhecimento e cidadania.
O segundo capítulo apresenta um histórico da construção da política
indigenista da Colônia à República, com destaque para o SPI.
O terceiro capítulo procura mostrar os efeitos recíprocos das políticas
indigenista e indígena após 1988, mediante a análise da FUNAI, sob a perspectiva
da fragmentação da política indigenista, do projeto de reestruturação e da
construção da política indígena advinda do movimento indígena.
O quarto capítulo apresenta a educação indígena no contexto atual, contendo
as bases dessa política indigenista, impasses, ambigüidades e, principalmente,
como os indígenas têm lutado para que a educação integradora se transforme de
fato numa educação intercultural, como prevê a legislação, cujo princípio do respeito
à diferença é sua característica.
O quinto capítulo discute as Terras Indígenas como condição básica dos
direitos indígenas. Aborda a questão da posse da terra indígena como tema
historicamente vinculado aos direitos indígenas, é o que se pode chamar de
termômetro do clima da relação entre o Estado/índios e outros atores interessados.
Considerações Finais encerra o que resultou do estudo apresentando
algumas propostas.
24
AZEVEDO, Thales. Catequese e Aculturação. In: SCHADEN, Egon. Leituras de Etnologia. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, 380.
25
WATCHEL, Nathan. A aculturação. In: Le Goff J: Nora, P. História, Novos Problemas. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 2ª edição, 1979, p. 113.
Em sua crítica, Ribeiro26 considerou que, a aculturação não se restringia a
explicação de mecanismos de aceitação e rejeição orientados por agentes causais
de natureza cultural, extracultural e coerção de fatores sócio-econômicos. Por outro
lado, muitos autores terminaram por dar ênfase à “causação circular em que cada
fator poderia ser a seu tempo, causa e efeito”, e outros se desviaram para análises
de caráter sociológico com ênfase para os aspectos sociais dos conflitos
interétnicos, desprezando os aspectos culturais. Como conseqüência, perdeu-se de
vista a formulação de uma teoria que abarcasse a gama de fenômenos de diversas
ordens como ecológicos, bióticos, econômicos. Ribeiro advoga nesta obra de 1970,
que os povos indígenas no confronto com os brancos não ficaram passivos ao
processo de aculturação como preconizavam os defensores da teoria da
aculturação, mas aqueles que sobreviveram ao contato se adaptavam mediante a
transmutação ou “transfiguração étnica”, ou seja, o esforço de manter o que eram
mesmo tendo que incorporar e negar a cultura do dominante27.
A abordagem de Ribeiro (1970) fez escola na política indigenista, como se
verá mais adiante, especialmente quando analisa as etapas de integração e sugere
a classificação dos indígenas em isolados; contato intermitente; contato permanente
e integrados28.
O entendimento sobre o contato da relação desigual entre índios e brancos,
seja pela desvantagem tecnológica e outros aparatos, sejam por valores sócio-
econômicos, culturais e ideológicos impostos pelo invasor foi objeto de estudo de
Cardoso de Oliveira (1968, 1972, 1978). E o conceito de “fricção interétnica” intentou
traduzir a relação que se definia por uma situação de domínio e sujeição29.
Havia neste primeiro momento, como comenta Cardoso de Oliveira na obra
de 1976, Identidade, Etnia e Estrutura Social, a tentativa de firmar uma posição
metodológica onde a apreensão da realidade não poderia deixar de lado a utilização
26
RIBEIRO, Darcy. Os Índios e a Civilização. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1970, p.
16.
27
Idem, 1970, p. 16-18.
28
Isolados: grupos que vivem em zonas não alcançadas pela sociedade brasileira; Contato
intermitente: grupos cujos territórios começam a ser alcançados e ocupados pela sociedade
brasileira; Contato permanente grupos que já perderam sua autonomia sociocultural e têm
dependência da economia regional para sua sobrevivência; Integrados: passaram por todas as
etapas anteriores e hoje estão ilhados juntos à população regional e incorporados como reserva de
mão de obra. Ibidem, p.387, 388.
29
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Urbanização e Tribalismo. A integração dos Terena numa
sociedade de classes. Rio deJaneiro: Zahar Editores, 1968; ___.O índio e o mundo dos brancos. Uma
interpretação sociológica da situação dos Tikúna. São Paulo: Liv. Pioneira Editora, 1972; ___. A
sociologia do Brasil indígena. Rio de Janeiro: Ed. Universidade de Brasília. Tempo Brasileiro, 1978.
simultânea de uma perspectiva histórica, sob pena de não dar conta de um
fenômeno cuja dinâmica acelerava o tempo das sociedades indígenas, rumo à
integração irreversível na História do país. No fervor do processo interétnico a
cultura do contato surge como um conjunto de representações e valores que os
grupos étnicos realizam na situação de contato onde estão inseridos, especialmente
em condições de fricção interétnica favorecendo a emergência da identidade étnica.
A identidade étnica, um conceito básico na segunda fase do desenvolvimento das
reflexões deste autor, tem por base a identidade contrastiva, entendida como a
“afirmação do nós diante dos outros”, uma identidade que surge por oposição, como
um elemento de denúncia ao desamparo e à exclusão do Estado30.
A crítica a essas abordagens foi elaborada por Oliveira Filho (1998) que teve
inspiração em Bachelard (1970) e objetivava enxergar os obstáculos ao avanço
teórico dos estudos de contato, pois considerava que a produção, da maneira como
a disciplina tem explicado seu olhar e seu pensar sobre as sociedades humanas,
traduzem o pensamento dos autores que ajudaram a construí-la. Para ele era
necessário analisar o contato como um conjunto de relações tanto internas quanto
externas. Nessa perspectiva, concordava com Max Gluckman (1939) que não via o
contato como um fator desintegrador, sempre confrontado com a existência
separada das culturas componentes, mas um fator organizador da existência de
determinadas comunidades, portanto, um elemento ordenador e componente da
organização social.
No estudo realizado entre os Tukuna (Estado do Amazonas), Oliveira Filho 31,
verificou que a criação de mecanismos de resistência no interior das sociedades
indígenas se baseava na estratégia de reelaboração do que vinha de fora aos quais
eram dados novos significados, revelando a diversidade do contato, as diferentes
formas de construção dessas relações. Estas observações o levaram a empregar as
noções de campo social e situação histórica utilizadas no trabalho de Max
Gluckman sobre os Zulu do Norte da África32.
30
CARDOSO DE OLIVEIRA. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1976, p.21-23.
31
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. “O nosso Governo”. Os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Ed.
Marco Zero, 1988.
32
GLUCKMAN, Max, Analysis of a sociaL situation in modern Zululand [1939]The Rhodes-Livigstone
Papers, 28. Manchester: Manchester University Press, 1968, p. 1-28 apud OLIVEIRA FILHO, 1988, p.
38.
A noção de campo social utilizado por Gluckman, compreende as condições
de tratamento sobre as relações sociais de grupos e indivíduos, não como eventos
isolados, mas reunidos, permitindo observar interconexões numa dada situação
social. Oliveira Filho lembra que esse campo social é dinâmico, exigindo a análise
situacional das condições observadas.
O contato interétnico e as variantes que ele assume pela atuação dos
diversos atores que dele participam, criam cenários diferentes, que contribuem para
a reação dos povos indígenas diante das mudanças, influem na produção de
políticas, comportamentos e trajetórias de vida tanto coletiva quanto individuais,
exigindo a busca de um caminho teórico no qual o entendimento dos direitos
indígenas no contexto da democracia brasileira precisa ser debatido.
33
SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. Um Grande Cerco de Paz: poder tutelar, indianidade e formação
do Estado no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
órgão indigenista34 que trouxe para o cenário, novos atores estatais, pelos direitos
garantidos na Constituição que acenaram para a inclusão social dos indígenas que,
enquanto cidadãos, reclamavam por políticas de educação, saúde, meio ambiente e
definições mais claras sobre a questão fundiária, o calcanhar de Aquiles dos
assuntos indígenas. Estes direitos, no entanto, são constantemente ameaçados,
exigindo vigilância, e maior participação das organizações indígenas. A entrada de
novos atores indígenas - representados por índios ribeirinhos, urbanos, ressurgidos
formados por aquelas etnias que haviam sido consideradas extintas oficialmente -
reclamando pelo reconhecimento de sua identidade é a constatação da etnicidade
como mecanismo de aglutinação, de manifestação diante da sociedade mais ampla,
mas também a revelação de outros rostos indígenas que abalam crenças e imagens
há muito construída. (RIBEIRO, 1962, 1970; MOREIRA NETO, 1971; OLIVEIRA
FILHO, 1985, 1988, 2000; OLIVEIRA FILHO e SOUSA LIMA, 1993; SOUSA LIMA,
1995; SOUSA LIMA e BARROSO-HOFFMANN, 2002).
A literatura de cunho antropológico sobre a relação histórica entre povos
indígenas e o Estado é ampla, razão pela qual faremos referência às mais
representativas, correndo risco de falharmos nesta escolha. Para o período da
Colônia à República, um autor bastante referenciado na antropologia é Carlos
Moreira Neto, cuja tese de doutoramento (1971), retrata a política desse período,
enquanto em trabalho anterior (1967) descreve os desacordos entre a legislação
formal e a prática do contato com os povos indígenas.35 Discussão semelhante
encontra-se em Darcy Ribeiro (1962, 1970)36, nas quais o autor considera o papel
integracionista das políticas indigenistas desde o período Colonial, em que chama
atenção que em alguns momentos o Estado, seja Colônia, Império ou República,
acena com o cumprimento da proteção, em outros comanda a extinção em nome
dos interesses desse mesmo Estado. Expedito Arnaud (1971), ao tecer
considerações sobre a legislação indigenista, aponta alguns elementos presentes
34
No Governo Collor uma série de decretos transferiu as ações de educação e saúde para os
Ministérios da Educação e Saúde. A administração da Terras Indígenas permaneceu no âmbito da
FUNAI. A migração dos recursos da FUNAI para outros órgãos foi um duro golpe para a instituição
indigenista.
35
MOREIRA NETO, Carlos de Araujo. A política indigenista durante o século XIX. Tese de
doutoramento apresentada à Cadeira de Antropologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Rio Claro, São Paulo,1971. Mimeo; ___. Constante histórica do indigenato no Brasil. Belém: Atas do
Simpósio sobre a Biota Amazônica, 1967, vol 2. p. 175-185.
36
RIBEIRO, Darcy. A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962; Os
índios e a civilização. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1970.
nas políticas da Colônia, Império e República. No Período Colonial, até meados do
século XVIII, os atos do governo português determinavam, em regra, a escravização
ou o extermínio dos índios via serviços dos colonos e missionários. Na fase
pombalina (1750-1777) o impulso à assimilação promoveu o aumento da população
colonial. No período Imperial, prosseguiu a política de assimilação, porém os índios
foram considerados livres da escravidão, embora mantidos sob a tutela orfanológica,
com juizes designados para empregá-los e iniciá-los em algum ofício (1831). As
contradições das políticas aplicadas aos índios nesse período podem ser
identificadas pela forma como foi realizada, a catequese, a localização dos índios
em colônias (1834), a implantação da Lei de Terras de 1850, com o mandado de
reserva de territórios para posse, venda, aforamento ou simples incorporação dos
territórios indígenas como propriedade da União, província e municípios. No Período
Republicano, a presença da Igreja positivista influenciou na criação do Serviço de
Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais - SPILTN em 1910,
transformado mais tarde em Serviço de Proteção aos Índios, o SPI, que no
regulamento do órgão, em 1911, excluiu as palavras catequese e civilização,
substituindo-as por assistência e proteção. Com a extinção do SPI em 1967, a
Fundação Nacional do Índio, a FUNAI, em seu regimento interno expedidos em 1968
(69) e 1970, bem como, a lei 6001/73, o Estatuto do Índio, trataram a assimilação
indígena, de forma mais ampla e determinada do que o SPI. Os índios foram
classificados como brasileiros, os não assimilados ou parcialmente assimilados
ficaram sob a tutela do Estado, mas com recomendação que fossem educados com
vistas à sua incorporação na sociedade nacional37.
O percurso histórico da política indigenista e o processo de extinção de índios
nos anos 1970, foi estudado por Beozzo (1983) que indagava como se comportou o
país do ponto de vista do legislativo em relação aos índios nesse período. Utilizando
a metáfora da frase do poema de I-Juca Pirama de Gonçalves Dias, “O Índio é
aquele que deve morrer”, o autor acusa o governo e a FUNAI como responsáveis
pelo destino dado aos índios diante dos projetos de expansão promovidos pela
ditadura. A construção de rodovias como a Transamazônica, que cortou terras
indígenas, a Cuiabá-Santarém, que atravessou os Parques Indígenas do Xingu e da
37
ARNAUD, Expedito. Aspectos da Legislação sobre os Índios do Brasil. Publicações Avulsas No. 22.
Belém: Conselho Nacional de Pesquisas/Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia/Museu
Paraense Emílio Goeldi, 1973.
Ilha do Bananal, o fornecimento de certidões negativas de presença indígena,
provocando a remoção de vários grupos num velado genocídio, são amostras do
indigenismo mais recente. Para o autor, as políticas indigenistas sempre foram
traçadas com vistas à solução de algum problema, e mesmo quando feitas com
intuito de proteção, foram formuladas à revelia dos interessados, e assumiram o
caráter da política que está sendo aplicada naquele momento38.
Alguns trabalhos que traduziram o momento histórico da redemocratização do
país, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte (ANC) e a reforma do
Estado que desenhou outra fisionomia para as políticas públicas no início dos anos
noventa do século XX foram produzidos por Cunha (1987, 1999) enquanto assumia
o posto de presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Com isso,
demonstrou a necessidade de produção de documentos que tratassem da política
indigenista, um tema pouco conhecido do público mais amplo como, por exemplo:
esclarecer a situação legal do índio; rever a tradição jurídica brasileira quanto às
terras indígenas; alertar que a questão indígena até o século XIX esteve apoiada na
escravidão, depois na conquista de espaços territoriais; atualmente, centra-se na
disputa por recursos naturais existentes nas terras dos índios, as primeiras atingidas
em qualquer projeto de desenvolvimento e na superação da perspectiva
evolucionista no direito internacional. Entre as conclusões apresentadas, alertou que
os Anais das Assembléias Constituintes que precederam a Constituinte de 1988
deixam, segundo ela, “uma impressão curiosa: os artigos sobre os índios parecem
decidir-se aleatoriamente graças a uma retórica pobre, a um desconhecimento
generalizado do assunto e manobras regimentais. [...] quem defende interesses
contrários aos direitos indígenas emite argumentos de autoridade que a
desinformação dos outros Constituintes torna perigosos”39.
Alguns autores têm analisado a política indigenista através da atuação dos
órgãos indigenistas, possibilitando diferentes reflexões sobre o contato. José Mauro
Gagliardi (1989) desenvolve uma discussão sobre as origens da política indigenista
republicana, seus fundamentos políticos e ideológicos, as condições históricas que
permitiram a sua institucionalização e os atores sociais que participaram desse
processo. O autor parte do pressuposto de que as condições de existência material
38
BEOZZO, José Oscar. Leis e Regulamentos das Missões: Política Indigenista no Brasil. São Paulo:
Loyola/Coleção Missão Aberta, 1983.
39
CUNHA, Manuela Carneiro da. Os Direitos do Índio. Ensaios e documentos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1987, p. 17; “Política Indigenista do século XIX”. In: ___Org. História dos Índios no Brasil.
São Paulo, FAPESP/Companhia das Letras/SMC, 1999, p. 133-154.
condicionam as formas de consciência dos indivíduos tomando como exemplo o SPI
como manifestação das transformações que ocorreram na estrutura econômica do
país a partir de 1870, e os efeitos da expansão capitalista sobre os territórios
indígenas, que geraram conflitos armados apoiados pelas tendências que definiram
o tratamento dado ao problema indígena: extermínio, catequese ou proteção oficial.
Analisando o SPI do ponto de vista histórico e não factual, argumenta que o boicote
sofrido pelo órgão ao longo de sua existência é um indicador de componentes
ideológicos conservadores e reacionários presentes nas classes dominantes40.
A etnografia histórica do poder tutelar, o poder estatizado executado pelo SPI
foi foco de Lima (1995), ao comentar que populações que são destruídas,
submetidas pela guerra ou sendo obrigadas a outros modos de vida pelo domínio
homogeneizante do conquistador, passam a ser objeto do poder tutelar, entendido
como um modo de integração territorial e político levado a cabo por um aparelho de
Estado, que exprime em suas bases as múltiplas relações entre distintos segmentos
sociais que estão afastados daqueles que são os objetos da conquista, por uma
alteridade econômica, política, simbólica e espacial. Razão suficiente para que o
poder tutelar, se comporte como uma forma reelaborada de uma guerra de
conquista, um modelo formal de uma das formas de relacionamento possível entre
um “eu” e um “outro” afastado por essa alteridade referida há pouco.
O tema da integração nos quadros do processo de formação do Estado e da
construção nacional e a análise da construção das linhas telegráficas em Mato
Grosso, como parte da nova ordem econômica e política, decorrentes das mudanças
operadas na segunda metade do século XIX foi discutido por Bigio (2003), ao trazer
para o debate, a idéia de que a razão do desenvolvimento do capitalismo, no qual o
projeto de instalação das linhas telegráficas, desenvolvido nos primeiros momentos
republicanos, fez parte das estratégias de ocupação das fronteiras brasileiras.
Coube ao SPI racionalizar o processo de incorporação dos territórios e das
populações indígenas à sociedade brasileira, tendo na figura de Rondon, um ator
social elevado à categoria de símbolo nacional. Bigio (2003) o vê como um agente
que construiu alianças em escalas, local, regional e nacional, viabilizando através do
telégrafo as ações administrativas e militares e, conseqüentemente, a garantia das
fronteiras. O estudo se refere também à importância da presença da mão de obra
40
GAGLIARDI, José Mauro. O Indígena e a República. São Paulo: Editora Hucitec: Ed. da
Universidade de São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1989.
indígena, que tem sido desconsiderada nas reflexões sobre a construção do Estado
nacional41.
A partir da ação indigenista no nordeste brasileiro (1910-1960), os
mecanismos de controle de recursos fundiários como exemplo para a ação do poder
tutelar nesta região. Tentando reconstruir as redes de domínio tecidas pelo SPI em
uma de suas configurações espaciais específicas – o nordeste – busca compreender
o circuito político regional da tutela. A política tutelar é vista pelo autor como uma
forma de implantação do controle social pelo Estado brasileiro, inserindo o estudo do
indigenismo e da política indigenista no quadro mais amplo das modalidades do
exercício do poder, historicamente constituídas no processo de expansão e
instauração do Estado-Nação brasileiro42 (PERES, 1995).
A análise comparativa entre a FUNAI enquanto substituta do SPI foi
empreendida por Gomes (1988, 2002), onde o SPI, fruto do positivismo e
liberalismo ao promover o trabalho de assistência ao índio e dignificá-lo enquanto
pessoa incentivou o sentimento de responsabilidade histórica de tal maneira que foi
possível promulgar leis na Constituição de 1934 condizentes com os objetivos do
órgão. O artigo 129 conclamou o respeito à posse das terras indígenas e o artigo 5,
item XIX, tornou exclusivo da União a política indigenista, exilando os estados de
qualquer domínio sobre as terras. A política indigenista pouco valorizada pelo
Estado e a fraca vontade política por parte dos defensores dos indígenas diante das
forças antiindígenas foram apontadas por ele como razões do desempenho do órgão
não ter atingido as expectativas esperadas. A FUNAI surgiu como uma das
instituições da ditadura com objetivo de resolver para o regime militar a questão
indígena, um problema que repercutia negativamente para o Brasil em nível
internacional, diante das acusações de etnocídio. A integração era indicada como
saída viável, pois defendia a dissolução das etnias e sua transformação em
brasileiros. A Constituição de 1967 e o Ato Institucional n°. 1 (que outorgou a
Constituição de 1969), ao definirem que as terras indígenas eram da União, cabendo
aos índios apenas a posse, significou um retrocesso jurídico e político expressada
na Lei 6001/73, conhecida como Estatuto do Índio, pois considerou o índio como
menor de idade, “relativamente capaz” submetido à tutela do Estado e estabeleceu
41
BIGIO, Elias dos Santos. Linhas telegráficas e integração dos povos indígenas: as estratégias
políticas de Rondon (1889-1930). Brasília:CGDOC/FUNAI, 2003.
42
PERES, Sidney Clemente. Arrendamento e Terras Indígenas. Análise de alguns modelos de ação
indigenista no Nordeste (1910-1960). Rio de Janeiro: CETE/PETI, 1995.
mecanismos e critérios de demarcação das terras que ameaçaram os ganhos legais
relativo às terras desde o período do SPI.
A ligação dos dirigentes da FUNAI com o Conselho de Segurança Nacional
(CSN) e a promulgação do decreto n. 88.118, de 23 de fevereiro de 1983,
significaram ataques às terras indígenas por serem consideradas áreas de
segurança, e o decreto retira da FUNAI a responsabilidade da demarcação das
terras que passou a ser feita por um grupo de trabalho formado por representantes
de diferentes órgãos com prerrogativa de convocar os governos estaduais para
opinar sobre o direito dos índios àquelas terras. Sobre isso disse Gomes: “Os
processos de demarcação passam a demorar e emperrar, na medida em que os
interesses antiindígenas são concretizados em interesses fundiários, políticos ou
militares”43. Mércio Gomes inseriu neste debate a reflexão sobre as formas de fazer
antropologia e a produção das políticas indigenistas. O fazer da Antropologia
exerceu influência nas falas sobre os índios e na produção das políticas, argumento
iniciado em sua obra Os Índios e o Brasil (1988), no qual discordou do “paradigma
da aculturação”, que considerava a extinção dos índios como um fato inexorável. Na
obra de 2002, criticou mais uma vez a antropologia, dizendo que ela caminhava num
ir e vir entre dois temas: a qualificação do índio como outro, o diferente, o exótico, e
a definição do índio como o igual, o semelhante, o contemporâneo. Considerou
serem temas da própria civilização ocidental e os problemas que engendrou para si.
Tomou como reflexão, a saga dos Tenetehara, conhecidos também como Guajajara
no Maranhão e Tembé no Pará, povo que fez parte do mundo luso-brasileiro a partir
de 1613, mostrando que apesar de terem sofrido todas as compulsões ao longo
destes séculos - escravidão, cristianização e infantilização - mesmo assim, se
manteve fiel a si como povo. Por essa razão, sugeriu uma terceira via: conjugar a
universalidade e a diferença do homem, a intersubjetividade engajada do diálogo na
busca de um sentido para o homem, a busca da liberdade44.
As políticas indigenistas e a sua execução expressaram o lugar da diferença e
da desigualdade onde os indígenas estiveram localizados ao longo da história, lugar
este que definia que seus ocupantes não eram consultados em razão de sua
condição de primitivos, silvícolas ou tutelados, portanto, “ter uma redução da
43
GOMES, Mércio Pereira. Os Índios e o Brasil. Ensaio sobre um holocausto e sobre uma nova
possibilidade de convivência. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988, p. 91.
44
GOMES, Mércio Pereira. Prólogo: por uma Antropologia Ontossistêmica. In: O Índio na história: o
povo Tenetehara em busca da liberdade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
capacidade participativa, necessitando de um mediador de seu suposto
pertencimento a uma comunidade política” (SOUZA LIMA,1995, p. 198), condição
reafirmada no Código Civil de 1916. As políticas produzidas ao longo da história
expressaram os motivos e interesses do Estado, da mesma forma que a produção
de discursos de defesa, ataque ou indiferença aos apelos revelam a contradição do
sistema sóciopolítico relativo à questão. De que maneira os modelos de ação
indigenista repercutiram sobre os índios enquanto indivíduos e coletividades? É a
propósito dessa repercussão que vamos nos referir agora brevemente.
45
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. Os Instrumentos de Bordo: Expectativas e Possibilidades de
Trabalho do Antropólogo em Laudos Periciais. In: Indigenismo e Territorialização: poderes, rotinas e
saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998, p. 282.
46
O IBGE passou a coletar dados sobre a população indígena somente a partir da década de 1990. O
Mec em 2003 informava uma população de 414 mil índios, um equivalente de 0,24% do total da
população.
centros urbanos, os (res) surgidos, os descendentes e os demais indígenas das
terras indígenas, missões e índios isolados47.
A negação de seu desaparecimento tantas vezes afirmado está na promoção
de sua organização, no abandono do anonimato em que estiveram disfarçados em
caboclos ribeirinhos ou moradores das cidades. O fenômeno da migração resultante
de sucessivos deslocamentos provocados por fatores econômicos, sociais ou de
foro da política interna dos grupos, é uma das modalidades de mudança que mais
tem colaborado para o cultivo da dúvida identitária dos indígenas.
A migração dos índios para as cidades motivada por qualquer razão tinha
destino certo, seriam alocados nos estamentos sociais mais baixos e suas
identidades seriam postas em dúvida (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1972)48. Oliveira
Filho (1998) elaborou a noção de mistura. O índio misturado é aquele que sofreu
vários processos de territorialização onde as “misturas” são seus produtos,
permitindo a análise da dinâmica sóciopolítica e cultural pela qual passam os povos
indígenas49. Em um estudo realizado em 1999, sobre os Amanayé do Rio Capim
(PA) para efeito de identificação e delimitação de suas terras, chamamos atenção
para a dificuldade de dar um tratamento dentro dos parâmetros exigidos no processo
de identificação de terra indígena, a grupos como os Amanayé considerados
oficialmente extintos. Povos nessas condições são sobreviventes de pressões
diversas da sociedade brasileira e de crises internas, com fracos sinais
identificadores do “padrão indígena” exigido pelas normas de identificação
institucional, com evidências de perda e descaracterização cultural que podem
ameaçar o reconhecimento, refletindo sem sombra de dúvida a dicotomia
primitivo/civilizado tão ao gosto de um modelo de antropologia institucional50.
O estudo de Patrício (2000) sobre os Xipaia e Curuaia que vivem na cidade
de Altamira/PA, constatou que os mesmos mantinham contato contínuo com suas
aldeias onde possuem roças e participam de seus eventos comemorativos, e na
cidade tentavam (re) significar os espaços habitados, representados pelas sedes
47
AZEVEDO, Martha. Censo Indígena. Instituto Socioambiental, dezembro, 2000
(www.socioambiental.org.br) capturado em junho, 2005.
48
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O Índio e o Mundo dos Brancos. Uma interpretação
sociológica. dos Tikúna: Liv. Pioneira Editora, 1972.
49
OLIVEIRA, João Pacheco de. Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais
no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contracapa Livraria Ltda., 1998.
50
ASSIS, Eneida Corrêa de. Relatório de Identificação e Delimitação de Terra Indígena Amanayé:
Saraua e Barreirinha.GT/Amanayé/Port. 640PRES. FUNAI. Belém-PA, julho, 1999.
das Associações Indígenas localizadas nos bairros com maior concentração de
famílias indígenas. Mesmo assim, foram ignorados pelo órgão indigenista, apesar de
terem sido arrolados por esta instituição como “índios da cidade” durante a
realização dos estudos ambientais para ELETRONORTE à época do projeto da
hidrelétrica Kararaô51.
56
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, arrolaram 65 artigos sobre etnicidade e
afirmam que nenhum comportava uma definição explícita. Ver: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-
FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade, seguido de Grupos étnicos e suas fronteiras de Frederik
Barth. São Paulo: UNESP, 1998.
57
BARTOLOMÉ, 1995 apud GARNELLO, L. e SAMPAIO S. Bases Sócioculturais do Controle Social
em Saúde indígena. Problemas e Questões na Região Norte do Brasil. Trabalho apresentado na
Reunião da ABA, RGS, 2002, digit.
em camadas do tipo “layer-cake”, possibilitando que o movimento pan-indígena atue
de forma internacionalizada em prol dos direitos indígenas, onde todos participem da
rede que envolve advogados e aliados. Com isso, a mobilização dos povos
indígenas em defesa de seus direitos pode ser mapeada, segundo Alyson Brisk, em
três vetores: primeiro, o ator é o movimento nacional transnacional; segundo, o
movimento se baseia na construção da criação e expressão da identidade étnica;
terceiro, o movimento indígena é o único espaço social de ponta da modernidade
(BRYSK, 2000, p.34).
Outros autores consideram que essa configuração contribui para que os
indígenas do continente se expressem politicamente muito mais através de
organizações do que partidos políticos, grupos de interesse ou movimentos de
guerrilha (CHASE SMITH, 1984 apud BRYSK, idem p. 33).
Os movimentos indígenas podem ser incluídos nos chamados novos
movimentos sociais (NMS), de caráter transnacional, baseados na identidade e
conscientização (ALVAREZ E ESCOBAR, 1992; COHEN, 1985 apud BRYSK, idem,
p. 34)58.
A forma institucionalizada de expressão do movimento indígena é a
organização indígena, que propicia a articulação da realidade política das aldeias
com as forças externas, cuja forma de luta está centrada no direito à diferença étnica
e acesso a bens e serviços oriundos da aplicação de políticas públicas
(BARTOLOMÉ, 1995).
O movimento indígena surgiu nos anos 1970 em razão de diversos fatores de
ordem nacional e internacional como, a presença de governos de exceção em toda a
América Latina, a ação da Igreja Católica, que em sua opção pelos pobres e
oprimidos assessora as primeiras lideranças indígenas com o apoio de
antropólogos, advogados, políticos de esquerda e grupos interessados na defesa
dos índios, que mais tarde se transformaram em ONGs. No Brasil, o movimento
indígena segue uma trajetória diferente de outros Estados nacionais: em vez de
assumir uma tendência pan-indígena, o movimento se caracteriza por ser
58
BRYSK, chama atenção para o extenso debate sobre a aplicabilidade do termo “novos movimentos
sociais” de tradição européia nas questões da América Latina, pois voltado para as questões da
família, classe e nacionalismo. O movimento por direitos transpõe as linhas de classe, sinais de uma
nova, ou fraca identidade, busca de participação, com agenda pluralista, torna fluidas as fronteiras
entre o individual e o coletivo, politiza a vida social e cultural, privilegia táticas de mobilização radical,
apóia a desobediência civil. Ver: BRYSK, Alyson. From tribal village to global village. California:
Stanford University Press, 2000.
regionalizado e também localizado, traduzindo de certa forma o que já ocorre em
outros setores da vida política, onde o nacional passa antes pelo regional (ZARUR,
2000; OLIVEN, 2000)59.
Mencionamos duas conferências de Cardoso de Oliveira (1988), “A
politização da identidade e o movimento indígena” e “Movimentos indígenas e
indigenismo”. Na primeira conferência, o autor relembra que nos anos 50 e 60 do
século XX era impensável que alguns grupos como os Terêna (MT) e Tükuna (AM)
se valessem da categoria, índio para se identificarem, pois, até então, tratava-se de
uma palavra instituída pelo colonizador. A recuperação do termo como uma
categoria forjada na prática de uma política indígena teve um objetivo aglutinador,
possibilitando o esboço de uma política indígena em oposição à política indigenista.
A crise da ideologia e de ação do órgão indigenista definida pelo autor como “crise
de legitimidade de representação”, resultou da eclosão do movimento indígena, no
qual os indígenas ao falarem por si transformam-se em agentes políticos e
fazedores de opinião, e do surgimento de entidades como o CIMI-Conselho
Indigenista Missionário, que passou a representar junto à opinião pública a parte
defensora dos direitos indígenas, demarcando o começo do indigenismo alternativo.
Na segunda conferência, o autor já observava a perplexidade do órgão diante das
manifestações organizadas dos povos indígenas, que em razão da não-participação
de seus representantes no aparato do Estado procuravam outros espaços de
negociação com o governo60.
A reação indígena e seu esforço em colocar na agenda nacional suas
demandas, mereceram por parte de diversos autores exercício para entender este
novo momento vivido pelas populações indígenas, assim como, por parte do Estado.
A tomada de posição dos indígenas se tornou visível através de seus representantes
que saiam das aldeias, e cada vez mais vistos em público, argumentando não
apenas diante de um presidente do órgão indigenista, também na Câmara e
Senado, deixando a sociedade surpresa, como já havia ocorrido à época da
presença de Mário Juruna e seu inseparável gravador61. Essa incredulidade diante
59
Estes autores chamam atenção sobre a afirmação de identidades regionais e estaduais, sugerindo
que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional, o que se observa também nas organizações
indígenas. As organizações regionais como a Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (COIAB) e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas
Gerais e Espírito Santo (APOINME), representam o papel do regionalismo no federalismo brasileiro.
60
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. A crise do indigenismo. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1988.
61
Mario Juruna, índio Xavante eleito Deputado pelo PDT do Rio de Janeiro, primeiro parlamentar
índio se tornou famoso por registrar no gravador a promessa dos “brancos.
da nova atitude indígena se observou em outros Estados nacionais como o ocorrido
no Equador em 1990, quando os indígenas acamparam na Igreja de Santo Domingo
exigindo do governo solução para os conflitos de terras entre as comunidades
indígenas e as fazendas vizinhas, como não foram ouvidos, paralisaram as estradas
principais de acesso à capital, e ocuparam algumas sedes de províncias. A
“transformada sociedad indigena” e uma “nueva, joven y radicalizada representación
nacional” eram fenômenos que não se encaixavam na imagem convencional dos
indígenas (FRANK, 1991)62. Edgard Assis de Carvalho (1983) argumenta que a
constituição das identidades étnicos-culturais é uma questão teórica para a
Antropologia contemporânea, enquanto o estatuto dos movimentos sociais indígenas
no contexto do aparato do Estado moderno, ao se proclamar como pluricultural,
reconhece pelo menos ao lado das representações ideológicas que o direito ao
reconhecimento é uma das aspirações fundamentais da pessoa humana e das
identidades coletivas. O fenômeno, embora produto da inserção histórica dessas
etnias no conjunto da nação, expressa uma nova forma de articulação e reprodução
social das alteridades63.
A articulação entre a esfera local, nacional, internacional e o processo de
globalização, fez com que ocorressem transformações na forma de organização e
ação do movimento indígena, em nível interno das aldeias, tanto no plano
econômico quanto em nível da estrutura social das aldeias (ARRUDA,1999). Para
este autor, o processo de alargamento do mundo tribal vai minando o poder dos
mais velhos pautado na tradição, sendo substituído paulatinamente por novas
formas e lógicas de organização.
62
FRANK, Erwin H. Movimiento Indígena, Identidad Etnica y el Levantamiento. Um proyecto politico
alternativo en el Ecuador. In: Indios. Quito:Ediciones Abya-Yala, 1991.
63
CARVALHO, Edgard Assis de. Identidade étnico-cultural e movimentos sociais indígenas. In:
Perspectivas: Revista de Ciências Sociais. São Paulo: UNESP, vol. 6, 1983, p. 1-9.
64
ARRUDA, Rinaldo Sérgio Vieira. Índios e Antropologia: reflexões sobre cultura, etnicidade e
situação de contato. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Sér. Antropo. Vol. 15 (1). Belém-
Pará, julho, 1999.
O movimento prima por lideranças mais adaptadas ao tráfego nessas esferas,
onde a escolaridade tem papel importante sendo espaço para novas gerações em
detrimento às tradicionais65.
65
Mais recentemente o movimento tem reconhecido a necessidade de incorporar caciques ao
processo e de legitimar ao nível interno das aldeias as decisões das organizações ou das lideranças
tomadas em foruns diversos.
66
BARRETO, Helder Girão. Direitos indígenas. Vetores constitucionais. Curitiba: Juruá Editora, 2004.
p. 95.
Antônio Truyol ressalta o papel do Estado na defesa dos direitos humanos:
“[...] derechos fundamentales que el hombre posee por el hecho de ser hombre, por
su propia naturaleza y dignidad; derechos que le son inherentes, y que lejos de
nacer de una concesión de la sociedad política, han de ser por esta consagrados y
garantizados”67. Sousa (2001) defende a idéia que a noção de direitos humanos pode
e deve ser retomada por minorias socioculturais como meio de luta pela garantia de
seus direitos culturais68. Os direitos humanos também são entendidos como uma
norma com estreita ligação às necessidades humanas básicas, portanto, aplicáveis
aos seres humanos em qualquer parte, mas por ser um produto do Ocidente, requer
abertura para atender as particularidades culturais, opina Johan Galtung (1994)
neste estudo providencial para a reflexão que se pretende69.
Relativo às particularidades culturais uma expressão ainda esmaecida relativa
aos direitos indígenas versus necessidades, é a discussão trazida por Rodolfo
Stavenhagen (1990) sobre direito consuetudinário dos povos indígenas. A
importância do debate, segundo este autor, repousa em dois pontos: a) considerar
este direito como parte integrante da estrutura social e língua de um povo; b) junto
com a língua, o direito consuetudinário (ou não) como um elemento constitutivo da
identidade étnica de um povo, nação ou comunidade. Para este autor, o termo
direito consuetudinário não é aceito universalmente. Outros preferem falar de
costume jurídico ou legal ou de sistema jurídico alternativo. Definido como um
conjunto de normas legais de tipo tradicional, escritas ou não, esse direito pode
conviver com o direito positivo. Exemplificando: em países onde é reconhecido o
pluralismo legal, os diferentes sistemas jurídicos podem ser aplicados a uma
população distinta (direito hindu e islâmico na Índia)70.
A noção de direito consuetudinário deveria não ser substantivada para que
tivesse um tratamento mais de acordo com a antropologia contemporânea. O que se
designa por direito consuetudinário é o que os antropólogos chamam de estrutura
social, conceito derivado do direito e divulgado pela maioria dos antropólogos do
século XIX, em sua maioria juristas de formação, e alerta sobre os problemas
67
Apud Barreto, op. cit,2004,p. 95.
68
SOUSA, Rosinaldo Silva de. Direitos Humanos através da história recente de uma perspectiva
antropológica. In: Antropologia e Direitos Humanos. Niterói/RJ: EDUFF, 2001, p. 47-79.
69
GALTUNG, Johan. Direitos Humanos. Uma nova perspectiva. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. (Col.
Direito e Direitos Humanos)
70
STAVENHAGEN, Rodolfo & ITURRALDE, Diego (org). Entre la ley y la costumbre. El derecho
consuetudinario indígena en América Latina. México: Instituto Indigenista Interamericano /Instituto
Interamericano de Derechos Humanos, 1990, p.27-29.
advindos dessa herança, pois as sociedades eram pensadas como organismos
vivos e as mudanças não afetavam a forma estrutural da sociedade. A partir dos
anos 1950 se discutiu o processo de elaboração constante de uma sociedade. A
primeira conseqüência dessa mudança de visão foi entender que as regras eram
produtos sociais que se renovavam, portanto, o que se devia respeitar aos grupos
minoritários não eram regras específicas, mas a autoridade para elaborá-las. A
segunda conseqüência foi entender que o direito consuetudinário se fazia em
relação ao Estado em oposição ao direito positivo, e ressaltou que o direito positivo
e o consuetudinário eram de natureza e utilização diferentes, apesar de poderem
conviver pacificamente não podiam ser reduzidos a um sistema único 71 (CUNHA,
1990)
Um dos problemas dos Estados que se constituíram politicamente antes de
terem uma identidade nacional foi reconhecer os direitos de suas minorias e povos
autóctones, pelo temor de que a unidade política se desmoronasse, e a
multietnicidade pudesse ser uma ameaça como é o caso do Brasil. A Constituição
Federal de 1988 de certa forma reverteu essa situação, senão pelo reconhecimento
do direito consuetudinário dos diferentes povos indígenas, mas pelo reconhecimento
de alguns aspectos de seus direitos (CUNHA, 1990).
71
CUNHA, Manuela Carneiro da. Derecho consuetudinário y derechos indígenas. In: Stavenhagen, R.
& Iturralde, D (org). Entre la ley y la costumbre. El derecho consuetudinário indígena en América
Latina.México: Instituto Indigenista Interamericano/ Instituto Interamericano de Derechos Humanos,
1990, p. 299-303.
Para explicar a atuação do Direito prosseguiu a Procuradora:
75
COLAÇO, Thais Luzia. Os Novos Direitos Indígenas. In Wolkmer, Antônio Carlos. e Morato, J.R.L.
(Orgs) Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas.Uma visão básica das novas
conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 75-97.
76
O “direito dos outros” é um tema que ganha corpo no Direito na perspectiva da Pluralidade Jurídica
que vem à luz no bojo das reformas constitucionais na América Latina onde se busca reconhecer a
existência de uma “realidad plural jurídica y cultural de facto que caracteriza a la maioria de los paises
latino americanos”. Ver: LUCIC,Milka Cristina e SIERRA, Maria Tereza. Presentación: Derechos
Indígenas y Pluralismo Jurídico en América Latina. In América Indígena. Instituto Indigenista
Interamericano/OEA, México, vol. LVIII. No.1-2, ene-Jun, 1998, p.9.
77
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73 apud Wolkmer, 2003, p.
4.
78
Por exemplo, terrenos autóctones são os que permanecem no local em oposição aos lençóis
freáticos vindos de outro lugar. Cf. Rouland, 2004, p. 458.
porque o termo aborígine é usado nos países anglófonos, pois qualifica de forma
mais precisa “a situação de um povo indígena cuja reivindicação identitária se
baseia no fato de ele estar sob dependência do tipo colonial em relação a um
Estado, mesmo que a anexação ou a ocupação date de muitos séculos e não tome
a forma jurídica stricto sensu da colonização79”.
A Convenção 169 da OIT se refere aos povos indígenas e tribais, mas não
emprega o termo autóctone. Os autóctones tendem a se distinguir das minorias sob
argumentos históricos de que o direito das minorias tem uma amplitude em suas
origens, desde as guerras de religião às modificações de fronteiras, ocorridas depois
de dois conflitos mundiais. Além disso, os direitos reconhecidos às minorias são
essencialmente direitos individuais. A vontade de se distinguir dos autóctones e das
minorias segundo Rouland, envolve pontos de vistas e atitudes contrárias a certas
crenças como, por exemplo, o progresso econômico como sinônimo de
desenvolvimento. Para eles progresso é sinônimo de destruição, e a promoção de
seus direitos resulta de combates jurídicos e políticos contra projetos dessa
natureza. A luta por seus direitos tem lhes propiciado a clareza de que não cabe
mais exclusivamente ao Ocidente a ação discriminadora ou exterminadora
realizadas sobre si, os Estados do Oriente também se lançam com a mesma fúria
sobre os povos autóctones e seus territórios (Idem, p. 459-465).
No Brasil, apesar dos princípios reconhecidos que beneficiam os povos
indígenas, negros e outras minorias étnicas, como ciganos e palestinos, os
indicadores das desigualdades raciais revelam severas diferenças das condições de
vida dos grupos raciais e étnicos. O documento produzido pela Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do governo federal,
registra que na área educacional houve um efeito positivo para os negros com a
expansão da rede de ensino fundamental entre 1991-2000. A taxa bruta de
freqüência dos brancos passou de 105, 3% para 120, 6%; para os negros os índices
apontaram um crescimento de 95% para 128%. Para os indígenas, o documento
apenas se refere à necessidade de recursos compatíveis à efetiva escolarização80.
Discutimos as questões relativas à educação indígena no Capítulo IV deste estudo.
79
ROULAND, Norbert. O direito dos povos autóctones/Parte III. In: ROULAND, Norbert (org). Direito
das Minorias e dos povos autóctones. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, p. 458.
80
1ª Conferência Nacional de Poilíticas de Promoção da Igualdade Racial –1ª CONAPIR: Estado e
Sociedade. Promovendo a Igualdade Racial/SEPPIR, março. 2005.
2.6.2 Os direitos indígenas: o papel da academia
81
SANTOS, Silvio Coelho dos. O Índio perante o Direito. Ensaios (org.). Florianópolis: Ed. da UFSC,
1982; et alli. Sociedades Indígenas e o Direito. Uma questão de direitos humanos. Florianópolis: ed.
da UFSC, Co-Edição CNPq, 1985; Os povos indígenas e a Constituinte. Florianópolis: ed. da
UFSC/Movimento, 1989.
Carlos Frederico Marés de Souza (2002, p. 50), ao examinar o
reconhecimento dos direitos coletivos (meio ambiente, patrimônio cultural), dos
direitos difusos, em contraposição aos direitos individuais na Constituição de 1988,
chama atenção que esta ao romper com a integração, demonstra que o direito
brasileiro reconhece o direito dos indígenas continuarem a ser índios e sua
titularidade de direitos coletivos. Também aponta o que chama de “armadilhas da
Constituição” por esta criar direitos, mas não os executar, “a ponto de impossibilitar
sua pronta efetividade”.
Uma dessas lacunas deu margem a interpretações relativas à primazia da
propriedade individual sobre a coletiva, competindo aos juristas e ao povo uma
interpretação segundo os princípios da CF/88, que privilegiem o coletivo. Os direitos
coletivos, por terem titularidade difusa, são apropriáveis por todos, portanto os povos
indígenas têm dois direitos diferentes. O primeiro, o direito a sociodiversidade, é um
direito de todos, e necessário à existência dos povos e espécies vivas. O segundo é
relativo àquele povo ou minoria, dos quais é titular apenas aquele povo, envolvendo
os direitos territoriais, culturais e de organização própria. O autor reafirma que a
dificuldade de aceitação dos direitos coletivos reside no fato da representatividade e
legitimidade serem adjetivos ligados bem mais à eficiência do Judiciário que ao
efetivo exercício de tais direitos (SOUZA, 2002, p. 51-53).
Em trabalho anterior, analisou o pluralismo da perspectiva de seu
reconhecimento constitucional e criticou as políticas liberais e assimilacionistas
dominantes nas constituições latino-americanas, chamando atenção que os povos
indígenas possuíam seu próprio direito, à luz do qual ordenavam suas vidas. Os
Estados ao realizarem esforços para integrá-los transformando-os em cidadãos,
dão-lhes direitos genéricos que lhes usurpa o direito indígena. Dessa maneira,
quando se analisa o direito brasileiro em relações às minorias negras e étnicas, são
reveladas contradições da lei, que ora se omite para não consagrar direitos, ora
tergiversa para ocultar injustiças82.
82
SOUZA, Carlos Frederico Marés de. Autodeterminación de los Pueblos Indígenas y Jusdiversidad
In América Indígena. Vol.LVIII, México: Instituto Indigenista Interamericano/OEA, Ene-Jun, 1998, p.
301-320.
O debate sobre os direitos dos indígenas não é um fenômeno brasileiro, é
resultado do processo de lutas que se estende por todo o continente, em razão das
mudanças ocorridas a partir dos anos setenta e a influência sobre as políticas
indigenistas dos diversos países da América Latina, levando os estudiosos a
refletirem sobre as políticas indigenistas de seus países ou realizá-las
comparativamente com outros Estados Nacionais.
O debate sobre identidade dos países latino-americanos, tomando como
exemplo o Movimento Chiapas, é realizado em Bengoa (1994), que considera como
pós-indígena. Em 1994, ao negociar com o delegado mexicano suas lideranças o
fizeram em sua língua, o tzotzil, com tradução simultânea para o inglês,
demonstrando seu rompimento com o domínio do castelhano a que estiveram
submetidos há gerações. Acontecimentos como estes instigam várias ilações, em
especial aquelas que se referem à identidade dos países latino-americanos,
tornando os assuntos étnicos um dos aspectos mais complexos da convivência
social contemporânea83.
Agüero (1996), Tamagno (1996) e Repetto (1996) analisam respectivamente
as políticas indigenistas na Amazônia Peruana, Argentina e Chile sob diferentes
ângulos, porem apresentam pontos em comum, por exemplo: a) a política
indigenista expressa a face política que o país atravessa; b) na relação com a
sociedade nacional os povos indígenas sofrem diferentes graus de exploração,
exclusão e negação que podem ser interpretados como processos contínuos de uma
política de extermínio; c) a forma de interpretar o índio a partir da idéia de um ser
selvagem, o coloca em oposição à concepção de civilização entendida como cultura
do conquistador; d) a indagação sobre terem direitos enquanto indígenas e direitos
enquanto cidadãos84.
A paz colonial e suas conseqüências sobre as políticas indigenistas da
Argentina e Brasil são comentadas em Arias (1996) que considera a política aplicada
aos povos indígenas como parte do processo de construção e reconstrução da
83
BENGOA, José. Los indígenas y el Estado Nacional en América Latina. Anuário Indigenista,
diciembre, vol. XXXIII. México: Instituto Indigenista Interamericano, 1994, p. 13-40.
84
AGUERO, Oscar Alfredo. La política indigenista en la Amazonia Peruana. GT Política Indigenista
XX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, out., 1996 digit; TAMAGNO, Lilian. Las
Políticas indigenistas en Argentina. Discursos, derechos, poder y ciudadania. Gt. Política Indigenista,
ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, 1996, digit.; REPETTO, Maxim. Política indigenista en Chile. Gt.
Política Indigenista, ANPOCS, Caxambu, Minas Gerais, out. 1996, digit.
hegemonia cultural e política, onde as relações entre índios e brancos se realizam
num contexto de Estado nacional e que este processo começou com a organização
do sistema jurídico-político85.
Os modelos de política indigenista do Brasil, Austrália e Canadá, são vistos
em Baines (1999) que reflete sobre esses modelos, dizendo que eles têm relação
com a forma como o indígena foi pensado e construído nestes países, e os
discursos indígenas tanto universalizantes quanto autoctonizantes foram elaborados
dentro de contextos altamente politizados86.
Hodgson (2002) demonstra com base em dois estudos de caso na África e
América que histórias, agendas e dinâmicas do movimento apresentam pontos de
semelhança e diferença. Por exemplo, questões acerca da representação política,
reconhecimento, recursos e direitos desses movimentos se engajam nas artimanhas
políticas, econômicas e a complicada cultura da inclusão/exclusão evocada pelo
termo “indígena”. Enquanto na América os indígenas têm status de “primeiros
povos”, na África o termo foi adotado recentemente como ferramenta de mobilização
em razão de uma história de conquista, assimilação e migração que exige do
movimento o estabelecimento de critérios para definir quem é indígena87.
89
À época dos Estudos de Viabilidade realizados entre janeiro a abril de 2001, apenas os grupos
indígenas na área de impacto direto (AID) foram visitados pela equipe responsável pelos Estudos
Indígenas do CHE Belo Monte do qual fui Coordenadora juntamente com Louis Forline, pesquisador
do Museu Goeldi.
Sociedades Indígenas, apresentados pela FUNAI-Fundação Nacional do Índio, CIMI-
Conselho Indigenista Missionário e NDI-Núcleo de Direitos Indígenas. As propostas
do CIMI e NDI fundamentaram o substitutivo do Deputado Luciano Pizzato aprovado
na Câmara. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, o Estatuto teve sua
tramitação paralisada em 1994 e jamais votado. À época da comemoração dos 500
Anos, uma nova proposta intitulada Estatuto dos Índios e das Comunidades, foi
apresentada sem surtir o efeito desejado. Apesar do empenho do movimento
indígena, as questões referentes à exploração dos recursos minerais, florestais,
hídricos em terras indígenas e a participação dos indígenas no processo de decisão,
foram consideradas polêmicas por envolverem interesses políticos e econômicos,
razões suficientes para obstruir o avanço das discussões do Estatuto.
Esse fato demonstra que os direitos territoriais, ainda devem ser um dos
pontos controvertidos da problemática indígena e, possivelmente, um termômetro da
temperatura da democracia brasileira, sugerindo que se pergunte: a ação do
movimento indígena produz alterações no diálogo com o Estado, ou esse diálogo é
possível apenas quando os temas não afetam diretamente os interesses das elites?
Ou ainda: como as ações de grupos destituídos de poder podem influir para que
haja mudanças no quadro de relações e abertura de novos roteiros de vida?
Nos últimos anos há exigência de maior democracia, e que esta se exprime
pela substituição da democracia representativa por uma democracia direta inspirada
em Rousseau, quando este afirmou que a soberania não pode ser representada,
citando como exemplo a crença dos ingleses em sua liberdade, e do engano que
estavam sofrendo: “o povo inglês acredita ser livre, mas se engana redondamente;
só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez eleitos estes, ele
volta a ser escravo, não é mais nada”90 (BOBBIO, 2000).
Além disso, Bobbio (2002) aponta três condições para a democracia: 1)
atribuição a um elevado número de cidadãos com direito a participar direta e
indiretamente; 2) a existência de regras e procedimentos; 3) garantia dos direitos de
liberdade de opinião, de associação aos que são chamados a decidir ou eleger.
Estas condições consideradas direitos-base provêm de onde o Estado liberal se
originou, mas são aspectos ideais, pois a matéria bruta, a democracia real, está
90
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contratto sociale, III, 15 (Ed. bras.). Do Contrato Social ou Princípios
do Direito Político. Tradução de Lourdes do Santo Machado. São Paulo, Abril, “Os Pensadores”,
1973. Trad. Bras. São Paulo, Abril, “Os Pensadores”, apud BOBBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 53.
muito longe do que foi imaginado por Rousseau, Toccqueville e Stuart Mill. Ou seja,
a democracia não chega a atingir o interior da sociedade.
Ao distinguir as sociedades de acordo com o grau de pluralismo que
apresentam, Dahl (1997) afirma que o pluralismo societal é um dos determinantes
da democracia. Com isso advoga que haveria certo equilíbrio entre os grupos
sociais, pois nenhum deles poderia garantir sua preponderância sobre os demais. A
democracia seria então fruto de um cálculo de custos e benefícios feitos por atores
políticos em conflito, portanto, a adesão às regras democráticas tem um caráter
contingencial, criando condições para que atores políticos e suas demandas possam
ganhar espaço político.
Ao considerar o grau de responsividade de um governo aos seus cidadãos, o
autor evoca que estes cidadãos plenos devem ter oportunidades plenas,
estabelecidas sob três condições: 1) formular preferências; 2) exprimir preferências;
3) ter preferências igualmente consideradas na conduta do governo. Estas
oportunidades estão relacionadas a diversas garantias institucionais, que apontam
em última análise para a contestação pública e direito à participação. Como as
democracias estão muito longe do ideal democrático, Dahl sugere o termo
poliarquia. As poliarquias “seriam regimes relativamente [mas incompletamente]
democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram
substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e
amplamente abertos à contestação pública” (DALH, 1997, p. 26-31). A razão desta
incompletude está na existência, na grande maioria dos Estados nacionais, de dois
sistemas identificados por Dahl, o regime aproximadamente hegemônico, que
oferece um grau maior de oportunidades de contestação do que um regime
hegemônico; uma quase-poliarquia que mesmo inclusiva ofereceria restrições mais
severas à contestação pública do que uma poliarquia plena. Essas quase-
poliarquias também poderiam favorecer a contestação pública, mas serem menos
inclusivas.(Idem, p. 31). Nesse raciocínio o autor supõe que, o deslocamento de
regimes hegemônicos e oligarquias competitivas em direção a uma poliarquia
produzem um aumento de oportunidades de efetiva participação e contestação e,
portanto, maior número de indivíduos, grupos de interesse nas decisões políticas.
Assim, o caminho para se atingir a uma poliarquia viria através da
democratização que consiste de diversas transformações históricas amplas, que
modificaram hegemonias e oligarquias competitivas em quase-poliarquias,
processos que ocorreram no século XIX, e século XX até a Primeira Guerra Mundial.
A trajetória de diversos Estados em direção a poliarquias se fez com o
desenvolvimento do Estado de bem-estar antes da depressão, retomado após a
Segunda Guerra e um novo impulso após os anos 1960, fase com grande
intensidade na caminhada pela democratização. As reflexões de Dahl foram feitas
sobre as duas primeiras fases (Idem, 1977, p. 33). Ainda relativo à participação,
Dahl está entre os autores do pós-guerra que consideram a representatividade como
um elemento fundamental em democracias de grande escala que pode resolver o
problema da autorização daqueles que pretendem ter suas demandas
encaminhadas, pois
[...] quanto menor for uma unidade democrática maior será o potencial para
a participação cidadã e menor será a necessidade para os cidadãos de
delegar as decisões de governo para seus representantes. Quanto maior for
a unidade, maior será a capacidade para lidar com problemas relevantes
para os cidadãos, e maior será a necessidade dos cidadãos de delegar
decisões para os seus representantes” (DAHL, 1998, p. 110).
91
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 4ªedição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003 p. 208.
92
Idem, 2003, p. .219-220.
93
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
As liberdades civis foram garantidas por um Judiciário cada vez mais independente
do Executivo, que criava condições para a expansão dos direitos políticos firmados
por partidos e Poder Legislativo. Finalmente os partidos e o Congresso votaram os
direitos civis postos em prática pelo Executivo94.
A política brasileira pós-64 é vista em Santos (1979), que considerou a
cidadania como o conceito que permite compreender a política econômica e social
pós anos 1930, indicando a passagem da esfera da acumulação para a eqüidade.
Este tipo de cidadania ele definiu como cidadania regulada95
94
Direitos civis: garantem a vida em sociedade; direitos políticos: a participação no governo; direitos
sociais: participação na riqueza coletiva como direito a educação, saúde, trabalho justo
aposentadoria.
95
SANTOS, Wanderley G. Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979, p.75.
96
Santos se refere à criação do FUNRURAL marcando o início da absorção do segmento rural.
direitos, sustentado na legitimidade de suas reivindicações como condição para a
realização dos direitos humanos levando essas minorias a lutar pelo reconhecimento
de seus direitos à cultura e à diferença97.
Neste ponto da discussão entra-se no campo das políticas de
reconhecimento com grande peso interdisciplinar, pois o movimento de grupos
culturais e minorias sociais que lutam pelo reconhecimento e defesa de seus
direitos, produz mudanças na sociedade mundial. Como disseram Wolkmer e Leite
(2003), há uma crise paradigmática em razão da passagem da sociedade industrial
para a digital, da nacional para a global, de mudanças no modo de vida com a
entrada de novos sujeitos sociais, que requerem sua parcela de participação e
benefícios, que lhes são oferecidos gratuitamente sendo necessário lutarem para
conquistar seus direitos98.
Os fenômenos políticos e sociais são representados por movimentos
regionalistas, reivindicações de minorias étnicas e lingüísticas cuja dinâmica fornece
novas configurações ao cenário político pela presença de novos atores, em busca
de espaço político. No caso das etnias, estamos chamando de “espaço interétnico”,
ou seja, o espaço político que as minorias étnicas vão conquistando na arena
política. Algumas linhas da política contemporânea giram em torno das demandas
de reconhecimento oriundo de grupos subalternos do movimento negro, feminista,
gay, e do movimento indígena, tanto de índios aldeados, quanto urbanos, tornando
as democracias cada vez mais multiculturais. A globalização pode aprofundar as
interações culturais, étnicas, religiosas ao nível local e global, requerendo que as
democracias se exercitem para o aprendizado dessa nova situação, como afirma
Dallmayr (2001, p. 35): “o aprendizado democrático envolve uma contínua
transformação da autodefinição do povo e sua descentralização em resposta às
demandas da diversidade”. Nesse sentido, prossegue Dallmayr, a teoria política
recente avançou na noção inovadora de uma “política de diferença”, onde a
diferença não significa nem a fragmentação aleatória, nem um agrupamento de
97
SILVA DE SOUSA, Rosinaldo. Direitos Humanos através da História Recente em uma Perspectiva
Antropológica. In: NOVAES; Regina; KANT DE LIMA, Roberto (Org.). Antropologia e Direitos
Humanos. Niterói: EDUFF, 2001, p.68.
98
WOLKMER, Antonio Carlos e Leite, José Rubens Morato (org.) Os “Novos” Direitos no Brasil.
Natureza e Perspectiva. Uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva,
2003.
naturezas fixas ou identidades coletivas. A política multicultural não substancializa
os grupos, mas reconhece sua legítima diferença99.
Charles Taylor (1997) um dos autores que está observando essa tendência
da política contemporânea, diz que o reconhecimento está associado à suposta
ligação entre reconhecimento e identidade individual ou coletiva. A identidade é um
termo que pode designar algo como uma pessoa compreender quem ela é ou sua
característica fundamental como ser humano, sendo parcialmente firmada pelo
reconhecimento ou por sua ausência, pelo desconhecimento ou falsidade do
reconhecimento por outros, enfim, tanto uma situação quanto outra pode infligir
danos ou pior, uma forma de opressão sobre esta pessoa. A característica dialógica
da identidade é fundamental para o modo de vida humano sendo nessa interação
que adquirimos diferentes linguagens (languages of expression)100.
O discurso do reconhecimento tem se tornado familiar em dois níveis: a) na
esfera íntima, quando compreendemos que na formação da identidade o self é um
lugar de diálogo contínuo e de luta com “outros significantes”101; b) na esfera pública,
onde as políticas de reconhecimento pela igualdade de condições tem se tornado a
meta das minorias e grupos subalternos.
Richard Rorty102, ao discutir política de reconhecimento e direitos humanos
traz à tona o tema da des-humanização, citando vários exemplos de confrontos
étnicos onde o que é humano e não humano é posto em causa a partir de detalhes
pautados em critérios de cor da pele, costumes, crenças, que justificam o agir cruel
de um indivíduo sobre o outro como sendo em prol da purificação da humanidade.
Rorty chama atenção do discurso produzido nas situações de crise, no qual os
limites entre o que é ser, humano e não humano é frágil, condição expressada na
relação entre Nós e os Outros. Nós e aqueles que são parecidos conosco, apesar de
caminharem à maneira humana, são muito diferentes de nós em comportamento,
costume, enfim, são casos limítrofes.
99
Dallmayr, Fred, Para além da democracia fugídia: algumas reflexões modernas e pós-modernas. In
SOUZA, Jessé (org) Democracia Hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001, p.35.
100
Em seus termos: “The genesis of the human mind is in this sense not monological, not something
each person accomplishes on his or her own, but dialogical”. TAYLOR, Charles. The Politics of
Recognition. In: Taylor, Charles (org) Multicuturalism. Examing the Politics of Recognition. Princeton
University Press. Princeton, New Jersey, 1997 p. 25, 26.
101
“significant others” – termo cunhado por George Herbert Mead. Mind, Self and Society. Chicago:
University of Chicago Press, apud Tylor, 1997, p. 32.
102
RORTY, Richard. The Human Rights, Rationality and Sentimentality. In: Shute, Stephen & Hurley,
Susan (editors) On Human Rights. The Oxford Amnestyy Lectures Basic Books, 1993. p. 112-115.
A experiência multicultural exige exercício, mudança de postura e disposição
para suportar o que promovem as mudanças. Antônio Sergio Alfredo Guimarães,
opina que no plano da produção cultural e acadêmica, o multiculturalismo no Brasil
se sustenta em bases frágeis, vale dizer, a força histórica da monocultura é um
elemento de resistência e mudança sobre a ação do multiculturalismo
(GUIMARÃES, 2001, p. 393-394)103.
Ao assumirmos a noção de democracia participativa como um dos caminhos
possíveis para se compreender as relações entre, os índios e os Estados nacionais,
levamos em consideração o papel do movimento indígena na defesa dos direitos
indígenas, mas também a invisibilidade política representada pela condição de não
plenitude da cidadania dos indígenas brasileiros. O uso da variável indígena no
censo de 1991 é um exemplo da decisão política de manter os povos indígenas à
margem, em uma distância saudável para o restante da sociedade nacional. Hoje os
indígenas são considerados cidadãos e sem dúvida recenseáveis104. No entanto, os
direitos indígenas vivem sob ameaça, sejam através de uma medida parlamentar
como a PEC 38/1999 que propõe a redução das terras indígenas, mesmo as
homologadas, sejam através da pressão das mineradoras que querem garantias de
exploração de minérios nas áreas indígenas que contam com apoio de
parlamentares federais para que o Congresso Nacional aprove a regulamentação
sobre esse tipo de exploração105, seja sobre o descaso e omissão dos
administradores na execução da legislação sobre saúde e educação, aliás
compromissos que são da alçada dos governos em países democráticos.
Consideramos que a experiência da democracia participativa para os povos
indígenas, é o caminho para a realização da democracia representativa. Com
iniciativas de participação, há possibilidade não somente da aprendizagem
democrática para os indígenas, mas também para o restante da sociedade
brasileira. Um propósito que embasa as medidas políticas que começam a emergir
no campo da educação, com a entrada da expressão educação diferenciada,
educação bilíngüe, ou como o caso da demanda do movimento negro com a
disciplina História da África, temas que, enfim, vão se tornando diários no
103
Antonio Sergio Guimarães opina que o racialismo ainda é pouco discutido na academia, exceção
feita à Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, de estudos antropológicos de Roberto da Matta e
Peter Fry, e estudos teológicos. O autor não faz referência aos indígenas.
104
Informações www.institutosocioambiental.org.br – Martha Azevedo. Censo Indígena. Diferentes
estimativas
105
Revista Mensageiro/CIMI, maio-junho, 2004.
vocabulário das instituições de governo. Em relação aos povos indígenas, tentamos
demonstrar como, ao longo do contato na Colônia, Império e República, a tensão
sempre esteve presente. Em razão da organização que os indígenas foram
gradativamente construindo, a busca pela garantia de seus direitos e pelo
reconhecimento de sua existência passou a ser exigida ao Estado. É emblemático o
debate feito por juristas em favor de uma nova juriscidade que busque romper e
transpor os cânones que sustentam a dogmática jurídica. Esta dogmática é
mitificada por princípios da neutralidade científica, da completude formal do rigor
técnico e da autonomia absoluta. A nova juriscidade revela-se por meio de um
espaço crescente, transgressor e pluralista, pulverizado pelas dimensões do que se
pode chamar de novos direitos.
3 POLÍTICAS INDIGENISTAS: DA COLÔNIA AO SPI
106
No “Llyuro da Náo Bertoa que Vay para a Terra do Brazyll” também conhecido como “Roteiro de
Duarte Fernandes” datado de 1511, descoberto por Varnhagen em 1844, publicado por ele em 1861 e
republicado por Pedrosa em 1970, registra o número de escravos indígenas levados para a
metrópole: cerca de 36 bípedes dos dois sexos. Ver: TEIXEIRA, Dante M; PAPAVERO, Nelson. Os
Primeiros Documentos sobre a História do Brasil. Belém: Museu Paraense “Emílio Goeldi”, 2000.
107
Apesar de não haver negação dos efeitos danosos causados pela Conquista e pela ação
missionária, está havendo por parte dos estudiosos tanto da antropologia quanto da historiografia,
empenho em rever o paradigma da Conquista construído com base em relações binárias do tipo,
domínio/aceitação, submissão ou domínio/resistência ou fuga heróica, por outras explicações que
possam auxiliar a compreensão dos processos étnicos do presente, vale saber, do ressurgimento de
grupos considerados extintos como povo em várias regiões do país, especialmente, no Nordeste e na
Amazônia. Cristina Pompa chama atenção para a revisão dessa abordagem clássica do contato e o
crescente uso de termos como “encontro” e “negociação”, que são usados de forma cautelosa para
não encobrir o genocídio do qual os indígenas foram vítimas, mas abarcar a complexidade da
realidade colonial que envolveu mudanças drásticas, redefinições identitárias e negociações. Esse
tipo de abordagem é percebido em autores que trabalham com a idéia de uma “lógica mestiça”
(GRUZINSKI, 1999; BOCCARA, 2000). Para eles, a resistência não se dá apenas pela revolta em si,
também por estratégias de articulação, adaptação e reformulação de identidades. Ver: POMPA ,
Cristina. Cartas do Sertão: a catequese entre os Kariri no século XVII. In: Revista Anthopológicas, ano
7, vol. 14, no. 1 e 2. Recife: Editora da UFPE, 2004.
Esse encontro trágico propiciou o confronto de dois mundos, de formas
diferentes de conceber o mundo, de explicar os acontecimentos e as coisas, entre
elas a posse de bens, como relata Jean de Léry:
A exclusão dos indígenas está traduzida nas diferentes formas como essas
populações eram vistas pelos colonizadores:
a) Como participante na construção de nova sociedade e do sistema produtivo.
b) Como trabalhador cuja força de trabalho estava voltada para a garantia da
exportação de mercadorias.
111
As diferenças entre o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil, envolviam aspectos econômicos
representados pelo comércio do açúcar, a perda por Portugal das possessões no Oriente, e as
“drogas do sertão” como produto substituto na economia portuguesa. Os aspectos estratégicos
envolviam as ameaças de corsários estrangeiros e a questão geopolítica com a Espanha quanto a
definição de limites na bacia amazônica. Ver: BEOZZO, José Oscar. Leis e Regulamentos das
Missões: Política Indigenista no Brasil. São Paulo: Loyola, 1983, p. 27, 28.
c) Como povoador, auxiliando na garantia da posse das terras para Portugal.
d) Como selvagem e pagão, portanto, um elemento constitutivo da natureza e não
alcançado pela graça divina, sendo a catequese a única forma de humanizá-lo
(BAQUEIRO,1982; BAETA NEVES, 1978).
A reação indígena aos resultados dessa visão que legitimava ações muitas
delas de extermínio ou escravização foram, a fuga, as guerras travadas com o
colonizador que culminaram no abandono dos antigos territórios, ocupação de novos
territórios no interior, nas cabeceiras dos rios, em lugares inacessíveis que
precisaram ser reconhecidos por grupos em fuga, por amalgamentos com outros
grupos indígenas também em fuga, ou com aqueles que haviam chegado
anteriormente. Julie Cavignac (2003) em seu estudo sobre a presença indígena e
negra no Rio Grande do Norte, faz referência às alianças feitas entre o Conde de
Nassau e os Tupis ou Tapuias, bem como do registro cientifico dos grupos do
interior. Após a expulsão dos holandeses, guerras e rebeliões se sucederam entre
elas a “Guerra dos Cariris”, em meados de 1690. Segundo a autora, quase quatro
mil índios muitos já cristianizados fugiram para o interior, encontrando escravos
fugitivos, os Guineos.
Nessa perspectiva, Cristina Pompa (2003) analisando a catequese dos Kariri
no século XVII, considerou que a reação também se fez pelo viés simbólico, isto é,
longe de se fechar em busca de uma ‘preservação de identidade’, os Kariri tomaram
para si o que se apresentava como importante para seus catequizadores, o ritual
litúrgico cristão, transformando-o num “catolicismo kariri”.
A forma de aplicação da legislação colonial era feita de acordo com os
interesses das elites locais, contribuindo para isso a distancia da metrópole e o
corpo de legisladores portugueses, normalmente ligados à Igreja. Em diversas
ocasiões a recomendação ao bom tratamento aos indígenas foi promulgada mas
quase sempre não atendida.
A bula de Urbano VIII (1539) considerava os índios como “verdadeiros
homens, capazes da fé cristã, com direito à liberdade e domínio de seus bens
mesmo se ainda não estivessem convertidos”112; o regimento de Tomé de Souza
(1548), apesar de recomendar o bom tratamento, também ordenava guerrear contra
112
BRASIL. Leis, Decretos etc. Assuntos Indígenas. Coletânea de leis, atos e memoriais referentes ao
indígena brasileiro. Conselho Nacional de Proteção aos Índios. Anexo7. Publ. 94. RJ: Imp. Nacional,
1947, apud Arnaud, Expedito. Aspectos da Legislação sobre os índios do Brasil. Publ. Avulsas No.
22, Belém:MPEG,1973.
aqueles que se mostrassem inimigos “destruindo-lhes as aldeias e povoações [...]”;
uma lei de 20 de março de 1570, tão contraditória quanto o regimento de 1548,
determinou que os índios de modo algum podiam ser cativados, exceto aqueles
tomados em guerra justa ou os assaltantes de portugueses e de outros índios
(ARNAUD, 1973, p. 5-6).
113
Da mesma forma que o liberalismo, o nacionalismo que na Europa esteve associado aos
movimentos liberais, teve outra tradução na nova nação em razão de fatores diversos. A economia
baseada na exportação e sem mercado interno, extensão territorial demasiado ampla tornando quase
impossível a comunicação contribuiu para que a ligação das províncias fosse mais com a Europa do
que entre si, prejudicando a integração nacional. Da mesma maneira o nacionalismo brasileiro se
definia como um antiportuguesismo. Para as massas mestiças a participação em movimentos
revolucionários era oportunidade de igualdade social. Ver: VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia
à República: momentos decisivos. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977, p. 29-31.
114
Diário do Governo N°. 235, de 04.10.1821, p. 517 apud CARNEIRO DA CUNHA, 1987, p. 64.
“Brandura, constância e sofrimento de nossa parte, que nos cumpre como
ursupadores e cristãos”115.
Apesar das recomendações de Bonifácio, os direitos a terra não foram
considerados devido aos interesses de diversos segmentos sociais estabelecidos
nos territórios indígenas, que incluía também emprego dos indígenas como
trabalhadores escravos (MOREIRA NETO, 1967; BAQUEIRO, 1982). Além disso, o
sentimento de fortalecimento da nova nação pressupunha a integração de vários
segmentos étnicos e sociais, uma das razões do retorno da política clássica de
financiamento de bandeiras particulares de caça ao índio. Um exemplo dessa
política foi, a caça aos Botocudos (Krenak) com o uso de cães treinados no
ambiente de antigas moradias tribais, e consumo da carne de índios mortos. O
apresamento de índios permitia a sobrevivência apenas de algumas crianças para o
tráfico, e de homens para servirem como carregadores. A sofisticação da
malignidade estava no comércio de cabeças, havendo informações sobre a venda
de 16 cabeças de Botocudos para um francês que supostamente as comprou para o
Museu de Paris, em 1846 (BAQUEIRO, 1982, p. 147).
Visto desse ângulo, o I Império pode ser caracterizado como, colonialista e
utilitarista, situação que fica demonstrada pela única referência aos indígenas no
projeto constituinte de 1823, no Título XIII, artigo 254: “A assembléia terá igualmente
cuidado de crear Estabelecimentos para a Cathechese e Civilização dos índios,
emancipação lenta dos negros, e sua educação religiosa, e industrial”. Na Carta
Outorgada de 1824 a situação é mais grave. Nela não há nenhuma referência aos
índios (CARNEIRO DA CUNHA, 1987, p. 65).
115
DOLHNIKOFF, Miriam (org). José Bonifácio de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 102.
Régias de 1808, que decretavam “guerras justas” aos indígenas de São Paulo e
Minas Gerais; eliminação do direito de tornar os índios prisioneiros de guerra, ação
que podia ser realizada por um simples colono; preservação da condição de órfão
imposta aos índios pela legislação de 1798, cujos tutores eram o juiz de paz e na
ausência deste os juizes da comarca, cabendo a responsabilidade da tutela pelo
decreto aos Juizes dos Órfãos, que deveriam prestar socorro aos índios e cuidar que
aprendessem ofícios; b) O Decreto de 1833, que regulamentou o Ato de 1831 em
nível municipal, responsabilizou os juizes municipais pela administração do
patrimônio das comunidades indígenas; c) A Lei de 12 de Agosto de 1834 (Ato
Adicional), que transferiu para as Assembléias Legislativas Provinciais a
responsabilidade da catequese, civilização dos índios e o estabelecimento de
colônias.
O decreto de 1833 terminou por dinamizar a exploração dos territórios
indígenas e o Ato Adicional de 1834 colocou nas mãos das elites locais,
tradicionalmente anti-indígenas e com grande poder de pressão, os interesses
dessas populações. Em suma, a política aplicada aos índios se tornou mais
vulnerável, o que significou que os princípios básicos da política não se afastaram
dos períodos anteriores (ARNAUD, 1973; BAQUEIRO, 1982; GOMES, 2002).
116
Novas crises interétnicas desta feita entre colonos europeus e índios passaram a ser vistas como
crise nacional: os índios são entraves à modernização da agricultura.
117
Filosofia nacionalista ver: VARNHAGEN, Francisco Adolfo. “Discurso Preliminar- os índios perante
a nacionalidade brasileira” In História geral do Brasil, Tomo II. Rio de Janeiro: E. e H. Laemmert,
1857.
b) Os diretores gerais foram autorizados a demarcar e arrendar as terras
habitadas por índios, fiscalizar e aplicar os rendimentos das aldeias estabelecer a
prisão correcional de até seis dias e servir como procuradores.
c) Os objetivos dessa legislação expressavam a política mais ampla do
Império, como por exemplo: inibir os conflitos nas áreas de expansão nacional;
sedentarizar os indígenas liberando suas terras para ocupação por novos colonos;
transformar os aldeamentos localizados nas rotas das frentes expansionistas em
centros de abastecimentos, o que significou esbulho das terras indígenas (ROCHA,
1988).
Além disso, o decreto propiciou a catequese, engajamento dos índios no
serviço militar sem coação e serviço público obrigatório para os indígenas mediante
salário. Considerado como a base da política aplicada aos índios é conhecido
também como Regimento das Missões, uma espécie de renovação do antigo
sistema de diretório. O decreto foi ganhando aditivos, como aconteceu com a
promulgação da lei 601, de 18 de setembro de 1850, chamada Lei das Terras, que
obrigava ao registro de todas as terras efetivamente ocupadas e impedia a aquisição
de terras devolutas, a não ser por compra. A Lei de Terras foi regulamentada em
1854 pelo decreto 1.318, de 30.01.1854118. A partir desse decreto há uma nova
concepção da terra como mercadoria, fortalecendo o latifúndio e propiciando o
seqüestro das terras indígenas.
Relativo aos índios, a Lei de Terras de 1850 define o que se deve entender
por “terras devolutas” listando no seu artigo 3º, os elementos que as caracterizam,
consagrando e consolidando o indigenato “instituição jurídica luso-brasileira que
deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o alvará de 1º de abril
de 1680, confirmado pela lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas
terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios,
primários e naturais senhores delas” (AFONSO DA SILVA, 1999, p. 783). Apesar do
significado jurídico do indigenato como “fonte primária e congênita da posse
territorial”, a Lei de Terras propiciou a extinção de muitas aldeias indígenas, mesmo
118
“Com tal legislação pretendia-se garantir a subordinação do trabalhador livre (nacional, imigrante
ou ex-escravo) [...] Dificultava-se assim, seu acesso [..] à terra, garantindo-se a sobrevivência da
grande lavoura e de seu grupo social frente ao definhamento da escravidão: o grupo social dominante
do império escravista, grosso modo, poderia manter esta posição mesmo após o fim da escravidão”.
Ver: FRAGOSO, João Luís; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A política do Império e no início da
República Velha: dos barões aos coronéis. In: LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do
Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 184.
existindo conhecimento nas diversas províncias do Império que os indígenas tinham
direito à terra e que se empenhavam em obter a demarcação (ARNAUD, 1973;
AFONSO DA SILVA, 1999; BAQUEIRO, 1982; GOMES, 1988).
A passagem da política indigenista para o âmbito do Ministério da Agricultura,
criado em 1860, trouxe conseqüências drásticas para os índios. Em razão do
disposto pela Lei de Terras, os índios tiveram seus aldeamentos extintos e,
consequentemente, tornaram-se posseiros sem terra, destituídos de suas
características culturais, uma vez que os objetivos do Ministério da Agricultura não
estavam voltados para a defesa dos interesses indígenas. Mércio Gomes (1988)
registra que em 1860 o presidente da província do Ceará extinguiu num só ato todas
as aldeias existentes. A condução da política visando beneficiar os segmentos
econômicos dominantes em detrimento da defesa do patrimônio indígena, a retirada
do direito imemorial e a conseqüente extinção de aldeamentos, provocou, segundo
Gomes, um déficit de aproximadamente 300 mil índios do total de 600 mil
sobreviventes do período colonial (Idem, p. 82).
3.8 A República
120
Fatores: primeiro, a posição que o país ocupava na divisão internacional do trabalho determinava
que a produção agrícola deveria estar voltada para o atendimento do mercado externo; segundo, o
Governo Provisório estabeleceu o Decreto N°. 7,§ 12, de 20.11.1889 no qual a catequese e a
civilização dos índios passava a ser atribuição dos governadores dos Estados; terceiro, pela
Constituição de 1891, o direito de decidir sobre as terras nos respectivos territórios, passava a ser da
alçada dos Estados; manutenção do conceito de terras devolutas e omissão do texto legal, do
legítimo direito dos povos indígenas sobre as áreas que habitavam.
tratar exclusivamente dos assuntos indígenas. Em 1918 o órgão passou a se
chamar Serviço de Proteção ao Índio/SPI.
O SPILTN tinha como objetivos específicos o seguinte: a) prestar assistência
aos índios do Brasil que viviam aldeados, reunidos em tribos, em estados nômade
ou promiscuamente com civilizados; b) estabelecer centros agrícolas, constituídos
por trabalhadores nacionais. Os dispositivos relacionados à assistência ao índio
estavam direcionados à proteção ao índio, a terra, e povoação indígena
(GAGLIARDI, 1989, p. 228-229)121.
A literatura sobre o SPI contempla textos produzidos por seus idealizadores e
protagonistas, como Cândido Rondon, Luis Bueno Horta Barbosa, de chefes de
posto como Eurico Fernandes, que escreveu sobre a região do Uaçá (fronteira
Brasil/Guiana Francesa) durante sua gestão nos anos 1940-1950, onde enfatiza o
papel do SPI em regiões de fronteira. Figuram também textos de outros agentes do
serviço, como engenheiros-militares, juristas, jornalistas, etnógrafos, além de
documentação interna do órgão, como, leis, regulamentos, decretos. (Ribeiro 1970;
Arnaud, 1973; Moreira Neto, 1967; Fernandes, 1948; Mário Ribeiro, 1943; SPI-
Colletanea. Vários autores, 1929). Uma produção mais recente é representada por
reflexões feitas por antropólogos e historiadores.
Gomes (2002) comenta que a criação do SPI é compreendida pelo Estado
republicano como instrumento de sua política de ampliação e controle territorial,
enquanto para os fundadores positivistas, um instrumento de defesa, auxílio e
alavanca para que os indígenas alcançassem patamares mais elevados em suas
culturas122.
O trabalho de Souza Lima (1995) inaugurou uma linha de estudos que vem
sendo seguida por outros estudiosos do tema. Este autor procura compreender a
criação do SPILTN no contexto das lutas para a implantação e ampliação do Estado-
Nação e a dinâmica de afirmação do novo estado. Mediante categorias de agentes e
agências, possuidoras de projetos e interesses nos povos indígenas, com diferentes
121
As unidades de ação do SPILTN eram as Povoações Indígenas e os Centros Agrícolas. Nas
primeiras ficariam reunidos índios de todas as tribos contatadas, nos Centros os agricultores sem
terra e índios integrados. O objetivo era substituir formas de organização tradicionais e valorização do
espaço por formas racionais e modernas. (Ver: PERES, Sidney Clemente. Arredamento em Terras
Indígenas. Análise de Alguns Modelos de Ação Indigenistas no Nordeste (1910-1960). Rio de Janeiro:
CETE/PETI, 1995.
122
Gomes faz referência a versões da história do SPI contada por seus protagonistas entre eles o
próprio Marechal Rondon, além de estudiosos como Stauffer (1959-60), Souza Lima (1995) e ele
próprio (1991) onde apresenta breve análise sobre o SPI e FUNAI (2002, p.284).
crenças a respeito do assunto, este autor observa que todos eles tinham um ponto
em comum: os indígenas estavam na infância do homem. Utilizando a categoria
poder tutelar, para descrever uma “forma de ação sobre as ações dos povos
indígenas e seus territórios”, chama atenção para a continuidade do comportamento
estatal que integra, em suas palavras, “elementos das sociedades de soberania
quanto das disciplinares”. O poder tutelar está representado neste poder estatizado
com função estratégica e tática, apoiada numa matriz militar, que é a guerra de
conquista. Seu olhar sobre o SPILTN ou Serviço, é feito através da análise da
administração pública de um setor que procura estabelecer relações com os
indígenas do ponto de vista puramente laico123.
O SPILTN foi estabelecido no Ministério da Agricultura Indústria e Comércio
(MAIC), permanecendo assim até 1931. Posteriormente foi transferido para o
Ministério da Indústria e do Trabalho, tornando-se em 1933 um simples setor do
Ministério do Exército, para retornar ao Ministério da Agricultura em 1939124. Gagliardi
afirma ser compatível com os interesses capitalistas da época a instalação do
SPILTN no interior do Ministério da Agricultura, uma agência do governo que tinha
por finalidade atender os objetivos de uma economia de mercado, num país de
estrutura colonial, bem como se fundamentar nos princípios do Estado moderno.
Souza Lima, por sua vez, direciona sua análise aos padrões normativos da produção
de terra indígena com vistas a esclarecer que as categorias classificatórias, nas
quais os indígenas foram inseridos, traduziam os ideais evolucionistas que
advogavam a idéia de evolução de um estágio de organização tribal até um tipo de
sociedade mais condizente com a civilização.
Cabe um esclarecimento ao leitor a respeito das siglas que definem o Serviço.
Os autores optam por utilizar as duas siglas, substituindo a sigla SPILTN a partir do
desmembramento das ações, ou após prestar informação sobre o percurso do órgão
até 1914, utilizam apenas a sigla SPI, o que fazemos a partir deste ponto.
123
Alguns estudos seguem essa linha, por exemplo, sobre arrendamento e criação de Terras
Indígenas (PERES, 1995); As estratégias políticas de Rondon para viabilizar a instalação das linhas
telegráficas em Mato Grosso (BÍGIO, 2003); O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e
científicas no Brasil (1933-1968) como uma das agências de disputa no campo indigenista
(GRUPIONI, 1998).
124
Souza Lima (1995) comenta a inserção do SPILTN no interior do MAIC uma vez que o conjunto de
propostas do órgão eram coincidentes com aquelas do Ministério, além de traduzir sob o ponto de
vista da administração a conjuntura política e a ideologia da época., isto é, a proteção aos índios
longe de ser uma empresa heróica como aparece no imaginário social, sempre fez parte da
burocracia.
As normas do SPI previstas nas leis, no regulamento do órgão e no ato de
criação da instituição, traduzem a filosofia e a estrutura que o identificou,
confirmadas pelo decreto 9.214/1911 que traçou mais claramente as bases da
política indigenista. O SPI passou a ter respaldo constitucional a partir da
Constituição de 1934 (GOMES, 2002).
Como os índios eram percebidos pela ideologia da época e pelo próprio
órgão? Para as elites da época eram segmentos sociais transitórios, incorporados
aos trabalhadores nacionais. Para o órgão, eram distintos da sociedade brasileira,
“pretéritos à comunidade imaginada se antepondo aos seus componentes” (SOUZA
LIMA, 1995, p. 120). No debate da época os conceitos de Nação, povo, pátria e
governo ocupavam status diferentes. Superior à idéia de Nação estava o povo,
compreendido como grupos de famílias formando uma comunidade que possuía um
governo. Desta forma os indígenas precisavam fazer parte desta família mediante a
incorporação. Com base nesse ideário político se delineava as tarefas do SPI, os
parâmetros da conquista e disseminação dos valores da sociedade mais ampla.
Nesse sentido, civilizar os indígenas tinha como objetivo sua inclusão na economia
de mercado, o que tornava necessário o estabelecimento de categorias de oposição
entre índios e brancos, definição de quem eram os índios parceiros, entendidos
como “amigos” e opositores tratados como “inimigos”. Tal categorização estabelecia
metodologias de tratamento a quem era parceiro ou opositor.
As funções estratégicas do órgão fornecem uma idéia da complexidade das
atividades desenvolvidas que se tornavam inviáveis, caso as verbas de manutenção
não fossem condizentes com a realidade enfrentada. A garantia dos territórios
conquistados era realizada com a participação de outros aparelhos estatais que em
conjunto mediavam, as relações entre índios e brancos nacionais ou estrangeiros,
como ocorria na zona de fronteira125.
A conquista era garantida mediante a produção de informações que estava
ligada diretamente à gestão de espaços indígenas. Dessa maneira a estrutura
administrativa inicial contou com uma diretoria geral, as inspetorias regionais e os
postos indígenas, que recebiam as orientações da sede localizada no Rio de
125
Em nossa dissertação de Mestrado discutimos o papel da escola na fronteira Brasil-Guiana
Francesa, cuja função era abrasileirar os indígenas da região que optavam em falar o creóle francês,
trafegar e estabelecer aldeias em ambos os lados da fronteira. A instalação da escola em 1936, nas
diversas aldeias da região, era subordinada diretamente ao Posto Indígena do Uaçá/Oiapoque. Ver:
ASSIS, Eneida. Escola Indígena: uma frente ideológica? Diss. de Mestrado em Antropologia Social.
Brasília:UNB, 1981.
Janeiro. As inspetorias eram setores básicos de articulação política, no plano
regional, que aliada aos postos (PI) administravam as demandas nas regiões onde
se localizavam126.
A extensa geografia do SPI exigia uma organização fundamentada na de
fases de ação relacionadas aos supostos graus de evolução dos indígenas. Na
expressão de Souza Lima, “momentos civilizatórios” que compreendiam além de um
modo de fazer, o uso de técnicas adequadas a cada fase em que os indígenas se
encontravam.
Segundo Azevedo [1928]127, estas fases estavam assim subdivididas:
1ª fase – atração de índios selvagens
2ª fase – transformação e educação dos índios semi-selvagens
3a fase – ensinamento dos trabalhos agrícolas e industriais derivadas aos índios
semicivilizados.
4a fase – estabelecimento dos índios na sua emancipação e definitiva introdução na
vida civilizada.
Souza Lima chama atenção de que estas fases compreendiam outras
atribuições do SPI tais como, os trabalhos de pacificação realizados quando havia
guerras entre índios e brancos; a atração direcionada aos grupos arredios, que
implicava no estabelecimento de reservas indígenas. A localização dos indígenas
em terras destinadas a eles evitava que viessem para as cidades. A segunda fase
envolvia o que este autor chama de “exemplo”, que compreendia o ensino de
serviços como agricultura e pecuária.128 A terceira fase compreendia os serviços de
civilização, representados pela introdução escolar voltado principalmente para o
ensino de português e civismo, rudimentos de aritmética e pequenos cálculos que
lhes facilitasse as trocas comerciais. A quarta fase exigia a regularização das terras
e a instrumentalização de técnicas agrícolas.
O SPI instituiu sua administração e política através de leis e regulamentos, e
o reconhecimento constitucional na Constituição de 1934. Carneiro da Cunha (1987)
126
Souza Lima (1995) neste trabalho de referencia sobre o SPI, apresenta organogramas do órgão
relativo aos períodos (1910, 1911, 1914, 1930, 1944, 1960), que mostram a dispersão pelo território,
a jurisdição administrativa ao longo da sua história. Ver: Caderno Iconográfico.
127
AZEVEDO, Lindolpho B. [1928], SEDOC, m. 380 f. 1255, apud Souza Lima, 1995, p. 135-137).
128
Pudemos observar, durante um longo período em que convivemos com os indígenas da Reserva
do Uaçá/Oiapoque, o procedimento de um dos chefes de Posto mais respeitados da região, Frederico
Oliveira. Nos serviços de limpeza da aldeia, ou nas realizações dos ‘convidados’ (mutirão para
abertura ou plantio de roças), ele não se limitava a dar as instruções, mas madrugava e era o primeiro
‘que pegava o terçado’ para iniciar o serviço.
faz referência que, pela primeira vez, a situação das terras indígenas tem lugar
como matéria constitucional, não constando dispositivo algum sobre os índios no
projeto de governo (Projeto Itamaraty), nem no substitutivo dos 26, composto por um
membro da bancada de cada estado, do Distrito Federal, do Acre e representantes
da sociedade civil.
A primeira emenda foi apresentada em dezembro de 1933, pelo deputado
Álvaro Maia, da bancada do Amazonas sob o número 1.193: “A União, os Estados,
ou os municípios respeitarão a posse dos indígenas sobre as terras onde estiver
localizada, tudo nos termos da legislação federal sobre o assunto”. Esta emenda,
aprovada tornou-se o artigo 129 da Constituição de 1934, consagrando os títulos
indígenas sobre suas terras.
Outra vitória foi a aprovação da competência exclusiva da União para legislar
sobre assuntos indígenas (artigo 5º , item XIX, m). As Constituições de 1937 (Carta
Outorgada) e a liberal democrata de 1946 reconheceram esses pontos.
Para Mércio Gomes (1988), argumentos conservadores ou progressistas, em
diferentes momentos, tocam no mesmo ponto: a diminuição das terras indígenas. A
depopulação sofrida por diversos grupos indígenas em razão de fatores econômicos,
sociais e da própria administração do órgão, foi uma herança que pesou
negativamente para a instituição. Por outro lado, demarcou 40% das terras
indígenas e criou o Parque Nacional do Xingu, considerado ainda um marco no
indigenismo nacional. Em 1967, no meio de um escândalo de repercussão
internacional, onde funcionários do SPI foram acusados de participar do massacre
dos Cintas Largas, fato que ficou conhecido como O Massacre do Paralelo 11, o
regime militar extinguiu o SPI.
4 ESTADO E ÍNDIOS: A FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO E O MOVIMENTO
ÍNDIGENA
129
Segundo Olavo Brasil, essa reforma insere-se no contexto da modernização do Estado guardando
alguns princípios da pauta de reforma administrativa dos anos 60, enquanto o ajuste econômico e a
abertura comercial eram aspectos novos a serem buscados. Cf. BRASIL, Olavo. As Reformas
Administrativas no Brasil: modelos, sucessos e fracassos. Trabalho apresentado no Seminário
“Dessarollo Político comparado de Argentina e Brasil”. Univ. Torcuato Di Tellla, Buenos Aires, 25-26
de marzo, 1999, digit.
das mudanças ao nível externo, sua influência no interior da mesma, bem como o
comportamento dos atores internos e externos à instituição. A complexidade de
funções exercidas pelo órgão e a geopolítica da mesma exigiria uma pesquisa de
campo nos moldes sugeridos por Clara Galvão, conduzindo a tese em outra
direção130. Em segundo lugar, pela escassez de literatura já sistematizada, tanto do
ponto de vista da administração, quanto das ações políticas mais recentes o que não
significa inexistência131. O mesmo pode ser dito em relação ao movimento indígena
pelas nuances que o grande número de associações apresenta, por exemplo, etnia,
região, gênero, profissão, que assumem fisionomias particulares dependendo da
região ou grupo. Mais ainda, o próprio processo político baseado em articulações
nacionais e internacionais, em acordos, resoluções com vistas à garantia e defesa
dos direitos indígenas.
Para os propósitos deste trabalho, pensamos as políticas indigenista e
indígena, como fenômenos políticos que se complementam no cenário democrático.
Isto é, para se compreender os avanços, recuos da política indigenista, e
consequentemente da FUNAI enquanto instituição de governo, com uma função
específica, é importante considerar a relação do indigenismo oficial com o
indigenismo não oficial132, representado por instituições que estão produzindo e
realizando ações políticas com/e/sobre povos indígenas133. É importante levar em
conta a dinâmica imprimida pelo movimento indígena, sua difusão e impacto no
interior das sociedades indígenas, seus efeitos sobre o indigenismo oficial, as
características do movimento no Brasil em relação ao restante da América Latina.
Finalmente, é necessário ver a questão indígena no contexto de um conjunto de
130
Ver Introdução, item: Caminhos percorridos.
131
Existem Relatórios de Propostas de Restruturação da FUNAI elaborada por técnicos da instituição,
o que permite uma nesga de olhar no interior da instituição, além é claro dos documentos
administrativos, mas que requerem ainda o devido tratamento. Souza Lima e Pacheco de Oliveira,
desenvolvem um projeto sobre Terras Indígenas na gestão da FUNAI (LACED/MN). O resultado do
Seminário Bases para uma nova política indigenista está apresentado em livros e um Relatório
disponibilizado na internet (www.laced.mn.ufrj.br), documentos que foram de grande auxílio neste
trabalho.
132
Além desse termo, a expressão “movimento indigenista” foi usada nos anos 1970-80, definindo a
ação de antropólogos, lingüistas, técnicos da FUNAI e de outros órgãos, advogados que estavam
envolvidos com a questão indígena. Indigenismo também é entendido como conjunto de princípios
estabelecidos a partir do contato do Estado com os povos indígenas.
133
A elaboração e implementação da política indigenista é atualmente feita pelos Ministérios da
Justiça, Saúde, Educação, Meio Ambiente, de órgãos como Desenvolvimento Agrário,
Desenvolvimento Social, FUNAI, INCRA, Conselho de Gestão do Patrimônio Genético-CGEN, razão
por que as lideranças indígenas estão requerendo a criação de um Conselho Nacional de Política
Indigenista com a participação indígena e da sociedade civil. Ver. Revista Mensageiro, Mai-Jun, CIMI,
2005.
assuntos que demandam respostas políticas, cujos interesses tergiversam com os
assuntos indígenas, sejam aquelas que envolvem as minorias raciais, como é o caso
do movimento negro, de atores individuais ou coletivos, sejam posseiros, sem-terra
ou empresários diversos, cujos interesses recaem sobre as terras indígenas.
Enfim, pensar a questão indígena tendo como “pano de fundo” o cenário
democrático brasileiro deste momento. Sob esse ângulo, a FUNAI se apresenta não
apenas como uma agência de governo, mas uma instituição que atua como um
instrumento de ação política, que se encontra, em alguns momentos, numa espécie
de situação esquizofrênica, por ter propósitos fundantes prescritos num dado
momento histórico, que não foram atualizados e, portanto, soam inadequados à
realidade indígena atual. Como um organismo criado no período da ditadura militar,
com concepções e práticas indigenistas similares às do SPI, o novo órgão foi
considerado por seus técnicos e funcionários uma “seqüência do SPI”, estando por
essa razão estruturalmente ultrapassada134. O movimento indígena atua como
mecanismo de mudança tanto ao nível interno do mundo indígena quanto externo,
vale saber, das instituições estatais, não estatais e da sociedade estremecendo
idealizações sobre o ser índio.
Propostas de reestruturação vêm sendo discutidas desde 1985, quando
representantes do movimento indígena e do indigenismo, entregaram ao presidente
eleito Tancredo Neves e ao ministro da Justiça Costa Couto documentos que
continham sugestões para elaboração da política indigenista e reestruturação da
FUNAI. Com a morte de Tancredo Neves, a proposta de um novo conceito para o
órgão indigenista e uma política afinada com a democracia, caiu por terra,
reiniciando o ciclo de atividades de agendas passadas, ou seja, denúncias e
campanhas de esclarecimento135.
Relatórios de seminários realizados por técnicos da FUNAI desde 1985
chamam atenção sobre a necessidade de reforma do órgão. A partir de 1988, as
discussões exigindo nova legislação, reforma do órgão, plano de carreira de
indigenista foram intensificadas, buscando-se a readequação da FUNAI, termo que
define um: “conjunto de medidas que, tendo em vista a própria reestruturação que se
vincula à reforma do aparelho do Estado, antecipa modificações estruturais
134
FUNAI. Atualizando a história: idéias para reestruturação da FUNAI. Brasília: Funai, 1996 (1ª
versão).
135
Ver: GITA, Ana. Atas Indigenistas, Brasília: Oriente, 1988.
possíveis nos termos dos Estatutos, visando dotar a Funai de uma estrutura mais
flexível e econômica”136
Entre 1999-2002, indígenas, técnicos da FUNAI, representantes da
Associação Brasileira de Antropologia, a ABA, e acadêmicos, organizaram um
seminário através do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e
Desenvolvimento do Museu Nacional (LACED/MN), com o apoio da Fundação
FORD. O seminário, voltado para a construção das Bases para uma nova política
indigenista, teve por objetivo discutir e apresentar novas experiências de ação
indigenista à luz das relações estratégicas entre os diversos atores, visando
propiciar condições de debate e aprofundamento de políticas relativas aos povos
indígenas. Os temas debatidos nas seis mesas redondas apresentaram o novo
cardápio de questões tais como: etnodesenvolvimento e mercado; parcerias
indígenas; qualificação de pessoal técnico, lógica de administração e lógicas étnicas.
Em dezembro de 2002, outro seminário, organizado também pelo
LACED/MN, reuniu 50 representantes indígenas de 34 povos, vindos de 22 estados,
além de organismos do governo e ONGs, para elaboração uma proposta de política
indigenista para ser encaminhada ao governo Lula e posta em prática a partir de
janeiro de 2003. Sete pontos resumiam os resultados dos debates: 1)
Reestruturação do órgão indigenista permitindo o abandono da herança
integracionista e tutelar, possibilitando a entrada num novo cenário jurídico; 2)
Criação de um Conselho Superior de Política Indigenista, situada numa Secretaria
de Estado, ligada diretamente à Presidência da República; 3) Participação indígena
no planejamento, ação, execução, fiscalização dos órgãos executores da política; 4)
Etnodesenvolvimento e demarcação de terras; 5) Saúde indígena no contexto da
política indigenista; 6) Educação escolar enquanto instrumento de política
indigenista.
A eleição de Luís Inácio Lula da Silva foi vista com bons olhos tanto por
indígenas quanto por aqueles que estavam direta e indiretamente envolvidos com os
assuntos indígenas, porém os primeiros seis meses de governo revelaram que a
articulação intersetorial que deveria se caracterizar por maior protagonismo político
dos indígenas não aconteceu. Ao contrário, os direitos territoriais indígenas sofreram
duas sacudidelas: a decisão de encaminhamento de processos de homologações à
apreciação do Conselho de Defesa Nacional e do Senado Federal, e a Proposta de
136
FUNAI. Coletânea. Sugestões de mudança para a FUNAI: BSB, Doc/1996.
Emenda Constitucional – PEC 38/99, que restringe a criação e extensão de terras
indígenas e Unidades de Conservação, de autoria do Senador Mozarildo Cavalcanti
(PPS/RR), encaminhada e aprovada em plenário137.
Paralelo a esses acontecimentos, a demissão do presidente da FUNAI,
Eduardo Almeida, ligado às ONGs, pelo ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos,
e a substituição pelo antropólogo Mércio Gomes, vinculado ao PPS, partido da base
governista naquele momento. Estes acontecimentos trouxeram de volta discussões
travadas durante o início da Nova República: as várias facetas do indigenismo, eram
clivagens que precisavam ser conhecidas e refletidas criticamente diante do
contexto democrático, revelavam interesses dos diversos atores exigiam uma nova
postura, uma nova forma de fazer política.
Ao buscarmos o entendimento das relações entre o Estado nacional
representado pela FUNAI e o movimento indígena como um ator decisivo para as
mudanças que se operam no indigenismo, optamos por analisar a situação da
perspectiva destes atores. Do âmbito da FUNAI, considerar as propostas de
reestruturação do órgão indigenista e da construção de uma política indigenista,
adequada à realidade social dos povos indígenas. Da perspectiva do movimento
indígena, as demandas, tanto nacionais quanto internacionais, exigem o
cumprimento das leis relativo às terras indígenas, o reconhecimento da cidadania
diferenciada, garantia do direito a educação, saúde, a representação nos fóruns de
decisão, enfim, medidas que propiciam a mudança nas agendas de governo e nas
regras aplicadas aos povos indígenas.
Tal recorte possibilita visualizar o comportamento dos atores estatais, não
estatais e indígenas atendendo um dos aspectos pensados para esta tese que é o
papel da sociedade brasileira. O capítulo apresenta uma divisão em períodos para o
estudo da FUNAI, considerando tanto as ações internas da instituição,
representadas pelas iniciativas dos técnicos do órgão em discutir um novo design
para a instituição, quanto as ações externas, provocadas pela conjuntura do
Estado138, e outros atores políticos.
137
Ver: VERDUM, Ricardo. Direitos Indígenas: análise das principais propostas que tramitam no
Congresso Nacional. Nota Técnica No. 81. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos/INESC,
agosto, 2003. Desde março/2005, há uma campanha na internet organizada pelo ISA contra a PEC
38/99 que retorna mais uma vez.
138
Eli Diniz chama atenção do volume e intensidade de problemas que atingiram a sociedade
brasileira a partir dos anos 1980, fossem econômicos, políticos ou sociais, de tal maneira que o termo
ingovernabilidade ganhou espaço no vocabulário político, tornando-se um símbolo da falta de
4.1 FUNAI e Governos Militares (1967-1985)
competência do país em lidar com seus problemas. Cf. DINIZ, Eli e AZEVEDO, Sérgio de (Orgs.).
Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: o desafio da construção de uma nova ordem no
Brasil nos anos 90. In: A Reforma do Estado e Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1997.
139
Segundo Luiz Beltrão, o padre José Vicente César do Instituto Anthropos do Brasil (Brasília),
publicou no Jornal do Brasil, edição de 12.08.1973, o caminho percorrido para a formação do Estatuto
do Índio. Para o padre Vicente, apesar das alterações sofridas no estatuto da nascente Funai, os
princípios da política indigenista que figuram no item 1, art. 2 do decreto 65.474, de 21.10.1979 e da
Emenda Constitucional nº 1 de 17.10.1969 inserida na Carta Magna, art. 198, Título V, Disposições
Gerais e Transitórias, deixaram a desejar. Mas foi a partir desta plataforma que a Funai providenciou
junto ao jurisconsulto Temístocles Cavalcanti o projeto inicial do estatuto enviado ao Congresso em
14.09.1970, que recebeu 14 emendas de autoria da Funai, através de seu procurador geral Romildo
Carvalho. Em dezembro de 1973 se transformou em lei. (BELTRÃO, Luiz. O Índio, um mito brasileiro.
Ed. Vozes: Petropólis, 1972: 21-25).
[...] o Ministério do Interior é um órgão que por influência dentro da Funai
deveria ser só de controle financeiro, porque a Funai não é subordinada ao
Ministério do Interior [...] é vinculada [...] com relação ao que determina o
decreto-lei 200140; a lei que criou a Funai, a lei 5.371, não fala em Ministério
do Interior [...] como as nomeações foram políticas até hoje, as pessoas
nomeadas deviam um certo respeito [...] às pessoas que lhe apontaram e ai
essa vinculação de fato passou a existir, a subordinação de fato, mas
legalmente a Funai não é subordinada ao Ministério do Interior, é apenas
vinculada em relação aos gastos. Hoje a Funai não faz nada, sem antes
consultar o Ministério do Interior [...] dessa subserviência que os dirigentes
passaram a ter com o Ministério do Interior – isso é um perigo muito grande
e está prejudicial às comunidades indígenas (Porfírio Carvalho –
FUNAI/Assessoria Deputado Mario Juruna, Brasília, 23.07.1985 – Atas
Indigenistas).
140
Decreto-lei N°. 200/1964, ampliou e possibilitou maior eficiência da Administração Indireta
(autarquias, fundações, empresas estatais e de economia mista) as quais passaram a atuar em bases
empresariais (Cf, Eli Diniz, 1997).
141
Ver também: MEYER , John W. and ROWAN, Brian, Institutionalized Organizations: formal stucture
as myth and cerimony. American Journal of Sociology, 83 (1977), 340-63 apud HALL, Peter and
TAYLOR, Rosemary. Political Science and the three New Institutionalisms. Political Studies, vol.XLIV,
1996.
internos formava barreiras difíceis de superar. O preconceito contra indígenas, por
parte de “gente que trabalha no órgão”, foi apontado por alguns como sendo um dos
fatores que também contribuía para o estado de crise da instituição. Alguns pontos
foram comuns nesses depoimentos: a condição jurídica do órgão que era uma
fundação apenas no nome cuja falta de recursos próprios comprometia o
desempenho da instituição; o desempenho controverso que se expressava na
adoção de políticas contrárias aos indígenas; a condição de trabalhador da FUNAI,
fosse funcionário ou contratado, a relação com a instituição era forte, pois ele levava
a instituição a todos os lugares aparecendo em conversas que giravam sempre
sobre o tema “índio, índio, índio”, mas paradoxalmente, este trabalhador podia se
comportar como defensor, inimigo ou vítima dos índios, no último caso quando a
FUNAI era invadida por representantes desses povos. Assim olhado, não é apenas
a eficiência que é buscada, mas uma forma de ser, resultado da transmissão de
práticas mais gerais. Retornaremos a esse ponto mais adiante.
A instalação da FUNAI no Ministério do Interior, no período da ditadura militar,
é apontado nos documentos analisados como um contra-senso, na medida em que
a integração nacional, sendo a meta desse ministério, legava a FUNAI o dilema
entre a garantia da proteção aos povos indígenas e a integração à comunhão
nacional. Os efeitos desse modelo de administração é um capítulo documentado em
muitos trabalhos de antropólogos (BEOZZO, 1983; BAINES, 1988, CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1988; GOMES, 1988, 2002; OLIVEIRA FILHO, 1998).
Do ponto de vista da natureza jurídica do órgão, foi realizado um esforço para
que a entidade tivesse uma flexibilidade administrativa tornando-se uma fundação
de direito privado demarcando sua diferença com o SPI que era uma autarquia, o
que não aconteceu na prática142. Como nos referimos a pouco, o discurso da
ineficiência tem estreita relação com o processo de criação do órgão indigenista em
contexto político demarcado pelo endurecimento do governo Costa e Silva. Em
fevereiro de 1966, o governo decretou o AI-3, que estabelecia eleições indiretas para
governador e para os municípios considerados de segurança nacional, a liberdade
de expressão tornou-se cada vez mais restrita, apesar de ter havido eleições para o
Congresso, com candidatos dos partidos existentes, ARENA (Aliança Renovadora
Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Posteriormente, a maioria dos
142
Cf. FUNAI. Atualizando a história: idéias para a reestruturação da FUNAI, 1996 a); Rumo ao 3º
milênio: idéias para reestruturação da FUNAI, 1996 b).
políticos de oposição foi cassada e o Congresso fechado. O AI-4 reabriu o
Congresso para apoiar a Constituição de 1967, que incorporou vários princípios
presentes nos Atos Institucionais (AI).
Em 1966 foi promulgado o decreto No. 58.824, de 14 de julho de 1966, e
aprovação do decreto legislativo, Nº 20, de abril de 1965, dispondo sobre a
Convenção 107 da OIT, que tratava da Proteção e Integração das Populações
Indígenas e Outras Populações Tribais e Semi-Tribais de Países Independentes. O
artigo 11 da Convenção 107 estipulava que: “O direito de propriedade coletiva ou
individual, será reconhecido aos membros das populações interessadas sobre as
terras que ocupam tradicionalmente"143.
Comentando este ponto, Carneiro da Cunha (1987), diz que apesar deste
instrumento internacional a propriedade das terras indígenas é atribuída à União
conforme estabelece o Artigo 14: “Art. 14. Integrar o Patrimônio da União [...] as
terras ocupadas pelos silvícolas”.
Em dezembro de 1968 o Presidente Costa e Silva decretou o AI-5 com
caráter permanente, desmascarando a aparência democrática que o governo militar
vinha assumindo até então. O Ato Institucional N.º 10 (AI-10) promoveu a Emenda
Constitucional de 1969144. Em 19 de dezembro de 1973, foi promulgada a lei 6001/73
criando o Estatuto do Índio, estabelecendo as normas para o relacionamento entre o
Estado e os índios.
Sob o ponto de vista da administração interna da FUNAI, apesar das
mudanças, a nomenclatura das unidades demonstrou a continuidade do SPI
denunciada por técnicos e índios e presente nos relatórios. O exemplo do SPI
fornecido por Gomes (2002) permite a comparação com que registram os relatórios:
143
A Convenção 107/1966, apesar de apresentar um caráter integracionista, tem no artigo 11 uma
importante garantia dos direitos indígenas. A recomendação 104/66 da OIT detalha os procedimentos
da Convenção (Carneiro da Cunha, 1987, p. 128)..
144
Na CF de 1969, o Art. 198, estabelece que as terras indígenas sejam inalienáveis nos termos que
a lei federal determina, assim como, cabe a eles a posse permanente e reconhecido o seu direito ao
usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes. (op. cit, p. 98)
Os relatórios acusam modelos de estruturação a partir de 1967, semelhanças
com o SPI e uma idéia da complexidade e da geopolítica do órgão indigenista:
a) De 1967-1986: Além da sede, havia 18 delegacias regionais com jurisdição de
âmbito estadual; ajudâncias autônomas ligadas à sede ou delegacias. Neste
período existiam 334 postos indígenas ligados às delegacias ou ajudâncias (se
existentes).
b) De 1986-1992: Foram instaladas 06 superintendências regionais, com jurisdição
macro regional sobre 47 administrações regionais localizadas em cidades
estratégicas; 350 postos indígenas ligados à essas administrações (o que
significava, 53 unidades descentralizadas). Este período é marcado pela
contratação significativa de servidores pelo regime da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), e depois estabilizados pelo Regime Jurídico Único (RJU)145.
c) 1992-1995: As superintendências foram transformadas em 44 administrações
regionais ligadas diretamente à sede; 03 núcleos de apoio, que eram a instância
intermediária entre as administrações regionais e 349 postos indígenas.
d) 1996..: As administrações regionais foram transformadas em administrações
executivas regionais (AER). Os postos indígenas começaram a perder a
finalidade histórica de mediar os assuntos indígenas, em razão das organizações
indígenas se tornarem cada vez mais as porta-vozes dos grupos.
Segundo a avaliação dos técnicos da FUNAI, a eliminação de uma instância
intermediária dificultou a articulação entre os diversos administradores, uma vez que
muitas unidades foram criadas para atender as circunstâncias do momento, sem
adotar critérios de racionalidade146.
No período dos governos militares, o modelo de administração imprimido pela
FUNAI teve sérias repercussões, que traduziram o confronto ideológico dos
diferentes atores que participaram do indigenismo daquele momento, resultando a
diversos grupos indígenas severas perdas, que colocaram em risco sua
sobrevivência enquanto povo. A administração pautada na integração dos índios à
sociedade nacional, consoante com o modelo econômico desenvolvimentista,
introduziu no país o capital internacional que se fez presente mediante grandes
145
O Governo Collor (1990-92) no afã da reforma administrativa tomou uma medida das mais
polêmicas qual seja, a instituição do Regime Jurídico Único (RJU) através da Lei Nº 8.112 de
dezembro de 1990, que “permitiu a todos os celetistas optarem pelo regime de servidor estatutário,
medida que posteriormente veio a exercer um efeito engessador na administração pública” (Ver:
Olavo Lima Brasil, 1999)
146
Cf. FUNAI. Atualizando a história: idéias para a reestruturação da FUNAI, 1996, p.9-10.
projetos econômicos. A Amazônia foi considerada a última fronteira, que precisava
ser ocupada divulgando-se a ideologia do vazio demográfico. A proposta de um
reordenamento político institucional que resultou em transformações espaciais e
territoriais na Amazônia já vinham sendo discutidas desde meados dos anos 1960,
como prosseguimento do programa de integração nacional marcado pela construção
da Rodovia Belém-Brasilia. Diversos programas foram lançados como a Operação
Amazônica (1968) da qual a SUDAM e o INCRA foram instituições criadas para
conduzir as políticas a serem aplicadas na região. Em 1970 foi criado o Programa de
Integração Nacional – PIN, cuja finalidade era financiar a construção de infra-
estrutura nas áreas de atuação da SUDENE E SUDAM, possibilitando a integração
do Nordeste e da Amazônia, criando as condições para a implantação dos projetos
de colonização, resolvendo pendências demográficas do Nordeste brasileiro.
O decreto nº 1.164/1971 determinou como indispensáveis à segurança e ao
desenvolvimento nacional as terras devolutas situadas na faixa de 100 km de largura
em cada margem das rodovias, a serem construídas como parte do Plano
Rodoviário Nacional e do Fundo de Integração Nacional147. A rodovia
Transamazônica sustentaria os projetos integrados de colonização (PICs), um
padrão de assentamento de colonos que se distribuiriam em lotes rurais e lotes
urbanos, de acordo com o plano urbano-rural previsto pelo programa. Além das
estradas haveria os travessões, que facilitariam a interiorização com o
estabelecimento de lotes, efetivando o projeto agropecuário148.
Em 1974, foi estabelecido o programa POLAMAZÔNIA, com uma nova
proposta política de desenvolvimento regional, direcionada à empresa agropecuária
com espaços definidos para aplicação dos recursos, causando um impacto profundo
no que já existia, uma vez que “o peso dos investimentos em setores infra-
estruturais (agrovilas, agropolis e estradas) e na agropecuária alteram o padrão não
somente na ocupação do espaço, mas igualmente redireciona à economia do
extrativismo para atividades agrícolas e pecuárias”149.
O abandono do projeto de colonização provocou a espontaneidade da
ocupação e surgimento de novos núcleos, maior concentração de terras decorrentes
147
Além da Transamazônica foram construídas a Cuiabá-Santarém (BR-165) e Manaus-Boa Vista
(BR-174).
148
OLIVEIRA, et. alli., 1992; BECKER; MIRANDA E MACHADO, 1990 apud Relatório UHE Belo
Monte .
149
Relatório Estudos Sócioeconômicos/UHE Belo Monte. FADESP/ELN, Belém, 2001, p. 19.
da expulsão/expropriação de colonos assentados nos anos 1970, produzindo o
êxodo rural para as grandes cidades e do entorno (Idem, p.20). O impacto sobre as
populações indígenas foi violento, pois somado às epidemias de sarampo, gripes,
pôs em risco a sobrevivência dessas populações significando um preço muito alto
pelo progresso.
150
Resistência Waimiri/Atroari. Movimento de Apoio à Resistência Waimiri/Atroari, Itacoatiara-PA,
1983.
151
Hoje abandonaram essa designação externa assumindo suas autodenominações – Paarkatejê,
Kykãteje e Akrãkatejê – o mesmo ocorrendo com os Urubu-Kaapor, são apenas Kaapor.
Vozes se levantaram contra a política do governo surgindo entidades de apoio
à causa indígena. Como exemplo, citamos a Sociedade Brasileira de Indigenistas
(SBI) e a Secretaria Executiva das Entidades de Apoio à Luta Indígena, estudadas
por Ortolan Matos (1997). Organizações que se formaram com o intuito de influir,
denunciar e mostrar o desagravo da política do governo e dos presidentes da
FUNAI, quase todos militares. Segundo Ortolan Matos, o período de maior crise
administrativa ocorreu na administração do coronel João Carlos Nobre da Veiga, no
período de novembro de 1979 a outubro de 1981. Sua gestão foi marcada pela
demissão de 39 indigenistas e antropólogos que haviam encaminhado ao ministro
do Interior, críticas à política indigenista. A elaboração do projeto de emancipação
compulsória, com o estabelecimento de critérios de indianidade, alguns dos quais
baseados numa antropologia física de critérios somáticos e raciológicos em vigor
nos anos 1930, sofreu críticas acirradas, culminando com a não apresentação do
projeto ao Ministério do Interior (MINTER). Os critérios de indianidade tinham
endereço certo, atingir aqueles considerados integrados, esvaziando o movimento
indígena, suspendendo a proteção legal sobre grupos indígenas do leste, sul e
nordeste, cujas terras estavam no rol de interesses de grupos empresariais. Em
1980, Nobre da Veiga mediante uma portaria interministerial MINTER/FUNAI
facilitou a exploração mineral em terras indígenas por empresas estatais152.
Desde 1975, o governo, na época através do ministro do Interior, Rangel
Reis, tinha a intenção de modificar o Estatuto do Índio de tal forma que permitisse a
emancipação individual e coletiva dos grupos indígenas. Em 1978, o ministro Rangel
Reis anunciou que o presidente Geisel assinaria o decreto de emancipação que
“beneficiaria” cerca de dois mil índios. Caso tivesse sucesso tal investida, as terras
indígenas seriam abertas à exploração. Em decorrência deste fato surgiram em
diversos pontos do território nacional, as organizações de apoio à causa indígena
(ORTOLAN MATOS, 1997, p. 109-113).
Participavam da SBI indigenistas de várias tendências, simpatizantes do
regime militar e da “esquerda”. Em 1980, cerca de 33 entidades de apoio à causa
indígena se reuniram na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), em Brasília e decidiram pela fundação de uma Secretaria
Executiva das Entidades de Apoio à Luta Indígena, com objetivo de articular em
152
Ver também: Galeria da Crise Permanente/FUNAI, [199-]
nível nacional o intercâmbio com as entidades, atuando junto aos parlamentares,
com o objetivo de criar uma comissão de assuntos indígenas no Congresso
Nacional. Apesar de todo o trabalho de articulação, faltou a legitimação da
representatividade, em razão da diversidade de tendências dessas entidades e de
fatores econômicos que contribuíram para a extinção da secretaria, em 1983. O
indigenismo tornou-se, à semelhança de outros movimentos que estavam ocorrendo
naquele momento, uma forma de manifestação de insatisfação, protesto e
expressão de tendências político-partidárias.
153
Olavo Brasil considera que a posse de um presidente civil é o marco final da transição. Outros mais
puristas estabelecem como marco a Constituição de 1988, outros consideram que ela só se
completou com a posse de Collor de Melllo (1989-1990). Ver LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil.
Democracia e Instituições Políticas no Brasil dos anos 80. São Paulo: Edições Loyola, 1993, p. 25.
que o governo deu sinais de querer discutir a política indigenista, mas também
lamenta a participação insignificante dos indígenas:
154
A Comissão criada pelo deputado Mário Juruna em setembro (Res. 15/1983) tinha por
competência “ opinar sobre assistência ao índio, organismos relacionados com interesses indígenas e
relações do índio com a sociedade. Compete-lhe ainda: a) receber e investigar denúncias sobre
assuntos de interesse do índio; b)propor medidas legislativas de defesa do índio e da ecologia das
reservas indígenas; c) investigar o cumprimento de legislação de defesa do índio”.
existência das condições políticas do novo governo em fazer uma nova política
indigenista, com sugestões voltadas para a demarcação das terras indígenas, e
criação de um Ministério de Recursos Naturais e Assuntos Indígenas que
associasse a defesa eficiente dos direitos indígenas à conservação de recursos
naturais indispensáveis às necessidades futuras do país. Outro ponto interessante
foi a exigência quanto a urgência na aprovação e promulgação da Lei Juruna, que
regulava o direito indígena a representação e participação na FUNAI155.
O documento “Princípios Gerais Para Uma Nova Política Indigenista”, de
fevereiro de 1985, elaborada por uma equipe de representantes dessas
organizações indigenistas, é um registro importante de uma demanda que está em
compasso de espera até o presente momento. Apresentado em quatro princípios
básicos, o documento preconizava que a “integração à comunhão nacional” (lei
6001/73, Art. 1º) fosse entendida a partir de uma perspectiva política de base
científica, não como assimilação, mas articulação de povos organicamente
integrados, mas não homogeneizado, onde o diferente permanece apesar de
pertencer a um conjunto social que é maior e o transcende. O quarto ponto
conclamava a urgência da garantia da representatividade política dos indígenas, que
mesmo operando politicamente no país enquanto unidades políticas, não eram
reconhecidas em estrutura legal, bem como, lhes eram negadas o acesso à
participação nos processos decisórios.
O debate sobre a questão indígena que teve lugar durante os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte (ANC), revelaram de forma mais nítida um
problema antigo da relação índios/Estado Nacional, que assumiu várias traduções
ao longo da história, civilizado x não civilizado; brancos x índios. Enfim, oposições
ideológicas que serviram de estofo para decisões políticas de várias ordens, assim
como um dos ingredientes para a construção da ideologia da harmonia racial que
mascarou esses conflitos (DAMATTA, 1990; FREYRE, 1933; GUIMARÃES, 2001).
Recusando a integração onde a assimilação apontava para a dissolução de
sua identidade indígena, fosse como índios genéricos resultantes do processo de
transfiguração étnica (RIBEIRO, 1970), como partícipes de um sistema de
dominação/submissão (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1967, 1978), as lideranças
indígenas que participaram da ANC começaram a revelar mecanismos de
155
CARTA DO MUSEU DO ÍNDIO. Coletânea de documentos do Instituto Nacional de Estudos
Sócioeconômicos-INESC/Coordenação de Assuntos Indígenas, Brasília, 1985.
resistência (OLIVEIRA FILHO, 1988), através de articulações com diferentes atores
estatais, não estatais; da presença de suas lideranças no espaço da Constituinte
cujo jogo político se fazia entre índios, movimento dos pró-índios e movimento dos
parlamentares pró e contra os índios (LINS DE ARAUJO, 1992)156.
Paralelo a esses acontecimentos, circulavam em 1985 duas propostas para
reestruturação da FUNAI, oriundas do Encontro de Delegados da FUNAI (maio,
1985), e o documento de Porto Velho-RO definido pelo jornal Porã-Duba
(FUNAI/BSB, 1985), como “proposta de reestruturação e manifesto político contra os
‘falsos indigenistas’ que manipulavam os índios com vistas ao poder”. Fica visível
nos documentos que, pela análise dos técnicos, os problemas administrativos como,
por exemplo, mudança de presidentes, não resolvia questões cruciais de uma
administração onde o poder de decisão se centralizava num só local e as unidades
regionais não tinham autonomia para resolver problemas que demandavam
respostas muitas vezes urgentes, e geravam o descrédito da instituição tanto por
índios quanto por grupos da sociedade envolvente. Como reflexo do modelo de
administração, o documento registra que:
[...] a violação dos direitos dos índios tem-se mostrado tão alarmante que os
organismos internacionais, vêm condicionando a liberação de
financiamentos governamentais a um mínimo de atenção e respeito ao
problema das terras indígenas (Relatório Final do Encontro dos Delegados,
maio/85).
156
A tese de doutoramento de Gilda Lins de Araujo, analisa o discurso de três índios com diferentes
níveis de educação formal (Dep. Mario Juruna e Ailton Krenak) e sem educação formal (Cacique
Raoni). A análise revelou que os discursos foram pronunciados o mais eficazmente quanto o faz
aquele que os discrimina; foi veículo de identificação do que é ser índio; instrumentos através dos
quais as divergências foram apontadas e conciliadas; mostrou a diferença entre os dois mundos;
serviu para mediar os conflitos e conciliar os opostos. Finalmente demonstrou a necessidade de criar
condições para a compreensão intercultural, respeitando o idioleto ou sua forma de expressão em
português. A autora recomenda uma política de ensino coerente com a situação multilinguística que
prepondera no país. LINS DE ARAUJO, Gilda. O Discurso do Índio. Subsídios para a comunicação
intercultural. Tese de doutoramento, 2 vols. São Paulo: USP, 1992.
4. 4. A Constituição de 1988: índios e o órgão indigenista
157
As reformas realizadas no Governo FHC são analisadas por Délio Eduardo da Silva em
correspondência direta com o Plano Real. Relativo às instituições o autor conclui falando sobre a
prostração, desintegração do sentimento de soberania e comprometimento da cidadania. Ver: SILVA,
Délio Eduardo da. A Reforma do Estado no Governo FHC (1995-2002). Tese de doutoramento em
Sociologia. UNB, Janeiro, 2003.
Paralelo a esses acontecimentos nacionais, diversos debates sobre direitos
humanos e povos autóctones estavam sendo travados na comunidade internacional
e produziram efeitos sobre a instituição indigenista e demais assuntos indígenas.
163
A Constituição de 1988 apresenta um desenho institucional de um Estado inspirado no padrão de
“democracia associativa”, como um conjunto de instituições que atuam sobre o ambiente associativo
para estimular a agregação de interesses de modo condizente com as normas (democráticas)
advindas da soberania popular como gênero. Uma democracia promotora (e não apenas receptora)
da organização de interesses. Tal desenho enfraquece, num contexto relativamente imune, grupos de
interesse predatórios (COHEN e ROGERS, 1994; HIRST, 1994, apud VIANNA LOPES, 2000, p. 1-
30).
4.4.3 O Movimento indígena: as políticas indígenas como resposta às ações do
Estado e da sociedade.
168
Sobre a produção de dissertações e teses em Educação Indígena, ver: CAPACLA, Marta Valéria.
O debate sobre educação indígena no Brasil (1975-1995). MEC/MARI-USP. Brasília/São Paulo, 1995.
169
MONTE, Nietta Lindenberg. Política Pública e Educação Escolar no Brasil. In: SECCHI, Darci
(Org.). Anais da Conferência Ameríndia de Educação. Cuiabá: Secretaria de Estado de
Educação/Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso, 1998, p. 71.
direitos sociais presentes nas Constituições dos países latino-americanos, em
documentos de organismos internacionais, como a OEA, ONU, em ações
promovidas pela UNESCO, assim como se tornou objeto de políticas públicas,
exigindo reformas administrativas no setor de educação nesses países.
A Constituição, ao garantir aos indígenas, no artigo 210, parágrafo 2°, o uso
de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, atribuindo ao
Estado a responsabilidade de proteger as manifestações das culturas indígenas,
definiu novas relações do Estado com os povos indígenas. As transferências de
ações políticas antes sob a responsabilidade exclusiva da FUNAI para outros
ministérios, em razão da reforma Collor, se refletiram na relação histórica entre a
Fundação e indígenas. O decreto 26/91 em seu artigo 1 º, atribuiu ao MEC a
coordenação das ações sobre a educação indígena, ouvida a FUNAI, e o artigo 2°
atribuiu às secretarias estaduais e municipais de Educação a execução das ações.
As primeiras tarefas do Ministério da Educação foram reunir todas as
informações disponíveis sobre o tema, criar um cadastro de especialistas em sua
grande maioria participantes dos encontros da década de 1970, e formar um quadro
da situação educacional indígena do país. A execução das tarefas relativas a política
que se implantava requeria a criação de uma instância no MEC para essas tarefas, o
que foi feito pelo Comitê de Educação Escolar Indígena, instituído pela portaria n°.
559/91.
O comitê era formado por representantes de instituições de governo,
associações científicas, organizações não governamentais e representantes
indígenas por região. A decisão de um representante indígena por região, contribuiu
para expressão de alguns grupos, mas por outro lado criou a nosso ver algumas
distorções, pois nem sempre o representante conseguia traduzir a complexidade
dessa representação, por não conhecer os problemas específicos da região e dos
grupos que representava como era o caso da região Norte170. Além do Comitê, a
portaria n°. 559/91 orientava a criação de Núcleos de Educação Escolar
Indígena/NEI nas secretarias de Educação, para apoiar e assessorar as escolas
indígenas. O processo legislativo requeria pressa na formação de professores
índios, se amparando em algumas iniciativas exemplares realizadas principalmente
170
A escolha/indicação de representantes sofria também a influência de entidades, por exemplo, nas
regiões onde projetos estavam se desenvolvendo, os grupos dessas regiões tinham melhores
condições de trânsito do que os grupos de regiões remotas sem a presença de projetos envolvendo
indígenas.
por ONGs desde o final dos anos 70 do século XX, porém a iniciativa esbarrava em
entraves políticos e administrativos. A primeira delas representada pela estrutura
interna das secretarias estaduais ou municipais, que teriam que se adaptar à
exigência do MEC e a dificuldade em cumpri-la. Por exemplo, as orientações
técnicas e gerenciais até então eram semelhantes tanto para as escolas urbanas
quanto indígenas, gerando tensão entre os núcleos de educação indígena (NEI) e os
demais setores das secretarias, por passarem a exigir encaminhamentos e
respostas às demandas das populações, onde já existiam escolas e onde teriam que
ser implantadas.
O processo de criação desses núcleos nas secretarias de educação, sua
manutenção ou extinção, é um capítulo à parte na história da educação indígena,
por ser um termômetro do federalismo brasileiro, onde o antagonismo regional entre
atores indígenas e não indígenas, o impacto das mudanças no comportamento das
instituições e dos atores, o processo de organização do movimento indígena e de
aliados para implantar e fazer funcionar os núcleos nos estados ou municípios, as
reformas administrativas estaduais e o partidarismo político podem revelar como o
estado brasileiro lida com a diversidade171.
O caso do NEI-Amapá apresentado por Valadares e Maciel (1996) explica os
problemas de competência administrativa do núcleo, pela rigidez da máquina
burocrática da secretaria, enquanto Silva Lima (1996) aponta a instalação do NEI em
Roraima como possuidor de duplo aspecto - de um lado, a resistência indígena em
favor de seus direitos, de outro o “monitoramento da luta indígena por parte do
governo” à época (1986), ainda Território de Roraima172. Outro entrave na gestão
dessa política está relacionado à carência de pessoal especializado para por em
prática a política do MEC nos estados e municípios, uma situação que ainda está
171
Celina Souza chama atenção que a CF/88 desenhou uma ordem institucional e federativa distinta
da anterior em razão da legitimação da democracia, os constituintes optaram por duas estratégias de
construção: a abertura para a participação popular e societal e o compromisso com a
descentralização tributária para estados e municípios. Da primeira estratégia resultou uma engenharia
constitucional em que prevaleceu a busca de consenso e a incorporação das demandas de minorias,
e a segunda moldou um novo federalismo pela emergência de novos atores no cenário político e
existência de vários centros de poder que competem entre si. Ver: SOUZA, Celina. Federalismo e
Descentralização na Constituição de 1988: processo decisório, conflitos e alianças (2001)
172
Sobre a criação dos NEI nas Secretarias, ver: SILVA LIMA, José Nagib da. Educação Indígena de
Roraima: Rumo à Constituição do Núcleo de Educação Indígena. In ASSIS, Eneida Corrêa de (Org.).
Educação Indígena na Amazônia: Experiências e perspectivas. Belém: Associação de Universidades
Amazônicas/UFPA, 1996; VALADARES, Simoni Maria Benício e MACIEL, Iraguacema Lima. Núcleo
de Educação Indígena: um estudo de caso. In ASSIS, Eneida Corrêa de (Org.). Educação Indígena
na Amazônia: Experiências e perspectivas. Belém: Associação de Universidades Amazônicas/UFPA,
1996.
longe de ser resolvida. Naquele momento, as pessoas designadas para a execução
dessas tarefas mesmo em nível estadual, não possuíam informações sobre a
situação indígena, a especificidade da educação indígena, onde encontrar os
poucos especialistas, em suma, o mapa social para desenvolver um trabalho dessa
natureza. Tais lacunas tinham várias origens: ausência no currículo de assuntos
indígenas atuais no ensino público, produção acadêmica limitada sobre o tema e
inadequada ao uso didático convencional; ausência de debate sobre a situação atual
dos índios brasileiros, pois seu espaço nos meios de comunicação acontecia em
casos de tragédias, críticas ou exotismos.
Este quadro sofreu poucas alterações, pela forma como a política de
educação indígena foi conduzida que expressa de certa forma, o federalismo com
maior ou menor centralismo; a necessidade de compreender o impacto que a
municipalização exerceu sobre as instituições municipais, revelando a falta de
aparelhamento e de recursos humanos locais. Quanto às associações indígenas,
além de perseguir os objetivos para os quais foram criadas, a defesa de seus
direitos, também passaram a ser responsáveis pelas ações de educação (e saúde)
mediante convênios, como ocorreu em alguns locais, induzindo-as à burocratização.
Ao refletir sobre a criação de instituições, Putman (1996) afirma que criar uma
instituição política não é tarefa fácil e não se podem avaliar os efeitos sobre a cultura
e comportamento em anos, mas em décadas.
O tracejamento da política de educação escolar indígena veio através do
documento, Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC,
1993) elaborado pelo comitê. O documento traduz princípios que vinham sendo
discutidos por especialistas ligados à questão indígena, pelo movimento indígena e
também pela agência indigenista: interculturalidade, bilingüísmo, especificidade e
diferenciação. Entendemos o conceito de interculturalidade como a busca de
equilíbrio da relação entre as culturas, uma aspiração da democracia em razão do
papel político do relativismo cultural. Paillalef (1997) o considera como a capacidade
de uma pessoa compreender o outro seja a linguagem, os signos lingüísticos, os
significados próprios de seu interlocutor, sem que este processo comunicativo
constitua uma tradução. Para Susana Guimarães (2002) é um avanço conceitual,
pois redefine a escola como espaço de diálogo entre as culturas e não como
aparelho de civilização do bárbaro, um processo de inter-relação entre as culturas.
Comentando os demais princípios do documento, alerta que a especificidade e
diferenciação têm relação com a existência da diversidade étnica e cultural das
sociedades indígenas brasileiras. Quanto ao bilingüismo, existe uma situação
sociolingüística complexa vivida por essas populações que justifica a educação
escolar necessariamente bilíngüe,
Gilvan Oliveira (2000) analisando a situação dos índios que vivem nas
cidades na condição de índio urbano, categoria que define aqueles que residem nas
cidades e índios citadinos, aqueles que embora não fixados de forma permanente
passam longos períodos no meio urbano em situação de transumância estável,
opina que em determinadas cidades são criadas condições de plurilingüísmo,
exigindo que as políticas de educação sejam estendidas a essas populações. Para
ele a cidade é o novo território de luta174.
Entre 1995-2002, a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas
(CGAEI)/Secretaria de Ensino Fundamental (SEF)/MEC, teve papel importante no
desenvolvimento das ações de educação indígena175. A formalização da educação
indígena foi feita nas Leis Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDB/1996 que
reconheceu a educação indígena como integrante do sistema nacional de ensino e
fixou as bases das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Indígena (1996)
e do Comitê Nacional de Educação Indígena. Conhecida também como Lei Darcy
Ribeiro, n°. 9.394/96, contemplou a educação indígena em diferentes pontos dos
quais o artigo 32, parágrafo 3º , “Assegura às comunidades indígenas a utilização de
suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”; os artigos 78 e 79
define as disposições legais para o estabelecimento deste modelo de educação:
Uma das metas apontadas pela LDB era o envio ao Congresso Nacional de
um Plano Nacional de Educação (PNE) elaborado em 1997, na qual deveria ser
contemplada a educação indígena, tarefa que o MEC atribuiu ao Instituto Nacional
de Pesquisa/INEP, que recomendou a estadualização das políticas educacionais
indígenas, como o modo mais adequado de implantação, além de indicar que os
estados deveriam estabelecer convênios com municípios, organizações indígenas e
sociedade civil177. O plano foi sancionado pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso, por meio da lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001.
No avanço da legislação, o parecer n°. 14/99 referente às Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, caracterizou a situação em
que se encontravam as escolas destinadas aos índios, apontando uma pluralidade
de situações adversas para a implantação de uma política nacional que assegurasse
a especificidade pleiteada. Para isso, foi necessária a criação da categoria “Escola
Indígena” nos sistemas de ensino do país, garantindo-lhes autonomia quanto aos
seus projetos pedagógicos e uso de recursos financeiros públicos para sua
manutenção. O relator finaliza seu parecer alertando que as agências
governamentais devem promover as adequações institucionais e legais necessárias
para garantir a implementação dessa política, assegurando a educação diferenciada
e o respeito ao universo sócio-cultural dos povos indígenas de acordo com o decreto
n°. 1.904/96 que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos178.
Em 1999, a resolução n°. 03/1999 da Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação (CEB), fixou as diretrizes nacionais para o
funcionamento das escolas indígenas e estabeleceu outras providências. Seu artigo
1º explicita:
176
O parágrafo 2º deste artigo discrimina os objetivos dos programas citados.
177
BRASIL. O Governo Brasileiro e a Educação Escolar Indígena 1995 – 1998. MEC/Secretaria de
Ensino Fundamental, Brasília, 1998.
178
Parecer 14/99 – Relator Kuno Paulo Rhoden, S. J. (Pe.)
Estabelecer no âmbito da educação básica, a estrutura e funcionamento das
Escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas e
ordenamento jurídico próprios, e fixando as diretrizes curriculares do ensino
intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das culturas dos povos
indígenas, e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.
(Resolução n°. 03/1999 - Art. 1°.)
90000
74931
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
1392 3058 3998
10000
0
Alunos Estudantes Escolas Total de Total de
matriculados índios indígenas professores de professores
origem
indígenas
90000
80000
70000
60000
50000
40000
30000 19371
14152
20000 12369
10000 2025
0
Educação de Ensino Médio 5ª a 8ª Série 1ª a 4ª Série Educação
Jovens e Infantil
Adultos
183
A jurisdição da FUNAI/Altamira (AERALTA) se estende, além de Altamira, aos seguintes
municípios: Senador José Porfírio e São Félix do Xingu. Alguns grupos são monolíngues em
português ou na língua materna, outros apresentam diferentes níveis de bilinguísmo, ou seja, maior
ou menor domínio do português.
184
Os professores de Altamira pertencem ou pertenceram ao CIMI, as Missões Protestantes ou à
FUNAI. Existem também contratados pela Prefeitura e sem experiência. Não existem professores
indígenas.
Dirce J. de Souza, apresentou sua experiência entre os Xikrin do Rio Bacajá
(Altamira), em um texto inédito intitulado “As aulas: uma tentativa de acertar”, onde
descreveu as estratégias de uma professora sem domínio da língua do grupo, numa
escola de aldeia, e para contornar sua deficiência fez uso de letras de músicas xikrin
como forma de alfabetização; realizou levantamento de informações junto com os
alunos sobre a flora e fauna local para o ensino de ciências; usou o desenho da
silhueta do aluno por algum colega sobre uma grande folha de papel como meio de
explicação sobre o corpo humano; usou desenhos para produção de histórias (que
só funcionou com crianças) e do correio mediante a troca de cartas e bilhetes para
os jovens. Essas atividades, segundo Dirce, funcionaram como uma forma do
professor também aprender a língua do grupo. Alerta que esse procedimento não
pode ser estendido para outros grupos, pois a percepção da escola varia. Para
alguns, a escola é vista como etapas a serem vencidas exigindo seriação; para
outros o ato de escrever seu nome numa caligrafia bem elaborada ou a dedicar-se a
uma determinada letra, como foi o caso de uma mulher Parakanã (Altamira), que
aprimorou o desenho da letra “a” e isso a contentou, pode significar que a educação
escolar está terminada185.
Enquanto o esforço para a criação da legislação escolar foi voltado para o
ensino fundamental, o prosseguimento da escolarização mediante o ensino médio
não recebeu o mesmo tratamento. Uma situação que não é nova. Durante a
pesquisa realizada entre os povos indígenas da Reserva do Uaçá-Oiapoque/AP para
efeito de nossa dissertação de Mestrado (1980) observamos que alguns professores
permitiam que os alunos que haviam terminado a 4ª série repetissem o ano escolar
introduzindo assuntos da 5ª série para que eles não abandonassem a escola, uma
prática viável para alunos na faixa dos 14 anos, pois ao completar 15 anos já haviam
demonstrado as competências exigidas dessa fase (trabalho na roça, arpoar um
peixe grande nas cachoeiras, caçar sozinho etc.), estando aptos para o casamento,
o que significava a saída definitiva da escola. Aqueles que pretenderam seguir seus
estudos foram estudar nas escolas dos centros urbanos mais próximos, por conta
própria ou com ajuda dos programas de auxílio promovidos pela FUNAI, muitos
185
Dirce José de Souza é graduada em Ciências Sociais pela UFPA/Campus de Altamira,
transformando sua experiência em Monografia de Graduação em Ciências Sociais, ênfase em
Antropologia, cujo título “Educação Escolar Indígena: Problemas e perspectivas da escola Bacajá”
(2000) faz parte dos poucos documentos do cotidiano dos professores de escolas em terras
indígenas do Estado do Pará. Continua trabalhando com os Xikrin onde desenvolve um projeto de
educação escolar indígena.
alunos dessa geração estão ocupando cargos como chefes de posto,
administradores, agentes de saúde, presidentes de associações indígenas, ou são
graduados em nível superior. Na maioria dos grupos indígenas, em razão da
valorização que a educação escolar passou a ter, há cada vez mais exigência de
instalação do ensino médio nas aldeias.
Em outubro de 2003 foi realizado o seminário “Políticas de Ensino Médio para
os Povos Indígenas” promovido pela Diretoria de Ensino Médio da Secretaria de
Educação Média e Tecnológica-SEMTEC/MEC em Brasília com a presença de
instituições governamentais como FUNAI, Conselho Nacional de Educação (CNE),
FUNASA, representantes de secretarias de Educação e representantes Indígenas,
com o intuito de discutir uma política para o Ensino Médio. Segundo os anais do
seminário (2003), houve uma audiência pública no Conselho Nacional de
Educação/CNE, onde representantes indígenas apresentaram reivindicações para o
cumprimento da legislação referente à oferta de educação básica em todos os
níveis, diante da qual a SEMTEC assumiu o compromisso de incorporar na pauta
das políticas educacionais a educação escolar indígena. Apesar da existência do
Programa Diversidade na Universidade (lei n° 10.558 – 13/11/2002, Congresso
Nacional), os representantes indígenas argumentaram que este não atendia às
necessidades indígenas mesmo carregando a imagem e citando os povos
indígenas. Para Marise Nogueira Ramos, diretora de Ensino Médio da
SEMTEC/MEC, o programa tem limitações, mas pode ser visto como estratégia para
realizar ações e buscar aporte financeiro para realizá-lo. Kleber de Matos Gesteira,
coordenador geral de Educação Escolar Indígena, ressaltou que a nova política do
MEC articula os três níveis - fundamental, médio, e superior -, estando em vista uma
política de inclusão em parceria com o Conselho Nacional de Professores Indígenas
(CNPI) e demais organizações indígenas, no intuito de garantir o controle da política
pública na educação escolar.
Os temas do seminário favorecem o olhar da diversidade que o assunto
incorpora, mas apresentam ausências representativas de grupos especialmente do
Pará e Amapá. Na discussão do Tema 1, intitulado “Levantamento das Experiências
do Ensino Médio Vividas Pelos Diversos Povos Indígenas”, ficou evidente a
existência de experiências dos povos indígenas relativo ao ensino médio, bem como
a ausência, pela demanda exígua, pela falta de professores indígenas, pela
diversidade dentro de uma mesma área gerando situações no mínimo pitorescas,
como relatada por Magno da Silva, representante Kurâ-Bakairi (MT), área que
administrativamente envolve a etnia Xavante, cujo território se estende ao Xingu:
[...] antigamente, para sair de uma aldeia para outra do mesmo rio, ele se
orientava através da floragem. Diziam: ’quando estiverem saindo os frutos
eu estarei chegando’. [...] um conhecimento cientifico daquele povo que é
atropelado. [...] a gente pretende fazer um manejo das espécies animais, [...]
de que maneira vamos fazer esse manejo se não identificamos uma
queixada, um veado que está levando um filhote no ventre? Antes havia um
conhecimento de que tal espécie estaria no período de fecundação quando
determinada árvore estivesse com seus frutos maduros. Então, são formas
que temos que aprofundar neste Ensino Médio [...] (ISAAC PINHATA, 2003)
189
SOUZA LIMA (2005) informa que algumas universidades como as Federais de Minas Gerais e
Espírito Santo tentaram iniciar cursos dessa natureza sem sucesso. Em Mato grosso do Sul, a
Universidade de Grande Dourados/UNIGRAN, a Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul/UEMS e a Católica Dom Bosco através do Programa de Mestrado de Desenvolvimento Local
mantêm o Programa Kayowá-Guarani com ações para o ensino superior indígena. A Pontificia
Universidade Católica de São Paulo/PUC mantém um Programa para indígenas Pankararu migrados
do nordeste que vivem em São Paulo. As Bolsas são pagas pela FUNAI aproximadamente a 1.000
estudantes em universidades particulares pois eles tem dificuldades de acesso às universidades
federais. Cf. SOUZA LIMA, Antônio Carlos et alli. Notas sobre os antecedentes históricos das idéias
de “etnodesenvolvimeto” e de “acesso de indígenas ao ensino superior”. LACED/MN/UFRJ, 2005.
www.laced.mn.ufrj.br
190
Outras políticas com o caráter de garantir o acesso, permanência e sucesso dos estudantes
indígenas nos cursos de graduação são os Programas Universidade Para Todos (PROUNI)/ MP 213
de 10 de setembro de 2004 e Programa de Formação Superior e Licenciatura para Indígenas
(PROLIND).
aos projetos e demais iniciativas coletivas. A existência do GT, resultado da
reivindicação da nascente Comissão de Educação Escolar Indígena do Pará
(novembro/2004), formada por representantes indígenas (lideranças e alguns
professores), com apoio da Coordenação Geral de Educação/CGE/ FUNAI-Brasília,
é uma demonstração da política de parceria, pela qual o órgão indigenista procura
exercer outros papéis, o de parceiro ou mediador das ações entre povos indígenas e
o Estado191. No Pará as iniciativas em educação indígena tiveram a participação da
SEDUC, FUNAI e UFPA192, podendo ser consideradas tímidas em razão da
descontinuidade das ações, inexistência de uma política de Formação de
Professores, que garantisse a manutenção e ampliação de parcerias como ocorreu
em outras unidades regionais. Os Quadros a seguir fornecem uma síntese das
ações onde a SEDUC foi a principal mentora.
DEPG
1989 Escola Indígena R.C Parkatêjé – 5ª a 8ª séries (Programa de
educação que durou 05 anos)
DEPG
1989 a 1994 Assurini, Anambé, Parkatêjé, Tembé (Guamá,
Turé, Mariquita), Suruí,
Kaiypó, Xikrin, Programa Etnoeducação/UFPA (Capacitação)
DENF
1996 Atendimento (Capacitação e contrato para professores índios e
não índios) implementação do Ensino Fundamental
191
A discussão sobre educação indígena no âmbito da UFPA se fez em três períodos: 1991-96 com o
2004 Capacitação Continuada e Formação de professores Wai Wai e
Programa em Etnoeducação; 2002 com a criação de um Grupo de Estudos transformado em 2004
Munduruku
em Núcleo de Estudos sobre Populações Indígenas/NEPI; em 2004 com o Seminário sobre
Diversidade sob a responsabilidade dos Profs. Celso Vaz (Ciência Política) e Sônia Santos (Centro de
Educação), que provocou o debate da emergência do Ensino
Capacitação Superior
continuada Indígena.
e formação de professores Wai Wai,
192 2005
Entre 1991-1996 foi desenvolvido o Programa em Etnoeducação Munduruku e Tembé.com a SEDUC e
em parceria
FUNAI-Belém.
Quadro 1 – Ações e parcerias
Fonte: Coordenação de Educação Inclusiva/SEDUC/PA, 2005.
DEMANDA DE
DEMANDA DE DEMANDA DE
TOTAL DE ALUNOS PARA
PÓLO DE ALUNOS PARA ALUNOS PARA
ALUNOS/CENSO FORMAÇÃO DE
ATENDIMENTO 5ª A 8ª ENSINO MÉDIO
2004 PROFESSORES/
SÉRIES/2005 REGULAR/ 2005
MÉDIO NORMAL
Jacareacang 3195 502 218 59
Altamira 852 90 - -
Redenção 1016 136 - -
Marabá 1176 162 17 -
Oriximiná 416 119 - -
Belém 824 137 - 16
Total Geral 7479 1146 235 75
Quadro 2 – Alunos indígenas em 2004 e demandas para o ano 2005.
Fonte: MEC/INEP/SEDUC – PA – Censo Escolar 2004 (dados elementares)
ESCOLARIDADE
POVO N° Total de
Fundamental Médio Superior
Professores
Munduruku - 38* - 38
Wai Wai - 38*** - 38
Parkatêjé 01** - 06*** 07
Xikrin 03** - - 03
Suruí 02** - - 02
Anambé 01** - - 01
Asurini 03** - - 03
Kayapó 01** - - 01
Tembé - - - -
Guarani 01** - - 01
Xipaya - - - -
Karajá - - - -
Kykatêjé 03** 01 - 04
Total Geral 15 77 06 98
Quadro 3 – Nível de escolaridade diferenciada dos professores/2004
Fonte: SEDUC/SAEN – Coordenação de Educação Inclusiva/Educação Indígena
* Concluído
** Fundamental Incompleto
*** Cursando
35000
31079
30000
25000
20000
15000
10000
5000 3449
2098
476 50 136
0
Não- Parda Negra Indígena Branca Amarela
informada
193
Sobre a presença de famílias indígenas em Belém há um levantamento preliminar feito pelo CIMI
Regional Norte II; uma pesquisa iniciada por Laura Saré Ximenes Ponte (UFPA) em 2005. Não há
informações sobre as etnias as quais pertencem os alunos da UFPA.
Gráfico 3 – Número de alunos por cor na UFPA – 2005.
Fonte: Elaborado a partir de dados do Sistema de Controle Acadêmico da UFPA.
196
Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Revista Mensageiro, Maio-Junho, edição N°. 151/2005.
6.1 Os Direitos Originários
[...] os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são
na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes fazer
molestia ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas
vontades das capitanias e lugares que lhes forem ordenados, salvo quando
elles livremente o quizerem fazer. [...] (Carta Régia, 10.09.1611, In: CUNHA,
1987, p. 58).
[...] E para que os ditos Gentios, que assim descerem, e os mais, que há de
presente, melhor se conservem nas aldeias: hey por bem que senhores de
suas fazendas como o são no Sertão sem lhe poderem ser tomadas, nem
sobre ellas se lhe fazer molestia. E o Governador com parecer dos ditos
Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes
para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos
lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo
algum das ditas terras, que ainda estejão dadas em Sesmarias e pessoas
particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de
terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o
prejuízo, e direito dos Índios, primarios e naturaes senhores dellas” (Alvará
de 1.4. 1680. In: CUNHA, 1987, p. 59, grifo meu).
Esse direito foi confirmado pela lei pombalina de 6 de junho de 1755, firmando
o principio de que nas terras outorgadas a particulares “seria sempre reservado o
direito dos índios, primarios e naturaes senhores dellas” (AFONSO DA SILVA, 1999,
p.783, grifo meu). Manuela Carneiro da Cunha (1987, p. 63) comenta ainda, que
mesmo Dom João VI “o mais antiindígena dos legisladores” reconheceu a primazia
dos índios sobre as terras dos aldeamentos e de suas terras originais, como a lei de
8 de julho de 1819, que estabelecia que se deveriam demarcar terras de novos
aldeamentos “nos lugares em que se achão arranchados, pela preferência que
devem ter nas sobreditas terras”.
Linhares (1998) chama atenção que até a Carta Outorgada de 1824, as terras
pertenceram à Coroa Portuguesa e a partir dela foi confirmada o acesso pleno às
terras por parte dos sesmeiros, com direito ao usufruto e a obrigação de cultivá-las.
Por não existir nenhuma lei que ordenasse sua aquisição, a ocupação da terra era a
forma de obtenção. Em termos jurídicos, a terra não era considerada mercadoria.
Quanto aos índios, a Constituição foi omissa apesar da presença de uma “Comissão
de Colonisação e Cathechisação” na Constituinte de 1823, que recebeu em 17 de
junho o projeto de José Bonifácio de Andrada e Silva, “Apontamentos para a
Civilização dos Índios Bárbaros do Império do Brasil”.
Durante a Constituinte, o debate entre o deputado Montesuma, que afirmava
que os índios não eram brasileiros, e os deputados Moniz Tavares, que defendia a
proteção das terras que ainda restaram aos indígenas, e José Bonifácio com o
mesmo ponto de vista, fornece uma idéia do clima político daquele momento. Souza
Filho (1998) considera que, sob o ponto de vista político, a Constituição de 1824,
apesar do silêncio relativo aos indígenas, não significou que houve extinção de seus
direitos, nem dúvidas sobre o direito de propriedade dos sesmeiros sobre as terras.
A lei n° 601, de 1850, conhecida como Lei de Terras, estabeleceu que
somente com a posse de títulos legais era possível aos posseiros hipotecar ou
alienar a terra, dar a terra um novo significado, um bem de mercado (idem, 1998).
Relativo aos índios, o artigo 12 da lei determinava a reserva de terras para a
colonização pelos mesmos; no artigo 14, o governo ficava autorizado a vender as
terras devolutas.
Fazendo jus a esse dispositivo, logo em seguida foi publicada uma decisão do
Ministério do Império:
1824 Omissa
197
O Estatuto do Índio elaborado durante o Governo Militar não contou com a participação da
sociedade civil refletindo o estado político do país, assunto melhor discutido no Capítulo III deste
trabalho.
38, a regulação das formas e defesa das terras indígenas. A orientação presente no
artigo 17 reflete o espírito da Lei: Art. 17. Reputam-se terras indígenas:
Ocupadas
Unidade administrativa
Territórios Federais subordinada à União
198
Atualmente a formação dos GTs se rege pelas normas do Decreto n°1775/96 cabendo a FUNAI a
responsabilidade do procedimento demarcatório, podendo existir contratação temporária de
antropólogos ou outros profissionais fora dos quadros da instituição.
1998, na condição de membro do GT Amanayé coordenado por esta autora, fornece
uma idéia do novo papel assumido pelo representante indígena nessa tarefa:
[...] reunião com o povo amanayé para tratar dos seguintes assuntos: 1)
Qual o papel do GT e a importância da disponibilidade da comunidade para
as informações solicitadas pelo GT; 2) Importância da participação dos
Amanayé em acompanhar a identificação e delimitação das áreas,
informando sobre a área que ocupam; 3) Qual o papel da FUNAI como
órgão do Governo Federal para assistência dos povos indígenas; 4) Qual o
papel da AMTAPAMA neste trabalho; 5) Quais os cuidados que devemos
tomar para garantir o tamanho e a proteção de nossas áreas; 6) Política
governamental: o decreto 1775/96; 7) Duração do processo de
identificação. OBS.: É importante frisar que estes assuntos foram repetidos
diversas vezes por solicitação das comunidades. (PINA TEMBÉ.
RELATÓRIO DO GT AMANAYÉ. Belém: FUNAI, 1998).
199
Programas financiados pelo Banco Mundial, Banco alemão Kreditanstalt fur Wiederaufbau (KfW),
com acompanhamento local da Sociedade Alemã de Cooperação Técnica (GTZ).
cerca de 30 terras indígenas, além da contribuição para a melhoria técnica do órgão
indigenista. Uma das conseqüências dessas mudanças foi o aumento de
solicitações para o reconhecimento de novas terras em razão também da retomada
da identidade por diversos grupos, alguns considerados extintos, como foi o caso
dos Amanayé do rio Capim/PA. Ao lado do crescimento de solicitações por
demarcações, houve também o crescimento de campanhas contrárias às
demarcações, postas em práticas no Congresso Nacional através de Propostas de
Emenda Constitucional (PECs), como a do Senador Mozarildo Cavalcanti da
bancada de Roraima, ou mais recentemente o projeto de lei do Senado (PLS) n°
188/2004, de autoria do Senador Delcídio Amaral, propondo que os procedimentos
de demarcação sejam submetidos ao julgamento político do Congresso.
Os interessados em embargar os processos fundiários, passaram a submeter
os relatórios à varredura jurídica de excelentes advogados, construindo a cultura da
contestação que finalmente teve resposta em 1996, durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso, com aprovação do decreto 1775, de 8 de janeiro de 1996, art. 2°
§ 8, que torna possível aos interessados pedir revisão retroativa da titularidade de
terras indígenas já consolidadas por decreto presidencial200.
O procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, segundo o
decreto n° 1775/96, é feito em nove fases: 1) Identificação e delimitação (segundo o
prazo da portaria): consiste no levantamento de provas que vão fundamentar a
demarcação. Ao término dos trabalhos, o GT apresenta o relatório circunstanciado à
FUNAI, caracterizando a terra indígena a ser demarcada. A portaria n° 14, de 9 de
janeiro de 1996, do ministro da Justiça, estabelece regras para a elaboração do
relatório; 2) Publicação (prazo 15 dias): torna pública a proposta de demarcação da
área, proporcionando a terceiros as informações necessárias à sua contestação; 3)
Análise (parecer, prazo de 60 dias), a FUNAI analisa e emite opinião sobre a
contestação apresentada; 5) Decisão (prazo, 30 dias): o ministro da Justiça analisa
os autos e julga sobre a procedência ou não das contestações; 6) Declaração de
ocupação (prazo anterior): reconhecimento formal dos limites da terra
tradicionalmente ocupada que está sendo demarcada; 7) Demarcação administrativa
(sem prazo): fixação de marcos nos limites determinados pela portaria declaratória;
200
Em razão do decreto n° 1775/96 a responsabilidade dos antropólogos que fazem identificações
aumentou consideravelmente, onde a interdependência da Antropologia e do Direito se torna mais
estreita, bem como consolida o reconhecimento da antropologia junto aos Poderes Executivo e
Judiciário (ARAÚJO e LEITÃO, 2002, p. 31).
8) Homologação (sem prazo): aprovação final da demarcação pelo chefe do
Executivo Federal, a homologação é publicada no Diário Oficial da União (DOU); o
decreto n° 1775/96 não prevê prazo para o presidente da República efetuar a
homologação; 9) Registro: após a publicação, a FUNAI tem 30 dias para requerer o
registro da área como terra de ocupação tradicional e bem da União, no registro
Notorial de Imóveis da Comarca respectiva e na Secretaria do Patrimônio da União.
(ASSESSORIA JURÍDICA/CIMI, 2005).
Entidades indigenistas consideram que o decreto n° 1775/96 expressa a visão
das elites, cujos interesses têm relação com a exploração dos recursos naturais,
desmentindo o discurso governamental à época da divulgação do decreto, qual seja,
tornar mais rápido o processo demarcatório. A submissão da aprovação da
demarcação pelo Conselho de Defesa Nacional é um retrocesso ainda maior do que
o decreto e a fragilização do artigo 231 da CF/1988: São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. No parágrafo 4° lê-se:
As terras que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre
elas, imprescritíveis.
201
A complementação dos limites foi feita em 1996 pelo GT que coordenamos. A TI ainda não foi
homologada e sua área original foi bastante reduzida. Novo Progresso surgiu durante a expansão das
Rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá.
Em 2003, a FUNAI fazia referência a 600 terras das quais 400 estariam
regularizadas, o CIMI202 apontava 778 terras, das quais apenas 46% estavam com
sua regularização concluída. Em 2005, o Instituto Socioambiental/ISA informava um
total de 583 terras indígenas, das quais 411 estavam na condição de declaradas,
reservadas e homologadas, perfazendo um total de 70,49% do total das terras,
como pode ser descrito no Quadro 7.
Um aspecto que hoje assume cada vez mais lugar nas discussões das
assembléias indígenas é a garantia da terra. Para isso há necessidade de decisões
políticas como as que foram apresentadas ao governo Lula, em novembro de 2002,
tais como:
Em abril de 2005, a Mobilização Indígena Nacional 204, divulgou uma carta, que
denunciava a falta de vontade do governo em regularizar a situação das terras
indígenas e do modelo de política indigenista que exclui a participação indígena. Em
razão disso, foi proposta a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista,
202
Revista mensageiro set/out, 2003.
203
Decreto n° 4.412/02, dispõe sobre a presença das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras
indígenas por expor os povos indígenas ao risco de serem vítimas de violação de direitos humanos.
204
Os indígenas acamparam na Esplanada dos Ministérios em Brasília e realizaram manifestações
por todo o Brasil.
com participação indígena e sociedade civil, com o poder de coordenação sobre as
ações desenvolvidas em outros setores do governo que tenha relação com os
assuntos indígenas. (REVISTA MENSAGEIRO, maio/junho, 2005, p. 4). Um aspecto
importante na discussão da terra tem sido a reivindicação pela garantia no
Orçamento da União de verbas destinadas às populações indígenas nos projetos de
demarcação e regularização das terras, assistência à saúde e educação indígena.
Oliveira e Lima (1998, p. 69), analisando a ação governamental da política
indigenista com base nos recursos orçamentários destinados a essas populações, e
na avaliação dessas atividades concretizadas em ações de demarcação e
regularização de terras; assistência à educação e saúde Indígena no período 1995-
1998, informam sobre as dificuldades para a avaliação de projetos governamentais,
representados pela cultura da não avaliação. Dessa forma, obstáculos burocráticos
como a possibilidade de obtenção de relatórios claros referentes a programação e
gastos para projetos específicos, e informações que esclareçam as razões da falta
de continuidade dos projetos, têm por conseqüência “uma cultura política baseada
na intuição de gestores, em inclinações ideológicas da corrente política no poder, ou
na vaidade de determinado governante, que pretende impor sua personalidade”.
Quanto à política voltada para os povos indígenas, os autores apontam a falta
de censos mais bem elaborados que permitam viabilizar indicadores precisos para a
ação efetiva, que produzem relatórios falhos sobre a real situação dessas
populações, o que talvez explique, o que acontece com o orçamento destinado para
a regularização fundiária das terras indígenas. Durante o período de 1995-1998, o
panorama orçamentário do processo demarcatório de terras indígenas apresentou
queda acentuada de recursos para essa atividade demonstrada pelos autores,
mediante um quadro demonstrativo e um gráfico de orçamento fixado e executado
(Gráfico 04), uma média de 71,98% dos recursos orçados, existindo diferenças. No
primeiro biênio, por exemplo, a execução não ultrapassou 58% desse total; no
segundo biênio, com a redução, quando o total “dos recursos autorizados no
Orçamento é reduzido em 25% em comparação com o primeiro biênio, é que a
média de execução aumentou para os 71,98% acima citados”.
25000 2 8
236
4 4
213
20000
88
15000 141
8 3
9 50 39
12 12 12
12 Fixado
Executado
10000
5000
9
302 27
47
0
1995 1996 1997 1998
205
Ver: Orçamento – 7 INESC, Ano IV, N° 7, julho, 2005.
www.inesc.org.br/conteudo/publicações/biblioteca
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