TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Reexame Necessário-Cv Nº 1.0024.12.125084-9/001
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ADDADAAAD>
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. TERMO DE
AJUSTAMENTO DE GESTÃO FIRMADO ENTRE O TRIBUNAL DE
CONTAS DO ESTADO E O GOVERNO ESTADUAL. LEI
COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 120/2011. COMPROMISSO DE
CUMPRIR METAS CONSTITUCIONAIS. ALOCAÇÃO DE RECURSOS
PARA AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE E MANUTENÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DO ENSINO. OFENSA À MORALIDADE
ADMINISTRATIVA E LEGALIDADE. VIABILIDADE DA AÇÃO. SENTENÇA
CASSADA.
- A ação popular não pode ser prematuramente extinta por ausência
de interesse processual quando, em tese, está evidenciado que o
termo de ajustamento de gestão celebrado entre o Estado de Minas
Gerais e o Tribunal de Contas Estadual ofendem os postulados da
moralidade administrativa e da legalidade, no que concerne à
definição de percentuais orçamentários destinados à saúde e
educação distintos do mínimo exigido pela Carta da República.
REEXAME NECESSÁRIO-CV Nº 1.0024.12.125084-9/001 - COMARCA
DE BELO HORIZONTE - AUTOR(ES)(A)S: ROGERIO CORREIA DE
MOURA BAPTISTA E OUTRO(A)(S), LUIZ SÁVIO DE SOUZA CRUZ -
RÉ(U)(S): ESTADO DE MINAS GERAIS
AC Ó R D ÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata
dos julgamentos, à unanimidade, em REEXAME NECESSÁRIO,
CASSAR A SENTENÇA.
DES. ALBERTO VILAS BOAS
RELATOR
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Reexame Necessário-Cv Nº 1.0024.12.125084-9/001
DES. ALBERTO VILAS BOAS (RELATOR)
VOTO
Conheço da remessa obrigatória.
Cuida-se de ação popular na qual os cidadãos
Rogério Correia de Moura Baptista e outro pleiteiam a nulidade de
Termo de Ajustamento de Gestão firmado entre o Estado de Minas
Gerais e o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais com a
finalidade de fixar os percentuais que serão gradativamente destinados
à saúde e à educação até 2014, observado o disposto nos arts 212 e
198, §§2º e 3º, CR..
Segundo a narrativa constante na inicial, o aludido
ajuste viola princípios constitucionais – notadamente a legalidade e a
moralidade – sendo certo que seus subscritores não podem flexibilizar
regras e reduzir os montantes das despesas vinculadas.
Sustenta-se que permitir que norma estadual restrinja,
em termos práticos, os recursos financeiros revertidos em prol da
melhoria da qualidade do ensino e em ações e serviços públicos de
saúde, significa reduzir o alcance de normas constitucionais federais.
Ao apreciar a inicial, o Juiz a quo rejeitou liminarmente
a inicial por considerar que não ocorreu a demonstração, na inicial, da
lesividade e da ilegalidade do termo de ajustamento, e, assim, afimrou
a ausência do interesse de agir.
Não comungo da argumentação contida na sentença,
data venia.
O art. 5º, LXXIII, CR, enfatiza que a ação popular,
dentre outros objetos, pode ser utilizada para a preservação da
moralidade administrativa, e, observa a narrativa constante da inicial, é
lícito imaginar que a postergação do cumprimento dos percentuais
relativos à saúde e educação objetivamente declinados no texto
constitucional é conduta que pode ofender esse valor.
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Por certo, o teor do acordo objeto dos autos aparenta
não aderir ao postulado da moralidade administrativa na medida em
que seu objeto vulnera preceitos constitucionais cuja leitura não permite
ambigüidade alguma e que guarda correlação com os percentuais
mínimo de aplicação do orçamento às áreas da educação pública e
saúde (arts. 198, §§ 2º e 3º e 212, CR).
Dentro desse perspectiva, não seria lícito, em princípio,
que o ajuste pudesse contornar regras objetivas do texto constitucional
e que funcionam como um mecanismo a conter eventual omissão do
administrador público, inclusive no âmbito do processo legislativo, na
definição dos percentuais orçamentários dessas áreas sensíveis à
coletividade.
Ao formalizarem o termo objeto da ação popular,
parece ser possível dizer que existiu ofensa ao postulado constitucional
da moralidade, pois
“quando a Constituição Federal
expressamente menciona a moralidade
administrativa e a eleva à qualidade de
princípio distinto da legalidade, pretende que
o primeiro princípio não se confunda com o
segundo. A moralidade administrativa é o
instrumento conferido pela Constituição
Federal aos responsáveis pelo controle da
Administração Pública a fim de que se possa
exigir da Administração, sob pena de
ilegitimidade dos atos decorrentes de
condutas imorais, comportamento que, além
de cumprir as exigências legais, seja ético
(conforme observa o ilustre Celso Antônio
Bandeira de Mello), observe padrões de boa-
fé, de honestidade, que não incorra em
desvio de finalidade etc.” – (Lucas Rocha
Furtado. Curso de Direito Administrativo. 2ª
ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p.
106/107).
E, conquanto a regra da moralidade possa associar-se
à da legalidade, a convivência de uma e outra são interdependentes,
como decidiu a Suprema Corte ao julgar a ADI nº 3.617, relativa ao
nepotismo no âmbito do Poder Judiciário e na ADI nº 3.026, sendo certo
que, nessa última, o relator enfatizou que:
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O que importa assinalar, ao considerarmos a
função do direito positivo, o direito posto pelo
Estado, é que este o põe de modo a
constituir-se a si próprio, enquanto
suprassume a sociedade civil, a ela
conferindo, concomitantemente, a forma que
a constitui.
Nessa medida, o sistema jurídico tem de
recusar a invasão a si próprio por regras
estranhas a sua eticidade mesma, advindas
das várias concepções morais ou religiosas
presentes na sociedade civil, ainda que isto
não signifique o sacrifício de valorações
éticas.
Ocorre, no entanto, que a ética do sistema
jurídico é a ética da legalidade. E não pode
ser outra, senão esta, de modo que a
afirmação pela Constituição e pela legislação
infraconstitucional, do princípio da
moralidade o situa, necessariamente, no
âmbito desta ética, ética da legalidade, que
não pode ser ultrapassada, sob pena de
dissolução do próprio sistema.
Assim, compreenderemos facilmente esteja
confinado, o questionamento da moralidade
da Administração, nos lindes do desvio de
poder ou de finalidade. Qualquer
questionamento para além desses limites
estará sendo postulado no quadro da
legalidade pura e simples. Essa
circunstância é que explica e justifica a
menção, a um e a outro, a ambos os
princípios, na Constituição e na legislação
infraconstitucional. – (ADI nº 3.026, rel. Min.
Eros Grau).
O respeito à moralidade administrativa deve ser
qualificado como elemento subjacente à legitimidade e validade
constitucional dos atos que emanam do Estado, e, assim, a celebração
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do ajuster, ao lado de ser o reconhecimento de que o Poder Executivo
Estadual pode não ter cumprido com as determinações feitas pela
Constituição quanto aos percentuais aplicáveis à saúde e educação,
implica em afirmar, em tese, que interesse público estaria sendo
cuidado de forma incompleta e aparentemente ilegal.
Nesse sentido, extraio do parecer do Procurador de
Justiça Giovanni Mansur que
a situação se agrava com a previsão, na
Cláusula Quarta do aludido Termo (fl. 29), de
que, no caso de “situação excepcional” que
afete a arrecadação da receita, o Estado
poderá apresentar proposta de alteração dos
índices ajustados, permitindo-se até mesmo
a prorrogação do ajuste por um ano (...). – (f.
48).
Sendo assim e considerando que a ação popular, a
partir do julgamento feito pelo STF no RE 170.678 exige somente a
existência da ofensa à legalidade, não há espaço para conservar a
sentença que reconheceu a ausência do interesse de agir.
É lícito, portanto, que os autores utilizem a ação
popular como forma de legitimação ordinária na defesa do interesse
coletivo e que consistiria na irregular privação da sociedade, de
recursos que expressem os percentuais orçamentários fixados no texto
constitucional federal.
Enfatizo que a reforma da sentença – e o consequente
prosseguimento da ação popular na primeira instância – não traduz
incoerência alguma com a ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público e que possui objeto similar. As ações, por certo, devem ser
reunidas em razão da evidente conexão, como já decidiu STJ em
situação análoga (Resp nº 208.680), e, assim, é recomendável que o
Juiz a quo examine o tema e sobre ele delibere oportunamente.
Fundado nessas razões, em reexame necessário,
casso a sentença e determino o prosseguimento da ação popular na
primeira instância.
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DES. EDUARDO ANDRADE (REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. GERALDO AUGUSTO - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "EM REEXAME NECESSÁRIO,
CASSARAM A SENTENÇA."
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