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Os limites do Capital. Cap. 11.

Harvey

Harvey chama a atenção para a centralidade que a distribuição deve ter na teorização da renda
da terra dentro da teoria do valor. Harvey chega a fazer críticas a Marx, dizendo que Marx não
foi totalmente atento a centralidade desta questão, se atentando demais a produção.

Harvey argumenta que as relações de distribuição podem, assim como o juros, ocupar papéis de
coordenação dentro do sistema capitalista. A circulação do capital que rende jutos não produz
valor diretamente, mas ajuda a coordenar a produção de valor excedente (ressaltando as
inúmeras contradições exigentes).

A partir desse fio condutor de pensamento Harvey formula uma das questões-chave deste
capítulo – “Então, será que a circulação do capital em busca de renda (racionalização dos
proprietários, que passam a gerir suas propriedades como fonte de rendas no tempo) poderia
desempenhar um papel de coordenação análogo ao capital que rende juros?”

Harvey afirma que a resposta é afirmativa, e que os próprios escritos de Marx ajudam a
comprovar tal leitura – “a circulação “adequada” do capital mediante o uso da terra e, por isso,
todo o processo de moldagem de uma organização espacial “apropriada” das atividades (repleta
de contradições) estão ajustados ao funcionamento dos mercados fundiários, que por sua vez
se baseiam na capacidade de se apropriar da renda.

De acordo com o Harvey – Como o capital que rende juros, a apropriação da renda tem papéis
positivos e negativos a desempenhar em relação a acumulação – rompendo assim o paradigma
clássico de que a terra desempenha um papel de entrave na acumulação capitalista.

Harvey busca desenvolver a ideia que a propriedade da terra passa a desempenhar uma forma
de “capital fictício” que opera em mercado de terras e tenta, tendo isso por base, uma plena
justificativa para a existência da renda do solo em virtude das funções de coordenação que ele
exerce na alocação da terra para usos e na moldagem da organização geográfica de modos que
refletem a competição e são receptíveis a acumulação. Ou seja, para Harvey existe uma
tendência da terra ser gerenciada pelos proprietários como uma ativos financeiro, diante de tal
tendência de transformação a terra passa a exercer uma função de coordenação geográfica do
espaço, por determinar em boa parte os usos e ocupações dos solos, mais do que isto, a terra
passa a exercer um importante papel de coordenação no próprio sistema de acumulação
análogo ao papel desempenhado pelo crédito.

Harvey utilizando o próprio Marx afirma que “em cada época histórica”, “a propriedade se
desenvolveu de um modo diferente e com um conjunto de relações sociais inteiramente
diferentes”. A ascensão do capitalista a “dissolução das antigas relações econômicas da
propriedade” e sua conversão em uma forma compatível com a cumulação sustentada.

O elemento especulativo está sempre presente na comercialização da terra. A importância disso


tem de ser agora estabelecida, embora Marx em geral exclua a especulação do seu campo de
ação.

Entretanto, ele apresenta um exemplo interessante. No caso da construção de casas em cidades


que crescem rapidamente, ele observa que o lucro da construção é extremamente pequeno e
"o lucro principal vem de elevar a renda fundiária" (transformação de terra rural em urbana), de
modo que é "a renda fundiária, e não a casa, que é o objeto real da especulação imobiliária". Os
proprietários de terra não assumem de modo algum uma postura passiva nesse caso. Eles
desempenham um papel ativo na criação de condições que permitam que as rendas futuras
sejam apropriadas. O avanço do capital e a aplicação do trabalho no presente assegura o
aumento nas rendas futuras. P. 533

O desenvolvimento da leitura do Harvey sobre a transformação da terra está ligado a


possibilidade dos proprietários de terra imporem novas configurações a produção na terra, e
até pressionar a produção de valor em uma determinada escala, determinando assim uma
intensidade que possibilite isso. Assim, de acordo com Harvey eles coordenam os rumos do
trabalho futuro a níveis de exploração sempre crescente em nome da própria terra. P. 533

Nesse sentido, o papel ativista do capital fictício que opera na terra e as contradições que ele
cria merecem um exame atento. De acordo com Harvey, ele realiza algumas funções de
coordenação importantes e, legitima e justifica a apropriação da renda dentro da lógica geral
de funcionamento do modo de produção capitalista. P. 533

Assim, Harvey formula talvez sua principal contribuição e avanço nessa releitura da teoria da
renda. Que a circulação do capital que rende juros nos mercados fundiários coordena o uso
da terra em relação à produção de mais-valor mais ou menos da mesma forma que ajuda a
coordenação as alocações da força de trabalho e equalizar a taxa de lucro entre as diferentes
linhas de produção em geral. P. 533

Nesse caso, a circulação do capital que rende juros promove atividades na terra que visam seus
mais elevados e melhores usos, não simplesmente no presente, mas também prevendo a
produção futura de mais-valor. Os proprietários de terra que tratam a terra como um simples
bem financeiro desempenham exatamente essa tarefa. Eles coagem o capital (por meio de
aumento das rendas, por exemplo) ou cooperam com ele para garantir a criação de rendas
fundiárias mais elevadas. No caso de uma aliança ativa entre o proprietário da terra e o
capitalista, o primeiro assume o papel do arrendatário que busca captar as rendas melhoradas
enquanto o capitalista busca o lucro. Situações desse tipo observadas por Marx podem muito
facilmente ser criadas: as rendas aumentadas superam em muito o lucro a ser obtido do
investimento direto. P. 534

Harvey chama a atenção para o processo de busca do "melhor e mais elevado uso", os
proprietários de terra criam um dispositivo de triagem que filtra os usos da terra e impõem as
alocações do capital e do trabalho que possibilitam a realização do mais-valor e a realização da
renda. Quanto mais vigorosos forem os proprietários de terra nesse aspecto, mais ativo será o
mercado fundiário e mais ajustável se tornará o uso da terra em relação às exigências sócias. –
Ou seja, maior será o papel de coordenação que a renda possui na estruturação do espaço. P.
534

O mercado fundiário molda a alocação do capital à terra e, desse modo, molda a estrutura
geográfica da produção, da troca e do consumo, a divisão técnica do trabalho no espaço, os
espaços socioeconômicos da reprodução e assim por diante. Os preços da terra criam sinais aos
quais os vários agentes econômicos podem responder. O mercado fundiário é uma força
poderosa que contribui para a racionalização das estruturas geográficas em relação à
competição. P. 535
Além disso, os proprietários de terra desempenham um papel ativo no processo da estrutura e
reestrutura geográfica, contanto, é claro, que tratem a terra como um simples bem financeiro.
P. 535

A participação da terra e da renda dentro do círculo amplo do capitalismo, implica em um papel


necessariamente ativo na busca de rendas aumentadas, sendo tratada como um bem financeiro
aberto a todos os investidores. Nesse sentido, Harvey afirma que quanto mais livremente o
capital que rende juros circular pela terra buscando títulos de rendas, melhor ele desempenhara
seu papel de coordenação.

Mas, da mesma maneira, quanto mais aberto for o mercado fundiário, mais imprudentemente
o capital monetário excedente poderá criar reivindicações de pirâmides de débito e buscar
realizar suas esperanças excessivas mediante a pilhagem e a destruição da produção na própria
terra. O investin1ento na apropriação, tão necessário ao desen1penho destas funções de
coordenação, é aqui, como em qualquer outra parte, a "origem de todo tipo de forn1as insanas"
e a fonte de distorções potencialmente sérias. A especulação da terra pode ser necessária ao
capitalismo, mas as orgias especulativas periodicamente se transforn1an1 em um atoleiro de
destruição para o próprio capital.

O capitalismo não pode funcionar sem ter o preço da terra e os n1ercados fundiários como
dispositivos de coordenação básicos na alocação da terra aos usos. Ele só pode se esforçar
para restringir sua operação de modo a torná-los menos incoerentes e n1enos vulneráveis aos
transtornos especulativos. Duas implicações então derivan1 dessa conclusão geral. P. 537

Em primeiro lugar, os preços não poderiam existir sem o poder monopolista da propriedade
privada na terra e a capacidade de apropriação da renda que esse poder confere. Tanto a renda
quanto a propriedade privada da terra são socialmente necessárias para a perpetuação do
capitalismo. A necessidade da reprodução social da propriedade fundiária e da apropriação da
renda tem sido amplamente definida. P. 537

Em segundo lugar, o preço da terra carrega simultaneamente a temporalidade da acumulação


(como está registrada pelos movimentos na taxa de juros) e a especificidade dos valores de uso
materiais distribuídos no espaço e, portanto, ligados a considerações temporais e espaciais
dentro de uma estrutura singular definida pela lei do valor. Mas isso tudo não acontece de
maneira passiva ou neutra. O preço da terra deve ser realizado mediante a apropriação da renda
futura, que se baseia no trabalho futuro (ou empreendimento ali destinado). Por isso, o
pagamento do preço da terra pelo capital condena o trabalho a atividades muito específicas em
determinados locais durante um espaço de tempo determinado pela taxa de juros - ou seja, se
o capital adiantado para a aquisição da terra não vier a ser desvalorizado. Aqui vemos, uma vez
mais, como a operação da lei do valor restringe o trabalho ativo. P. 538

A circulação do capital que rende juros em títulos fundiários desempenha um papel análogo
àquele do capital fictício em geral. Ela indica os caminhos de localização para a futura
acumulação e atua como agente de força catalizadora que reorganiza a configuração espacial
da acumulação segundo os imperativos básicos da acumulação. P. 538

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