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sheilaze@gmail.com;lapip@ufsj.edu.br
Resumo
Introdução
Metodologia
Tem-se utilizado a pesquisa-ação e pesquisa participante, como metodologias suporte de
trabalho. Busca-se a produção conjunta de um conhecimento participativo e comprometido
com a busca de solução para problemáticas vivenciadas pela população investigada. Assim,
saber científico somado ao saber popular agem na busca de novas soluções e explicações
para os problemas investigados, havendo uma devolução elaborada e um aprendizado
coletivo a partir de uma reflexão teórica, juntamente com os pesquisados envolvidos
(Campos 1996).
Resultados/ Discussões
A maioria das cidades com forte tradição religiosa católica apresenta como conseqüência
histórica, uma herança cultural negativa para as populações pobres. Essa herança refere-se à
estratégia de classificação amplamente disseminada no séc. XVI – período das grandes
navegações e da “descoberta” do Brasil – estratégia que permitiu ao homem moderno a
possibilidade de lidar com a diferença através de um processo de legitimação da dominação
religiosa (Ferreira, 2002).
Numa cidade como São João del-Rei, reconhecida internacionalmente por sua rica
arquitetura barroca e festas religiosas católicas, fatalmente nos deparamos com uma
herança cultural de intensa segregação racial, social e política. A marginalização e exclusão
exercidas pelo contexto social vigente podem estimular reações, e a formação de grupos de
resistência.
Os grupos de consciência negra refletem, neste contexto, uma busca pela reconstrução da
memória das culturas de origem africana e, conseqüentemente, a produção de uma
identidade afro-descendente1, atuando através da militância e/ou de um trabalho social de
conscientização acerca de suas origens. Inclui-se aí a realização de festas temáticas e
estudos sobre a afro-descendência no Brasil (Silva et al, 2005).
O Grupo Raízes da Terra há doze anos, representa um referencial de resistência das culturas
afro-descendentes na própria cidade e região, desempenhando um trabalho de reconstrução
e transmissão de elementos destas culturas, através da organização de festas temáticas e no
trabalho com o Grupo de Dança das Meninas (composto por adolescestes do Grupo). Além
das apresentações realizadas, há reuniões abertas quinzenais, que geralmente incluem
estudos sobre a presença e participação africana no Brasil e as discussões da atualidade
relacionadas à temática afro-descendente.
Dessa forma, as missas inculturadas, teriam como objetivo uma interação religiosa por
meio da qual a emergência de uma vivência religiosa própria, tornaria-se possível.
A idéia de um evento que privilegiasse tanto a celebração católica quanto elementos das
culturas afro-descendentes, surgiu em 1997, um ano após a fundação do Grupo. A proposta
foi, inicialmente, uma estratégia de inserção do Grupo na comunidade do Bairro São
Geraldo, prontamente apoiada pelo pároco local. No entanto, o primeiro evento foi
extremamente criticado, e alvo de vários ataques da comunidade. Entendido como
manifestação contrária às regras da igreja católica, foi classificado como “ritual de
macumba”. Neste momento, a lógica da classificação racial tornou-se evidente ao Grupo,
gerando discussões e reflexões acerca da própria condição de Grupo estigmatizado e da
possibilidade de manutenção do evento enquanto manifestação de resistência ao
preconceito.
Com o apoio da igreja católica, o Grupo insistiu na realização das missas, de forma gradual.
Durante as missas tradicionais, eram intercalados momentos de rituais afro, de modo que a
comunidade foi, aos poucos, assimilando a idéia. Dessa forma, o estabelecimento deste
evento como principal estratégia de inserção, configurou a possibilidade de um maior
reconhecimento diante da comunidade. As missas inculturadas passaram a ser mensais, e
não mais esporádicas, com participação maciça da comunidade local.
Este momento vivenciado pelo Grupo Raízes irá apontar uma mudança crucial nas relações
estabelecidas com outros grupos, bem como com a sociedade de São João del-Rei. A
evidência do conflito com a igreja provocou inicialmente um momento de desmobilização,
no tocante à realização dos eventos e missas. No entanto, esta ilusória apatia propiciou a
articulação de novos significados e reflexões sobre estratégias de apropriação dos espaços.
Isto implica numa segunda possibilidade de reflexão crítica sobre sua condição de Grupo
estigmatizado, bem como numa busca de reafirmar seus valores através da inculturação
religiosa, uma vez que as missas, na opinião dos integrantes do Grupo, promovem a
interação, uma troca de informações que consolida um projeto ecumênico “ideal”, atuando
como elementos essenciais no quadro de produção de identidades.
A análise das próprias possibilidades de atuação gerou uma segunda atitude de resistência,
que reestruturou as relações intergrupais, de maneira que as missas inculturadas e festas
promovidas pelo Grupo voltaram a ser realizadas, com o apoio de outras paróquias de São
João del-Rei e região. Dessa maneira, a impossibilidade, proporcionou a abertura do Grupo
para uma rede de vínculos mais ampla e o conseqüente reconhecimento dos trabalhos
também se amplificou, gerando novas possibilidades e ampliando os espaços de parcerias.
Essa apropriação de espaços também reflete um processo interno do Grupo, de forma que
as missas significam também espaços de debate sobre a re-construção das próprias
identidades, refletidas através da valorização de aspectos culturais e religiosos provenientes
das culturas africanas, historicamente adjetivados como “inferiores” ou “impuros”.
Nesta busca de parceria com outras paróquias, o Grupo conseguiu apoio de um padre de
Lavras - cidade próxima de São João del-Rei. Assim, durante a construção das missas, este
padre procurava insistentemente esclarecer, tanto ao Grupo quanto aos outros presentes na
celebração, questões que envolvem uma missa inculturada, a fim de desmistificá-la,
comunicando que estas, não são um “culto ao diabo” (frase muito comentada pelas pessoas
opostas ao evento) e que pelo contrário, solidificam o ideal ecumênico defendido pela
igreja e pelo próprio Grupo. Desta forma, para concretizar tal objetivo, freqüentemente
convidava algumas yalorixás para ajudá-lo na celebração da missa.
Este tipo de represália tem também ocorrido com a líder do Grupo (membro da CEBS), que
é apontada por muitos padres e pela comunidade por “ter uma vida dupla”. Esta, por sua
vez declara não considerar “criminoso” participar de outros cultos religiosos, defendendo
diante de todos a sua liberdade de escolha religiosa.
Muitos outros integrantes do Raízes têm passado pelo mesmo problema. E diante desta
situação, alguns membros preferem esconder a sua relação com o candomblé e a umbanda,
para se esquivarem das críticas. Essa tentativa de “encobertar” (Goffman, 1988) sua postura
estigmatizante, pode ser analisada como um mecanismo que impede a luta e a possibilidade
de atitudes afirmativas frente ao preconceito.
Entretanto, uma questão ainda se faz presente: as missas são realmente inculturadas? A
discussão fica mais evidente quando desvelamos a origem histórica do conceito de
inculturação, carregado de contradições. Isto porque, ao mesmo tempo em que alimenta
uma possibilidade “ideal” de igualdade no tocante a uma dupla vivência religiosa perante a
comunidade, funciona também como um poderoso dispositivo ideológico de dominação da
igreja católica, considerada um dos maiores parceiros pelo Raízes da Terra. Esse aspecto
pode ser percebido, diante de muitos discursos religiosos pregados por alguns padres que se
comprometem a realizar uma missa inculturada em um dia festivo, afirmando ser a missa
um ritual de “purificação religiosa”. Segundo Silva (2006), a inculturação seria um meio
pelo qual o evangelho se insere na cultura. Assim, na inculturação ocorreriam a
“Encarnação”, caracterizada pela adoção da cultura, a “Ressureição”, responsável pela
transformação da cultura e a “Redenção”, momento no qual a cultura seria “purificada”.
Percebe-se, diante de tais definições, que para a igreja, a missa inculturada possui um
caráter evangelizador e de sobreposição de uma cultura e/ou crença religiosa sobre a outra,
discurso que contradiz gravemente o propósito ecumênico.
Dessa maneira, torna-se interessante desvelar o próprio termo inculturação, tão difundido
pela igreja católica, para que possamos esclarecer as contradições presentes nesse processo.
Mas para que esse intercâmbio se concretize, é necessário que tanto a igreja católica quanto
as religiões afro-descendentes (ou a religião com a qual se estabelece esse “diálogo”)
desprendam-se de qualquer posição etnocêntrica.
Como parte dos ideais da maioria dos grupos de consciência negra, o intercâmbio cultural
possibilitado pela inculturação faz-se necessário, na medida em que estimula o acesso e a
reinterpetação crítica de valores religiosos, de forma que nenhum dos valores vigentes se
sobreponha a outro. Essa interação permite a vivência de uma duplicidade religiosa, tão
característica dos grupos de consciência negra na atualidade.
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Faustino Teixeira é teólogo leigo e Doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma
(1985), com pós-doutorado em teologia na mesma universidade (1998).
Dessa forma, para os componentes do Grupo Raízes da Terra, a sua relação tanto com o
candomblé quanto com a igreja católica significa uma busca por conhecimento e por
“orientação espiritual” - não menos válida por sua característica “dupla” - e as missas
inculturadas, um meio pelo qual obtêm aceitação e reconhecimento.
Conclusões
Desde o seu surgimento, o Grupo Raízes da Terra tem vivenciado um clima de divergências
com a comunidade da qual se origina, processo que culminou em um conflito direto com a
igreja local. A desmobilização inicial - primeira reação diante da atitude discriminatória
sofrida - levou-os a manifestações de resistência que os impulsionaram a uma busca de
parcerias.
O Grupo descobriu nas missas inculturadas um espaço fecundo para reconstrução de suas
identidades, bem como um meio de reconhecimento de sua escolha religiosa. A igreja
católica, por sua vez, percebeu nas missas inculturadas (forma concreta da prática
ecumênica) um meio de desmistificação do seu caráter “fechado” oferecendo, ainda que de
forma limitada, uma abertura ao diálogo entre diferentes crenças religiosas.
Referências Bibliográficas
CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Psicologia social comunitária: da solidariedade à
autonomia. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo, Rio de
Janeiro: Editora 34/Universidade Cândido Mendes, 2001.
SILVA, Marcos Vieira, PAIVA, Danielle Laísa Oliveira, MIRANDA, Sheila Ferreira.
Memória e identidade afrodescendente: considerações a partir de um projeto de extensão
universitária. Memorandum, n. 9, pp.28- 41;. Belo Horizonte, jul/set. 2005.