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História da mecânica quântica

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O modelo quântico do átomo de Niels Bohr desenvolvido em 1913, o qual


incorporou uma explicação à fórmula de Johannes Rydberg de 1888; a
hipótese quântica de Max Planck de 1900, isto é, que los radiadores de
energia atómica têm valores de energia discreta (ε = hf); o modelo de J. J.
Thomson em 1904, o postulado de luz quântica de Albert Einstein em 1905
e o descobrimento em 1907 do núcleo atómico positivo feito por Ernest
Rutherford.

A história da mecânica quântica entrelaçada com a história da química


quântica começa essencialmente com o descobrimento dos raios catódicos
em 1838 realizado por Michael Faraday, a introdução do termo corpo negro
por Gustav Kirchhoff no Inverno de 1859-1860, a sugestão feita por
Ludwig Boltzmann em 1877 sobre que os estados de energia de um sistema
físico deveriam ser discretos, e a hipótese quântica de Max Planck em
1900, que dizia que qualquer sistema de radiação de energia atómica
poderia teoricamente ser dividido num número de elementos de energia
discretos , tal que cada um destes elementos de energia seja proporcional
à frequência , com as que cada um poderia de maneira individual irradiar
energia, como o mostra a seguinte fórmula:

onde é um valor numérico chamado constante de Planck. Então, em 1905,


para explicar o efeito fotoeléctrico (1839), isto é, que a luz brilhante em
certos materiais pode funcionar para expulsar electrões do material, Albert
Einstein postulou baseado na hipótese quântica de Planck, que a luz em si é
composta de partículas quânticas individuais, as quais mais tarde foram
chamadas fotões (1926). A expressão "mecânica quântica" foi usada pela
primeira vez num artigo de Max Born chamado Zur Quantenmechanik (A
Mecânica Quântica). Nos anos que se seguiram, esta base teórica
lentamente começou a ser aplicada a estruturas, reacções e ligações
químicas.

[editar] Descrição
Em poucas palavras, em 1900 o físico alemão Max Planck introduziu a
ideia de que a energia era quantizada, com o fim de derivar una fórmula
para a dependência da frequência observada com a energia emitida por um
corpo negro. Em 1905, Einstein explicou o efeito fotoeléctrico por um
postulado sobre que a luz, ou mais especificamente toda a radiação
electromagnética, pode ser dividida num número finito de "quanta de
energia", que são localizados como pontos no espaço. Dá-se a introdução
do artigo sobre quântica On a heuristic viewpoint concerning the emission
and transformation of light (Um ponto de vista heurístico relacionado com
a emissão e transformação da luz) de março de 1905:

Citação: "De acordo com as suposições a ser contempladas aqui, quando


um raio de luz se está propagando desde em ponto, a energia naõ está
distribuída continuamente sobre espaços cada vez maiores, mas é
constituída de um número finito de quanta de energia que são localizados
em pontos no espaço, movendo-se sem dividir-se e podendo ser absorvidos
ou gerados só no seu conjunto." escreveu: «Albert Einstein»

Esta frase foi denominada a frase mais revolucionária escrita por um físico
no século vinte.[1] Estes quanta de energia seriam chamados mais tarde de
fotões, um termo introduzido por Gilbert N. Lewis em 1926. A ideia que
cada fotão teria de consistir de energia em termos de cuantos fue un notável
feito, já que efectivamente eliminou a possibilidade que a radiação de um
corpo negro alcançasse energia infinita, o que se explicou em termos de
formas de onda somente. Em 1913, Bohr explicou as linhas espectrais do
átomo de hidrogénio, novamente utilizando quantização, em seu artigo On
the Constitution of Atoms and Molecules (Sobre a Constituição de Átomos
e Moléculas), publicado em julho de 1913.

Estas teorias, apesar de bem sucedidas , eram estritamente fenomenológicas

A frase "física quântica" foi usada pela primeira vez em Planck's Universe
in Light of Modern Physics (O Universo em Luz da Física Moderna de
Planck), de Johnston em 1931.
Em 1924, o físico francês Louis-Victor de Broglie apresenta a sua teoria de
ondas de matéria, dizendo que as partículas podem exibir características de
onda e vice-versa. Esta teoria era para uma partícula simples e derivada da
teoria especial da relatividade. Baseando-se na aproximação de de Broglie,
nasceu a mecânica quântica moderna em 1925, quando os físicos alemães
Werner Heisenberg e Max Born desenvolveram a mecânica matricial e o
físico austríaco Erwin Schrödinger inventou a mecânica de ondas e a
equação de Schrödinger não relativista como uma aproximação ao caso
generalizado da teoria de de Broglie.[2] Schrödinger posteriormente
demonstrou que ambos as aproximações eram equivalentes.

A longa duração e a dialética entre consciência e inconsciente

21set07

A longa duração e a dialética entre consciência e inconsciente

Jonas Medeiros

Trabalho final para a disciplina “Ética e Filosofia Política II” (1° semestre
de 2007) ministrada pela profa. dra. Maria das Graças de Souza (Depto. de
Filosofia da FFLCH/USP)

Introdução
A categoria central para se compreender a relação entre História e
Política parece ser a de “temporalidade”. Assim, pretendemos, neste
trabalho, explorar duas diferentes abordagens quanto à concepção de tempo
histórico: a longa duração de Braudel e o método dialético de Lukács. A
obra de Braudel se caracteriza por uma pluralização do tempo histórico em
três registros: o tempo geográfico, o tempo social e o tempo individual.
Enquanto que Lukács traçará o seu diagnóstico da moderna sociedade
capitalista, com o auxílio de uma teoria da reificação e de uma teoria da
consciência de classe, apontando a existência simultânea de um tempo
rígido e quantificado (uma aparência real) e um tempo fluido e qualitativo
(a verdade do processo histórico). Ao final do trabalho, pretendemos
demonstrar como a dialética quantidade-qualidade, estrutura-agência,
passado-futuro, objeto-sujeito é a única que permite vislumbrar uma ação
política transformadora, ao passo que a perspectiva da longa duração mais
se aproxima de um estruturalismo que elimina a atividade humana
consciente. Desta forma, esperamos ter incluído esta monografia na
temática mais ampla deste curso, qual seja: a relação indissociável entre
Tempo, História e Política.

1.1. Braudel

Fernand Braudel (1902-1985), historiador francês, organizou sua


primeira grande obra (publicada em 1949), O Mediterrâneo e o mundo
mediterrânico na época da Filipe II, em três partes, cada uma articulando a
história em um determinado registro. Em Burke (1991) encontramos o
resumo do projeto intelectual braudeliano, nas palavras do próprio autor:
“Meu grande problema, o único problema a resolver, é demonstrar que o
tempo avança com diferentes velocidades”. Por isso cada um dos patamares
analisados em O Mediterrâneo corresponde a uma temporalidade diferente.
Braudel começa a escrever o livro em 1923, seguindo uma forma
clássica: seu objeto era a política externa mediterrânica de Filipe II – não só
o tema é de história diplomática e militar como o personagem central é um
indivíduo: “grandes feitos de um grande homem” diz a fórmula da história
tradicional. No decorrer da pesquisa, não se sabe bem qual o motivo
determinante – alguns defendem que foi a influência e a sugestão de Lucien
Febvre (Dosse, 2003b), outros que o fator mais importante foi o contexto
histórico da Segunda Guerra Mundial associada com a experiência pessoal
do historiador[1] (Reis, 1994) – mas o fato é que Braudel realiza uma
guinada na sua obra e transforma o próprio Mar Mediterrâneo em
personagem da história a ser contada. Desta forma, Braudel acredita ser
capaz de tematizar uma “vida real, fecunda e densa”[2] que a história
tradicional é incapaz de enxergar, demasiadamente entretida com
futilidades; o autor, para se contrapor à primazia da história política, busca
contribuições da geografia, da economia, da geologia, da botânica, da
etnografia. Vejamos como o historiador caracteriza cada uma das três
temporalidades resultantes desta abertura da História às outras Ciências.
Escreve Braudel: “Chegamos assim a uma decomposição da
história em planos sobrepostos; ou, se quiser, à distinção, no tempo da
história, de um tempo geográfico, de um tempo social, e de um tempo
individual”[3].
O tempo geográfico é descrito pelo autor como “(…) uma história
quase imóvel, que é a do homem nas suas relações com o meio que o
rodeia, uma história lenta, de lentas transformações, muitas vezes feita de
retrocessos, de ciclos sempre recomeçados; (…) essa história, quase fora
do tempo, de relação com as coisas inanimadas”[4]. Neste registro, a
geografia é a peça central; o objetivo de Braudel é perceber os verdadeiros
contornos do rosto profundo do Mediterrâneo, suas “realidades
opressivas”[5]: “uma natureza pouco generosa, muitas vezes sevagem e
que impõe as suas hostilidades e pressões de duração muito longa.
Qualquer civilização é construção, dificuldade, tensão (…)”[6]. A
observação geográfica revela ao historiador permanências, imobilidades,
repetições, regularidades. Toda esta primeira parte de O Mediterrâneo trata
do relevo (as montanhas, os planaltos, as encostas, as colinas, as planícies),
dos mares e litorais, do clima e das estações. A partir das contribuições de
diversas ciências, ele traça um quadro que insere o espaço no centro da
reflexão histórica: é o que ele chama de geo-história.
Os dois outros registros são tratados da seguinte forma. O tempo
social se refere a forças profundas e agrupamentos como as economias, os
Estados, as sociedades e as civilizações. São os ciclos e conjunturas que a
Teoria Econômica, por exemplo, auxilia a História a enxergar por meio de
séries quantitativas. Enquanto que o tempo individual é aquele próprio à
história tradicional; tempo este que ocupa, pelo menos em termos
quantitativos, a terceira e última parte desta obra de Braudel em pé de
igualdade com as outras temporalidades. Contudo, em termos qualitativos,
Braudel escreve que: “à escala destes problemas [do tempo geográfico e do
social] o papel dos acontecimentos e dos indivíduos fica diminuído”[7]. O
autor se questiona acerca do papel da liberdade dos homens, concluindo
que “cada uma destas liberdades [dos grupos sociais e dos indivíduos]
parece-me uma ilha estreita, quase uma prisão…”[8]. Os “feitos notáveis”
da história tradicional, os quais já haviam sido objeto em sua pretensão
inicial, são agora caracterizados como acontecimentos breves e patéticos.
Já em seu artigo datado de 1958 – “História e ciências sociais: a
longa duração” – Braudel aprofunda sua proposta de pluralização do tempo
histórico. Nesta perspectiva, encontram-se fundamentalmente dois pólos: o
instantâneo e a longa duração. O primeiro seria o objeto da história
tradicional, centrada na narrativa dramática, precipitada do evento de
fôlego curto, enquanto que o segundo consistiria no fundamento da nova
história econômica e social. Braudel desconfia do tempo breve, o tempo do
cronista e do jornalista, por encará-lo como uma duração caprichosa e
enganadora[9].
Tematizar a longa duração significa também pluralizar as fontes
históricas: além dos documentos escritos – fonte privilegiada pela história
tradicional – torna-se necessário analisar preços, salários, taxas de juros, a
demografia, a produção e a circulação.
No âmbito da longa duração, fala-se em ciclos, tendências seculares,
mas principalmente em estruturas[10]. Braudel encara as estruturas como
sustentáculos e obstáculos sociais: regularidades, permanências,
resistências. Pesquisar essas estruturas silenciosas implica em uma proteção
contra os eventos barulhentos, significa analisar a história de um ponto de
vista mais autêntico. A ciência histórica deve ser feita, assim, tomando a
profundidade obscura do tempo longo como seu eixo, nunca a superfície
clara do acontecimento, pois este não passa de ilusão, de aparência. É
preciso trilhar as “estradas monótonas e tranqüilas da longa duração”[11].
Braudel nos descreve da seguinte forma a temporalidade que ele tem como
objeto:
Para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo, um tempo
matemático e demiúrgico, do qual seria fácil sorrir, tempo como que
exterior aos homens, “exógeno”, diriam os economistas, que os
impele, os constrange, arrebata seus tempos particulares de cores
diversas: sim, o tempo imperioso do mundo. (Braudel, 1992: 72; meu
grifo)
Vemos, assim, que o sentido da pluralização dos tempos proposta
por Braudel é apontar a longa duração estrutural como o tempo histórico a
ser privilegiado, em contraposição ao tempo curto do acontecimento. Na
segunda parte deste trabalho vamos buscar compreender as razões deste
deslocamento com relação à primazia das regularidades frente ao evento
político. Antes disso, inclusive para enriquecer e complexificar o nosso
olhar, partiremos para uma outra proposta de pluralização dos tempos,
radicalmente diferente da de Braudel.

1.2. Lukács

Georg Lukács (1885-1971), filósofo húngaro, publica em 1923 uma


série de artigos, reunidos no livro História e consciência de classe, um dos
marcos fundadores do que se convencionou chamar de “marxismo
ocidental”[12]. Segundo a interpretação de um comentarista, Hauke
Brunkhorst: “ Lukács reinterpreta a teoria marxiana do valor de tal forma
que (…) uma versão hegeliano-marxista da teoria da consciência de classe
está integrada sem dificuldades a uma versão weberiano-marxista da
teoria da reificação”[13]. Veremos a seguir como estas duas teorias (a da
reificação e a da consciência de classe) influenciam na diferenciação das
temporalidades para este autor.
O ponto de partida de Lukács, como foi dito acima, é a
pressuposição das “análises econômicas de Marx”[14]. A tese que ele
desenvolverá no principal artigo de seu livro – “Reificação e consciência
do proletariado” – é que a estrutura da mercadoria é o protótipo de todas as
formas de objetividade e de subjetividade na sociedade moderna. A
essência desta estrutura é que as relações entre os homens aparecem como
uma relação entre coisas. Quando a forma mercantil se universaliza – ou
seja, no capitalismo – as relações sociais assumem para os homens uma
forma fetichista, fantasmagórica: a forma da coisificação, ou nos termos de
Lukács, da reificação.
Para Marx, a mercadoria é, simultaneamente, um valor de uso (um
conteúdo concreto e qualitativo) e um valor de troca (uma forma abstrata e
quantitativa). Esta forma mercantil contraditória só é possível quando
reduzimos objetos totalmente diferentes entre si a uma única qualidade,
para que então eles sejam quantitativamente mensuráveis e comparáveis,
quero dizer: monetizados. A base deste cálculo racional, dentro da teoria
marxiana do valor-trabalho, é o período de trabalho socialmente necessário.
Em outras palavras, o princípio deste cálculo é a especialização e a
mecanização do trabalho. O capitalismo é definido pela existência de um
mercado de trabalho, no qual os homens vendem sua força de trabalho aos
proprietários dos meios de produção. Nesta formação social, encontramos
um determinado conceito de temporalidade:
Com a subordinação do homem à máquina (…) os homens acabam
sendo apagados pelo trabalho, o pêndulo do relógio torna-se a
medida exata da atividade relativa de dois operários, tal como a
medida da velocidade de duas locomotivas. Sendo assim, não se
pode dizer que uma hora [de trabalho] de um homem vale a mesma
hora de outro, mas que, durante uma hora, um homem vale tanto
quanto outro. O tempo é tudo, o homem não é mais nada; quando
muito é a personificação do tempo. A qualidade não está mais em
questão. Somente a quantidade decide tudo: hora por hora, jornada
por jornada. (Marx apud Lukács, 2003: 204-5)
A universalização da forma mercantil não apenas anula a diferença
qualitativa dos objetos – as mercadorias, que assim podem ser trocadas
umas pelas outras – como também a dos sujeitos – os homens que
trabalham nas indústrias. Lukács afirma que o tempo, no capitalismo, perde
seu caráter qualitativo, mutável, fluído; ele “torna-se um espaço”[15], um
continuum quantitativamente mensurável. Esta calculabilidade
generalizada encobre o elemento concreto em favor do abstrato, e não
apenas no âmbito econômico. Será neste momento que Lukács interpretará
a teoria weberiana do Estado em uma chave marxista, encontrando no
fenômeno da burocratização e da racionalização, mais um efeito da
reificação decorrente da estrutura mercantil. Assim, tanto a empresa
capitalista quanto o Estado moderno se baseiam no cálculo. A economia e
o direito constituem sistemas fechados e acabados, regidos por leis
racionais e formais que permitem um cálculo exato quanto ao seu
funcionamento, como se este não dependesse da atividade humana
concreta. O resultado desta estrutura é “o caráter contemplativo da atitude
capitalista do sujeito”[16]: no âmbito destes sistemas rígidos e mecânicos,
o homem nada cria e nada pode; no máximo, ele é capaz de conhecer suas
leis para realizar previsões.
Por meio da análise da reificação, revela-se que o capitalismo é
caracterizado por ser uma formação social que produz cisões: entre o
quantitativo e o qualitativo[17], o abstrato e o concreto, a forma e o
conteúdo. Não apenas na realidade social[18] (o ser), como também na
ciência[19] e na filosofia[20] (o pensar). Para os objetivos deste trabalho,
nos interessa principalmente analisar a maneira pela qual o autor
desenvolverá a possibilidade de superação destas oposições rígidas que
culminam em um predomínio do princípio (reificador) da calculabilidade, o
qual reduz o tempo a um espaço mensurável e elimina a atividade humana
enquanto tal. A dissolução da reificação se realiza por meio da outra teoria
que Brunkhorst havia apontado como constituinte da obra de Lukács: a
teoria da consciência de classe.
Lukács diferencia o “pensamento burguês” do “método dialético”
como duas maneiras opostas de articular o conhecimento e a realidade.
Enquanto que o primeiro é fruto da condição reificada da consciência em
um mundo capitalista, o segundo procura resolver – na teoria e na prática –
uma série de dualismos aparentemente insolúveis, os quais foram mais
claramente formulados sob a forma das antinomias do pensamento
kantiano. Brevemente, a filosofia crítica de Kant postula um limite à
faculdade do conhecimento humano na figura da coisa-em-si. Nosso
conhecimento só apreende fenômenos (aparências, seres-para-nós), nunca
os númenos (essências, seres-para-si). O resultado deste racionalismo é o
estabelecimento de uma fronteira intransponível entre a forma e o
conteúdo, o pensamento e o ser, enfim, o sujeito e o objeto.
Por outro lado, o método dialético segue o programa apresentado por
Hegel: “O único interesse da razão é o de ir além desses contrários
ossificados [a subjetividade absoluta e a objetividade absoluta]” [21].
Apontada a necessidade quanto à dissolução das antinomias do pensamento
burguês, nos resta encontrar um encaminhamento. Diz Lukács: “(…) atrás
da maioria dos problemas insolúveis, está escondido, como caminho para
se chegar à solução, o caminho para a história”[22].
A concepção burguesa da história “faz de todo objeto histórico
tratado uma mônada imutável”[23] e o resultado disso é a individualização
e o isolamento dos fatos históricos uns em relação aos outros. Encarar a
história sob esta perspectiva na realidade implica a auto-supressão da
história; a essência do pensamento burguês, para Lukács, é ele ser a-
histórico e anti-histórico, pois os fatos são como dados insuperáveis,
inexplicados e inexplicáveis: uma facticidade imediata e petrificada. Este
ponto de vista, que é o do cálculo formal, da quantificação, da reificação,
portanto, é incapaz de apreender a novidade, por estar demasiadamente
preso à rigidez dos fatos na forma de coisas. Reconhecer o significado da
história será possível ao se deslocar a atenção para o “fluxo ininterrupto da
novidade qualitativa”[24].
Esta concepção alternativa precisa lidar com o fato de que “(…) na
sociedade capitalista o passado reina sobre o presente”[25]. Em outros
termos: é o capital – trabalho morto, acumulado – quem comanda o
trabalho vivo. A análise de Lukács não se encerrará no reconhecimento
desta tendência à reprodução (econômica) do domínio do passado, um
diagnóstico aparentemente fatalista. Muito pelo contrário: por meio da
teoria marxiana do valor-trabalho, ele será capaz de encontrar o elemento
decisivo para o seu método dialético: o proletariado. Vejamos o porquê
disso.
No período de trabalho, o aumento no nível de exploração do
trabalhador é percebido pelo capitalista apenas em termos quantitativos (o
cálculo de seu lucro). Porém, a experiência do proletário é totalmente
qualitativa, pois envolve a sua existência física, intelectual e moral. Neste
contexto, o trabalhador poderá experienciar a radical cisão entre a sua
subjetividade (a sua consciência) e a sua objetividade (a força de trabalha
tornada um objeto, uma mercadoria que ele possui). Neste ponto, Lukács
pode dizer ter encontrado o mediador, “aquele em que os dois lados fossem
um (…)”[26]. Hegel, como inaugurador do método dialético encontrou uma
saída idealista para a mediação que pudesse dissolver aquelas oposições
rígidas, por meio da consciência-de-si. Marx já dizia: “Hegel faz do homem
o homem da autoconsciência em vez de fazer da autoconsciência a
autoconsciência do homem, do homem real (…)”[27]. Encontrar um
mediador em bases materialistas se torna possível ao interpretar o
proletariado como um “sujeito-objeto idêntico”, ou seja: o objeto (a
mercadoria) que tomou consciência de si e, enquanto tal, é uma consciência
que não é oposta ao seu próprio objeto.
A partir do proletariado como sujeito-objeto idêntico, Lukács
encontrou o caminho para a história. Este ponto de vista é o único que
consegue desvendar o que apareciam ser relações entre coisas (a circulação
de mercadorias) como sendo, na verdade, relações entre homens (o
trabalhador produzindo valor); desta forma, superado o caráter
fantasmagórico da reificação, só resta a história como história dos homens.
Os fatos históricos isolados como um complexo de coisas rígidas, prontas e
inalteradas são dissolvidos em uma “alternância ininterrupta de rigidez,
contradição e fluidez”[28], onde tudo é processo histórico. Os dilemas do
racionalismo perdem seu sentido ao serem submetidos a uma historicização
radical, na qual a verdade do ser é o devir. Aqui se encontra o núcleo da
concepção lukacsiana do tempo histórico: embora assim aparente, a
realidade não é uma coisa que é, mas sim um processo social que vem a
ser.

2. Consciência e inconsciente: uma diferenciação possível entre os autores

No sentido de analisarmos as concepções de tempo histórico de


Fernand Braudel e de Georg Lukács lado a lado, acredito que seja
fundamental traçar uma breve história das idéias, para elucidar alguns
pontos que serão centrais para a nossa compreensão do tema deste estudo.
A questão mais imediata e explícita que precisa ser lembrada é quanto à
dificuldade de aproximarmos autores de dois cenários intelectuais
relativamente apartados: a historiografia francesa e a filosofia alemã.
François Dosse escreve que “os historiadores franceses têm, por tradição,
fobia à filosofia” [29]. Confirmando a tendência anti-filosófica da Escola
dos Annales, Reis diz que “A nouvelle histoire recusou a predominância da
influência do tempo da alma ou da consciência sobre a história e optou
pelo tempo da ciência”[30]. Ora, Lukács é oriundo de uma tradição
intelectual totalmente diferente: apesar de fazer parte do círculo em torno
de Max Weber (aqui estaria um ponto de contato direto com a preocupação
de se pensar uma ciência do social), o significado de sua obra é
principalmente uma leitura hegeliana da obra de Marx (já aqui vemos o
momento de ruptura, ao incluir-se o idealismo alemão). Como veremos a
seguir, o projeto intelectual dos Annales tem como alvo a história
tradicional, mas ele acaba se opondo frontal e simultaneamente a toda
filosofia da consciência ou do sujeito.
Em vez de reconstruir a história das idéias em uma cronologia
progressiva, decidi partir do contexto intelectual do artigo de Braudel de
1958 – o qual já foi analisado – para depois estudar o pano de fundo do
programa dos Annales e finalmente conseguir confrontar a longa duração
braudeliana e o método dialético proposto por Lukács.
O artigo “História e ciências sociais: a longa duração” tem uma
intenção explícita, qual seja: apontar a necessidade de um programa
comum de pesquisa à todas as ciências sociais. Além disso, o autor aponta
um eixo que viabilize essas diferentes ciências falarem uma mesma
linguagem. Graças à “escolha” da longa duração como esta linguagem,
Braudel atingirá o seu objetivo maior, que é abrir a História para o diálogo
interdisciplinar (no mais, uma seqüência do mesmo desejo de Lucien
Febvre e Marc Bloch, fundadores dos Annales[31]) porém com a
contrapartida de garantir à sua própria disciplina um lugar privilegiado
nesta empreitada intelectual.
A intenção implícita do autor é mais difícil de ser apontada, mesmo
porque ela não está escrita com todas as palavras, como a intenção que
analisamos acima. Muito pelo contrário: o sentido oculto deste artigo-
manifesto está expresso de uma forma invertida. A problemática da qual
estou falando é a necessidade do maior historiador francês daquele
momento em responder ao desafio representado pela onda estruturalista no
campo das ciências humanas – um duplo perigo: para dialogar com as
ciências sociais é preciso lidar com a sua produção contemporânea, a qual
está sendo hegemonizada pelo estruturalismo nesta época; porém, esta
tendência intelectual tem fortes componentes anti-historicistas, os quais
ameaçam a própria identidade específica da História. Isto no âmbito mais
geral; o inimigo imediato tem, neste caso, um nome: Claude Lévi-Strauss.
O artigo de Braudel é lançado no mesmo ano do livro Antropologia
Estrutural, de Lévi-Strauss. E, embora Braudel se refira ao antropólogo
como um “excelente guia”, uma das experiências “mais inteligentes e mais
claras” nas ciências sociais contemporâneas, seu desejo profundo é
proteger a História das concepções estruturalistas de Lévi-Strauss.
Lévi-Strauss argumenta, em “História e etnologia” – artigo lançado
em 1949 e republicado em 58 – que a diferença entre estas duas disciplinas
não é nem de objeto, nem de objetivo, nem de método, mas de perspectiva:
“a história organizando seus dados em relação às expressões conscientes,
a etnologia em relação às condições inconscientes da vida social”[32]. E
segue com suas definições dos campos disciplinares: “(…) a célebre
fórmula de Marx “Os homens fazem sua própria história, mas não sabem
que a fazem” justifica, em seu primeiro termo, a história, e em seu segundo
termo, a etnologia”[33]. Para Braudel, a delimitação do objeto da História
como sendo “as expressões conscientes” implica em um retrocesso, em
uma oposição e um perigo ao seu próprio projeto. Como vimos, seu
objetivo com o estudo do Mediterrâneo foi desacelerar o tempo histórico
para buscar verdades mais profundas, longe dos eventos político-militares
uma vez que estes são aparências, ruídos patéticos. Se o domínio do
inconsciente é monopólio da etnologia, não existe nenhuma outra
alternativa à História que não seja a volta à sua concepção tradicional
centrada no tempo curto. É preciso evitar isso, se aproximando,
simultaneamente, da concepção estrutural da antropologia sem que isso
signifique o fim da História como disciplina autônoma. Por isso, o artigo-
manifesto sobre a longa duração aponta Lévi-Strauss como guia, mas
somente com o intuito de reinvindicar o direito da História aspirar ao
domínio do inconsciente, da estrutura, do tempo longo, “essa história,
quase fora do tempo”[34].
Depois de definirmos o combate intelectual imediato que percorre as
preocupações braudelianas acerca da longa duração, quero propor um
retorno às origens da concepção historiográfica dos Annales. A revista dos
Annales foi fundada por Febvre e Bloch em 1929, porém, como veremos a
seguir, os contornos do projeto intelectual representado pelos dois
historiadores data de muito antes. Dosse (2001) escreve que a História
sofreu dois grandes ataques: enquanto que o último foi o de Lévi-Straus em
1949/58, o primeiro foi o artigo “Método histórico e ciência social”, escrito
pelo economista de formação durkheimiana François Simiand, em 1903.
Vejamos no que consistia a sua proposta.
Simiand, como discípulo de Émile Durkheim, está preocupado em
fundar a “ciência positiva dos fenômenos sociais”. Dentro deste projeto, ele
vai se chocar com a história tradicional, que ele chama de “história
historizante”. O primeiro capítulo de seu artigo parte da seguinte
afirmação: “Ignorar ou negligenciar a exata definição de objetivo e de
subjetivo e o valor exato das duas noções significa desconhecer,
radicalmente, o caráter próprio da ciência positiva atual”[35]. A diferença
entre o método histórico e a nascente ciência social é que a primeira
confunde subjetivo e objetivo, enquanto que a segunda é fundada na noção
de que “objetivo significa exclusivamente independência para com a nossa
espontaneidade individual”[36]. A história tradicional é fruto da “ilusão
metafísica” de que os fenômenos sociais se originam na ação consciente e
espontânea do indivíduo. Isso contraria totalmente a “nova ciência social”,
cujo método se centra na delimitação de sua explicação científica na
descoberta de relações estáveis e regulares entre fenômenos sociais, ou
seja, no estabelecimeno de relações de causalidade social. A ciência busca
“excluir de suas explicações a noção de agente, de entidade substancial
ativa”[37]. A causalidade nunca vincula o poder de um agente com o
resultado de seu ato intencional, pois “o poder criador da sociedade nos é
inacessível e nos escapa”[38]. Aqui, o inimigo de Simiand é tanto a
história tradicional quanto a filosofia política do contratualismo. A
eliminação da vontade individual e consciente é funcional para se instaurar
uma ciência baseada na causalidade social. A verdade não se encontra no
contingente, mas nas estruturas permanentes, inconscientes, profundas.
Embora não possamos igualar completamente os esforços de
Simiand, Lévi-Strauss e Braudel, podemos encontrar afinidades entre cada
um destes projetos intelectuais, rumo a mesma direção: suplantar a
consciência e estudar cientificamente o inconsciente social. A ponto da
seguinte frase de François Dosse, se referindo ao artigo acima analisado,
fazer todo sentido: “Esse texto de Simiand tornar-se-á a matriz teórica dos
Annales, em 1929 (…)”[39]. A seguir vamos procurar, a partir da
contraposição com o método dialético, quais as conseqüências disso,
principalmente no tocante à concepção braudeliana de tempo histórico.
Além de Simiand e do mestre Lucien Febvre, uma das principais
influências na obra de Braudel é o geógrafo francês Vidal de la Blache.
Para o autor, a problemática fundamental de O Mediterrâneo é “a dialética
espaço-tempo (história-geografia)”[40]. Daí ele encarar seu próprio
método e paradigma pela designação de “geo-história”, na qual o
protagonista não é o homem em sua atividade, mas um sujeito geográfico,
espacial – o Mar. O equilíbrio quase permanente dos elementos climáticos,
vegetais e animais permite ao historiador acessar a verdade profunda de
que os acontecimentos e os indivíduos não importam. Em um quadro que
frisa o esmagamento opressor da liberdade do homem pelas forças naturais,
sobra pouco espaço para se pensar a mudança, o novo.
A conseqüência mais imediata desta “espacialização do tempo” é
torná-lo “(…) quase estacionário, em que passado, presente e futuro não se
diferenciam mais e se reproduzem sem descontinuidade”[41]. Outro autor
nos ajuda a entender esta problemática: Reis (1993) identifica nos Annales
um desejo de superação da filosofia iluminista, centrada na razão e no
progresso. A recusa do progresso implicaria, assim, em uma recusa acerca
de qualquer consideração sobre o futuro. Voltemos, pela primeira vez, ao
artigo de Lukács. Para ele, o capitalismo é uma sociedade na qual o
passado (o capital) reina sobre o presente (o trabalho). O conhecimento
acerca do presente será, para Lukács, o caminho para a história, para a
solução de todas as cisões que ele havia analisado. O reino do passado é o
reino da necessidade, enquanto o do futuro é o da liberdade. No ponto de
vista do racionalismo moderno (que é o da concepção burguesa da
história), necessidade e liberdade, ser e dever-ser, quantidade e qualidade
não se misturam. Entretanto, já vimos como o método dialético busca
superar a distância aparentemente intransponível destes contrários por meio
do proletariado enquanto sujeito-objeto idêntico. Em termos de concepção
de tempo histórico, estamos, ao seguir Braudel, em um predomínio
unilateral das forças profundas e estruturais do passado. A única forma de
reinserir o futuro como uma consideração histórica (algo que foi descartado
pelos Annales) é instaurar uma dialética entre passado, presente e futuro no
lugar da sua indiferenciação nos termos da longa duração. Passado e futuro
são diferentes entre si, mas não de uma perspectiva que os separa a ponto
de encontrarmos um vazio escuro entre os dois[42]. O segredo da dialética
é encontrar um mediador, “aquele em que os dois lados fossem um
(…)”[43]. O proletariado não é somente um sujeito-objeto, como também
um elemento social que reúne tanto o peso do passado como a abertura do
futuro, na forma de uma categoria central no pensamento lukacsiano: o
presente. O “conhecimento correto do presente” implica o reconhecimento
tanto da estrutura econômico-social quanto da possibilidade de ação
política; implica, portanto, no conhecimento da totalidade. É no presente,
no presente que reúne o passado e o futuro, que encontramos a história
como sendo tão somente a história dos homens. Lukács afirma:
Enquanto o homem orientar seu interesse para o passado ou para o
futuro de maneira contemplativa e intuitiva, ambos se fixam num ser
estranho, e entre o sujeito e objeto instala-se o “espaço nocivo” e
intransponível do presente. Somente quando o homem é capaz de
compreender o presente como devir, reconhecendo nele aquelas
tendências, cuja oposição dialética lhe permite criar o futuro, é que
o presente, o presente como devir, torna-se o seu presente (Lukács,
2003: 402-3).
Reis (1993) nos diz que os Annales estão preocupados em se
aproximar das ciências humanas, e que, para tal, esta historiografia precisa
reconhecer a principal descoberta das ciências sociais, a de que “o homem
não é só sujeito, ele é também resultado, objeto”[44]. Ora, Merleau-Ponty
(2006), ao se referir à obra de Lukács, nos diz que “a história não é apenas
um objeto diante de nós, distante de nós, fora de nosso alcance, é também
suscitação de nós como sujeitos”[45]. Como conciliar estas duas visões? O
que predomina: o homem é sujeito ou então ele é objeto? O método
dialético é o único que nos permite responder: ambos. O homem é tanto
produto quanto produtor do processo histórico.
Outro ponto de divergência entre Annales e a dialética é que o
movimento da historiografia francesa foi no sentido de tomar o
inconsciente social como seu objeto, relegando a ação individual e
consciente para a banalidade e irrelevância. Já “o que Lukács quer
preservar (…) é um marxismo que incorpore a subjetividade à história sem
fazer dela um epifenômeno (…)”[46]. Embora não possamos desenvolver
este ponto como gostaríamos no âmbito deste trabalho, podemos dizer que
a oposição consciência-inconsciente acima evidenciada se enquadra em um
movimento maior no cenário acadêmico francês: aquele do questionamento
estruturalista em contraposição às filofias existencialistas e
fenomenológicas do sujeito[47]. Se existia alguma possibilidade de
encontrarmos pontes de contato entre a obra de Lukács e o debate
intelectual na França, seria por meio de uma aproximação com as obras
resultantes da recepção francesa de filósofos alemães, como Hegel, Husserl
e Heidegger, três autores que se tornarão “obsoletos” no decorrer da década
de1950 e, principalmente, 1960 (o auge do prestígio de Braudel). Não é
mera coincidência que tanto Lévi-Strauss como Braudel façam questão de
se contrapor à Jean-Paul Sartre. Somos incapazes, contudo, de provar e
decifrar todas as ligações entre o movimento estruturalista na filosofia e na
ciência com a dificuldade dos Annales de “incorporar a subjetividade na
história”, porém acreditamos que estas afirmações nos ajudem de alguma
maneira na direção de uma interpretação possível acerca dos limites da
nouvelle histoire.
Os Annales compartilham com a sociologia de Durkheim e a
antropologia de Lévi-Strauss a tendência a privilegiar as regularidades e
permanências em detrimento do que Lukács chamou de “fluxo ininterrupto
da novidade qualitativa”[48]. Defendemos aqui, que a concepção de tempo
histórico de Braudel, com sua distinção entre o instantâneo e a longa
duração, acaba por reproduzir aquelas “antinomias do pensamento
burguês”, uma vez que a cientificidade da história está baseada na primazia
da estrutura e na exclusão da ação consciente humana. Acredito que o
método dialético tenha, sobre a concepção da longa duração uma espécie
de vantagem: embora possamos entender o processo de racionalização que
Marx, Weber e Lukács analisaram, o seu princípio de calculabilidade, nos
termos de uma “estrutura de longa duração”, dificilmente seremos capazes
de interpretar a o Mediterrâneo como sujeito geográfico a partir do presente
(o homem) como mediação dialética entre passado (a necessidade) e futuro
(a liberdade). Parece-me que a dialética tem um alcance maior do que a
geo-história braudeliana, uma vez que esta empreitada intelectual, ao se
centrar nas permanências não é capaz de captar a história como sendo
simultaneamente continuidade e novidade.
A origem deste equívoco, acredito, esta em uma concepção
demasiadamente rígida acerca do que é verdadeiro e do que é falso. Diz-se
que a longa duração é a verdade profunda e silenciosa, e que o evento é
espuma brilhante, ruído que não passa de mera ilusão. Lukács cita Hegel
sobre este assunto no primeiro prefácio de História e consciência de classe:
“Da mesma maneira, a expressão unidade do sujeito e do objeto, do
finito e do infinito, do ser e do pensamento etc., apresenta o
inconveniente de que os termos objeto e sujeito, entre outros,
designam o que eles são fora de sua unidade; em sua unidade não
têm mais o sentido que sua expressão enuncia; é justamente assim
que o falso, enquanto falso, deixa de ser um momento da verdade”.
Na pura historicização da dialética, segue Lukács, essa constatação
se dialetiza mais uma vez: o “falso” é, ao mesmo tempo, um
momento do “verdadeiro” enquanto “falso” e “não-falso”. (Lukács,
2003: 60; o último grifo é meu)
Para o método dialético, não existe uma oposição intransponível
entre verdadeiro e falso, assim como entre sujeito e objeto e todos os outros
dualismos. É Merleau-Ponty quem mais nos auxilia para entender a
amplitude desta concepção para o tema de nosso presente estudo. Escreve o
filósofo francês:
As duas relações, uma segundo a qual a consciência é um produto
da história, a outra segundo a qual a história é um produto da
consciência, devem ser mantidas juntas. Marx as une fazendo da
consciência, não o centro do ser social, tampouco o reflexo de um
ser social exterior, mas um singular meio onde tudo é falso e tudo é
verdadeiro, onde o falso é verdadeiro enquanto falso, e o
verdadeiro, falso enquanto verdadeiro (Merleau-Ponty, 2006: 45-6;
grifo meu)
Vejamos o que a frase acima pode significar. Os Annales, bem como
o estruturalismo, apontam a primazia do inconsciente sobre o consciente na
análise do social. Contudo, em uma concepção dialética, é preciso dar mais
um passo para se apreender a complexidade, sobretudo a da sociedade
moderna. Este passo é o reconhecimento de que um diagnóstico do
capitalismo precisa partir da concepção de que a atividade humana constrói
a realidade social, porém de uma forma que acaba por negar esta própria
atividade. No capitalismo, a atividade aparece como passividade, a
liberdade como necessidade. E somente por meio de uma dialetização
destes conceitos é que enxergaremos a sua realidade profunda. A verdade
não se encontra pura e simplesmente na ausência de liberdade do homem,
como Braudel parece defender, mas na sua definição em termos de
negatividade: no capitalismo, a liberdade enquanto verdade é falsa
enquanto que a necessidade enquanto falsidade é verdadeira. Contra a
afirmação de que a estrutura é a verdade e que o acontecimento é falsidade,
a dialética diz que é a estrutura a aparência, porém uma aparência
extremamente real, enquanto que o acontecimento é a verdade, mas uma
verdade que está negada frente a tendência de reprodução sócio-econômica
que implica em um obstáculo ao acontecimento potencial e transformador.
A superação do dualismo entre necessidade e liberdade, economia e
política, estrutura e agência encontra eco na seguinte frase de Merleau-
Ponty: “cada ato político envolve a totalidade da história”[49].
Correlacionar o evento com a longa duração – e não opô-los – é a única
maneira de evitar as dificuldades da concepção de tempo histórico que aqui
apresentamos.

Conclusão

Um ponto deve ser esclarecido uma vez mais, antes de iniciarmos


verdadeiramente nossa conclusão. A recuperação da subjetividade na
história intentada pelo método dialético não pode ser encara de forma
alguma como um retorno à historia tradicional que os Annales tanto
combateram. Ambos, Lukács e Braudel, combatem o fato histórico isolado
de um contexto mais amplo. Trazer de volta a consciência implica na
verdade reconhecer o seu estatuto na construção do processo histórico, o
qual não é, como quer Durkheim, uma “(…) potência moral que ultrapassa
[o indivíduo], quer a imaginemos misticamente sob a forma de um deus,
quer dela façamos uma concepção mais temporal e científica”[50]. Não
esqueçamos que é o próprio Durkheim quem recomenda tratar os fatos
sociais como coisas[51]. Toda a argumentação de Lukács é na direção de
apontar a dissolução daquilo que aparece como coisa para desevendar a
história como uma relação entre homens. O método dialético lida tanto com
o homem-sujeito quanto com o homem-objeto, com a vantagem de resgatar
o evento político não somente da perspectiva da história tradicional
(“grandes feitos de grandes homens”), mas abrindo a história para
intervenções humanas organizadas coletivamente; no caso, a auto-
organização do proletariado.
Neste momento, reconheço um limite deste trabalho, inclusive como
forma de concluí-lo. A apropriação realizada por Lukács da teoria do valor-
trabalho em uma chave hegeliana resultou na indissociabilidade da teoria
social marxiana e da ação política (revolucionária) do proletariado. Ao
escrever este trabalho no início do século XXI, não podemos deixar de
notar que a resolução apresentada pelo filósofo húngaro depositava uma
excessiva confiança na capacidade do proletariado em realizar fins éticos,
ou seja: na possibilidade da agência do proleteriado alterar
fundamentalmente a estrutura social do capitalismo.
Lucien Febvre escreve que “a tradição dos Annales é a da obra
escrita no campo de concentração”[52]. Seguindo a indicação de Hauke
Brunkhorst, que propõe encarar o livro História e consciência de classe
não como uma resolução pronta dos problemas que ele mesmo aponta, mas
sim como o estabelecimento de um paradigma que deve ser trabalhado,
afirmado ou descartado, poderíamos dizer – como diz este comentador –
que os autores responsáveis por este desenvolvimento intelectual do projeto
lukacsiano foram os pensadores da Teoria Crítica, mais conhecida como
“Escola de Frankfurt”. Autores como Max Horkheimer, Theodor Adorno e
Herbert Marcuse escreveram algumas de suas principais obras durante o
seu exílio nos Estados Unidos[53], fugidos do regime nazista. Talvez a
aproximação entre os Annales e os frankfurtianos rendesse resultados
menos díspares, uma vez que reconhecemos, no âmbito deste trabalho, uma
defesa da maior abrangência da dialética com relação à longa duração,
abrangência esta que só era possível porque fundada naquela mesma
confiança na ação do proletariado, que acima apontamos como tendo sido
frustrada pela própria história do século XX. Só nos resta indagar como
será possível articular consciência e inconsciência, verdadeiro e falso,
estrutura e agência em um mundo no qual não podemos mais contar com
um sujeito-objeto idêntico que resolva estas dicotomias na teoria e,
simultaneamente, na prática.

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