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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN.

2005

PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO:


MEDIAÇÕES NAS ROTAS DE INGRESSO DAS MULHERES
NA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Clara Araújo

RESUMO
O artigo discute a relação entre as chances de acesso das mulheres à representação política, particularmente
à representação legislativa, e as formas de sua inserção nos partidos políticos. No primeiro momento, os
tipos de representação e o sistema partidário são enfocados como dimensões do sistema político e eleitoral.
Em seguida o sistema partidário é mais bem analisado em seus aspectos organizacionais e ideológicos. Com
base na análise da literatura que aborda o tema, procura-se refletir sobre alguns condicionantes
institucionais desses sistemas que interferem de maneira positiva ou negativa nas chances de as mulheres
disputarem e se elegerem pelos partidos. No segundo momento, as experiências recentes de adoção de cotas
por sexo para candidaturas proporcionais são inseridas na análise. A partir de pesquisa sobre o caso
brasileiro, procura-se observar como as características do sistema partidário e os condicionantes discutidos
podem afetar os resultados das cotas. As conclusões destacam que o acesso das mulheres à representação
política é condicionado por um conjunto de fatores que ultrapassam a engenharia do sistema político, mas
que tal engenharia tem um peso e pode favorecer mais ou menos o ingresso feminino na política. Como a
pesquisa sugere, essa influência pode operar, também, sobre a possibilidade de que as cotas sejam assumidas
de maneira mais burocrática ou mais efetiva pelos partidos brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: gêneros; partidos políticos; engenharia institucional; cotas de gênero.

I. INTRODUÇÃO de cotas para a competição legislativa. Nas inves-


tigações sobre as razões dessa tímida representa-
O acesso das mulheres à representação políti-
ção, bem como sobre a viabilidade dessas novas
ca e, particularmente, aos espaços legislativos vem
estratégias, o papel e o lugar ocupado pelos parti-
sendo objeto de inúmeros estudos acadêmicos a
dos políticos, veículos tradicionais de acesso aos
partir do início da década de 1990. Três aspectos
cargos eletivos, tornam-se objeto de atenção par-
articulados parecem ter contribuído particularmen-
ticular.
te para isso: a) a legitimidade que o feminismo
como movimento e suas demandas adquiriram nas A análise do tema requer que o consideremos
últimas décadas; b) como conseqüência, o con- sob o prima dos múltiplos fatores que constituem
traste entre o grau de conquistas ou de participa- aspectos de mediação e que ajudam a definir os
ção das mulheres em esferas da vida social, como padrões de gênero que conformam o acesso à
na educação e no trabalho, e a sua pequena inser- representação política. Em outros termos, para
ção nas instâncias decisórias do poder1 e c) a dis- compreendermos o que ocorre com a participa-
seminação de novas estratégias, voltadas para rom- ção das mulheres nos partidos e nas rotas de in-
per esse quadro, particularmente as experiências gresso aos cargos eletivos de representação polí-
tica, faz-se necessário considerar, simultaneamen-
te, sua dimensão histórica, ou seja, a exclusão das
mulheres no advento da condição de cidadãs e da
1 Alguns dados são ilustrativos desse cenário: em 2000, ordem política moderna; as manifestações cultu-
entre 193 países no mundo, apenas nove tinham mulheres rais – atitudes e práticas preconceituosas ou ex-
como governantes/presidentes eleitas; apenas 39 países já plicitamente discriminatórias que envolvem as re-
tiveram mulheres eleitas para a Presidente ou Primeira-
Ministra e, de acordo com estimativas da Organização das
lações de gênero em geral e que se reproduzem,
Nações Unidas, as mulheres representavam menos de 1/10 também, no interior dos partidos políticos –; as
dos gabinetes ministeriais no mundo (NORRIS, 1999). características sócio-econômicas mais gerais dos

Recebido em 01 de março de 2004 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 193-215, jun. 2005
Aprovado em 10 de setembro de 2004
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países, assim como as dimensões institucionais os partidos o canal que a viabiliza, a relação entre
do sistema político, incluindo-se as característi- sistema partidário e sistema eleitoral é intrínseca e
cas do sistema partidário (ver, por exemplo, a compreensão da organização e das práticas par-
CHAPMAN, 1993; NORRIS, 1993; 1996; tidárias necessita ser pensada, em última instân-
NORRIS & LOVENDUSKI, 1995; IPU, 2000; cia, em relação ao sistema eleitoral. Obviamente,
NORRIS & INGLEHART, 2000; 2003; VIEGAS o sistema partidário é mais amplo do que a repre-
& FARIAS, 2001). Em outros trabalhos essa pers- sentação partidária, de modo que o primeiro não
pectiva foi oportunamente abordada para pensar se restringe à sua representação política eleita,
o caso brasileiro (ARAÚJO, 1999; 2001). constituindo-se em um dos vários canais de orga-
nização coletiva e de veiculação de idéias em rela-
O presente artigo tem por objetivo discutir a
ção à vida social e política. A política, na sua for-
intercessão entre gênero e partidos políticos no
ma institucionalizada, é organizada e legitimada por
acesso das mulheres à representação política. Tra-
meio de uma estrutura que tem na eleição de
ta, de modo mais específico, de um aspecto
governantes e parlamentares, em geral por meio
institucional, o sistema partidário, em sua relação
de partidos, o seu principal mecanismo legitimador.
com o sistema eleitoral e em seu desenho
O poder político representativo é requisito e dado
organizacional, procurando destacar pontos de
constitutivo da vida social moderna, e os partidos
mediação entre essas características e os padrões
são organizados com vistas à disputa desse po-
de inserção por gênero. A primeira parte apresen-
der. Suas ações e políticas são orientadas, em úl-
ta uma síntese dos principais fatores institucionais
tima instância, pela busca de acesso ao poder, cujo
destacados pela literatura internacional. A segun-
canal de exercício e de disputa política é a repre-
da procura identificar aspectos relacionados com
sentação parlamentar e/ou governamental. Assim,
o sistema partidário brasileiro para, em seguida,
ao lado de posições ideológicas, são os cálculos
destacar algumas características e práticas rela-
eleitorais que influenciam na esfera organizacional,
cionadas com a inserção das mulheres nos parti-
definem as estratégias partidárias e o lugar dos
dos. Além da análise da literatura, a segunda parte
atores nessas estratégias, inclusive o recrutamen-
está baseada, também, em pesquisa que vem sen-
to e os investimentos eleitorais.
do desenvolvida desde 1997, visando a acompa-
nhar o processo de implantação das cotas no país, O sistema partidário, embora analiticamente
envolvendo alguns dos principais partidos políti- visto como um componente institucional próprio,
cos e os resultados eleitorais2. existe em relação com, influencia e é influenciado
pelo sistema eleitoral. Isso significa considerar,
II. O SISTEMA POLÍTICO INSTITUCIONAL E
também, que muito das estratégias dos partidos e
O LUGAR DOS PARTIDOS
a própria formatação do sistema partidário – mai-
O sistema partidário é um dos componentes or ou menor fragmentação ou perenidade, entre
do sistema político atual, genericamente identifi- outros –, não decorre exclusivamente das práti-
cado como “democracia representativa ocidental”. cas dessas organizações. Ao contrário, os parti-
Nesse sistema, em que o voto constitui a forma dos são influenciados tanto pela cultura política
de escolher e legitimar a representação política e mais geral como pelas características do sistema
eleitoral.
Os partidos não são instituições fixas e imutá-
2 A pesquisa vem acompanhando os processos eleitorais
veis, ao contrário, estão em constante fluxo, ade-
quando-se aos imperativos do contexto político a
de 1996, 1998, 2000, 2002 e 2004, envolvendo um estudo
mais sistemático sobre seis partidos políticos (Partido do que se vinculam. Nesse sentido, também refletem
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido dos as características mais amplas de cada socieda-
Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista de. Mas a literatura tem apontado para certos ele-
(PDT), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Progres- mentos recorrentes que afetam os partidos em
sista Brasileiro (PPB) e Partido da Social-democracia Bra- geral, permitindo estabelecer padrões e tendênci-
sileira (PSDB)). Foram feitas entrevistas com dirigentes
as no interior de um determinado sistema político
partidários, parlamentares e candidatos não-eleitos, de
ambos os sexos, cobrindo os pleitos entre 1996 e 2002, (KATZ & MAIR, 1992). Considerando o que foi
perfazendo 92 entrevistas. Para os resultados eleitorais dito acima, quanto à razão de ser dos partidos em
quantitativos todos os partidos políticos vêm sendo consi- geral, podemos analisá-los em dois níveis: a) no
derados. nível intrapartido, em relação à organização e a

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ideologia e b) no nível da competição eleitoral, na benéficos às mulheres. Em primeiro lugar, nos


relação entre partidos. Como as mulheres sistemas proporcionais, cada partido apresenta ao
posicionam-se e têm sido posicionadas frente a eleitorado sua lista coletiva de candidatos para cada
essas duas dimensões? distrito. Como, em geral, tais listas comportam
vários nomes, o partido tende a ter um incentivo
Podemos pensar a inserção das mulheres nos
eleitoral para maximizar esse apelo coletivo, in-
partidos e seu acesso à representação política a
cluindo candidatos representando as diversas con-
partir desses níveis, considerando sua inserção
figurações sociais. A não-inclusão de pessoas
organizacional, o processo de recrutamento
oriundas de grupos sociais considerados relevan-
legislativo, que inclui fases distintas, e o compor-
tes socialmente e com apelo eleitoral, como são
tamento partidário diante das regras do sistema
as mulheres atualmente, poderia ser vista como
eleitoral. Em suma, o sistema partidário em geral
discriminatória. Já em sistemas majoritários, cada
e o contexto específico dos partidos políticos em
partido seleciona um único candidato por distrito.
particular constituem variáveis que ajudam a en-
Nesses casos, tem sido observado que os
tender não apenas a dinâmica da participação par-
selecionadores tendem a escolher candidatos que
tidária mas, sobretudo, os padrões de inserção das
maximizem as chances e minimizem os riscos elei-
mulheres nas instâncias legislativas.
torais, independentemente da configuração final
III. RELAÇÃO ENTRE SISTEMAS POLÍTI- da representação nacional. E quem são esses can-
COS DE REPRESENTAÇÃO E ELEGIBILIDA- didatos? Esse é o segundo aspecto: cada tipo de
DE DAS MULHERES sistema eleitoral está também relacionado a pa-
drões de eleição e de reeleição de candidatos. In-
Considerando o sistema partidário em sua re-
dependentemente das regras internas e das carac-
lação com o sistema eleitoral de cada país e o sis-
terísticas organizacionais dos partidos, que serão
tema de representação mais geral, há evidências
abordadas mais adiante, um aspecto extensivo aos
de que os sistemas proporcionais são mais favo-
partidos em todos os sistemas é a corrida pela
ráveis às mulheres, seguidos dos sistemas mis-
obtenção do maior número de votos possível.
tos 3 e, por último, dos sistemas majoritários
Nesse sentido, as escolhas preferenciais dos par-
(ZIMMERMAN & RULE, 1994; RULE, 1997;
tidos serão feitas com base na análise dos candi-
MATLAND, 2002; NORRIS, 2003; NORRIS &
datos considerados “bons de voto” e também da-
INGLEHART, 2003). É importante salientar que
queles considerados “ruins de voto”. Nesse pro-
tais constatações não estabelecem uma relação
cesso, tende-se a desenvolver-se uma lógica que
automática de causa e efeito. Outros fatores in-
é, ao mesmo tempo, pragmática e inercial, que se
fluenciam e condicionam a participação das mu-
reproduz de modo mais intenso nos sistemas ma-
lheres e, em certas circunstâncias, tornam-se
joritários. Supõe-se que candidatos que já são par-
mesmo preponderantes sobre aspectos do siste-
lamentares ou que tiveram votações expressivas
ma eleitoral. Mas embora essa seja a tendência
em pleitos anteriores tendem a oferecer menor ris-
geral, importa observar que quando outras variá-
co na competição, pois teriam base eleitoral, nome
veis são inseridas, tais como nível de desenvolvi-
conhecido e estrutura criada pelo próprio manda-
mento sócio-econômico e valores culturais, mais
to. Assim, parcela significativa das vagas ou da
igualitários ou mais hierárquicos, ou ainda a influ-
prioridade eleitoral4 tende a ser direcionada para
ência da religião sobre a vida social, tais correla-
aqueles que já estão ocupando cargos e estão ten-
ções tendem a sofrer alterações. Os valores cul-
tando reeleição ou então que disputam pela pri-
turais surgem como particularmente relevantes
meira vez mas compõem o perfil tradicional do
(NORRIS & INGLEHART, 2003).
representante partidário.
Em linhas gerais, destacam-se algumas razões
Existem certas características que os
pelas quais os sistemas proporcionais seriam mais

3 É o que definimos como distrital misto. Sobre esses sis- 4 No caso brasileiro, cujo universo de vagas é bastante
temas, estudos indicam, também, que as mulheres tendem amplo em razão das alterações que definiram em 150% das
a obter melhores desempenhos nos processos proporcio- cadeiras em disputa o número de candidatos que pode ser
nais e obtêm resultados fracos na parcela majoritária da lançado, essa análise pode ser trazida para a definição das
eleição (RULE & ZIMMERMAN, 1994; NORRIS, 2003). prioridades e investimentos partidários.

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selecionadores (dirigentes partidários) buscam nos lidade por parte dos que já detêm mandatos. Para
candidatos, normalmente identificados com os pa- as mulheres que estão ingressando, ao desafio de
drões dos eleitos pelo partido, além da trajetória do competir com os detentores de mandatos soma-se
candidato no partido e na área/distrito pela qual se a necessidade de conseguirem ser incluídas nos
candidata. E, por motivos históricos, aqueles que critérios anteriormente mencionados, relacionados
já estão eleitos, estão ocupando cargos ou têm his- com uma trajetória partidária e/ou política externa
tóricos partidários são, predominantemente, ho- ao partido, seja como liderança associativa, seja
mens. Nesse cenário, o fato de o sistema ser pro- representante de cargo público, entre outros. E aqui,
porcional abre mais espaço para que os partidos também, as mulheres podem encontrar-se em des-
busquem incluir em suas listas os diferentes perfis vantagem. Como observou Matland (2002, p. 113),
sociais, pois isso também se traduz em soma de o fato de esses lugares tradicionalmente serem ocu-
votos para a legenda e permite incluir novos perfis pados por homens tende a gerar padrões de eleição
que emergem como relevantes5. Tem sido obser- e perfis com potenciais eleitorais também associa-
vado que o problema das mulheres não reside tanto dos aos padrões masculinos. Essa característica
em conseguir serem indicadas candidatas e, sim, aqui denominada de “inércia” e de “maximização”
em conseguirem condições efetivas de competir – recorta todos os sistemas, mas tende a estar mais
no primeiro momento, internamente nos partidos, presente nos sistemas majoritários, porque o filtro
com aqueles que já detêm certa vantagem eleitoral dos elegíveis é mais estreito, há poucos e grandes
como a de possuir mandato ou ter redes partidárias partidos competindo e eles tendem a possuir seus
de apoio e, em seguida, externamente ao partido, perfis eleitorais tradicionais e enraizados, deixando
no mercado eleitoral (NORRIS, 2003). Nos siste- pequena margem de manobra para o ingresso de
mas majoritários, tal tarefa torna-se mais árdua, setores historicamente excluídos.
pois implica conseguir vagas do partido em distri-
O sistema proporcional tende ainda a ser con-
tos potencialmente elegíveis. Nos sistemas propor-
siderado mais vantajoso porque favorece o “efei-
cionais de lista fechada, o desafio consiste em
to-contágio”, isto é, o efeito gerado por determi-
ocupar um lugar no topo dos preferenciais da lista
nada iniciativa de um partido, que, quando positi-
de candidatura; nos proporcionais de lista aberta,
va, tende a ser incorporada por outros partidos
em obter certas prioridades nos recursos destina-
em razão de seu apelo eleitoral. Esse movimento
dos aos preferenciais. Dois exemplos são citados
tende a ser mais dificultado quando existem pou-
para ilustrar essa situação: a) o dos Estados Uni-
cos partidos com perfis de elegibilidade mais con-
dos, onde se constatou que o índice de reeleição
solidados. Por fim, o sistema proporcional vem
entre o final da década de 1970 e o meio da década
sendo considerado favorável porque torna mais
de 1990 situou-se em 85% dos representantes, e
viável a adoção de estratégias de ação afirmativa
b) o Reino Unido entre as eleições de 1997 e 2001.
tais como as cotas, uma vez que sempre há uma
Neste último caso, em razão da adoção de políticas
pluralidade mínima de candidatos concorrendo.
de cotas no Partido Trabalhista e de sua grande
Já entre os sistemas majoritários, torna-se mais
vitória sobre o “tatcherismo”, em 1987 as mulhe-
difícil conseguir comprometer partidos com me-
res saltaram de uma representação de 6% na Câ-
tas de indicação de mulheres (SCHMIDT, 2003).
mara dos Comuns para pouco mais de 18%. Ape-
sar de a política de cotas ter sido abolida posterior- Quanto aos sistemas mistos, tem sido consta-
mente, as parlamentares que concorreram conse- tado que, internamente a esses sistemas, propor-
guiram reeleger-se em 2001. cionalmente mais mulheres têm sido eleitas por
meio das listas partidárias do que por meio dos
A maximização do cálculo eleitoral passa, por-
distritos majoritários ou uninominais. Essa rela-
tanto, pela preservação de um potencial de elegibi-
ção entre sistema eleitoral e elegibilidade das mu-
lheres levou autores a designar os sistemas pro-
porcionais como friendly-system6 em relação às
5 Nesse sentido, uma das explicações da relativa facilidade
mulheres (RULE & ZIMMERMAN, 1994;
para a aprovação das cotas no país é que ela, além de não
alterar a engenharia eleitoral, pois não retira ninguém e
MATLAND, 2002; NORRIS, 2003). Segundo
tampouco estabelece qualquer punição para o não-preen- cálculos de Norris (2003, p. 1), o percentual mé-
chimento, também implica algum ganho, pois todos os vo-
tos que entram, mesmo aquelas poucas dezenas, somar-se-
ão ao quociente eleitoral. 6 “Sistema amigável” (nota do revisor).

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dio de mulheres parlamentares nos sistemas ma- IV. RELAÇÃO ENTRE SISTEMAS PARTIDÁRI-
joritários ficava em 8,5%, nos sistemas mistos OS E ELEGIBILIDADE DAS MULHERES
em 11,3% e, nos proporcionais, em 15,4%, indi-
Como a seção anterior procurou demonstrar,
cando que as mulheres têm duas vezes mais
em relação aos tipos mais gerais de sistemas polí-
chances de serem eleitas nos sistemas proporcio-
ticos de representação as evidências tendem a ser
nais do que nos majoritários. Poucos são os siste-
mais claras. Contudo, o mesmo não parece ocor-
mas mistos que adotam cotas, mas estudos que
rer em relação ao sistema partidário stricto sensu.
começam a ser feitos sobre a relação entre efeito
Não há propriamente um consenso ou mesmo um
de cotas e sistemas eleitorais têm mostrado que
conjunto mais sistemático de evidências empíricas
entre os que adotam as cotas para ambos os tipos
que indiquem padrões claros acerca de como a
de eleição – proporcional e majoritária – os resul-
natureza do sistema partidário afetaria a eleição
tados tendem a ser mais efetivos na parte propor-
das mulheres. Mas seguindo o raciocínio apre-
cional do processo. Contudo, importa considerar
sentado no início deste texto, tem sido sugerido
que, além de outros fatores influenciarem as
que os sistemas pluripartidários característicos da
chances de eleição, no interior do sistema propor-
representação proporcional, isto é, sistemas que
cional há também distinções no sistema eleitoral,
não contam apenas com dois ou três grandes par-
tais como a magnitude dos distritos, o cálculo da
tidos na representação tendem a apresentar pro-
distribuição das cadeiras e o tipo de lista eleitoral.
porção mais elevada de mulheres eleitas (DARCY,
Há autores que distinguem ainda o sistema eleito-
WELCH & CLARCK, 1994; RULE &
ral do que é definido como as “normas de distri-
ZIMMERMAN, 1994; IPU, 1997; DIAZ, 2002;
buição da proporcionalidade”. Tavares (2002, p.
HTUN, 2002; MATLAND, 2002; SCHMIDT,
9), por exemplo, sugere que, em se tratando de
2003). As razões seriam o fato de tais sistemas
análises sobre representação legislativa em siste-
possuírem mais partidos competindo e de o
mas proporcionais em que o número de represen-
pluripartidarismo estimular o “mercado eleitoral”
tantes eleitos por distritos é diferente, é necessá-
e possibilitar o surgimento mais constante de no-
rio “[...] distinguir, na totalidade do sistema re-
vos partidos, que tendem a absorver novos atores
presentativo, dois conjuntos, fundamentais e in-
sociais. Ao contrário, os sistemas dominados por
dependentes entre si, de normas reguladoras: o
poucos e grandes partidos tendem a reduzir as
apportionment, isto é, os critérios e o processo
oportunidades para os setores que tradicionalmente
de distribuição das cadeiras parlamentares entre
se encontram fora dos centros decisórios da polí-
os diferentes distritos, e o sistema eleitoral, isto é,
tica, porque suas bases de apoio já se encontram
as regras e os mecanismos que, formalizados em
padronizadas e consolidadas e sua tendência é re-
normas legais, regulam a conversão, no interior
produzir os padrões de recrutamento já estabele-
de cada distrito eleitoral, dos votos partidários em
cidos.
assentos legislativos partidários [...]. Essa distin-
ção é particularmente importante para identificar Assim, a competição partidária mais
com clareza e precisão as distorções fundamen- diversificada, combinada com o surgimento de
tais do sistema representativo na federação brasi- novos partidos, tende a proporcionar mais opor-
leira, que decorrem do apportionment e apenas tunidades de ingresso para as mulheres na esfera
secundariamente do sistema eleitoral propriamen- política. Nessa perspectiva, a fragmentação par-
te dito, isto é, da representação proporcional”. tidária8 não é entendida como necessariamente
Todos esses aspectos, que não serão objeto
de análise no presente texto, podem influenciar de no Brasil; alguns autores sugerem que, em algumas circuns-
modo diferenciado as chances eleitorais das mu- tâncias, distritos menores podem vir a ser mais favoráveis
lheres. Apenas a título de exemplo, vale registrar (SCHMIDT, 2003).
que a literatura em geral considera que a magnitu- 8 Esse conceito refere-se ao universo de partidos existen-
de do distrito pesa e nos distritos considerados tes. O grau de fragmentação é mensurado a partir de fórmu-
grandes, isto é, com maior número de cadeiras, a las específicas. Em análise comparada internacional, os gran-
eleição das mulheres tende a ser menos difícil7. des partidos são definidos como aqueles que detêm mais de
30% das cadeiras do parlamento (IPU, 1997). Tais análises
consideram sistemas eleitorais diversos, incluindo propor-
cionais, mistos e majoritários; os últimos tendem a ter pou-
7 Embora essa seja a tendência geral, não parece ser o caso cas siglas partidárias representadas no parlamento. No caso

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danosa ou constrangedora para o processo de in- 1997)10 concluiu que havia dois padrões de elegi-
corporação de mulheres. Na interpretação de al- bilidade partidária em relação às mulheres. O pri-
guns autores, essa fragmentação tende mesmo a meiro era referido ao perfil ideológico, com os
ser interpretada como benéfica, pois, ao estimu- partidos mais à esquerda elegendo mais do que os
lar a competição, estimularia a incorporação dos de centro e, sobretudo, os de direita; o segundo,
novos atores (SAINSBURY, 1993). Contudo, há em relação à magnitude do partido: os partidos de
divergências quanto ao impacto dessa fragmenta- médio porte tenderiam a eleger mais mulheres e
ção sobre o sistema político, ou seja, se a partir elas teriam menos chances nos extremos, isto é,
de determinada intensidade – isto é, um número em partidos muito grandes e nos muito pequenos.
muito grande de partidos – ela já se tornaria pro- Nesse cenário, o surgimento de novos partidos
blemática e nociva ao funcionamento do sistema seria favorável somente se se tratassem de
de representação e, em conseqüência, ao acesso agremiações progressistas, porque trariam incor-
das mulheres. Há defensores do sistema propor- porado um compromisso de princípio. Partidos
cional que argumentam que tanto a concentração tradicionalistas, sobretudo os de corte religioso,
partidária que restringe a competição a poucos e, não contariam muito, pois não incorporam mui-
em geral, tradicionais partidos, como a excessiva tas mulheres e não dão relevância a essa questão
fragmentação, que permite a existência de um (CHAPMAN, 1993; DIAZ, 2002).
grande número de partidos regionalizados e a elei-
A magnitude dos partidos e o grau de frag-
ção de parlamentares com menos de 1% dos vo-
mentação partidária gerado pelas diferenças entre
tos válidos, são manifestações problemáticas à
os diversos sistemas eleitorais são fatores que
expressão e incorporação de novas parcelas de
podem propiciar maior ou menor chance de elei-
atores sociais (TAVARES, 2002).
ção para as mulheres. Quanto menos pluripartidário
Observações nessa mesma perspectiva são é o sistema, mais ele caracteriza-se por partidos
feitas em relação às possibilidades de incorpora- muito grandes e mais consolidados, os quais não
ção das mulheres aos processos de competição se encontrariam suficientemente abertos ao ingres-
eleitoral. A representação proporcional beneficia so de novos atores. Ademais, o custo eleitoral da
mais as mulheres porque permite a existência de competição entre candidatos em seu interior ten-
um número maior de partidos e mesmo o de a ser muito elevado. Por outro lado, partidos
surgimento de agremiações novas e não-tradicio- muito pequenos e regionalizados, que disputam
nais – portanto, mais abertas aos outsiders9. No para eleger um ou dois candidatos, tendem a dar
entanto, quando essa representação é marcada pela prioridade eleitoral aos seus dirigentes, em geral
proliferação e pela constante dissolução de parti- homens.
dos, tende a tornar-se adversa. Um estudo com-
A situação brasileira pode ser ilustrativa dessa
parado envolvendo diversos países europeus (IPU,
análise. Se observarmos o cenário das candidatu-
ras, notamos que os partidos denominados de
“nanicos” tendem a apresentar elevado percentual
de candidatas quando comparados aos partidos
brasileiro, mesmo após a redemocratização e até 1986 hou- maiores. Contudo, a elegibilidade das mulheres é
ve partidos com mais de 30% de cadeiras. Mas a ampliação
do quadro partidário e as mudanças na correlação de forças
muito pequena, não obstante elas somarem votos
provocaram alterações, de tal modo que, a partir de 1990, para que alguns candidatos possam eleger-se. Nas
os maiores partidos situaram-se entre 20 e 25% de cadeiras eleições de 2002, apenas duas, das 42 parlamen-
eleitas. Nas eleições de 1994 e de 1998 dezoito partidos tares federais, foram eleitas por partidos muito
conseguiram eleger representantes. Nas últimas eleições, pequenos.
dezenove partidos, de um total de 30, elegeram represen-
tantes para a Câmara, mas o partido que mais elegeu, o PT, Como foi assinalado, o processo de recruta-
ficou com 17,74% das cadeiras. Algumas classificações mento eleitoral é mediado por fatores internos e
propostas (RODRIGUES, 1995) para a situação brasileira
consideravam partidos grandes aqueles com mais de 81
cadeiras na Câmara dos Deputados; partidos médios entre 10 Note-se que, embora em uma perspectiva comparada, o
30 e 80, partidos pequenos entre dez e 30 e nanicos, abaixo
de dez. Contudo, a distribuição atual da representação tor- estudo toma critérios de sistemas eleitorais europeus, in-
nou obsoleta essa classificação. cluindo sistemas majoritários, para definir partidos gran-
des como aqueles com mais de 30% de representantes. A
9 “Aqueles que estão fora” (N. R.). análise, portanto, não é generalizável.

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externos ao partido e ao próprio sistema eleitoral. cargos legislativos, os partidos de esquerda ter-
A eleição das mulheres também é mediada por um minaram desencadeando o mencionado “efeito
processo que envolve desde as motivações indivi- contágio” sobre as outras organizações, inclusive
duais para candidatar-se –condicionadas por sua as de corte mais conservador. Importa notar que,
disposição, pelas oportunidades para disputar e nesse processo, há um movimento de mão-dupla.
pela análise dos recursos disponíveis – até a pos- Por um lado, a crescente organização das mulhe-
sibilidade de ser indicada pelo partido. Isso, na res tende a exercer pressão no sentido de que suas
maioria dos casos, implica um cálculo pragmáti- demandas sejam apoiadas pelas direções partidá-
co da correlação de forças e dos objetivos parti- rias. Por outro, a descoberta de que as mulheres
dários em uma determinada eleição, passando, ain- são uma força eleitoral decisiva e, portanto, suas
da, por seus compromissos ideológicos. demandas não podem ser desprezadas, conduz os
partidos a assumir algum nível de compromisso
Até aqui foram abordados os aspectos mais
público em relação ao problema da sua inserção
gerais do sistema eleitoral em sua relação com os
nas esferas de poder.
partidos, ou o que poderíamos definir como fato-
res externos. A seguir, a análise dirigir-se-á às di- As derrotas eleitorais também podem operar
mensões internas aos partidos. como elemento de estímulo a mudanças nas polí-
ticas partidárias, quando os partidos vêem-se obri-
V. CONTEXTOS PARTIDÁRIOS, PERFIS IDE-
gados a reavaliar o peso do eleitorado feminino e
OLÓGICOS E ORGANIZACIONAIS E O
assumir um discurso mais aberto à causa femi-
ACESSO DAS MULHERES
nista. Essa foi a situação vivida, por exemplo, pelo
O contexto partidário, os efeitos internos aos Partido Trabalhista na Inglaterra em 1997 e por
partidos políticos, no que tange, sobretudo, à sua alguns partidos noruegueses (SKJEIE, 1996). Esse
ideologia e à sua organização, são aspectos que, efeito não necessariamente se reflete em níveis de
relacionados às características mais gerais da com- compromissos idênticos entre as diversas organi-
petição partidária, exercem influência sobre o re- zações partidárias mas, de todo modo, obriga-as
crutamento e sobre as chances eleitorais das mu- a assumir algum tipo de manifestação pública,
lheres (LOVENDUSKI, 1993; 1995; ERICKSON, formal ou efetiva. Até o final da década de 1990
1993; NORRIS, 1996, 2003; IPU, 2000; constatava-se que, mesmo entre os partidos mais
MATLAND, 2002). comprometidos com a incorporação das mulhe-
res, as estratégias mais radicais eram aquelas vol-
V.1. A dimensão ideológica
tadas para trazer mulheres para posições internas;
No que diz respeito à dimensão ideológica, a quando se tratava de nomeá-las como candidatas,
literatura indica que o engajamento político das sobretudo ao parlamento nacional, as estratégias
mulheres tem sido bem mais estimulado e, de certa tornavam-se menos radicais e mais diluídas. Com
forma, condicionado, pelos partidos de esquerda. base na análise das tentativas de resposta dos par-
O amplo estudo comparativo de Katz e Mair tidos às demandas feministas, diante do peso cres-
(1992), envolvendo 30 anos (1960-1990) de exis- cente do eleitorado feminino, Lovenduski (1996),
tência de organização de 79 partidos de democra- em levantamento envolvendo as iniciativas de par-
cias consideradas consolidadas, mostra que fo- tidos de diferentes países, identificou três tipos
ram os partidos de esquerda os primeiros a incluir básicos de estratégias que têm marcado os parti-
algum tipo de norma interna voltada para ampliar dos políticos em suas respostas às demandas das
a participação das mulheres. Talvez seja por isso mulheres, correspondendo a níveis distintos de
que, desde os primeiros anos analisados, esses compromisso. Posteriormente, Norris (2003) apri-
partidos detivessem percentuais maiores de diri- morou essa tipologia, alterando algumas de suas
gentes e de representantes parlamentares. Todos designações e detalhando as características de cada
os estudos mais recentes corroboram essa ten- estratégia, ampliando-as para pensar políticas que
dência. extrapolam iniciativas dos partidos. Em linhas ge-
Entretanto, sobretudo a partir da última déca- rais, essas estratégias são:
da, ocorreu uma disseminação de iniciativas e da a) estratégia da retórica: envolveria assinaturas
inclusão do tema nas agendas de partidos de ou- de acordos internacionais no plano governa-
tros espectros ideológicos. Ao implementarem mental e, entre os partidos, implicam que as
políticas de gênero e lançarem mais candidatas a questões das mulheres são aceitas em plata-

199
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

formas de campanhas e assumidas em discur- privilegiada (BALLINGTON & MÉNDEZ-


sos, mas não existem políticas efetivas sendo MONTALVO, 2002; HTUN & JONES, 2002;
implementadas. Exemplos de estratégias de re- NORRIS, 2003). Ainda assim, o parlamento naci-
tórica seriam a assinatura de compromissos de- onal apresenta-se como locus central de dificul-
rivados de convenções internacionais sobre dade e resistência partidária no que concerne ao
direitos das mulheres. Dependendo do com- ingresso de mulheres na representação política.
promisso das lideranças e do poder no interior
A implantação dessas estratégias é condicio-
dos partidos, as mulheres podem ser aponta-
nada pelo grau de participação e organização das
das para a disputa ou a ocupação de alguns
mulheres no interior dos partidos, pelo perfil ide-
cargos. Norris (idem) observa que esses gan-
ológico dos mesmos e também pelos contornos
hos, em geral, não são institucionalizados, mas
mais gerais do sistema político. Este último fator
derivados de líderes individuais e que podem
cria certos imperativos que os partidos necessi-
ser desfeitos em qualquer alteração de contex-
tam responder e que determinam a capacidade de
to. Alerta ainda para o risco de mulheres
absorção das demandas feministas. As dificulda-
indicadas por esses processos terem seus man-
des de adoção de cotas em países de sistema ma-
datos ou cargos vistos como concessões e não
joritário, por exemplo, necessitam ser vistas sob
resultados de bases eleitorais ou partidárias
esse prisma. A depender do sistema de represen-
próprias;
tação, independentemente do perfil ideológico, a
b) estratégias de políticas de ação afirmativa implantação das cotas pode ser praticamente im-
(Lovenduski) ou de igualdade de oportunida- possível. No sistema majoritário, a adoção da cota
des (Norris): visam a propiciar às mulheres cer- implica observar a proporção de distritos que terá
tas condições de modo a que possam desen- candidatos de um ou de outro sexo, o que pode
volver suas carreiras políticas com as mesmas interferir na lógica de maximização de votos que
condições dos homens. São definidas por cer- tende a comandar os partidos. Por outro lado, os
tos compromissos que vão além dos assumi- sistemas proporcionais podem facilitar a adoção
dos nas plataformas eleitorais ou em assinatu- de tais políticas uma vez que comportam mais de
ras formais de tratados pelo poder público; entre um candidato por distrito.
estes, podem ser citados os seminários, trei-
Entretanto, como foi visto, o acesso das mu-
namentos e metas de inclusão a serem
lheres à representação política é influenciado por
alcançadas pelo partido; treinamento de técni-
vários fatores, inclusive as leis eleitorais, enten-
cas, programas financeiros e ajuda para que as
dendo-as como os sistemas eleitorais básicos, a
mulheres possam enfrentar as campanhas elei-
adoção de medidas específicas como as cotas e
torais ou, ainda, como política institucional,
outras formas de incentivos estratégicos para os
apoios como creches e facilidades para que as
selecionadores partidários e para os candidatos
mulheres possam exercer e participar das ati-
(NORRIS & INGLEHART, 2003). Como suge-
vidades políticas e
rem esses autores, a lógica da preservação ou
c) estratégias de discriminação positiva: elabora- expansão dos ganhos eleitorais tende a exercer
das de maneira específica para beneficiar as um efeito inercial nos partidos, lógica esta que
mulheres durante um determinado período de pode ser quebrada pelas cotas, mas que também
tempo. Nessas estratégias, há uma interven- condiciona a possibilidade de sua implementação,
ção mais incisiva caracterizada especialmente mesmo quando há compromissos ideológicos mais
pela adoção de sistemas de cotas para as ins- explícitos.
tâncias decisórias e para a representação pú-
Em alguns casos, as cotas podem assumir uma
blica do partido, além de outras políticas de
característica mais formal, a depender do tipo de
gênero, como o treinamento para as competi-
sistema eleitoral, como parece ser o caso do Bra-
ções eleitorais.
sil. De outra parte, os estudos empíricos apontam
Levantamentos recentes sobre iniciativas de para uma relação entre perfil ideológico partidário
nomeação de candidaturas indicam que esse qua- e tipo de estratégia mais adotada: os partidos mais
dro vem mudando um pouco e o último tipo tende conservadores tenderiam a assumir, principalmen-
a ser mais disseminado, sobretudo em razão das te, as chamadas “estratégias de retórica”; os de
políticas de cotas, que passaram a ser a estratégia centro, as “estratégias de ação positiva”, e os de

200
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

esquerda são os que mais assumem as “estratégi- política que atingem certos segmentos e grupos
as de discriminação positiva” (LOVENDUSKI, sociais. Em se tratando dos partidos de esquerda
1996). Essas duas correlações – por sistema de e/ou alternativos – como os partidos verdes –,
representação e por perfil ideológico – são bem como suas iniciativas em geral são orientadas pela
exemplificadas em levantamento recente envolven- necessidade de alterar esse cenário, ações que
do os partidos dos países que compunham a co- venham a interferir nesses processos tendem a
munidade européia até 2003 (NORRIS, 2003). ser bem-vistas. No que tange às estratégias de
Assim, com exceção da Bélgica, que tem sistema retórica dos partidos mais conservadores, elas en-
de cotas, e da França, que estabelece um princí- volveriam o reconhecimento de que é necessário
pio de paridade em sua constituição, em todos os incorporar mais mulheres, desde que a competi-
outros países as cotas eram voluntárias, isto é, ção seja orientada pela premissa da igualdade de
não existiam legislações que as regulassem ou tor- todos sem prejuízo de qualquer competidor. Nes-
nassem-nas obrigatórias aos partidos11. No cita- se caso, é interessante mencionar uma observa-
do levantamento, foram analisados partidos con- ção de Norris (1993), para quem os argumentos
siderados relevantes – com um mínimo de dez que muitos partidos de direita ou de centro usam
representantes nas Câmaras de Deputados no ano em relação a essas políticas de gênero asseme-
2000 – perfazendo um total de 76 partidos. Entre lham-se aos utilizados para pensar a economia:
estes, 35 tinham cotas para candidaturas, 34 não baseiam-se em uma visão de livre mercado, no
possuíam essa medida e os sete restantes não ti- princípio de não-intervenção e na não-regulação
nham informações disponíveis. Entre os 35 parti- do processo de recrutamento, concebendo o sim-
dos que adotavam cotas, nove pertenciam a siste- ples jogo da competição no “mercado eleitoral”
mas majoritários e 24 a sistemas proporcionais. como suficiente para equilibrar o cenário da dis-
puta.
Importa lembrar que os sistemas proporcio-
nais tendem a possuir um número maior de parti- Mas a dimensão ideológica inclui, também,
dos. Mas isso também revela a maior facilidade certa “cultura de gênero”, expressa por meio de
de, nestes sistemas, medidas como cotas serem certos tipos característicos do eleitorado que os
adotadas. Convém registrar, ainda, que tanto en- partidos procuram traduzir no perfil de candida-
tre os partidos pertencentes aos sistemas propor- tos selecionados para representá-los. Experiência
cionais como entre aqueles inseridos nos siste- ilustrativa dessa “cultura de gênero” é a do Parti-
mas majoritários, a maior parte dos que adotavam do Trabalhista inglês, tradicionalmente identifica-
cotas era composta por um perfil ideológico de do como o partido da classe trabalhadora – clas-
centro ou de centro-esquerda. Já em outro levan- se, por sua vez, tradicionalmente identificada como
tamento (IDEA, 2003), foram identificados 122 masculina. Um dos problemas enfrentados pelas
partidos em 58 países que adotam algum sistema militantes do Partido Trabalhista durante muito
de cotas para cargos legislativos em países que tempo foi a dificuldade de convencer os dirigen-
não possuem sistemas compulsórios de cotas. Mais tes a sair das fronteiras do perfil tradicional do
uma vez, o levantamento permite constatar que o candidato – trabalhador do sexo masculino. Só
perfil ideológico é preponderantemente de esquerda foi possível abrir mais espaço para outros perfis
ou centro-esquerda e que a adoção é maior nos políticos, particularmente para as mulheres, quan-
sistemas proporcionais. do pesquisa conduzida com o intuito de explicar
as derrotas eleitorais sofridas pelo Partido entre o
Em se tratando das ações relacionadas com a
final dos anos 1980 e o início dos 1990 mostrou
inserção das mulheres, ao lado da dimensão mais
que o eleitorado feminino não votou no Partido
pragmática, envolvendo a sua capacidade de pres-
porque o identificava com um perfil muito espe-
são e as expectativas eleitorais, as concepções
cífico e definido (SHORT, 1996).
ideológicas que orientam os partidos refletem-se
também em suas ações, balizadas por suas con- Embora os três tipos de estratégias elaboradas
cepções acerca das formas de exclusão social e por Norris e Lovenduski sejam, no essencial, apli-
cáveis aos partidos em geral, convém fazer algu-
mas ponderações. Uma primeira é que as estraté-
11 Outros países europeus, considerados democracias emer- gias não podem ser vistas como rígidas ou con-
gentes, adotaram cotas mais recentemente, como, por exem- trapostas entre si. Em muitos casos, é possível
plo, a Macedônia. encontrar iniciativas que mesclam as ações defi-

201
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

nidas para uma ou outra estratégia, sobretudo em partido são vistos como fundamentais para facili-
se tratando das estratégias de igualdade de opor- tar a inserção das mulheres e criar condições de
tunidade e de ação positiva. Uma segunda ponde- competição. O nível de institucionalização
ração é quanto à definição hierárquica dessas po- organizacional do partido, seu ambiente interno, a
líticas. A forma como elas são ordenadas sugere perenidade e a homogeneidade de suas práticas
uma hierarquia de compromissos que vai de atitu- são elementos que afetam a inserção das mulhe-
des meramente retóricas a atitudes positivas res e dos outros setores que tradicionalmente não
intervencionistas, voltadas para um determinado compõem os núcleos decisórios. Há uma grande
grupo, as mulheres. Essa hierarquia tende a ser variação nas características organizacionais mas,
adequada à maior parte dos sistemas partidários também aqui, é possível encontrar certa
europeus ou aos países com democracias mais homogeneidade em torno de determinados padrões
consolidadas, nos quais o desenho do sistema organizacionais. Em geral conclui-se que dimen-
partidário tende a ser mais consolidado, mas não sões organizacionais mais estruturadas em regras
é possível incorporá-la como um modelo que se transparentes e mais padronizadas tendem a ser
encaixa em todo e qualquer contexto. No caso do mais democráticas porque permitem maior con-
Brasil e no de outros países com sistema de lista trole dos seus membros e condições prévias de
aberta, pode ser limitado definir como iniciativa participação àqueles que eventualmente queiram
máxima a existência de uma cota de candidatu- disputar um cargo. Nesse sentido, também o uso
ras, pois, até o momento, isso diz muito pouco de determinada estratégia para ampliar a presença
sobre os compromissos dos partidos com a elei- de mulheres depende, também, do tipo de organi-
ção. Ademais, foi assinalado anteriormente que em zação.
muitas situações o importante não é tanto a ob-
A partir de levantamento comparativo de di-
tenção de uma vaga para concorrer, mas a posi-
versos países com democracias mais consolida-
ção em que se concorre e o capital político de que
das, Norris (1996, p. 321) construiu uma tipologia
se dispõe para fazê-lo. Pensando no caso do Bra-
que resume as quatro formas organizacionais bá-
sil e na experiência de cotas, convém perguntar
sicas predominantes nesses países, baseadas em
se as estratégias de “igualdade de oportunidade”
duas dimensões: no grau de institucionalização e
ou de “ação afirmativa”, tais como são definidas a
no grau de centralização dos processos decisórios.
partir de suas iniciativas, não poderiam ser tão
No que tange à dimensão institucional, o sistema
eficazes quanto a estratégia de ação positiva. Isso
e as suas as regras podem mais ou menos for-
porque, conforme será observado adiante, no atual
mais ou informais. No que tange à centralização,
sistema de votação, a adoção de cotas não tem
o sistema pode ser mais centralizado ou mais lo-
implicado alteração no recrutamento, no perfil tra-
calizado. Como tipos ideais, esses padrões são
dicional de elegíveis e tampouco em investimen-
aproximações de práticas mais encontradas e não
tos nas candidaturas femininas. De outro modo,
há, necessariamente, recortes nítidos e excludentes
vários estudos têm destacado que, no primeiro
entre os quatro formatos.
momento, a construção de bases eleitorais que
permitam às mulheres candidatarem-se constitui Assim, quanto mais institucionalizada a dinâ-
o principal obstáculo e, em um segundo momen- mica e o funcionamento orgânico das estruturas
to, o obstáculo para torná-las elegíveis é a cons- internas e dos processos de seleção partidária,
trução de uma estrutura de campanha que, salvo quanto mais apoiado em normas e procedimentos
exceções, depende também dos partidos. institucionalizados e menos apoiados em relações
e lideranças pessoais, seja na estruturação de seu
V.2. A dimensão organizacional
aparato decisório, seja na prática da seleção de
A outra dimensão que afeta cada partido de candidaturas, maiores as chances de que políti-
maneira específica é a dimensão organizacional12.
O grau e o tipo de organização interna de cada
pela representação política vai orientar todo o restante de
sua ação; se se trata da socialização política de maneira
12 À parte o consenso de que os partidos políticos perse- mais ampla, envolvendo a formação, a divulgação e a orga-
guem o poder político, há diferentes formas de conceber a nização dos indivíduos, seu objetivo não seria apenas ou
forma como isso é feito; ou seja, se o aspecto central da fundamentalmente a competição eleitoral. Sobre essa ques-
atuação partidária deve ser a ação eleitoral, a competição tão, ver, entre outros, Bourdieu (1998) e Lima Júnior (1997).

202
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

cas favoráveis às mulheres venham a ser efetiva- guns dirigentes. Muitas vezes os critérios são cla-
das dentro do partido e de que haja maior partici- ros para os dirigentes, mas raramente são
pação e controle sobre a condução de políticas e explicitados para o conjunto do partido, podendo
os critérios de recrutamento (GUADAGNINI, também variar bastante de uma eleição para ou-
1993; NORRIS, 1993; MATLAND, 2002). Cabe tra. Nesse sentido, aqueles que não estão direta-
salientar que a institucionalização é referida aqui mente envolvidos nos centros de decisão possu-
aos procedimentos internos do partido, ou seja, em reduzida capacidade de interferência e dispu-
ao modo como as regras são estabelecidas, for- ta. Muitos partidos têm em seus procedimentos
malizadas e conduzidas de maneira sistemática pela informais, em suas práticas e costumes a via prin-
estrutura partidária. Isso porque existem as re- cipal de deliberação e funcionamento e estes, em
gras formais, regras legais para o sistema como geral, caracterizam-se pela personalização das
um todo, como é o caso das convenções partidá- decisões. Nesses casos, o processo pode tornar-
rias no Brasil, e existem as regras internas ao pró- se mais suscetível a práticas “personalistas” e a
prio partido – estas são as cruciais. Segundo interesses externos aos interesses programáticos
Norris e outros autores, nos partidos em que pre- do próprio partido, o que desencorajaria o ingres-
dominam estruturas orgânicas mais so de mulheres em função da característica
institucionalizadas, o processo de seleção de diri- desordenada e personalizada da competição. A
gentes e candidatos é orientado por regras inter- institucionalização implica também a estruturação
nas mais padronizadas, que tendem a ser públi- orgânica do partido dos níveis nacional ao local,
cas, detalhadas, transparentes e reconhecidas pelo por meio de regras claras quanto ao papel e à es-
conjunto dos integrantes do partido trutura de cada instância. Segundo Matland (2002,
(GUADAGNINI, 1993; MATLAND, 2002). Nes- p. 120), do ponto de vista do recrutamento eleito-
se caso, há duas vantagens: a possibilidade de que ral, sistemas burocráticos baseados em regras e
prováveis concorrentes ou candidatos possam critérios estabelecidos previamente oferecem van-
estabelecer estratégias antecipadas caso queiram tagens significativas para as mulheres, uma vez
disputar cargos ou vagas para a competição elei- que as definições sobre cargos e eleições, em ge-
toral, assim como a vantagem de que qualquer ral, consideram as estruturas organizativas de par-
tentativa de alteração das regras por parte de diri- ticipação e, nesse sentido, haveria mais chances
gentes possa vir a ser mais facilmente questiona- de as demandas das mulheres serem considera-
da. A institucionalização tende, assim, a ser favo- das.
rável aos novos atores que queiram ingressar ou
Quanto ao grau de centralização ou
competir e, neste caso, também às mulheres. Em
descentralização dos processos decisórios, é des-
partidos cujas estruturas são pouco claras torna-
tacado que, nos sistemas centralizados, os atores
se mais difícil considerar determinadas políticas
decisivos são as autoridades centrais dentro do
nacionais de médio ou longo prazo. Como suge-
partido, categoria em que podem estar incluídos
riu Matland (2002, p. 117), “[...] regras e proce-
os membros das executivas nacionais ou regio-
dimentos explícitos de nomeação podem permitir
nais, parlamentares eleitos e ainda líderes de fac-
que as mulheres identifiquem os marcos-chave
ções. Já nos sistemas cujas decisões são predo-
de decisão em tornos dos quais podem mobilizar-
minantemente localizadas, os atores centrais ten-
se em prol de suas reivindicações de representa-
dem a ser os representantes locais, categoria em
ção”13. Já regras pouco claras dificultam o reco-
que podem ser incluídos chefes de executivo, lí-
nhecimento do terreno e a ação coletiva de de-
deres de facções locais e membros de organiza-
mandas ou controle sobre as direções.
ções de base, entre outros. Cabe observar aqui
De outra parte, nos partidos em que predomi- que, diferentemente da primeira dimensão, não há
nam a informalidade e a cultura das decisões mais muito consenso sobre o grau em que um sistema
personalizadas, tais processos tendem a ser rela- mais centralizado ou localizado pode ser mais fa-
tivamente fechados, passando ao largo da vorável. Enquanto alguns autores tendem a ver
militância, ficando sob a responsabilidade de al- no sistema descentralizado, desde que formal,
mais chances de setores fora da elite partidária
influenciarem os processos (NORRIS, 1996;
13 As citações cujos originais são em língua estrangeira MATLAND, 2002), outros autores
foram traduzidas pela autora. (GUADAGNINI, 1993) observam que a existên-

203
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

cia de órgãos nacionais estruturados e com reco- como mídia local, os financiadores individuais
nhecida direção sobre o corpo partidário, com e lideranças locais, desempenhariam papel mais
critérios gerais a serem observados, em relevante. Neste caso, é difícil saber até onde
contraposição a partidos menos centralizados por- os partidos podem agir para além da retórica;
que mais regionalizados, tenderia a ser fator im-
c) o recrutamento formal-localizado: regras ex-
portante para a movimentação interna desses se-
plícitas e burocráticas tendem a ser
tores que não compõem a elite dirigente. E isso
estabelecidas e implementadas nos processos
tanto no sentido de superar os interesses paroqui-
decisórios e de seleção, por meio da organiza-
ais que tendem a predominar nas decisões mais
ção nacional ou regional. De acordo com
localizadas como nas possibilidades de implanta-
Norris, neste processo as escolhas dos indiví-
ção de políticas nacionais de ação afirmativa, já
duos para competir são tomadas, sobretudo,
que muitas vezes essas lideranças são pouco sen-
no nível local, embora instâncias regionais
síveis a ações que alterem as correlações de força
possam desempenhar algum papel. Instâncias
já estabelecidas. De outra parte, partidos com alto
nacionais também podem monitorar proces-
grau de centralização podem ser pouco maleáveis
sos e aprovar formalmente as escolhas, mas
às dinâmicas regionais e aos novos atores, inclu-
raramente decidem sobre elas. É o tipo mais
sive às mulheres.
comum na Europa Ocidental e
Esses dois vetores organizacionais e as suas
d) o recrutamento formal-centralizado: os líderes
intercessões responderiam, assim, por quatro ti-
nacionais ou as executivas nacionais dos par-
pos principais de recrutamento político sistemati-
tidos teriam a autoridade constitucional para
zado por Norris (1996, p. 317):
decidir quais os candidatos seriam prioritários
a) o recrutamento centralizado-informal: os inte- para o partido. Esse tipo de recrutamento, se-
resses locais tendem a fazer-se presentes nas gundo a autora, seria mais típico dos partidos
disputas mas é a elite central que exerce consi- comunistas.
derável controle e não há regras ou critérios
Com efeito, uma vez que os partidos buscam
explícitos e claros sobre recrutamentos ou de-
o poder – e na sociedade contemporânea fazem-
finições de cargos; as decisões tendem a dar-
no, predominantemente, por meio de eleições –, o
se por meio de processos de barganha entre
tipo de dinâmica e organização partidárias tende a
líderes centrais das frações internas que dispu-
orientar um ou outro tipo de militância política e a
tam o controle; tais decisões dependeriam muito
estar intimamente ligado ao processo de recruta-
da “simpatia” dos líderes partidários e de seu
mento eleitoral. A partir da análise de alguns parti-
poder. Como ficam as mulheres? Segundo a
dos, Norris (1993, p. 323) conclui que o tipo de
autora, nesse sistema de “autocracia benevo-
organização em que políticas de discriminação
lente” as mulheres podem ser promovidas com
positiva, como cotas, tenderiam a ser mais
relativa facilidade, dependendo da “simpatia” das
favorecidas seria o tipo formal-descentralizado.
lideranças partidárias e do seu poder. Mas sem
Quanto a isso, é preciso, mais uma vez, observar
salvaguardas institucionalizadas, tais ganhos
tratar-se de uma tipologia, construída com base
podem ser rapidamente invertidos. Um segun-
na dinâmica das democracias ocidentais mais con-
do fator desfavorável é que qualquer mudança
solidadas e, portanto, passível de adequações em
depende da disposição das lideranças para alte-
se tratando de democracias emergentes que estão
rar o status existente e, portanto, mesmo as
desenhando o seu sistema partidário. De todo
oportunidades que surgem podem ser eventu-
modo, constitui um ponto de partida útil para pen-
almente bloqueadas;
sar a situação brasileira.
b) o recrutamento informal e localizado seria mais
É mister observar que a separação analítica
encontrado entre os partidos nanicos. Não há
entre as duas dimensões não retira a sua articula-
regras padronizadas e, como as decisões ficam
ção efetiva na conduta da política partidária, na
nas mãos dos representantes locais, as possi-
engenharia eleitoral com vistas ao poder e na for-
bilidades de ações afirmativas ou metas de can-
ma como as cotas podem ou não recortar as lógi-
didaturas de mulheres também seriam limita-
cas eleitorais. O mencionado trabalho de Norris e
das; seria mais difícil para as lideranças cen-
Inglehart (2003) sobre a tendência à reprodução
trais jogar papel decisivo e certos atores, tais
de uma lógica inercial no recrutamento eleitoral

204
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

ajudar-nos a articular essas duas dimensões com Para o momento é suficiente definir os traços ge-
a lógica eleitoral para pensarmos as possibilidades rais que o caracterizam e sobre os quais existe
das cotas nesse processo. Como foi visto, a fim certa convergência para, em seguida, tentar pen-
de que os riscos eleitorais sejam minimizados, as sar alguns reflexos sobre a participação das mu-
escolhas dos dirigentes partidários levam em con- lheres.
sideração quem já está comprovadamente testado
Um primeiro e mais saliente aspecto diz res-
eleitoralmente ou quem tem potencial para entrar
peito ao alto nível de fragmentação que o caracte-
na disputa. A elite política, ou quem já está testa-
rizou nos últimos dez anos. A partir de análises
do, tem certas características mais típicas, como
comparativas, baseadas em distintos critérios de
ser masculina, pertencer a certas profissões e ser
aferição, a maior parte dos trabalhos aponta o Bra-
tradicionalmente oriunda de determinados grupos
sil como um país com alto nível de fragmentação
étnicos ou sociais; assim, sem formas de inter-
partidária. Essa fragmentação seria elevada mes-
venção externa, as alterações nos padrões de in-
mo quando se consideram apenas os partidos com
gresso tendem a ocorrer nesse ritmo inercial. A
acesso ao parlamento, retirando-se aqueles que
adoção de medidas como cotas de candidaturas
apenas concorrem sem alcançar quociente eleito-
ou de assentos administrativos ou legislativos
ral suficiente para a representação parlamentar
constituiriam medidas externas que quebrariam
(KINZO, 1993; TAVARES, 1994; RODRIGUES,
essa tendência. Por sua vez, essas adoções estari-
1995; NICOLAU, 1996; LIMA JÚNIOR, 1997;
am condicionadas a um fator mais geral: o siste-
TAVARES, 2002). O consenso pára aqui. O mes-
ma e as leis eleitorais também determinam o grau
mo não pode ser dito quando se trata de identifi-
de incentivo para a adoção de políticas de cotas
car as razões para que isto ocorra e a extensão
bem como das regras que tornam efetivo o seu
em que essa fragmentação afeta – ou não – a es-
funcionamento.
tabilidade da democracia. Para alguns, o
Mais ainda: para que a escolha pragmática e multipartidarismo brasileiro é visto como extre-
racional dos dirigentes e a inércia que dela tende a mado e, nesse sentido, como um problema que
resultar possam ser alteradas pelas cotas, fatores gera impactos negativos sobre a dinâmica política
ideológicos e/ou organizacionais também neces- representativa e a relação poder Legislativo versus
sitariam operar no processo, de modo a possibili- poder Executivo. Para outros, a fragmentação é
tar equilíbrios entre compromissos ideológicos inerente ao próprio sistema multipartidário; o nú-
com as cotas e determinantes pragmáticos. Neste mero de partidos brasileiros não destoaria dos
caso, a característica organizacional dos partidos números encontrados nas democracias européias
pode ser decisiva para que tais medidas possam com representação proporcional (FIGUEIREDO,
ser preservadas nas engenharias eleitorais. Fóruns 2004) e, isoladamente, não constituiria problema
decisórios não formais e mais coletivos podem maior para a democracia e a dinâmica política.
funcionar como fator de pressão para a preserva- Nesse caso, o próprio multipartidarismo extremado
ção de compromissos que ultrapassam o momen- seria uma decorrência de outro fator a ser corri-
to eleitoral. gido – a construção dos critérios de
proporcionalidade – e não o elemento gerador do
Tendo sido analisadas as principais dimensões
problema.
envolvidas no sistema partidário e em sua relação
com o sistema eleitoral, a seção seguinte do artigo O personalismo que vigora no sistema parti-
procura introduzir essas reflexões no caso brasi- dário é um outro aspecto bastante mencionado.
leiro e articulá-las com a experiência recente da Algumas características do sistema eleitoral são
adoção de cotas. lembradas como fatores que contribuem para a
personalização, tanto do processo eleitoral em si
VI.O SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO E
como da vida partidária e do sistema de eleição
A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES
em candidatos individuais. Além disso, há a cultu-
O sistema partidário brasileiro tem sido objeto ra política ainda marcada por práticas clientelistas
de grandes debates e controvérsias, que não se- como mediação de acesso a direitos. Assim, ao
rão analisadas dentro do escopo deste trabalho14.

outros, Santos (1987), Lima Júnior (1992; 1997), Nicolau


14 Para uma discussão mais pormenorizada ver, entre (1996) e Tavares (2002).

205
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

mesmo tempo em que os partidos constituem o como se pode pensar a influência do sistema par-
locus institucional por meio do qual se dá a orga- tidário brasileiro sobre o acesso das mulheres à
nização da representação política da sociedade, representação? Tomando-se como indicativo as
muitas de suas práticas e normas incentivam o observações anteriores e analisando com
papel de mediação das lideranças individuais e a parcimônia, é possível mencionar três aspectos
competição “intra”, e não entre partidos. Além de do sistema partidário que podem afetar o desem-
gerar a competição no interior das próprias orga- penho das mulheres. O primeiro é a fragmenta-
nizações, essa característica enfraquece a dimen- ção partidária. Nesse caso, há dois possíveis re-
são coletiva das instituições e incentiva práticas sultados que apontam em direções opostas. De
de patronagem e clientelismo (LIMA JÚNIOR, acordo com o que foi discutido acima, pode-se
1997). dizer que o fato de, no Brasil, em geral, predomi-
nar o multipartidarismo sem grandes e poucos
Um terceiro aspecto que merece ser destaca-
partidos – compreendidos como partidos que de-
do é o da debilidade no grau de nacionalização
têm acima de 30% das cadeiras legislativas – con-
dos partidos, caracterizada na existência de um
figuraria um cenário favorável às mulheres, pois
hiato entre as instâncias e definições nacionais e
grandes e poucos partidos, como foi visto, ten-
as políticas e organizações locais. Na maior parte
dem a ter postura mais conservadora em relação
das agremiações predominam vínculos regionais
aos grupos outsiders da política. Por outro lado, o
ou locais, em detrimento de uma agregação naci-
fato de existir um grande número de partidos muito
onal pautada por objetivos programáticos, o que
pequenos não facilita a eleição de mulheres, em-
leva a arranjos localizados, muitas vezes descola-
bora elas possam ser absorvidas como candidatas.
dos das orientações nacionais e voltados para a
Os partidos elegem pouco e, nesse caso, estão
acomodação dos interesses paroquiais das elites
envolvidos aspectos de competitividade relacio-
locais.
nados com o tipo de capital eleitoral requerido.
Em decorrência desses e de outros aspectos,
A característica do personalismo, que tende a
vários autores concluem pela marca da debilidade
marcar a atuação de muitos partidos, conferindo-
na maior parte dos partidos políticos brasileiros,
lhes também uma prática política individualizada
que se caracterizam pela ausência de organicidade
e mediada pelo clientelismo, pode ser considerada
e pela fluidez institucional (LAMOUNIER, 1989;
como um fator que afetaria negativamente as
KINZO, 1993; LIMA JÚNIOR, 1997). Contudo,
mulheres. Práticas pouco orgânicas e pouco
refletindo a ausência de consenso, outro autores
institucionalizadas aumentariam a dependência dos
apontam em sentido contrário. Nicolau (1996, p.
atores que tentam ingressar em relação aos che-
10), por exemplo, distingue entre concepção am-
fes políticos, dificultando uma ação política mais
pla e estrita de partido, a última definida por sua
coletiva e programática, inclusive em relação às
característica singular de competir por votos.
políticas de gênero, com implicações, também,
Nessa perspectiva, considera que há uma análise
sobre a pressão política das mulheres, conforme
pessimista quanto à existência dos partidos políti-
foi visto acima.
cos no Brasil. Essa análise basear-se-ia em uma
concepção idealizada de partido, “[…] com ca- Por último, no que tange ao aspecto da nacio-
racterísticas substantivamente definidas (ideolo- nalização partidária, pode-se dizer que o constata-
gia, participação, organização) e supostamente do hiato entre os objetivos programáticos no pla-
existente em outras democracias” que serviria de no nacional e os objetivos contextuais localiza-
modelo e definiria a inexistência dos mesmos no dos, produzindo uma espécie de segmentação par-
Brasil. Nessa mesma perspectiva, Santos (1997) tidária, dificulta a implantação de políticas de gê-
constatou uma elevação do grau de coesão e de nero mais sistemáticas. A ausência de uma ação
disciplina partidárias, o que sugeriria a tendência coordenada com base em orientações mais am-
ao reforço da organicidade dessas instituições no plas e menos contextuais tende a deixar as deci-
Brasil, em detrimento da prática em torno dos ato- sões ao sabor dos interesses locais dos dirigen-
res ou líderes individuais. tes. Assim, mesmo quando a direção partidária
compromete-se com certas proposições, o fato
Como se pode notar, não existe um consenso
de não existirem vínculos mais estreitos entre os
que facilite a análise sobre os fatores determinantes
diversos níveis hierárquicos de direção dificulta
da situação das mulheres. Diante desse quadro,
que possíveis iniciativas mais gerais venham a ser

206
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

assumidas nas instâncias mais localizadas. bém, como importante fator de formação e de
domínio das regras do jogo político. Decerto, nem
VII. ALGUMAS EVIDÊNCIAS SOBRE A SITU-
todos os partidos definem de modo idêntico o que
AÇÃO BRASILEIRA DIANTE DESSE CE-
constitui a “militância” e também a “qualificação
NÁRIO
política”. O tipo de militância varia de acordo com
As observações seguintes são fruto da pesqui- os objetivos centrais do partido. De igual modo, o
sa mencionada no início deste texto sobre os par- tipo de “qualificação” requerida para o exercício
tidos políticos brasileiros; elas sintetizam algumas de um cargo partidário ou uma candidatura de-
das práticas e percepções que puderam ser ob- pende da perspectiva ideológica e da dinâmica
servadas durante o período investigado e procu- organizacional do partido. As organizações que não
ram estabelecer nexos entre traços locais e os possuem vida orgânica mais sistemática certamen-
padrões mais gerais anteriormente discutidos. O te não comporão suas direções e nem terão como
fio condutor desta parte da análise é o processo requisito que o candidato tenha experiência ou
de incorporação das cotas pelos partidos, traba- militância partidária constante. Particularmente
lhado a partir de entrevistas com diferentes atores diante do sistema eleitoral brasileiro, o capital po-
partidários – dirigentes, representantes de núcle- lítico necessário para tentar uma candidatura não
os de mulheres, parlamentares, candidatos não- passa necessariamente por critérios de militância
eleitos – e da análise de seus documentos básicos partidária. Nesse sentido, não cabe esperar um
– regimentos, programas e cartilhas produzidas padrão único de atuação partidária ou “qualifica-
pelos movimentos de mulheres. Com base nesse ção” política; no entanto, mesmo os partidos nos
processo, tentou-se esboçar um quadro mais ge- quais predominam as práticas mais individualiza-
ral acerca de como a problemática de gênero é das possuem instâncias coletivas, formais ou in-
incorporada pelos partidos e mediada de acordo formais nem as utilizam quando se trata de definir
com suas características ideológicas e procedimentos políticos estratégicos.
organizacionais. De modo breve, são apresenta-
Por meio de diferentes critérios, a instituição
dos alguns indicadores dessas duas dimensões,
partidária confere a certos indivíduos aquilo que
procurando identificar como as novas demandas
Bourdieu (1998) define como “capital delegado”,
das mulheres vêm sendo acomodadas e como os
obtido em decorrência de algum tipo de investi-
partidos diferem em seu tratamento. Dado que a
mento ou dedicação à instituição. Diante das ca-
análise específica do processo das cotas não é o
racterísticas dos partidos, em qualquer tipo de
objeto deste texto, serão feitas apenas algumas
instituição, ter domínio sobre a máquina partidá-
considerações gerais que podem ser pensadas para
ria constitui importante tipo de capital político, que
além da experiência de implantação das cotas.
pode eventualmente se reverter em capital eleito-
É importante considerar que há certas carac- ral, sobretudo quando os arranjos político-eleito-
terísticas de nossa cultura política que são rais tendem a ser mais individualizados. Assim,
marcantes para o campo da política como um ter algum tipo de participação e convivência inter-
todo, mas essa cultura não é estática nem na, cujas características dependerão da dinâmica
condicionante; ela é alterada, fortalecida ou própria a cada partido, pode ser algo importante
enfraquecida por um conjunto de fatores, dentre para o conhecimento das regras do jogo, um fu-
os quais se encontram a perspectiva ideológica turo domínio da máquina partidária e possível
das organizações e os imperativos sociais e políti- competição eleitoral.
cos do contexto. Portanto, é possível pensar que
Tais capitais e saberes, por sua vez, encon-
as mudanças políticas recentes venham a ter im-
tram-se articulados às características sistêmicas
pactos, também, sobre a cultura organizacional
e institucionais dos partidos, notadamente as ide-
dos partidos brasileiros.
ológicas e organizacionais, discutidas em seções
VII.1. Ideologia, organização e militância parti- anteriores. Tomando como referência mais geral
dárias na prática dos atores políticos as duas principais dimensões envolvendo os par-
tidos políticos, procurou-se considerar um con-
A vida partidária fora dos momentos eleitorais
junto de variáveis que pudessem oferecer indica-
pode servir a vários propósitos e refletir o tipo de
dores sobre a variável “gênero” face às ideologias
dinâmica que o partido estabelece com seus inte-
e dinâmicas organizacionais partidárias. Embora
grantes. Nesse sentido, pode ser considerada, tam-
o propósito não fosse “enquadrar” os partidos

207
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

brasileiros na tipologia discutida anteriormente, básico concorrer às eleições. Enquanto uma parte
inclusive porque o universo investigado foi bas- – sobretudo dos partidos de esquerda e algumas
tante delimitado – seis partidos políticos – e as dos de centro – afirmava um discurso ideológico,
características do nosso sistema não são exata- outras salientaram que na opção pela filiação ao
mente as mesmas das democracias ocidentais mais partido havia considerado a facilidade de contatos
consolidadas, foi possível identificar no espectro políticos visando a conseguir legenda para con-
analisado contornos partidários próximos de al- correr ou que poderia ter ocorrido em outros par-
guns dos tipos mencionados por Norris (1996). tidos com perfis semelhantes, desde que essas
Embora um trabalho mais criterioso de análise seja chances se apresentassem. Algumas candidatas,
necessário, de modo bastante geral e não-conclu- cujas filiações foram recentes, disseram-se moti-
sivo, é possível indicar certas aproximações entre vadas pelas cotas. O projeto de candidatura fazia
os partidos analisados e a tipologia descrita. As- parte dos planos da maior parte das candidatas,
sim, por exemplo, as dinâmicas do Partido Pro- independentemente das cotas, mas mesmo as que
gressista (PP), Partido da Frente Liberal (PFL) e já pretendiam concorrer afirmaram sentirem-se
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro mais estimuladas pela existência da lei.
(PMDB) surgem como mais próximas à do tipo
Entre os entrevistados observou-se que, pro-
centralizado-informal, ao passo que o Partido dos
porcionalmente, os homens têm uma história de
Trabalhadores (PT) parece aproximar-se mais do
envolvimento partidário mais antiga. Essa trajetó-
tipo descentralizado-formal; o Partido Democrá-
ria de militância mais longa resulta em maior in-
tico Trabalhista (PDT) transitaria entre o tipo cen-
serção nas instâncias diretivas do partido, o que,
tralizado-formal e descentralizado-formal, com
no entanto, não é algo particular a esse universo,
maior proximidade do primeiro tipo15. De certo
refletindo os padrões de inserção por gênero. Con-
modo, se tomarmos essa referência e considerar-
tudo, no caso das mulheres, em se tratando do
mos os partidos por seus contingentes de mulhe-
universo analisado, parece haver uma interseção
res nas representações internas e externas, é pos-
entre possibilidade de militância mais orgânica e
sível notar certa coerência com as correlações
perfil ideológico do partido. Em geral, mesmo
identificadas para as democracias ocidentais con-
considerando as mulheres cuja motivação inicial
solidadas.
foi a candidatura, isto não parece reduzir o inte-
Considerando essas perspectivas e dinâmicas, resse e as expectativas quanto a uma participação
a pesquisa empírica procurou identificar qual o mais efetiva nos partidos. A maioria dos entrevis-
nível de participação dos entrevistados e como tados, homens e mulheres incluídos na categoria
eles encontram-se inseridos nas práticas partidá- de não-eleitos, fez observações críticas à vida
rias de seus respectivos partidos. Os parlamenta- partidária, as quais foram interpretadas como certa
res constituem um caso à parte, já que sua pró- sensação de exterioridade em relação ao que se
pria condição gera um tipo de relação particular. passa no interior do partido, pela ausência de ca-
Em relação ao tempo e às motivações da filiação, nais de expressão, sobretudo no momento eleito-
constatou-se que um número maior do que o es- ral. Mas essas pessoas remetiam tais críticas, tam-
perado de entrevistados não incluídos como diri- bém, à ausência do funcionamento formal das ins-
gentes ou parlamentares tinha uma história mais tâncias. A exceção eram aqueles que compunham
longa nos seus respectivos partidos, o que sugere diretórios regionais ou instâncias importantes do
algum vínculo ideológico e não apenas eleitoral. partido, que se percebiam bastante afinados com
Contudo, o que mais chamou atenção foi o fato as decisões e a dinâmica partidária. No entanto,
de que, entre os que possuem filiação recente, a nesse cenário mais uma vez os elementos ideoló-
maioria era composta de mulheres e uma parte gicos e organizacionais cruzam-se para caracteri-
declarou que suas filiações tiveram por objetivo zar certas práticas. Práticas mais institucionalizadas
e coletivas parecem ser comuns entre os partidos
mais à esquerda, eventualmente no centro e me-
15 Outros partidos brasileiros que não se encontram no nos comuns entre os partidos de direita. Os filiados
espectro analisado também podem ser aproximados, tais ao PT, PDT e ao Partido da Social-Democracia
como o Partido Verde (PV), cujas dinâmica e características Brasileira (PSDB) afirmaram ter algum tipo de
parecem mais típicos do tipo descentralizado e informal,
militância nos seus respectivos partidos, se não
enquanto o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) estria
mais para o tipo centralizado-formal. por meio de participação em diretórios zonais e/

208
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

ou núcleos partidários, pelo menos via reuniões cotas e demonstraram ter maior conhecimento
eventuais com os militantes da área. O outro ex- acerca da dinâmica e das políticas partidárias do
tremo encontrava-se entre candidatas dos parti- que outros tipos de militantes e até mesmo de di-
dos definidos como ideologicamente de direita: a rigentes, sugerindo que ter um mandato pode ser
maioria disse nunca ter sido chamada para parti- bem mais relevante do que ter uma prática mais
cipar de qualquer reunião fora do momento elei- constante no partido.
toral, antes ou após o pleito.
VII.2. Investimentos em políticas de gênero
Essa condição de exterioridade é também
Investimentos em políticas de gênero podem
marcada pelo gênero, pois as mulheres ressen-
ser entendidas como políticas ou estratégias es-
tem-se mais do que os homens, mesmo quando
pecíficas definidas oficialmente pelo partido como
se comparam os atores pertencentes a um mes-
medidas que visam a facilitar a presença das mu-
mo agregado ideológico. Para além do fato de
lheres na vida partidária, bem como iniciativas
possuírem militância mais recente, é provável que
esporádicas ou permanentes em termos de for-
o envolvimento das mulheres seja condicionado
mação e capacitação da militância feminina. De
por sua dinâmica de vida familiar e profissional, o
fato, formulações programáticas genéricas de
que dificulta sua inserção em espaços já consoli-
compromisso com os direitos das mulheres são
dados em suas práticas e ocupados por outros
comuns a todos os partidos e por isso não cons-
atores. Essa última observação deixa uma interro-
tituem indicadores relevantes, a não ser para co-
gação sobre um outro impacto das práticas mais
tejar as diferentes estratégias identificadas por
orgânicas e perenes, ou seja, se tais práticas, que
Lovenduski (1993) e Norris (2003). Mas aqui é
envolvem a formação de um capital político, não
interessante mencionar que os registros relacio-
surtiriam um efeito contrário para as mulheres, já
nados às mulheres nos programas partidários de
que elas ver-se-iam limitadas por suas atribuições
alguns desses partidos ainda surgem tendo como
domésticas e familiares. Na medida em que ne-
forte referência à sua condição de mãe e instru-
cessitariam dar conta de sua presença em várias
mento de sustentação e reprodução de valores fa-
dimensões simultaneamente (a política, a profis-
miliares e não à sua condição de sujeitos políti-
sional e a doméstica) e que as carreiras internas –
cos configurados independentemente da materni-
não apenas no interior da estrutura partidária, mas
dade e/ou da família16.
na interseção com outras bases sociais – tendem
a ser importantes para a disputa eleitoral, as mu- Acompanhando a tendência geral mencionada
lheres poderiam ver-se em situações de desvanta- anteriormente, também no Brasil os partidos co-
gem política. Nesse caso, a prática orgânica mais meçam a adotar cotas para as suas instâncias par-
intensa poderia exercer um efeito contrário ao tidárias. Essa política ainda é mais presente entre
esperado pela literatura, evidenciando situações de os partidos definidos como de esquerda e menos
desvantagem em contextos mais e menos orgâni- entre os definidos como de direita. No caso dos
cos. Essa hipótese, porém, precisaria ser mais bem partidos analisados, o PT apresenta uma trajetória
investigada. mais sólida na adoção dessa política, embora isso
não signifique ausência de conflitos. Além disso,
Por fim, em relação aos parlamentares, há um
até o momento da coleta dos dados – março de
certo padrão de atuação partidária que surge da
2003 –, integrantes da secretaria de mulheres do
observação. A participação do parlamentar dá-se,
PT e do PSDB mencionaram iniciativas na área
em geral, por meio de diretórios municipais e/ou
de formação, com cursos sobre relações de gêne-
regionais, porém de modo esporádico. Em geral,
ro integrando a agenda dos órgãos responsáveis
a dinâmica parlamentar é condicionada pela rela-
pela formação. A publicação de materiais dirigidos
ção com suas bases eleitorais e não passa muito
às mulheres também começa a ser uma prática
pelos organismos partidários, a não ser em situa-
partidária comum, especialmente em períodos
ções especiais e momentos-chave da vida parti-
próximos às eleições. Um exemplo recente é a
dária. Quanto a isso, não se observaram diferen-
publicação do Partido da Frente Liberal (PFL), no
ças entre os sexos. O corte um pouco mais evi-
dente é o ideológico. Em relação às cotas, os par-
lamentares dos partidos de esquerda referem-se
mais constantemente a algumas discussões ocor- 16 Esses são os casos, por exemplo, dos programas nacio-
ridas nos diretórios, dominavam mais o tema das nais do PPB/PP, ambos editados em 1999.

209
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

ano de 2001 (PFL, 2001). Constatou-se, também vados que os de direita. Quando nos voltamos para
no PT, certo tipo de apoio mais logístico, que pode examinar os órgãos executivos, aqueles que re-
envolver a prestação de serviços de creches quando presentam o núcleo de poder e que realmente de-
ocorrem eventos maiores, como, por exemplo, cidem a vida partidária, os percentuais de partici-
congressos e encontros. Mas todas essas iniciati- pação sofrem alguma variação, mas mantêm-se
vas foram demandas dos núcleos de mulheres, mais significativos entre os partidos de esquerda.
envolvendo muitas negociações e conflitos inter- A comparação entre partidos que possuem políti-
nos. cas de gênero, voltadas para a participação nas
instâncias decisórias, e partidos que não possu-
VII.3. Presença nas instâncias deliberativas
em, sugere que há alguma eficácia dessas políti-
Decerto, as cotas podem ser importantes para cas, alargando a presença feminina nos centros
que questões venham a ser incorporadas na agen- de decisão.
da dos partidos. O grau de inserção nas instâncias
VII.4. A organização das militantes partidárias
decisórias pode expressar também as políticas e
os espaços que os partidos conferem às mulhe- Tradicionalmente, foram os partidos alinhados
res, além de ser indicador do estado geral da sua à esquerda aqueles que mais tomaram iniciativas
participação partidária. Como foi mencionado, esse no sentido de estimular a organização específica
não é um problema particular ao Brasil, afetando, das mulheres. Contudo, há indícios cada vez mais
de maneira significativa, partidos com diferentes fortes de que tais iniciativas vão perdendo essa
perfis ideológicos, inseridos em diferentes siste- conotação ideológica e começam a perpassar as
mas políticos, conforme foi mostrado anterior- organizações partidárias em geral. Por um lado,
mente. Em levantamento realizado em 1997, en- essas inclusões refletem a legitimidade e o espaço
volvendo 418 partidos de 86 países em diferentes que o tema da participação política da mulher ad-
continentes, constatou-se que em apenas 10,8% quiriu na sociedade. Por outro, como conseqüên-
desses partidos as mulheres ocupavam cargos de cia dessa legitimidade, refletem também a percep-
presidente ou secretária-geral (IPU, 1997). Exa- ção partidária de que as mulheres e/ou o tema dos
tamente por isso, a extensão em que as mulheres direitos das mulheres ganhou apelo eleitoral e,
encontram-se inseridas nas instâncias decisórias portanto, é proveitoso incorporá-lo de alguma for-
pode dizer-nos muito sobre a cultura política pre- ma. Nesse sentido, ter previsto em seu estatuto a
dominante em relação ao gênero e o compromis- “organização das mulheres”, assim como de ou-
so e o investimento do partido em prol de melhor tros “setores específicos”, não constitui mais um
equilíbrio na participação. Por outro lado, as polí- indicador significativo de compromissos com a
ticas de cotas, sozinhas, parecem ter pequeno questão de gênero, mas o reconhecimento geral
poder de alterar as regras do jogo partidário. A que o tema da inclusão de certos setores sociais
presença das mulheres pode ou não expressar mu- adquiriu no campo da política. De todo modo, isso
danças efetivas no sistema de valores e de práti- pode ser considerado um tipo de “efeito contá-
cas dos partidos. Nesse sentido, embora as metas gio”, de determinados partidos sobre outros, de-
de inclusão nas instâncias decisórias sejam im- corrente da pressão e organização das mulheres.
portantes, sem alterações que permitam que es-
Possuir ou não uma organização de mulheres
sas próprias instâncias tenham, de fato, poder de
no partido pode fazer diferença, quer seja na ca-
decisão e sem mecanismos institucionais que pos-
pacidade de, em nome do partido, tomar iniciati-
sibilitem às mulheres sair da condição de
vas de apoio e mobilização das candidatas, quer
exterioridade à dinâmica partidária, a presença nos
seja na atuação como instrumento de pressão po-
diretórios pode ser apenas formal.
lítica sobre as direções partidárias ou ainda como
Neste texto não serão apresentados dados es- instrumento de mobilização de mulheres para as
tatísticos sobre a participação de mulheres em campanhas majoritárias do partido. Contudo, vale
diretórios, mas cabe adiantar que essa participa- considerar dois aspectos. Um primeiro é que este
ção tem crescido em geral nos últimos dez anos. não é um dado independente de outras variáveis.
Contudo, a clivagem ideológica é clara. Os parti- O grau de organização desses movimentos ajuda
dos de esquerda apresentam números bem mais a definir seu nível de influência junto às direções
significativos que os de centro e de direita e os partidárias. Um segundo é que, mesmo entre os
partidos de centro apresentam índices mais ele- partidos com tradição de organização, o poder de

210
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 193-215 JUN. 2005

mobilização e, sobretudo, de pressão junto às di- ao processo interno que envolve a adoção das
reções partidárias é muito escasso; as ações, como cotas. As cotas constituem hoje um dos princi-
se viu, assumem uma característica mais ou me- pais emblemas de compromissos partidários para
nos paralela ao núcleo de articulação e ação políti- com as mulheres. Nesse sentido, pensando as
ca dos partidos, sem muito poder de influência organizações partidárias com base em um
sobre as decisões partidárias centrais. continuum que vai da esquerda à direita, pode-se
concluir por uma debilidade menor entre os parti-
VIII. EM QUE OS PARTIDOS FAZEM DIFE-
dos de esquerda e maior debilidade entre os de
RENÇA?
direita. Contudo, se os partidos diferenciam-se de
Em seu robusto estudo comparativo sobre a algum modo na forma como seus dirigentes per-
organização partidária, Katz e Mair (1992, p. 1) cebem a política de cotas e na condução inicial
afirmam que os partidos importam e “permane- dada ao processo, essa diferenciação parece dis-
cem como a forma básica, representativa e legíti- sipar-se no que tange à competição eleitoral. Os
ma de ligação entre cidadãos e o Estado”. Cami- investimentos, assim como as lógicas que coman-
nhando em sentido oposto a boa parte dos estu- dam as estratégias de competição, obedecem pre-
dos recentes, que destacam o esgotamento des- dominantemente aos imperativos eleitorais e, nes-
sas agremiações como veículo de organização se sentido, desconhecem, ao mesmo tempo em
coletiva e canal de viabilização da representação que reproduzem, possíveis desigualdades de gê-
política, os autores afirmam que os partidos con- nero como variável interveniente entre os compe-
tinuam a ser o principal meio por meio do qual a tidores. Quanto a isso, os partidos aproximam-se
população pode cobrar de seus governantes suas na forma da argumentação: o partido tem que pre-
responsabilidades e seus desempenhos nos car- servar a sua estratégia eleitoral e, sobre isso, não
gos. Afirmam, também, que não há evidências há muito como definir políticas específicas.
empíricas de que a era dos partidos tenha passa-
Cabe perguntar, por fim: como as caracterís-
do e concluem que essas organizações permane-
ticas ideológicas e organizacionais dos partidos
cem centrais para as concepções modernas de
afetam as estratégias das mulheres? No Brasil, os
processo democrático. Entretanto, reconhecem
partidos incorporam um discurso favorável à
que há aspectos centrais que podem indicar o grau
mulher em seus programas, plataformas eleito-
em que os partidos conseguem organizar-se para
rais e nos pronunciamentos dos dirigentes. Isso
responder aos conflitos sociais, comprometer-se
pode ser visto como algo positivo, na medida em
com demandas e incluir novas configurações so-
que expressa o apoio e o apelo que o tema dos
ciais geradas pela sociedade. Além disso, enume-
direitos das mulheres angariou na sociedade como
ram uma série de fatores relevantes que dão mar-
um todo. Mas para além dos compromissos in-
gem às críticas dirigidas aos partidos. Entre esses
tencionais, poucos são os partidos brasileiros que
fatores, os autores incluem a organização, as po-
implementam ações mais substantivas nesse sen-
líticas e a presença de mulheres em suas direções
tido. Resgatando os três tipos de estratégias ela-
internas e em seus cargos legislativos (idem). Os
borados por Lovenduski (1993) e Norris (2003),
dados da pesquisa, que cobriu até o ano de 1990,
pode-se dizer que em termos de compromissos
mostraram que, na época, a maior parte das orga-
ideológicos e mudanças organizacionais a estraté-
nizações não possuía políticas muito claras de
gia da retórica ainda é predominante entre os par-
organização de mulheres, mas entre as que pos-
tidos brasileiros analisados e a adoção das cotas
suíam podia ser identificado um perfil ideológico
não foi, até o momento, suficiente para alterar esse
mais à esquerda e/ou partidos menos tradicionais.
cenário; a análise com base na clivagem ideológi-
Já as informações mais recentes (IPU, 2000;
ca e no grau de institucionalização partidária con-
DALRHUP, 2003; NORRIS, 2003) sugerem uma
firma que há uma variação na forma como os par-
alteração positiva nesse quadro. Ou seja, muitos
tidos respondem internamente às demandas das
partidos têm explicitado em seus programas com-
mulheres, sendo tal resposta mais efetiva à medi-
promissos com a igualdade e têm também criado
da que os partidos encontram-se mais à esquerda
políticas de ação afirmativa e políticas de cotas
e são mais estruturados organicamente. Ao mes-
para seus cargos internos e externos.
mo tempo, é possível indicar, para futuras inves-
No cenário brasileiro, os partidos em geral vêm tigações, que há alguma proximidade entre os
respondendo aquém das expectativas em relação modelos de organização partidária discutidos e as

211
PARTIDOS POLÍTICOS E GÊNERO

práticas mais ou menos favoráveis às políticas de formato e as práticas partidárias, inclusive em re-
gênero no interior dos partidos brasileiros. Mas, lação ao processo de recrutamento eleitoral e à
em geral, pode-se dizer que a permanência de uma lógica que comanda os investimentos eleitorais.
cultura política ainda pouco marcada por valores Como foi mencionado, o recrutamento partidário
igualitários em relação ao gênero dificulta a ampli- com vistas à competição eleitoral, isto é, a cons-
ação de investimentos partidários nessas políticas, trução e definição de candidaturas, são mediadas
as quais, em certas circunstâncias, exigem lógi- por padrões e perfis eleitorais já testados e/ou com
cas menos localistas e mais ideológicas. capital eleitoral capazes de estar efetivamente na
competição. As cotas podem incidir sobre essa
Vale notar que a pressão e a capacidade de or-
dinâmica, mas podem ser também limitadas por
ganização das mulheres são aspectos que influen-
ela. No caso brasileiro, devido à característica do
ciam na capacidade de resposta do partido. Con-
sistema de lista aberta e a individualização da com-
tudo, quando se passa do plano da participação
petição, é provável que essa tendência inercial opere
interna para o da representação eleitoral, percebe-
de modo desfavorável às mulheres no momento
se que o nível de diferenciação entre os partidos
de distribuição de apoio e/ou investimentos parti-
decresce bastante. Embora possam-se observar
dários. As cotas parecem ser limitadas para alte-
certas diferenças no quadro do recrutamento elei-
rar essa lógica. Isso, contudo, não significa esta-
toral das candidaturas – em termos de quem entra
belecer uma contraposição entre sistemas de lista
por onde – os tipos de investimentos de gênero
(aberta ou fechada) e situações favoráveis ou des-
não necessariamente se revertem em capital elei-
favoráveis às mulheres. Muitas análises, envol-
toral. Quanto a isso, parecem pertinentes as con-
vendo sistemas que adotam listas fechadas, têm
clusões de Samuels (1997, p. 525), quando suge-
mostrado que as mulheres ficam dependentes dos
re que “[…] em importantes aspectos da estraté-
dirigentes partidários no momento de definir so-
gia eleitoral, no Brasil a ideologia pode ser derro-
bre aqueles que serão elegíveis, isto é, que enca-
tada pelas regras eleitorais”.
beçarão as listas. A forma como as cotas têm sido
Com efeito, se as políticas de cotas contam e incorporadas e efetivadas nesses sistemas tam-
podem contribuir para ampliar a presença das bém depende do comprometimento dos partidos
mulheres nos partidos, quando se trata do mo- com essas medidas, da pressão organizada das
mento da eleição, no caso brasileiro, essa contri- mulheres e da sua capacidade de interferir na cons-
buição tende a ficar condicionada à lógica do sis- trução das políticas de recrutamento e investimento
tema eleitoral, bem como aos arranjos políticos eleitoral. Em suma, o desenho dos partidos, a ca-
oriundos dessa lógica. Diferenças ideológicas po- pacidade de as mulheres inserirem-se em suas di-
dem estabelecer certos padrões de ação e de com- nâmicas políticas e organizacionais e sua força
promisso para os partidos; a cultura política esta- como grupo de pressão interna podem fazer dife-
belece de maneira mais ou menos intensa deter- rença na definição das prioridades eleitorais. Con-
minadas características organizacionais e os va- tudo, qualquer que seja o tipo de intervenção, é
lores de gênero também se exprimem em conso- necessário considerar o grau em que a variável
nância com os valores culturais e os perfis eleito- “gênero” influencia ou é influenciada por essa
rais dos partidos. Mas, ao lado disso, há dimen- característica multifacetada da política e quais
sões institucionais e a conexão entre o sistema desenhos institucionais da política tendem a ser
partidário e o sistema eleitoral, envolvendo, entre mais democráticos e a garantir critérios mais jus-
outros, o tipo de lista, contam e influenciam o tos de representação.

Clara Araújo (cmaraujo@superig.com.br) é Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de


Janeiro (UFRJ), Professora do Departamento e da Pós-graduação de Ciências Sociais da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Coordenadora da Linha de Pesquisa Justiça e Desigualdade nas
Práticas Sócio-Políticas da UERJ.

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215
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 263-267 JUN. 2005
ABSTRACTS

Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman


POLITICAL PARTIES AND GENDER: MEDIATIONS IN WOMEN’S ACCESS ROUTES
TO POLITICAL PARTICIPATION
Clara Araújo
This article discusses the relationship between women’s chances for access to political representation,
in particular legislative representation, and their forms of participation in political parties. First, we
look at types of representation and the party system, as dimensions of the political and electoral
system. This is followed by an analysis of the political party system focusing on its organizational
and ideological aspects. Based on the analysis of the literature that deals with our topic, we attempt
to reflect on some of the institutional factors that within these systems have a negative or positive
effect on women’s chances to compete for electoral offices and be elected through political parties.
This is followed by a second moment in which recent experiences of proportional quotas for the
representation of both sexes have been implemented. Through research on the Brazilian case, we
attempt to observe how the characteristics of the party system and the conditioning factors that we
have discussed can affect the outcome of quota policies. Our conclusions show that women’s
access to political representation is conditioned by a complex of factors that go beyond the engineering
of the political system, although efforts at engineering have an impact and can favor women’s
entrance into politics to a greater or lesser extent. As research has show, this influence can operate
as well over the possibility that the quota system be implemented either more bureaucratically or
more effectively by Brazilian political parties.
KEYWORDS: gender; political parties; institutional engineering; gender quotas.
* * *

263
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 271-276 JUN. 2005
RÉSUMÉS

Versão dos resumos para o francês: Maria Fernanda Araújo Lisboa


PARTIS POLITIQUES ET GENRE : MÉDIATION SUR LES VOIES D’ACCÈS DES FEMMES
À LA REPRÉSENTATION POLITIQUE
Clara Araújo
Cet article discute la relation entre les opportunités d’accès à la représentation politique pour les
femmes, principalement à la représentation législative, et les formes de leur insertion dans les partis
politiques. Dans un premier moment, les types de représentation et le système de partis sont considérés
comme des dimensions du système politique et électoral. Ensuite, le système de partis politiques est
mieux analysé en ce qui concerne leur organisation et idéologie. En s’appuyant sur la littérature
abordant ce thème, on réfléchit sur quelques contraintes institutionnelles de ces systèmes et qui
interviennent positivement ou négativement dans les chances pour les femmes de disputer et d’être
choisies par l’intermédiaire des partis. Dans un second moment, les expériences récentes d’adoption
de quotas selon le sexe pour les candidatures proportionnelles sont examinées. A partir de l’étude du
cas brésilien, on cherche à observer comment les caractéristiques du système de partis et les
constraintes présentées puissent influencer les résultats des quotas. Les conclusions soulignent que
pour les femmes l’accès à la représentation politique subit l’influence d’un ensemble de facteurs
surpassant la dynamique du système politique. Cela est important et favorise assez bien l’accès à la
vie politique. Comme la recherche suggère, cette influence peut agir aussi sur la possibilité de faire
en sorte que ces quotas soient envisagés plus bureaucratiquement ou bien plus efficacement par les
partis brésiliens.
MOTS-CLÉS : genres; partis politiques; génie institutionnel; quotas de genre.
* * *

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