Você está na página 1de 4

LIÇÃO 4

A NATUREZA DA EXPIAÇÃO

Ao tratar acerca da natureza da expiação, é bom, inclusive, tratar de descobrir alguma


categoria sob que se possam compreender os vários aspectos dos ensinamentos bíblicos. As
categorias mais específicas em cujos termos a Escritura expõe a obra expiatória de Cristo são
sacrifício, propiciação, reconciliação e redenção. Mas podemos perguntar com propriedade se
não há algum título mais inclusive sob o que se possam agrupar estas categorias mais
específicas.

A Escritura contempla a obra de Cristo como uma obra de obediência e emprega com
suficiente freqüência este termo, ou o conceito designado pelo mesmo, para justificar a
conclusão de que a obediência é genérica e por isso o suficientemente inclusiva como para ser
considerada o princípio unificador ou integrador. Deveríamos apreciar com atenção a
propriedade desta conclusão quando recordamos que a passagem do Antigo Testamento que
por cima de todos delinea a imagem da expiação de Cristo é Isaías 53. Mas perguntamos: em
qualidade de que se contempla o personagem sofredor de Isaías 53? Em nenhuma outra que a
de servo. É com esta qualidade que se introduz: «Eis que meu servo será elevado» (Is. 52:13). E
é nesta qualidade que se colhe o fruto justificador: «o meu servo, o Justo, com seu
conhecimento, justificará a muitos» (Is. 53:11). Nosso mesmo Senhor esclarece todas as
dúvidas acerca da validez desta interpretação quando nos define o propósito de sua vinda ao
mundo em uns termos que comunicam precisamente esta conotação: «Porque eu desci do
céu, não para fazer minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou» (Jo.
6:38). E inclusive com referência ao acontecimento culminante e central no cumprimento da
redenção, sua morte, ele diz: «Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a
reassumir.Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho
autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi do meu Pai.» (Jo.
10:17, 18). E nada poderia ser, a este efeito, mais explícito que as palavras do apóstolo:
«Porque assim como pela desobediência de um homem, muitos foram constituídos pecadores,
assim também pela obediência de um, muitos serão constituídos justos» (Rm. 5:19). «Antes,
assim mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo tornando-se em semelhança de
homens, e, reconhecido em figura humana, assim mesmo se humilhou, tornando-se obediente
até a morte e morte de cruz» (Fl. 2:7, 8; c.f também Gl. 4:4). E a epístola aos Hebreus tem
também seu peculiar giro de expressão quando diz que o Filho «aprendeu a obediência pelas
coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o autor da salvação eterna para todos
os que lhe obedece» (5:8, 9; cf 2:10).

Esta obediência tem sido frequentemente designada como a obediência ativa e passiva. Esta
fórmula, quando se interpreta de maneira apropriada, serve ao bom propósito de estabelecer
os dois aspectos distintos da obra de obediência de Cristo. Mas é necessário logo de entrada
descartar a fórmula de alguns mal-entendidos e más aplicações as que se submete.

a) O termo «obediência passiva» não significa que Cristo fosse passivo em nada do que fez, a
vítima involuntária de uma obediência que lhe fosse imposta. É evidente que qualquer
conceito desta classe contradiria o conceito de obediência. E se deve manter zelosamente que
inclusive em seus sofrimentos e morte nosso Senhor não foi o receptor passivo daquele a que
foi sujeitado. Em seus sofrimentos ele foi supremamente ativo, e a morte não lhe sobreveio
como sobreveio a outros homens. Suas próprias palavras foram: «Ninguém me tira, mas eu a
dou.» Foi obediente até a morte, como nos diz Paulo. E isto não significa que sua obediência se
estendera até o umbral da morte, mas que foi obediente até o ponto de entregar seu espírito
em morte e de dar sua vida. No exercício de sua vontade consciente e soberana, sabendo que
todas as coisas tinham sido cumpridas e que havia chegado o mesmo momento no tempo para
o cumprimento deste acontecimento, levou a cabo a separação de corpo e espírito, e entregou
seu espírito ao Pai. Despediu seu espírito e deu sua vida. Assim, a palavra «passiva» não
deveria interpretar-se como significando uma pura passividade em nada do que entrasse no
campo de sua obediência. Os sofrimentos que suportou, sofrimentos que alcançaram seu
ponto culminante em sua morte no madeiro maldito, constituíram uma parte integral de sua
obediência e foram sofridos em prossecução da obra que havia sido dada para que a
cumprisse.

b) Tampouco devemos supor que podemos assinar certas fases ou ações da vida do nosso
Senhor na terra a obediência ativa, e certas fases e ações a obediência passiva. A distinção
entre obediência ativa e passiva não é uma distinção de períodos. É a obra íntegra de
obediência do Senhor, em todas suas fases e períodos, que se descreve como ativa e passiva, e
devemos evitar o erro de pensar que a obediência ativa tem que ver com a obediência de sua
vida, e a passiva com a obediência de seu sofrimento final e morte.

O verdadeiro uso e propósito da fórmula é enfatizar os dois distintos aspectos da obediência


vicária de nosso Senhor. A verdade expressada repousa sobre o reconhecimento de que a lei
de Deus tem as vezes sanções penais e demandas positivas. Exige não só o pleno cumprimento
de seus preceitos, mas também a imposição da pena por todas as infrações e não-
cumprimentos. É esta dupla exigência da lei de Deus a que se tem em conta quando se fala da
obediência ativa e passiva de Cristo. Cristo como vicário de seu povo ficou sob a maldição e
condenação devida ao pecado, e também cumpriu a lei de Deus em todas suas demandas
positivas. Em outras palavras, afrontou a culpa do pecado e cumpriu a perfeição as demandas
da justiça. Deu plena satisfação tanto as demandas penais como preceptivas da lei de Deus. A
obediência passiva se refere ao primeiro, e a obediência ativa ao último. A obediência de
Cristo foi vicária em levar todo o juízo de Deus sobre o pecado, e foi vicária no pleno
cumprimento das demandas da justiça. Sua obediência vem ser a base da remissão do pecado
e da justificação presente.

Não devemos contemplar esta obediência em nenhum sentido artificial nem mecânico. Ao
falar da obediência de Cristo no temos de pensar que consistisse em um simples cumprimento
formal dos mandamentos de Deus. O que a obediência de Cristo envolveu para ele é talvez
expressado da forma mais notável na passagem de Hebreus 2:10-1 8; 5:8-10, onde nos diz que
Jesus «aprendeu a obediência pelos seus sofrimentos», que foi feito perfeito, e que «tendo
sido aperfeiçoado, veio ser fonte de salvação eterna todos os que o obedecem».

Quando examinamos estas passagens, se fazem evidentes as seguintes lições:

1)Não foi pela mera encarnação que Cristo obrou nossa salvação e assegurou nossa redenção.
2) Não foi pela mera morte que se obteve a salvação.

3) Não foi simplesmente pela morte na cruz que Jesus veio ser o autor da salvação.

4) A morte na cruz, como exigência culminante do preço da redenção, foi levada a cabo como
o supremo ato de obediência; não foi uma morte infligida sem remédio, mas morte sobre a
cruz, obrada voluntariamente e em obediência.

Quando falamos de obediência estamos pensando não só em atos formais de execução, mas
também na disposição, vontade, determinação e volicion que subyacen neles e se registram
nestes atos formais. E quando falamos da morte do nosso Senhor na cruz como ato supremo
de sua obediência, pensamos não meramente na ação patente de morrer no madeiro, mas
também na disposição, vontade e volición determinada que subyacía naquele fato patente. E
além disso, nos vemos precisados a fazer esta pergunta: de onde derivou nosso Senhor a
disposição e santa determinação para entregar sua vida em morte como o ato supremo de
sacrifício de si mesmo e obediencia? Vemos-nos obrigados a fazer esta pergunta porque foi na
natureza humana que ele deu esta obediência e entregou sua vida na morte.

E estes textos na epístola aos Hebreus confirmam não só a idoneidade mas também a
necessidade desta pergunta. Porque nestes textos nos informa de maneira clara que ele
aprendeu a obediência, e que aprendeu esta obediência pelo que padeceu. Era necessário que
fosse aperfeiçoado por meio de sofrimentos e que viesse a ser autor da salvação por meio
deste aperfeiçoamento. Não se tratava, naturalmente, de um aperfeiçoamento que
demandasse a santificação apartando-se do pecado e para a santidade. Ele foi sempre santo,
inocente, sem mancha e separado dos pecadores. Mas havia o aperfeiçoamento do
desenvolvimento e crescimento no curso e caminho de sua obediência Ele aprendeu a
obediência. O coração, a mente e a vontade de nosso Senhor foram amoldados – ou diremos
forjados? - no forno da tentação e do sofrimento. E foi em virtude do que havia aprendido
nesta experiência de tentação e sofrimento que possa, no ponto culminante fixado pelas
disposições da infalível sabedoria e eterno amor, ser obediente até a morte, e morte de cruz.

Foi só como havendo aprendido a obediência no caminho de um cumprimento sem erro e sem
pecado da vontade do Pai que seu coração e mente e vontade foram levados até o ponto de
poder por sua vida em morte, livre e voluntariamente, sobre o madeiro maldito.

Foi por meio deste curso de obediência e de aprender obediência que foi aperfeiçoado como
Salvador, isto é, foi plenamente equipado para ser constituído em perfeito Salvador. Foi o
equipamento forjado através de todas as experiências de provas, tentações e sofrimentos que
proveram os recursos necessários para a demanda culminante de sua comissão. Foi esta
obediência, levada a sua total consumação na cruz, o que o constituiu como um Salvador todo
suficiente e perfeito. E isto significa simplesmente que foi a obediência aprendida e dada ao
longo de todo o curso da humilhação o que o fez perfeito como fonte da salvação.

É obediência aprendida por meio do padecimento, aperfeiçoada por meio de padecimentos e


consumada no padecimento de morte na cruz que define sua obra e obteve como o autor da
salvação. Foi pela obediência que conseguiu nossa salvação, porque foi por obediência que
levou a cabo a obra que conseguiu.
Por isso, a obediência não é algo que possa ser concebido de maneira artificial ou abstrata. É a
obediência que acudiu todos os recursos de sua perfeita humanidade, a obediência que residia
em sua pessoa, e a obediência da que é sempre a perfeita manifestação. É a obediência que
encontra sua eficácia e virtude permanentes nele. E nós chegamos a ser os beneficiários da
mesma por nossa união com ele. É isto que serve para anunciar a significação daquele que é a
verdade central de toda soteriologia, isto é, a união e comunhão com Cristo. Contudo que o
conceito de obediência nos supre uma categoria inclusiva em termos da qual se possa
contemplar a obra expiatória de Cristo e que estabelece de entrada a agência ativa de Cristo
no cumprimento da redenção, devemos passar agora a analisar aquelas categorias específicas
por meio das quais a Escritura estabelece a natureza da expiação.

Você também pode gostar