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O cavaleiro das trevas recua

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa já foi chamado de


Batman ou “cavaleiro das trevas” quando relator do mensalão. O apelido veio por conta
do sucesso feito pela trilogia de filmes dirigida por Christopher Nolan e o perfil de
justiceiro atribuído ao então Presidente do STF, além da questão racial.
Desde então Joaquim Barbosa conseguiu a aposentadoria do Judiciário e vem sempre
sendo lembrado como candidato. Assinou filiação ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e
aumentou as especulações sobre uma postulação sua à Presidência da República. Os
bons resultados obtidos nas pesquisas de opinião pública apenas reforçaram este
sentimento.
Mas, na semana passada, Barbosa anunciou desistência da eleição para presidente. O
que pode ter levado ao “recuo” do Cavaleiro das Trevas? Uma das razões é sua
proximidade com a candidatura de Marina Silva, em particular quando se observa o
eleitorado dos dois. Ambos navegam no campo denominado mais ao centro, buscador
de uma conciliação entre as posições defendidas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e
seus aliados e também pelo PSDB e MDB. Se fossem lançadas as candidaturas de Marina
Silva, Joaquim Barbosa e Álvaro Dias, haveria uma grande chance de que nenhum deles
passasse para o segundo turno.
É notório que um dos grandes desafios desta eleição com alta pulverização das
candidaturas é construir uma coordenação em cada setor do campo político, ou sub-
campo se preferirem. Em algum momento isto terá que acontecer, sob pena de assistir
uma disputa de segundo turno entre os outros e precisar definir o seu apoio. Barbosa
deve ter percebido, portanto, que sua candidatura poderia gerar este resultado, ficando
reservado a ele este fardo pesado de ter prejudicado sua própria base.
A ex-senadora ministra Marina Silva estaria na frente da fila para muitos, uma vez que
vem de duas eleições presidenciais com bom desempenho. Um apoio de Joaquim
Barbosa a ela, seja na condição de candidato a vice-presidente ou não, poderia somar
os eleitorados. Isto levaria as intenções de voto para a faixa de 20%, o que na prática
garantiria uma vaga na segunda rodada talvez até em primeiro lugar.
Ademais, Marina também é negra e ostenta uma trajetória de vida parecida com a de
Barbosa do ponto de vista da ascensão social e do usufruto dos espaços meritocráticos
existentes no Brasil. As duas candidaturas rivalizando poderiam rachar o eleitorado
negro e também aquele mais sensível à correção das imensas desigualdades sociais
vivenciadas aqui.
Um outro fator é a dificuldade de construir um discurso de forma tão acelerada, uma vez
que estamos há menos de cinco meses da eleição. O espaço para outsiders ou forasteiros
genuínos é muito pequeno no nosso sistema político. Os adversários com certeza
explorariam o fato de Joaquim Barbosa ser um “cheque em branco”, a ser preenchido
conforme a conveniência do momento, sem vínculos políticos mais claros. Outro aspecto
é que há certo cansaço em relação ao Judiciário e Ministério Público, após 4 anos de
Operação Lava Jato com intenso ativismo. A relação de encanto com a opinião pública
azedou um pouco.
Por fim, Joaquim também seria muito dependente do PSB, já que não dispõe de recursos
políticos importantes. Não tem estrutura política, dinheiro e nem voto já comprovado,
apenas um retorno pelo fama adquirida. Ele poderia ser muito bem manipulado pelo PSB
para polarizar com Bolsonaro e favorecer a ida de outro candidato para o segundo turno,
como Ciro Gomes.
Resta ainda a Joaquim Barbosa uma outra opção. Como transferiu seu domicílio para o
Rio de Janeiro, pode concorrer a senador por lá. Nenhum Estado favorece tanto o perfil
de justiceiro como RJ.

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