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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HGSN
Nº 70076364405 (Nº CNJ: 0001652-18.2018.8.21.7000)
2018/CRIME

EMBARGOS INFRINGENTES EM RECURSO EM


SENTIDO ESTRITO. QUALIFICADORA DO
“FEMINICÍDIO”.
A qualificadora do “feminicídio” tem natureza
objetiva, pois necessário para sua
caracterização, tão-somente, que o crime
tenha ocorrido no contexto de violência
doméstica e familiar, consoante se retira da
regra posta no art. 121, § 2º -A, inc. I, do
Código Penal.
Qualificadora mantida.
EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS.
POR MAIORIA.

EMBARGOS INFRINGENTES E DE PRIMEIRO GRUPO CRIMINAL


NULIDADE

Nº 70076364405 (Nº CNJ: 0001652- COMARCA DE ALVORADA


18.2018.8.21.7000)

V.G.O.J. EMBARGANTE
..
M.P. EMBARGADO
..

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Primeiro Grupo


Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em desacolher os
embargos infringentes, vencido o Des. Victor Luiz Barcellos Lima.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os


eminentes Senhores DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE E
REVISOR), DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, DES. JAYME
WEINGARTNER NETO E DES. VICTOR LUIZ BARCELLOS LIMA.

Porto Alegre, 02 de março de 2018.


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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HGSN
Nº 70076364405 (Nº CNJ: 0001652-18.2018.8.21.7000)
2018/CRIME

DES. HONÓRIO GONÇALVES DA SILVA NETO,


Relator.

R E L AT Ó R I O

DES. HONÓRIO GONÇALVES DA SILVA NETO (RELATOR)

Trata-se de embargos infringentes opostos por VOLMAR


GOULART DE OLIVEIRA JÚNIOR em face do acórdão proferido pela
Segunda Câmara Criminal que, por maioria, deu parcial provimento ao
Recurso em Sentido Estrito nº 70074609033, vencido, no particular, o
Desembargador Victor Luiz Barcellos Lima, que o provia em maior
extensão para também afastar a qualificadora do “feminicídio”.

Pretende a defesa seja afastada a qualificadora precitada,


repisando integralmente os argumentos contidos no voto vencido.

A Dra. Procuradora de Justiça manifesta-se pelo


desacolhimento dos embargos infringentes.

VOTOS

DES. HONÓRIO GONÇALVES DA SILVA NETO (RELATOR)

Limita-se a divergência à qualificadora do “feminicídio”,


narradas da seguinte maneira da inicial acusatória:

O acusado, ainda, cometeu o delito com violência física


contra mulher por razões e condições do sexo feminino, mais
especificamente contra sua esposa, pois no âmbito de violência
doméstica.
A questão foi assim abordada no voto majoritário:

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Por fim, a qualificadora do feminicídio, conforme


descrita pelo inciso VI, §2º, do artigo 121, do Código Penal, a meu ver,
reúne indícios suficientes para ser acolhida pela decisão de
pronúncia. Trata-se de qualificadora de ordem objetiva, ou seja,
incidente sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e
familiar propriamente dita, e existem indicativos bastantes nos autos
no sentido de que vítima e réu, a priori, mantinham relacionamento
amoroso, tendo o delito, de fato, ocorrido no ambiente doméstico.
No ponto, relevante pontuar a possibilidade de
cumulação das qualificadoras do feminicídio e do motivo torpe, tal
como me posicionei em recente julgado de minha relatoria:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PEDIDO DE INCLUSÃO DE QUALIFICADORAS. Merece ser confirmada a
decisão pronunciatória que afastou a qualificadora do recurso que
dificultou a defesa da ofendida, porque a "discrepância entre o porte
físico entre os envolvidos" não serve para qualificar o delito e, ainda,
não é possível admitir que a vítima teve sua defesa dificultada ou
impossibilitada, exclusivamente, porque estava desarmada. Tais
situações não se amoldam nas hipóteses previstas no inciso IV, §2º,
do art. 121 do CP. Por outro lado, a qualificadora do feminicídio reúne
indícios suficientes para ser acolhida pela decisão de pronúncia, isto
porque existem indicativos de que o crime tenha ocorrido na forma
descrita na denúncia, ou seja, a vítima era companheira da ré, com
quem convivia há dois anos, e estavam se separando na época do
fato. Assim, vê-se que, a princípio, a acusada praticou o crime contra
a ofendida em decorrência de violência doméstica, preenchendo o
requisito objetivo disposto no art. 121, §2º, inciso VI e §2º-A, inciso I,
do Código Penal. Possibilidade de coexistência entre as
qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio; isso se dá
porque esta é uma qualificadora de ordem objetiva - vai
incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência
doméstica e familiar propriamente dita -, enquanto que a
torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos
motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito.
Precedentes. Vencido, em parte, o Des. Luiz Mello Guimarães que
afastava de ofício a qualificadora do motivo torpe. À UNANIMIDADE,
DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (Recurso em Sentido Estrito Nº
70070800818, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 10/11/2016) – grifei
Há de se ponderar então, que mesmo na dúvida sobre a
presença das qualificadoras, deve a decisão de pronúncia acolhê-las
para não retirar do Júri a possibilidade de apreciá-las. Saliento, não se
está afirmando que efetivamente ocorreram no caso concreto; apenas
se diz que há indícios de prova que tornam possível a sua ocorrência,
cabendo aos jurados, no momento adequado, decidir sobre a efetiva
configuração, dando o seu veredicto.
Sobre o tema, destaco, ainda, entendimento do e.
Superior Tribunal de Justiça:
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO DOLOSO. EXCLUSÃO DAS
QUALIFICADORAS MANTIDAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
IMPOSSIBILIDADE. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO VERIFICADA.
USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ACÓRDÃO
EMBASADO EM PREMISSAS FÁTICAS. REVISÃO. SÚMULA 07/STJ. I- A
pronúncia é decisão interlocutória mista, que julga admissível a
acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Encerra,
portanto, simples juízo de admissibilidade da acusação, não se
exigindo a certeza da autoria do crime, mas apenas a existência de
indícios suficientes e prova da materialidade, imperando, nessa fase
final da formação da culpa, o brocardo in dubio pro societate. II- É
defeso ao Tribunal, ao examinar recurso em sentido estrito
contra decisão de pronúncia, excluir uma qualificadora,
valorando provas e aspectos particulares do caso, porquanto
tal competência pertence exclusivamente ao Conselho de
Sentença, juiz natural da causa. III- A exclusão das
qualificadoras apenas é possível quando manifestamente
improcedentes e descabidas. IV - Afastar a conclusão das
instâncias de origem, quanto à presença dos indícios de autoria e
materialidade suficientes para pronunciar o Réu, bem como manter
as qualificadoras para serem submetida à análise do Tribunal do Júri,
implica o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é
inadmissível na via do Recurso Especial, a teor da Súmula 7 do
Superior Tribunal de Justiça. V- Agravo Regimental improvido. (AgRg
no AREsp 417.732/PI, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA
TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 10/06/2014) – grifei
Divergindo no que interessa à devolutividade, o
Desembargador Victor Luiz Barcellos Lima registrou o seguinte:

De outro lado, diz o dispositivo legal haver feminicídio


quando o crime é praticado “contra mulher por razões da condição de
sexo feminino”. Trata-se de regra inserta na legislação penal por força
da Lei n° 13.104 de 2015, criando, em verdade, um novo tipo penal
cuja pena é de doze (12) a trinta (30) anos.
Examinada a doutrina a respeito do tema, mais
precisamente aquela de Rogério Greco, não há uma só linha acerca
do ajuste da nova regra penal às disposições da Constituição Federal.
Das dificuldades encontradas pelo professor de São Paulo, a maior
delas diz respeito à definição do que seja “mulher”. Quanto a isso,
não há nada de novo sob o sol, e a definição de sexo já encontra uma
gama de decisões judiciais dos mais variados matizes, quer no âmbito
do direito de família, quer no que diz com a troca de sexo. O problema
capital não está na definição de mulher, que o bom senso dirime
rapidamente, e a ontologia filosófica um pouco mais lentamente. A
questão está na inconstitucionalidade da regra que, a meu ver, viola
a disposição expressa do art. 5° e inciso I, da Constituição Federal.
Dissesse o texto legal que o homicídio se qualifica
quando for cometido por razões de condição de sexo, tanto contra
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homem como também contra mulher, não haveria discriminação


vedada pela Lei Maior. No caso, é a própria lei que, já no plano
abstrato, comete a hedionda discriminação. Não bastasse isso, o que
torna a inconstitucionalidade ainda mais gritante, estabelece o inciso
I do § 2°-A do art. 121 do CP, praesumptio jure et de juris quando o
crime envolve violência doméstica e familiar.
Usando-se de exemplo ou de hipótese fática para
elucidação do que aqui é argumentado, expediente de que muito se
vale a doutrina quando incapaz de definir algo, é de se imaginar que
uma mãe (e não importam aqui as razões, desde que o fato se dê de
acordo com a presunção legal), usando uma faca, venha a cortar a
garganta da filha menor, matando-a. A pena, para esse caso, desde
que não se enquadre no tipo penal do art. 123 do CP, será a do
“feminicídio”, ou seja, de doze (12) a trinta (30) anos de reclusão.
Entretanto, se a vítima for do sexo masculino, a pena passa a ser
aquela de incidência residual do caput do art. 121 do CP: de seis (6) a
vinte (20) anos de reclusão.”.
Quando assim não fosse, acresço não reconhecer na
espécie a prática do homicídio pelo simples fato de a vítima ser do
sexo feminino.
Nesse contexto, impositivo o desacolhimento dos embargos.

Isso porque, contrariamente ao que se depreende da


premissa que norteou o voto vencido 1 - a indicar a subjetividade da
hipótese de incidência da qualificadora do “feminicídio” -, a qualificadora
em questão ostenta natureza objetiva, pois necessário para sua
caracterização, tão-somente, que o crime tenha ocorrido no contexto de
violência doméstica e familiar, consoante se retira da regra posta no art.
121, § 2º -A, inc. I, do Código Penal 2 - sendo essa, como se percebe, a
situação dos autos, porquanto o réu e vítima eram companheiros,

1
“Dito isto, vou divergir, em parte, de seu voto, a fim de afastar a
qualificadora de feminicídio por dois fundamentos: o primeiro, porque o
motivo do crime, como refere a denúncia, nenhuma relação guarda com o sexo
da vítima, ou seja, a tentativa de homicídio não foi porque a vítima era mulher. O
segundo, porque não reconheço a “presunção” de atentado contra a vítima por
ser ela mulher, mas sim porque réu e vítima eram companheiros e o fato se deu
por desentendimentos outros que nada têm a ver com o sexo da ofendida”

2
Art. 121 (...) § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar:

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conforme admitido pelo embargante durante o interrogatório (mídia da fl.


124).

Quanto à sugerida inconstitucionalidade da norma penal em


questão, recorda-se que a aventada igualdade entre homens e mulheres
não se verifica de forma indiscriminada e absoluta, senão que resulta
circunscrita “nos termos3” do texto constitucional que, de forma
exemplificativa, prevê, em diversos dispositivos, tratamento diferenciado
entre os gêneros - obrigatoriedade de serviço militar em tempos de paz 4;
diferenciação de requisitos para a implementação de aposentadoria 5;
incentivos no mercado de trabalho 6 etc.) -, circunstância que ratifica a
liberdade de conformação do legislador constituído no tocante à edição
de normas penais incriminadoras como a presente.
3
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta


Constituição;

4
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
(...)
§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório
em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
5
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos
termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição,
se mulher;
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se
mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos
os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar,
nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
6
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei;

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Aliás, o Supremo Tribunal Federal – órgão ao qual, recorda-


se, compete a guarda da Constituição – já confirmou a plena
constitucionalidade de discriminações positivas como a presente,
registrando que “O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do
tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –,
harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção
ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira 7”.

Por isso que desacolho os embargos infringentes.

É o voto.

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo


com o(a) Relator(a).

DES. VICTOR LUIZ BARCELLOS LIMA

Com a vênia do eminente Relator, vou divergir do seu voto,


mantendo os termos daquele que proferi quando do julgamento do
recurso originário.

DES. MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JAYME WEINGARTNER NETO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - Presidente - Embargos Infringentes e de


Nulidade nº 70076364405, Comarca de Alvorada: "POR MAIORIA,
DESACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDO O DES.
VICTOR.”

Julgador(a) de 1º Grau: ROBERTO COUTINHO BORBA

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ADC 19, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
09/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 28-04-2014 PUBLIC 29-04-
2014.
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