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SAÚDE E DOENÇA NA PERSPECTIVA DA

PSICOLOGIA TRANSPESSOAL.

Tânia Maria de
Carvalho Câmara Monte1
Departamento de Ciências Sociais – UFRN

RESUMO

O presente artigo procura a articulação entre as diversas


abordagens no tocante a compreensão da doença na
abordagem da psicologia transpessoal, para tanto
utilizando a partir do pensamento e da teoria da
complexidade de Morin (2000) e da teoria de Grof
(1987, 1994), quando da afirmação que o psiquismo não
começa no nascimento, pois segundo este, existem
memórias com carga emocional em diferentes períodos
da vida, cargas emocionais e físicas ligadas ao Sistema
de Experiências Condensadas (COEX), estes estágios
são chamados de Matrizes Perinatais Básicas (MPBs).
Assim a Transpessoal implica na noção de unidade do
ser, ou da não-fragmentação, a abordagem resgata o ser
através da transcendência, perpassada pela elevação dos
sentimentos, no cultivo da paz, da serenidade e na
harmonia cósmica. Sendo o homem, um Ser Integral, ou
melhor, o ser bio-psico-social-cósmico-espiritual, e a
concepção de saúde também nessa mesma perspectiva.

Palavras Chave: Complexidade, Saúde, Psicologia


Transpessoal.

1
Mestre em Ciências Sociais da UFRN, Especialista em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal,
Professora de Graduação e Pós-graduação da Universidade do Vale do Acaraú - UVA.
A complexidade não é um conceito teórico e
sim um fato da vida. Corresponde à multiplicidade, ao
entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de
sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural
(MARIOTTI, 2000).
O homem é, pois um ser extremamente
complexo, sob diversos aspectos, do ponto de vista
biológico, antropológico, psicológico,..enfim
multidimensional, por conseguinte toda redução se faz
arbitrária Os sistemas complexos estão dentro de cada
pessoa e a recíproca é verdadeira. Edgar Morin (1995,
2000, 2003) é um pensador transdisciplinar que tem
dedicado algumas de suas obras à educação. Nelas é
fundamental o conceito de complexidade, que para o
autor (1995, p. 20) significa:

o que é a complexidade? À primeira vista, a


complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido
em conjunto) de constituintes heterogneos
inseparavelmente associados (coloca o paradoxo do
uno e do múltiplo). Na segunda abordagem, a
complexidade é efetivamente o tecido de
acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem o nosso mundo
fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se
com os traços inquietantes da confusão, do
inextricável, da desordem, da ambiguidade, da
incerteza...

Necessário se faz, para entendê-los, no


esforço da convivência com os mesmos, não tentar
reduzi-los, enquanto multidimensionalidade a
explicações simplistas, regras ou fórmulas rígidas, ou
até mesmo esquemas unificados de idéias, esta só pode
ser entendida por um sistema de pensamento aberto,
abrangente e flexível, o pensamento complexo:

conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no


universo, e não separá-lo dele. Todo conhecimento
deve contextualizar seu objeto, para ser
pertinente.„Quem somos?‟ é inseparável de „Onde
estamos?‟, „De onde viemos‟, „Para onde vamos?‟.
Interrogar nossa condição humana implica questionar
primeiro nossa posição no mundo (MORIN, 2002,
p.47).
O Quando Morin nos fala sobre a patologia
do saber, onde a fragmentação dos conhecimentos leva
a impossibilidade do conhecimento, compreendemos
que a organização, sendo um sistema aberto em
constante processo de adaptação ao ambiente externo,
desenvolvendo a idéia de que os funcionários são
pessoas com necessidades complexas que necessitam
serem satisfeitas, a fim de que possam levar vidas
plenas e sadias, bem como, desempenhar eficazmente
suas funções, quando suas necessidades estão sendo
satisfeitas, o imediatismo, portanto, dificulta a
compreensão dos fenômenos complexos.
O paradigma mecanicista, outrora adotado é
insuficiente para resolver questões atávicas nascidas
desde os primórdios da humanidade. Mc Lean, em sua
teoria dos três cérebros, sendo o neocórtex a
racionalidade e herdando do mamífero a afetividade, do
réptil o cio, a agressão e a fuga, afirmando a condição
paradoxal e consequentemente instável com relação a
este mesmo cérebro.
A dicotomia entre corpo e mente através do
pensamento de Descartes e o desenvolvimento da
medicina são as mudanças mais significativas, afirma
Sayd (1998), para a mudança na forma de entendimento
entre saúde versus doença. Antes disso, o paciente era
tratado levando em conta seu ambiente social e
espiritual, considerando-o como um ser integral, num
contexto esotérico, mágico, místico e religioso.
A mudança deste paradigma fragmentou a
forma de ver, gerando nos médicos a percepção do
corpo como máquina, desvalorizando aspectos sociais,
psicológicos e ambientais de doença.
Conforme Luz (1988), o fenômeno da
ruptura entre corpo e mente ocorreu como resultado de
um processo de racionalização que se instaurou
paulatinamente.

Do ponto de vista do sujeito, entretanto, esta tentativa


terá como efeito histórico a ruptura mais significativa
da racionalidade moderna: ruptura do próprio sujeito
de conhecimento, seu estilhaçamento em
compartimentos: razão, paixões, sentidos e vontade
(LUZ, 1988, p.26).
No dizer de Cyrulnik (1994) os animais nos dão
um primeiro elemento de resposta “A evidência não é
evidente”, portanto a compreensão de mundo se referência
para cada indivíduo de acordo com as ferramentas que possui
para o entendimento deste mundo, pois o outro participa
ativamente para o reconhecimento de si mesmo, servindo de
espelho nesta construção para a busca do ser integral.
Há para ele um fator que entra em
conssonância com as teorias transpessoais de Grof
(1987, 1994), quando da afirmação que o psiquismo não
começa no nascimento, pois segundo este existem
memórias com carga emocional em diferentes períodos
da vida, cargas emocionais e físicas ligadas ao Sistema
de Experiências Condensadas (COEX), estes estágios
são chamados de Matrizes Perinatais Básicas (MPBs),
períodos intra-uterinos que vão do MPBI ao MPB IV,
sendo cada estágio responsável por determinados
padrões de comportamentos, em virtudes das
experiências neles ocorridas, a seguir a descrição
conforme o autor:

 Matriz Perinatal Básica I (MPBI) – também


chamada de O Universo Amniótico: esta matriz tem sua
base biológica na unidade simbiótica entre o feto e o
organismo materno. A experiência do feto pode ser uma
experiência de conforto, segurança, tranquilidade e paz ,
como é designada de “berço bom”, ou ainda, pode ser
uma experiência de distúrbios, desconfortos e
inseguranças, especialmente nos períodos finais da
gestação, como “berço ruim”.
Figura 1 – Representação de Berço Bom. Figura
2 – Representação de Berço Ruim.

 MPBII ou Devoração Cósmica Sem Saída: ocorre no


segundo momento biológico do parto, e é uma situação
de extrema tensão para o feto, pois se inicia o processo
de preparação do nascimento. A sensação para o feto é
tão crítica. Na vida pós-uterina, esta matriz associa-se a
situações de estar sem saída e sem esperança pela
dimensão de opressão.

Figura 3 – Representação dos primeiros momentos do


parto biológico

 MPBIII ou A Luta Morte-Renascimento: esta matriz é


correspondente a travessia pelo do feto do canal até o
nascimento. É um momento de luta e esperança. Luta
apesar da opressão, e de esperança porque é a
possibilidade da superação das ameaças deste momento
sugere a experiência da MPB III ao combinar “a
fragilidade anatômica dos fetos com uma maquinaria
agressiva e faixas constritivas de aço à volta da cabeça,
sugerindo o nascimento”.

Fig. 4 – Quadro do pintor suíço Hansruedi Giger

 MPBIV ou Experiência de Morte e Renascimento: é o


ápice do processo de nascimento, pois o feto finalmente
completa a saída do útero materno e ganha o espaço
exterior. Biologicamente, tal processo apresenta os
indícios ainda de luta, mas já dentro de um estágio mais
evoluído e menos agressivo. Os episódios da vida pós-
natal que se ligam à MPBIV são aqueles relacionados a
vitórias, sucessos e triunfos sobre situações perigosas.

Fig. 5 – Representação do momento de transição da


MPB III para MPB IV: nascimento, luz, vitória.

Conforme Grof, as matrizes perinatais


fazem um paralelo entre a nossa psique individual e
Inconsciente Coletivo, assim conceituado por Jung
chamou de assim um quarto nível da consciência seria o
estágio transpessoal, as experiências com as diferentes
matrizes perinatais demostram, além de memórias de
ordem biográfica, também lembranças de situações
perinatais, antes e depois do parto.
Portanto somos um eterno vir-a–ser, numa
construção de constantes reconstruções, nos cabe a
percepção de que o ser humano é complexo por
natureza e toda tentativa de simplificação desta
natureza, será insuficiente para dizer de nós o que
somos nós.
Tendo raízes no existencialismo e na
fenomenologia, a Psicologia Transpessoal que também
é chamada de a quarta força, tem na fundamentação,
entre outros elementos busca do sentido da vida e da
existência humana. Essa abordagem teórica foi
oficializada em 1968, por diversos pensadores dentre os
quais se destacam: Victor Franckl, Stanislav Grof,
Antony Sutich e James Fadiman, enfocando o estudo da
consciência e o reconhecimento dos significados das
dimensões espirituais da psique, especialmente os
caracterizados pela experiência culminante, pela
consciência cósmica, pelo êxtase e pela plena
consciência.
A Transpessoal implica na noção de unidade
do ser, ou da não-fragmentação, assim sendo a
abordagem resgata ser, através da transcendência,
perpassada pela elevação dos sentimentos, no cultivo da
paz, da serenidade e na harmonia cósmica. Sendo o
homem, um Ser Integral, ou melhor, o ser bio-psico-
social-cósmico-espiritual, e a concepção de saúde
também nessa mesma perspectiva, ou seja, de um todo,
em harmonia, onde tudo é energia formando uma rede
de inter-relações com o universo.

a visão antropológica do homem máquina que aloja


uma alma, cuja essência È o pensamento e que
provocou o dualismo entre matéria e mente, o
corpo e a alma, continua tendo profundas
repercussões no pensamento ocidental, com
desdobramentos nas mais diferentes áreas do
conhecimento humano, como na biologia, na
medicina, na psicologia e na educação, para citar
apenas algumas delas. Essa visão nos levou a aceitar
o nosso corpo separado de nossa mente, como
coisas absolutamente desconectadas. [...] Na área
educacional, as influências do pensamento cartesiano-
newtoniano parecem ainda mais graves considerando o
seu significado para a formação de novas gerais, com
sérias implicais para o futuro da humanidade. [...] Na
escola, continuamos limitando nossas crianças ao
espaço reduzido de suas carteiras, imobilizadas em
seus movimentos, silenciadas em suas falas, impedidas
de pensar. [...] È uma escola submetida a um
controle rígido, a um sistema paternalista
hierárquico, autoritário, dogmático, no percebendo
as mudanças ao seu redor e, na maioria das vezes,
resistindo a elas (MORAES apud SANTOS NETO,
2009, p 2).

A partir da definição da Organização Mundial de


Saúde (OMS) sobre a saúde, como: “Saúde é a sensação
do completo bem-estar físico, mental e social, e não
apenas ausência de doenças”, incluindo, também os
processos mentais (psicológicos) e as relações sociais.
Assim, com a percepção diferenciada sobre
saúde e doença, buscando a unidade fundamental do ser
e valorizando os diferentes estados ampliados de
consciência, a transpessoal se volta para a pesquisa da
saúde e do bem-estar. Conforme Weil (1995), ilustrando
alguns dos princípios epistemológicos que fundamentais
da psicologia Transpesssoal:

 Existem sistemas energéticos inacessíveis aos nossos


cinco sentidos, mas registráveis por outros sentidos.
 Tudo na natureza se transforma e a energia que a
compõe é eterna.
 A vida começa antes no nascimento e continua depois
da morte física.
 A vida mental e espiritual forma um sistema suscetível
de se desligar do corpo físico.
 A vida individual é inteiramente integrada e forma um
todo com a vida cósmica.
 A evolução obtida durante a existência individual
continua depois da morte física.
 A consciência é energia, que é vida, no sentido mais
amplo: não apenas a vida biológica, física, mas também
a da natureza, do Espírito, a vida-energia, infinita nas
suas mais diferentes expressões.

Portanto, segundo o autor a abordagem


transpessoal é também transdisciplinar, assim pode ter
aplicação em áreas distintas, além da psicologia, como
por exemplo, a educação, a saber:
por educação transpessoal compreendemos o conjunto
dos métodos que
permitem descobrir ou revelar o transpessoal dentro do
ser humano.
por psicoterapia transpessoal, entendemos o conjunto
de métodos de tratamento das neuroses pelo
despertar do transpessoal, e das psicoses pela
exteriorização do transpessoal semi potencializado.
por terapia transpessoal designamos o conjunto de
métodos de restabelecimento da saúde pela progressiva
redução da ilusão da existência de um “eu” separado
do mundo (WEIL, 1995, p. 16).

A abordagem transpessoal, integra as diversas


teorias psicológicas como uma Bricolagem, aberta para
incluir as contribuições dos múltiplos enfoques da
consciência representados por distintos ramos do
conhecimento, como a Neurologia, Antropologia, a
Filosofia Oriental, a Mitologia, a Religião. Como no
dizer de Morin:

caminhar sem um caminho, fazer o caminho


enquanto se caminha. [...] O método só pode se
construir durante a pesquisa; ele só pode emanar e se
formular depois, no momento em que o termo
transforma-se em um novo ponto de partida, desta
vez, dotado de método (MORIN, 2003).

REFERÊNCIAS

CYRULNIK. Boris. Memória de macaco e palavras


de homem. Editora instituto Piaget,1994.

GROF, S. Além do cérebro: nascimento, morte e


transcendência em psicoterapia. São Paulo: McGraw-
Hill, 1987.

______. A mente holotrópica: novos conhecimentos


sobre psicologia e pesquisa da consciência. Rio de
Janeiro: Rocco,1994.

______. A aventura da autodescoberta. São Paulo:


Summus, 1997.

______. A tempestuosa busca do ser: um guia para o


crescimento pessoal através da crise de transformação.
São Paulo: Cultrix, 1994.

LUZ, Madel T. Natural, racional, social; razão


médica e racionalidade científica moderna. Rio de
Janeiro: Campus, 1998.

MARIOTTI, Humberto. As Paixões do Ego:


Complexidade, Política e Solidariedade. São Paulo,
Editora Palas Athena, 2000.

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 2.


ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

______. Os sete saberes necessários à educação do


futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

______. O método I. A natureza da natureza. Sulina.


Porto Alegre: Sulina, 2003.

______. O método 5. A humanidade da


humanidade: a identidade humana. 2. ed. Porto Alegre:
Sulina, 2003.

WEIL, Pierre. As Fronteiras da Evolução e da Morte.


Vozes: Petrópolis, 1990.

SANTOS NETO, Elydio dos. Construção


(auto)biográfica e formação de educadores: um olhar
desde uma perspectiva transpessoal. Revista
@mbienteeducação, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 95-114,
ago./dez. 2009.

SAYD, J. D. Mediar, Medicar, Remediar: Aspecto da


Terapêutica na Medicina Ocidental. Rio de janeiro:
Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
1998.

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