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2008 Anpuh PDF
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Sertões de Euclides da Cunha que ocupa lugar privilegiado na narrativa de Veiga. Passagens
literais do texto de Euclides aparecem na obra. No entanto, seu sentido é distorcido,
questionado, contraposto.
Considerando então que Os Sertões é texto original para ambos os romances, cabem
algumas questões. Qual o grau de relação com o texto Euclidiano e as possíveis confluências
de discursos? Qual o nível de subversão e as estratégias de apropriação da obra original? E,
por fim: como o elem ento utópico é inserido nos romances de Veiga e Llosa?
O romance de Llosa preserva o esquema temporal presente em Os sertões. Os sucessos
das expedições militares são narrados com certa fidelidade ao relato de Euclides. É a inclusão
de personagens fictício s e a troca de nomes de alguns personagens históricos – como o barão
de Canabrava, protótipo do barão de Jeremoabo – que demonstram a operação de
desconstrução do livro vingador. Já em A Casca da Serpente , Veiga (2003) opera uma insólita
transgressão do te xto de Euclides, apesar de trechos de Os Sertões e o próprio escritor
jornalista aparecerem na obra. Sua narrativa começa a partir dos momentos finais descritos
por Euclides. Dá continuidade aos acontecimentos encerrados no livro vingador, explorando
as possibilidades que não foram realizadas.
Em Llosa, no entanto, a descrição do Conselheiro continua tributária da imagem
legada por Euclides da Cunha. Apesar de não se referir, literalmente, a episódio relatado em
Os Sertões, Llosa expõe o peregrino como um f anático. Em passagem do romance onde
Antonio Beatinho decide entrar para o séquito de Antonio Conselheiro é legível a
confirmação do fanatismo religioso:
[...] consegue demonstrar os interesses políticos que estavam por trás, não só
dessa conspiração, como das várias que foram engendradas no país, e que os
jornais publicavam de acordo com os seus interesses, ou melhor, o interesse
de seus proprietários. Tecendo, assim, a teia de intrigas que mobilizou toda
uma nação contra “aqueles fanáticos” .
duras críticas dirigidas ao comandante da IV expedição, o Gal. Artur Oscar, fizeram com que
fosse convidado a se retirar do sertão baiano. Na capital federal, um dos poucos intelectuais
da época a evidenciar a manipulação dessas informações foi Machado de Assis. Em crônica
do dia 6 de dezembro de 1896, ele comenta as notícias vind as da Bahia. Após a derrota da
Expedição Pires Ferreira, o escritor carioca ironiza a imagem que se faz do Conselheiro:
[...] Ele vagava pelos sertões, e vitando lugares freqüentados, para esconder a
vergonha de um desastre pessoal , quando no norte da Bahia, mal passava a
divisa de Pernambuco, de onde descia, avistou a serra de Ariranga, nas
nascentes do rio Gravatá. [...] A certa altura, num patamar amplo e abrigado
dos ventos, encontrou umas pessoas morando. A recepção foi fria, mas não
hostil. Aquele homem sem enfeites, descalço, vestindo camisolão de asilo,
cabelo e barba compridos, podia inc omodar, mas não podia fazer mal.
Um paralelo curioso pode ser estabelecido entre o trágico fim de Gall e a morte de
Euclides da Cunha. Da mesma forma que o engenheiro republicano, que, em troca de tiros
com o amante da esposa, acabou sendo morto, o frenológo escocês, após envolver -se com
Jurema, a mulher do rastejador Rufino, tem o mesmo fim.
O Anão continua apertando -lhe a mão e olhando, como ela. Jurema vê que
Gall tem uma faca meio cravada no corpo, à altura das costelas. Ouve, sem
parar, clarins, sinos, apitos. De repente, a luta cessa po rque o escocês,
soltando um rugido, rola a uns metros de Rufino. Jurema o vê pegar o cabo
da faca e arrancá-la, com um novo rugido. Agora ele está olhando para
Rufino, que também o olha, do ba rro, a boca e um olhar sem vida (LLOSA.
2001, p. 387).
Nessa passagem, Veiga opera mais uma vez uma reescritura do trecho de Os Sertões
onde o Beatinho se entrega aos militares. Anuncia assim o uso do texto de Euclides da Cunha
no decorrer do romance. Eis a passagem original:
[...] Agitara-se pouco depois do meio -dia uma bandeira branca no centro dos
últimos casebres, e os ataques cessaram imediatamente do nosso lado.
Rendiam-se, afinal. Entretanto não soaram o s clarins. Um grande silêncio
avassalou as linhas e o acampamento.
A bandeira, um trapo nervosamente agitado, desapareceu; e, logo depois,
dois sertanejos, saindo de um atravancamento impenetrável, se apresentaram
ao comandante de um dos batalhões. Foram p ara logo conduzidos à presença
do comandante-em-chefe, na comissão de engenharia.
[...]
Um deles era Antônio, o Beatinho, acólito e auxiliar do Conselheiro
(CUNHA, 2002, p. 525).
[...] naqueles dias desencadeou -se uma série de acontecimentos quase que
simultâneos, muita gente chegando de repente, como se tivesse marcado
encontro justamente ali, de todos os lugares do mundo (VEIGA, 2003 , p.
142).
Referências
ASSIS, Machado de. A semana, crônica de 6/12/1896. Rio de Janeiro; São Paulo; Porto
Alegre: Jackson, 1953. v. 3.
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história . In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin:
aviso de incêndio: uma leitura das teses “ sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo,
2005.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões: a campanha de Canudos. São Paulo: Martin Claret, 2002 .
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FERNANDES, Rinaldo de. Os sertões na leitura de Ma rio Vargas Llosa: quatro personagens
de La guerra del fin del mundo. In: . (Org.). O clarim e a oração : cem anos de Os
Sertões. São Paulo: Geração Editorial, 2002. p. 411-438.
LLOSA, Mario Vargas. A guerra do fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras , 2001.