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Entretanto, muito tempo se passou e nada do filme ser lançado. Acabou que estreou em janeiro nos
EUA, concorreu a apenas um Oscar (Melhor Roteiro Original) e mais de 2 meses depois finalmente
chega ao Brasil. Como evito ver trailers sempre que possível, pelo texto que eu havia lido, acreditava
que fosse tratar de uma história sobre uma mãe solteira que passava por dificuldades para criar seu
filho. Mas, o que eu não sabia era que o feminismo seria um tema tão presente e importante para a
trama.
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Isso foi um ponto muito positivo por vários motivos. Por mais que eu tenha saído da sessão sem saber
se havia gostado do filme por não o ter compreendido totalmente, isso me despertou a curiosidade de
conhecer mais sobre o assunto antes de escrever sobre ele. E eu acredito que isso seja uma qualidade
presente nos grandes filmes. Aquele filme que abre seus olhos para um assunto ou realidade que
normalmente você não teria interesse, já cumpriu a sua missão de ser uma história relevante para
as pessoas. E, confesso a vocês que mesmo uma rápida pesquisa, enriqueceu muito o resultado do filme
para mim.
“Mulheres do Século 20” é escrito e dirigido por Mike Mills, um diretor de apenas três longas na
carreira e que ganhou destaque com o tocante “Toda a Forma de Amor”, estrelado por Christopher
Plummer – vencedor do Oscar e Globo de Ouro pela atuação. Se passando no final dos anos 80, o
filme segue a história de três mulheres de gerações diferentes que se unem a pedido de Dorothea
(Annette Benning) para ensinar seu jovem filho Jamie (Lucas Jade Zumann), a crescer como um
“homem bom” sem uma figura masculina para o auxiliar.
O feminismo nos EUA começou muito forte nos anos 60 com as sufragistas que iam para as ruas para
protestar por direitos iguais (como o voto ou trabalhistas). No entanto, “Mulheres do Século 20” tem
uma abordagem muito diferente. Essa “segunda onda” do movimento que o filme retrata, amplia a
questão dos direitos a um conjunto de temas mais íntimos, como a liberdade sexual ou o controle
de natalidade, por exemplo. O conflito e as incertezas sofridas especialmente por Dorothea – que além
de mulher, é mãe – são extremamente acentuados por essa atmosfera de mudanças. O filho está
crescendo e os tempos estão mudando.
Mike Mills costuma se dedicar a projetos muito pessoais. Há quem diga que este filme é praticamente
semiautobiográfico, pois segundo o próprio diretor alguns personagens são baseados em influências da
sua própria infância. Ele também tem um estilo muito peculiar de direção, usa muitos artifícios como
músicas, citações de outras obras e, visualmente, algumas montagens que remetem a sonhos ou delírios
psicodélicos. Como tem poucos filmes na carreira, ainda é cedo para considerar uma marca registrada
sua, mas pelo menos neste filme podemos dizer que há pontos positivos e negativos nessa condução de
narrativa.
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No filme, Mills separa o background das personagens por blocos, são três mulheres de três gerações
diferentes. Como mencionei, as incertezas das mudanças da época fazem Dorothea (Benning) ser a
mais “pessimista” das três. Sua frase “ter o coração quebrado é uma ótima forma de aprender”
indica isso. Talvez seja reflexo de sua difícil criação durante a Grande Depressão e sua maior
dificuldade em compreender os novos tempos. Ou talvez apenas não consiga lidar com o fato de que
seu filho está se afastando, descobrindo o mundo.
Abbie (Gerwig) nasceu nos anos 50 e representa a expressão artística. Fascinada por fotografia e
encantada pela energia do crescente movimento punk, é provavelmente o espírito mais livre de todo o
filme e talvez a personagem mais carismática. Ela ajuda não apenas a Jamie, como é a que melhor
interage com todos os outros que vivem na mesma casa. Já Julie (Fanning) nasceu nos 60 e é a melhor
amiga de Jamie, e tem que lidar com dilemas sexuais mais do que qualquer outro personagem na trama.
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Você pode estar se perguntando, há homens neste filme? Sim. Apoiado por uma frase de Dorothea a
Jamie, de que “homens querem consertar tudo, mas as vezes só estar presente já é o bastante”,
talvez isso explique a participação de William (Billy Crudup) no filme. Sua presença é importante
tanto pelo equilíbrio e empatia que proporciona, além de ajudar na aparente interminável restauração da
casa onde vivem.
O filme explora uma variedade de obras, com citações de livros feministas ou de educação sexual como
“Sisterhood is Powerful” e “Our Bodies Ourselves”. A falta de sutileza na exibição das obras é
proposital, talvez seja Mills dando ao espectador caminhos para que ele se interesse e se aprofunde
ainda mais nos temas discutidos pelo filme. O roteiro tem frases impactantes e reflexivas, e embora
algumas cenas sejam um tanto desconectas entre si, o texto é muito bom, justificando sua indicação ao
Oscar.
Algo que chama a atenção na direção de Mills é a movimentação de câmera praticamente constante
durante o filme. Com a repetição de alguns push ins (se aproximar lentamente dos personagens) e push
outs (o oposto, se afastar), podemos considerar que essa opção do diretor serve para expandir o
envolvimento do público, nos convidando a participar com os personagens. Da mesma forma, reparem
que quanto mais Jamie se liberta de Dorothea, a câmera se afasta lentamente, praticamente
abandonando a mãe em cena.
Como ponto negativo, narrações, músicas e citações são usadas frequentemente como artifício para
contar a história, algo que incomoda um pouco, pois é como se os personagens não conseguissem se
revelar e se expressar suficientemente por conta própria, sendo necessário este recurso “externo”
para ajudar. Assim, o filme fica mais expositivo e a história perde força. Embora os personagens sejam
bem interessantes individualmente, a interação entre eles em conjunto deixa a desejar, além de como eu
mencionei, algumas cenas parecem desconectas, quase improvisadas, as tornando muito subjetivas.
Considerando tudo o que foi dito e graças a excelente contribuição do seu ótimo elenco, “Mulheres do
Século 20” é um filme relevante e que faz pensar. Principalmente nos dias de hoje, isso é um grande
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elogio, pois poucos filmes conseguem atingir esse patamar. É um trabalho tecnicamente bem realizado,
embora não haja nada que salte aos olhos visualmente, mas sua força está na história que quer contar.
Trazendo reflexões sobre maternidade, amadurecimento, amor e família, o filme aproveita uma
época incerta onde os EUA ainda sofriam com os fantasmas do Vietnã e da Watergate, para expandir de
maneira genial a discussão por meio do discurso da “Crise de Confiança”, onde o presidente Jimmy
Carter chocou os norte-americanos. Carter sabia que a crise não era apenas política e econômica, mas
social, cultural e humanitária.
Com honestidade jamais vista vinda publicamente de um presidente, ele declarou que os norte-
americanos haviam chegado àquela situação principalmente pela impotência de Nixon em unir a
população, mas também do povo, pela inercia e falta de senso de conjunto. “Mulheres do Século 20”
nos lembra a importância da igualdade, da união. E o céu vazio que abre o filme nos convida a ser
como Dorothea, uma mulher sem medo de voar.
E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou
crítica (educadamente) e até a próxima!
Danilo Calazans
Danilo Calazans é formado em Cinema e Gestão Empresarial, mas seu amor pela sétima arte o fez
escolher esse caminho e se dedicar a aprender cada vez mais. Já colaborou com sites como Loucos por
Filmes e desde 2014 escreve para o Pipoca de Pimenta. Gosta de pensar que seus textos são como uma
‘conversa’ com o leitor, expandindo a experiência de ver um filme para muito além da tela, buscando
entender como os cineastas fazem para nos conquistar com suas histórias maravilhosas.
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