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ABC DA CULTURA SEFARADITA

Por Carlos Zarur

Tradução de Holean Costa

O que, ou quem, é um judeu sefaradita?

As pessoas perguntam-me isso muitas vezes aqui, nos Estados Unidos. Às vezes, alguns
judeus asquenazitas americanos tendem a comparar algo "estranho" à sua cultura com
algo que é bem conhecido por eles e, assim, chegam, por vezes, a estereótipos e clichês
nos quais os sefaraditas não se encaixam. Frequentemente, ouço pessoas alegando que
somos iguais – judeus asquenazitas e judeus sefaraditas – ignorando as diferenças que,
realmente, fazem cada um dos grupos único. Por que é um pecado ser diferente dentro
do que "parece ser" um mundo judaico monocromático? Depois de alguns mal-
entendidos, sinto-me obrigado a esclarecer alguns dos erros mais comuns que os nossos
irmãos e irmãs asquenazitas parecem fazer inconscientemente. Erros que, às vezes,
incomodam-nos quando a nossa presença ativa nas comunidades judaicas é
convenientemente reconhecida, quando não totalmente ignorada. Portanto, o que se
segue é um tutorial muito curto e básico para judeus asquenazitas sobre nossa cultura
sefaradita:

- Nossos antepassados não viveram em “shtetls”, mas nas principais cidades da Espanha,
de Portugal, do Mediterrâneo e dos países do Oriente Médio. Portanto, não nos pergunte
de que “shtetl” nossa família veio.

- Nossa “Adafina” e nosso “Hamin” não são as versões sefaraditas do “Tcholent”, muito
pelo contrário, a adição de feijão para o cozido de Shabat começou na Espanha.

- O ladino não é a versão sefaradita do iídiche. O ladino é uma língua derivada do


castelhano.

- Não fazemos "daven". Fazemos “tefilot”.

- Não vamos à "shul". Chamamos a nossas sinagogas de kal, esnoga ou knis.


- Comer kitniyot (grãos) em Pessah, cantar canções em ladino e ter marroquinos
milagrosos notáveis não são as únicas características que possuímos. Temos uma
tradição muito rica.

- Não dizemos “Gut Shabbos” ou “Gut Shabbes”. Além do genérico “Shabat Shalom”,
dizemos "Boas entradas de Sabá", em Português, "Sábado dulse i bueno" em Ladino ou
“Sbit Salam” em árabe.

- Não temos Yahrzeits, temos Meldados e Ereyes.

- Pronunciamos as vogais em hebraico de maneira clara. Em vez de parsha, dizemos pa-


ra-shá; em vez de sfardi, dizemos se-fa-ra-di. Em vez de Shlomo e Shmuel dizemos She-
lo-mô e She-mu-el.

- O que chamam de talit, chamamos de talêt. Não dizemos Shive, Mikve ou Toire;
dizemos Shivá ou Enlutados, Mikvá ou Mikwá e Torá.

- Não chamamos o rito da circuncisão de "bris"; chamamos “t'hur” em árabe ou “berit milá”
ou apenas "a milá".

- Temos uma cerimônia de nomeação dos bebês chamada "Zeved Habat" ou "fadar a las
ishas" ou apenas "Las Fadas", para apresentar nossos bebês do sexo feminino para a
comunidade. Festejamos ambos os sexos recebendo a aceitação da comunidade.

- Não jogamos “dreidel” ou “sevivon” em Hanuká. Cantamos muitas canções e comemos


doces de amêndoa e doces sírios e gregos, acrescentando um novo a cada dia.
Presentes imitando o Natal estão fora de questão.

- Temos o maior sábio judeu de todos os tempos: Maimônides. Ele nasceu em Córdoba,
al-Andalus, e todos devem ler o seu livro "Moré Nebukhim" ou "Guia dos Perplexos".
Alguns fatos interessantes sobre ele são que, além de um grande filósofo e Hakham, ele
era um médico e que entre seus pacientes estava Saladino, mais conhecido como
Saladino "O Conquistador".

- Também temos centenas de outros sábios, muitos nascidos na Espanha e em Portugal,


e também vários outros nascidos na diáspora sefaradita.

- Não usamos "yarmulkes”. Vestimos kippot e tarbuches.

- Não somos Hassidim ou Haredim (os sefaraditas que são é porque abandonaram a
tradição sefaradita e adotaram estas maneiras asquenazitas de vida para si).
- Nossos Hakhamim (como chamamos nossa rabinos) nunca usaram chapéus pretos,
conhecidos como fedoras e shtreimels, mas turbantes, kipot e fez. Esses rabinos
sefaraditas que usam chapéus pretos nos tempos modernos foram culturalmente
coagidos a adotá-los, mesmo que não reconheçam a coerção.

- Não temos os conceitos de judaísmo reformista, conservador, ortodoxo ou ultra-


ortodoxo. Não temos essas denominações dentro da tradição sefaradita e vemo-nos
como uma única nação de judeus com diferentes níveis de observância da halakhá,
mesmo praticamente todas as sinagogas sefaraditas e congregações serem ortopráxis.
Há algumas pessoas que, por razões particulares, decidiram se unir a esses movimentos
asquenazitas. Independentemente disso, vemos todos os motivos para que os judeus se
reúnam sob um único teto para tefilot. Segregação exclusivista do povo de Israel não é do
nosso feitio.

Shalom al kol Israel!

Carlos Zarur, antropólogo nascido em uma família de mizrahi-sefaradita, já viveu em


vários países ao longo de sua vida (EUA, Marrocos, Índia, México, Israel, Canadá e
Brasil). Possui mestrado em estudos judaicos nas áreas de: - Estudo Comparativo das
Religiões - Estudos Judaicos – Cultura Sefaradita Ocidental e Oriental, Costumes e
História - Cultura das Comunidades Judaicas Orientais (Mizrahim), costumes e história -
Comunidades Judaicas Periféricas - Estudos sobre Marranismo (Criptojudaísmo). Como
professor, lecionou na Universidade do Colorado, no Departamento de Antropologia e no
Programa de Estudos Judaicos. Atualmente, está terminando sua tese de doutorado
sobre os judeus sefaraditas na Síria e no Líbano.

Fonte: The Times of Israel. Acessado em 28 de março de 2014.

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