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Caderno Escola Itinerante n.4 PDF
Caderno Escola Itinerante n.4 PDF
CURITIBA
2010
Ficha Catalográfica
Governo do Estado do Paraná
Roberto Requião
Diretor Geral
Altevir Rocha de Andrade
Superintendente da Educação
Alayde Maria Pinto Digiovanni
Produção
Setor de Educação (MST - PR) e
Secretaria de Estado da Educação (SEED)
– Departamento da Diversidade -
Coordenação da Educação do Campo.
Elaboração
Adilson de Apiaim
Alessandro Santos Mariano
Daiane Maria Paz
Débora Nunes Lino da Silva
Elizabete Witcel
Jurema de Fátima Knopf
Isabela Camini
Marcela Nunes da Cunha
Marli Zimermann de Moraes
Paulo Davi Johann
Sandra G. Scheeren
Sandra Luciana Dalmagro
Coordenação
Isabela Camini
Sandra Luciana Dalmagro
Colaboração
Caroline Bahniuk
Jeansley Lima
Revisão
Equipe de elaboração
Nina Fidelis
Diagramação
Rafael Araújo Saldanha
Fotos
Setor de Educação do MST
dos estados de PI, AL, PR, SC e RS.
SUMÁRIO
Apresentação
9
Parte I
Parte II
C ompanheiros e Companheiras,
Ao ler este caderno, você terá um reencontro com o início da educação do MST,
que teve origem nos acampamentos. Apesar das experiências aqui relatadas não refletirem
a concepção de escola do MST, elas apontam as diferentes formas de apreensão do que é
educação para o Movimento. O contexto social e a conjuntura da luta vivenciada nos estados
interferem na produção dos textos, em que percebemos as contradições do processo e as
questões a serem superadas.
Dessa forma, o texto inicial deste caderno demonstra o caráter combativo das
Escolas Itinerantes - no seu décimo terceiro ano de existência -, em meio à luta pela Reforma
Agrária no Rio Grande do Sul, frente ao crescente processo de criminalização do MST e
à truculência dos ruralistas. Assim, situa a escola neste contexto e aponta para os desafios
organizacionais e políticos da escola e do MST no estado. Ao ler o relato das experiências
destas escolas do Rio Grande do Sul, é possível observar como se aprende lutando e como se
luta aprendendo.
Por sua vez, o estado de Santa Catarina, que teve seu processo regularizado em
2004, nos oferece uma descrição do processo de consolidação desta experiência, refletindo
suas práticas e apontando perspectivas. Descreve a especificidade da Escola Itinerante no
estado e a relação permanente de luta e resistência para mantê-la em atividade. O relato a
respeito da caracterização da escola no estado remonta à relação conflituosa com o governo
e aponta a dificuldade de se avançar no processo de sua consolidação. Contudo, a escola
continua firme na sua caminhada ao lado do povo Sem Terra e sua luta.
Desse modo, nos textos a seguir os leitores estarão diante de diferentes processos
de luta e permanência da Escola Itinerante. Assim como identificará similaridades e objetivos
comuns em torno da luta por escola. Exemplo disso é o fato destas escolas estarem diretamente
relacionada à luta pela Reforma Agrária nos estados. No entanto, a diversidade sócio-cultural, a
dimensão geográfica e histórica de cada estado/região, repercute na singularidade das escolas.
Logo, se a luta em movimento e a relação desta escola com a realidade é o fator que as une,
por outro lado, suas especificidades e distinções temporais produzem diversificadas formas de
atuação e práticas pedagógicas.
10 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
O resultado deste trabalho é fruto de elaboração e reflexão coletiva. Apesar dos
referidos textos terem autores que o assinam, todos passaram por um amplo processo de
sistematização e reflexão. Os textos foram escritos pelos sujeitos que estão envolvidos no
processo. Assim, entendemos que a sistematização das experiências das Escolas Itinerantes
do MST se constituiu em um espaço de formação, onde foi possível ampliar a reflexão,
identificando as possibilidades e os limites desta escola nos diferentes estados e em seu
conjunto.
Nesse sentido, o primeiro resultado almejado com este caderno é refletir sobre
a atuação nas escolas de modo a transformar a realidade. O segundo seria disponibilizar e
difundir essa experiência escolar, para que todos sistematizem e qualifiquem a sua atuação. E,
por fim, contribuir para que o Coletivo de Educação do MST se apodere deste novo instrumento
de ação e reflexão.
Com isso, pretendemos que este caderno seja objeto de estudo de toda a militância
Sem Terra, mas que possa servir para ampliar a interlocução entre aqueles que comungam do
projeto da Educação do Campo e da Reforma Agrária.
B
Coletivo Nacional de Educação do MST
om estudo!
Março de 2010
INTRODUÇÃO
Neste texto abordamos a educação e a escola no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), resgatando a trajetória da Escola Itinerante dos acampamentos no estado do Rio Grande
do Sul (1996 - 2009). O registro que nos propomos fazer traz a memória, com os elementos da prática
educativa, dos treze anos de existência desta escola. Retomamos os fatos, o movimento, as reflexões e os
desafios que marcam a continuidade desta caminhada.
Buscamos significar permanentemente o processo organizativo e formativo ampliando nossa
compreensão da luta de classes presente na luta pela Reforma Agrária e do enfrentamento ao latifúndio.
Compreender e posicionar-se em relação às práticas desenvolvidas neste percurso não é um ato simples e
artificial. É uma exigência que nos persegue sempre, desafiando-nos a ser sujeitos de transformação desse
contexto.
As vivências adquiridas nos espaços da luta vão construindo referenciais de participação
efetiva dos sujeitos que fazem parte desta organização. Estes desenvolvem valores humanos construídos
coletivamente, participando dos processos educativos. Essa vivência vem demonstrando que ter Escola
Itinerante nos acampamentos significa reconhecer que as crianças, ao mesmo tempo em que lutam por
terra, têm acesso à escola, e, na condição de crianças, são protagonistas na luta organizada pelos pais.
Neste contexto trazemos presente as práticas e as reflexões, com avanços e limites, que a
experiência pedagógica aqui relatada apresenta, no intuito de revelar a necessidade histórica almejada
pelos trabalhadores: a de possuir escola para seus filhos.
Na primeira parte do texto, analisamos os diversos materiais divulgados na imprensa, as
opiniões, os fatos abordados sobre o fechamento das Escolas Itinerantes, as considerações sobre a posição
dos governantes do estado do Rio Grande do Sul e as reações geradas nos trabalhadores Sem Terra. São
análises que demarcam claramente o campo da luta de classes e, em particular, o campo da educação como
um dos componentes fundamentais dessa luta. Notadamente, a educação do campo, pela ação coletiva do
MST, passa a exigir o posicionamento de todos. Não há neutralidade nessa luta.
1 Educadora do Setor de Educação MST-RS e da rede Pública Estadual do RS. Com Especialização em Educação do
Campo e Desenvolvimento, pela UnB/ITERRA
2 Educadora do Setor de Educação MST-RS e da rede pública estadual do RS. Com Especialização em Estudos Latinos,
pela UFMG.
Esta mesma Ata orientou para que fossem tomadas medidas judiciais “...para impedir
a presença de crianças e adolescentes em acampamentos, assim como em marchas, colunas ou outros
deslocamentos em massa de sem-terra.” Um dos principais argumentos é que “este movimento fere os
princípios democráticos” 4. E em nome da democracia a aposta é acabar com o MST.
Em novembro de 2008, o MP por meio de um inquérito civil investiga várias ações dos
movimentos sociais e instaura um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), declarando o fechamento dos
Cursos Experimentais Itinerantes – denominadas Escolas Itinerantes –, que atendiam, naquele momento,
mais de 600 crianças, jovens e adultos nos acampamentos de Sem Terra do RS. Seguindo as instruções do
TAC, o Governo, em conjunto com a Secretaria do Estado da Educação, delegou a responsabilidade para
os municípios próximos aos acampamentos em absorver a demanda escolar dos educandos das Escolas
16 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Itinerantes.
A decisão tomada pela Secretaria e o MP foi levada ao conhecimento das oito comunidades
acampadas onde havia Escolas Itinerantes. Com essa determinação, o governo pretendia encerrar,
definitivamente, as atividades escolares no início do ano letivo, em 2009. A Escola Itinerante vinha se
desenvolvendo há 12 anos.
No nosso entender, os instrumentos jurídicos utilizados pela classe dominante ferem os
princípios da dignidade humana. E por diversas vezes, tem como objetivo a repressão dos trabalhadores e
suas lutas.
Isto se expressa na agilidade nas reintegrações de posse, com a imediata comunicação aos
órgãos da Brigada Militar, do Conselho Tutelar, entre outros. Autarquias públicas estão quase sempre
sintonizadas quando se trata de legitimar e garantir a propriedade privada. Para protegê-la é válido o
“legítimo” exercício do monopólio da violência por meio das ações truculentas nos despejos, a repressão e
a tortura, acompanhado de inúmeros processos judiciais contra os trabalhadores. A luta pela terra, a defesa
dos direitos humanos, dentre eles o da educação, passam a ser tratados como um ato criminoso. No caso
em questão, com forte colaboração da mídia, e esta, enquanto parte da superestrutura política, jurídica e
ideológica, sedimenta e consolida as ideias da classe dominante como universais.
Colabora com o que estamos expondo, as medidas judiciais denominadas de Interditos
Proibitórios, cuja finalidade é impedir que os acampamentos se aproximem dos latifúndios e das grandes
empresas. Neste caso, a medida vale para proibir, inclusive, que as famílias acampem na beira das rodovias.
A finalidade desta ofensiva é visível: criar situações adversas para desmobilizar e fragilizar o
Movimento frente à sociedade, classificando a ocupação de terra como um crime hediondo5 . Evidentemente
que tais medidas buscam colocar na defensiva todos os movimentos sociais que se opõem ao projeto da
classe dominante, baseando-se em medidas mais extremas, como parte da criminalização, que questionem
a sua ilegalidade e existência política.
As medidas tomadas pelo MP gaúcho são uma reação à luta conduzida pelos trabalhadores
organizados. A intenção das medidas tomadas por este do órgão público ficam mais evidente. O que
estava antes camuflado em aparente “neutralidade”, agora se mostra na defesa dos interesses econômicos
e políticos dos grandes grupos transnacionais, nacionais e do latifúndio aliado do agronegócio.
Pela sua atuação ficou fácil de perceber que a governadora6 do RS, é a grande protagonista
desta ofensiva. À frente do executivo gaúcho, ela articula as forças repressoras do Estado (Brigada Militar,
judiciário, MP, entre outros) e os meios formadores de opinião (a mídia escrita, falada e televisiva)
reforçando o argumento de que os movimentos sociais são antidemocráticos e devem ser tratados como
caso de polícia. Portanto, precisam ser controlados, isolados e responsabilizados criminalmente por suas
lutas. Como observa o ex-deputado federal, Plínio de Arruda Sampaio (2008)7 quando afirma:
5 Crimes que o legislador entendeu merecer maior reprovação por parte do Estado. Do ponto de vista da criminologia
sociológica, são os crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão. Ou seja, de extremo potencial ofensivo,
“de gravidade acentuada”. São considerados crimes hediondos – tráfico ilícito de entorpecentes; tortura; terrorismo. (Wikipédia.
Acesso em: out. 2009).
6 Yeda Crusius (gestão 2007 a 2010)
7 Entrevista realizada por telefone à IHU On-Line, em 25 de julho de 2008.
Se por um lado são tomadas medidas judiciais duras, como o fechamento das escolas e a
dissolução do MST, ferindo inclusive preceitos constitucionais, por outro, o MP acoberta as ações do
agronegócio que ferem as leis ambientais. Vejam, para citar um exemplo, que grandes grupos econômicos
nacionais e internacionais adquiriram mais de 500 mil hectares de terra para o monocultivo de eucaliptos
para celulose no RS. Existem várias pesquisas que demonstram os danos ambientais que essa forma de
cultivo ocasiona. As denúncias feitas pelas mulheres da Via Campesina, quando da sua mobilização no
dia internacional da mulher, revelaram à sociedade as consequências danosas ao meio ambiente e, por
extensão à vida humana, dos monocultivos de eucaliptos.
O fechamento das Escolas Itinerantes desconsidera todo o processo pedagógico construído
ao longo destes doze anos, responsável pela escolarização milhares de crianças, jovens e adultos. Isto,
a nosso ver, fere os Direitos Humanos. A decisão já mencionada acima foi tomada de forma autoritária,
sem o diálogo com as partes envolvidas no Convênio8 , que são a Escola Estadual de Ensino Médio Nova
Sociedade - Escola Base9 e o Instituto Preservar10 ; desrespeitou a Constituição Federal, que assegura o
direito à educação para todos, e constituiu-se como um ato contra os direitos e as conquistas da sociedade
civil.
O reconhecido jurista Jacques Alfonsin, em entrevista aos meios de comunicação, declara
que: “[...] o fato de se cancelar o funcionamento de tais escolas atesta, mais uma vez, em que medida o
preconceito ideológico da suspeita infundada pesa sobre os trabalhadores pobres do nosso país, não pelo
que eles fazem ou dizem, mas sim pelo que são”11 . Concordamos com Alfonsin, e acrescentamos que
esta é uma visão distorcida e preconceituosa de quem vê nos trabalhadores uma ameaça aos interesses do
capital.
A conivência do Ministério Público explicitada nestas decisões declara sua posição contra
os interesses da população trabalhadora e reforça a perseguição política, abrindo assim um perigoso
precedente jurídico que fere os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.
Aos olhos da classe dominante, incomodada com as organizações populares, faz-se necessário
enfraquecer e desmobilizar as iniciativas da classe trabalhadora. Ela, para continuar dominando como
classe, precisa manter o seu modelo de sociedade opressora. Por isso, tenta controlar as iniciativas
populares em nossa sociedade. Neste sentido, a educação, bem como outros espaços de formação da
8 Desde o início da aprovação da Escola Itinerante, todos os anos era renovado o Convênio firmado entre a Secretaria de
Educação e o Instituto PRESERVAR que garantia a contratação de educadores para atuar nestas escolas.
9 E.E.E. M. Nova Sociedade, localizada no Assentamento Itapuí em Nova Santa Rita, pertencente a 27ª Coordenadoria
Regional de Educação (CRE), Canoas - RS.
10 Entidade jurídica sem fins lucrativos. Apóia projetos educacionais e ambientais e realizou convênios para contratação
de professores para as Escolas Itinerantes.
11 Entrevista concedida à IHU-Online, 2009.
18 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
consciência, são iniciativas controladas minuciosamente. Experiências como a das Escolas Itinerantes e as
práticas pedagógicas a elas vinculadas devem ser derrotadas, pois questionam e ameaçam a pedagogia da
supremacia da propriedade privada, da autoridade do Estado burguês e da legitimidade da dominação de
classe. Tudo isso é feito em nome do respeito ao “estado democrático e de direito”. Se ficássemos apenas
nos marcos dessa legalidade, veríamos que a própria Constituição Brasileira garante o direito à educação,
mais que isso, o direito a desenvolver experiências pedagógicas respeitando-se as especificidades culturais,
regionais e outras.
No nosso entender não há justificativas plausíveis para legitimar o fechamento das Escolas
Itinerantes, pois não existe nenhuma garantia de cumprimento da determinação judicial por parte dos
municípios e das escolas estaduais em atender a demanda escolar, com as especificidades da itinerância
das famílias acampadas. O referido TAC, em suas resoluções, define que as redes públicas escolares
usuais poderiam receber essas crianças em suas escolas, todavia, temos depoimentos que contrariam estas
orientações, tais como a declaração do prefeito Rossano Gonçalves, do município de São Gabriel (2009),
que afirmou não ter condições de receber, nem possibilidade de transportar as crianças acampadas para as
escolas do município.
É cômodo impor que a rede pública de ensino receba as crianças em suas respectivas escolas,
sem considerar a condição de itinerância em que vivem. Ou seja, a simples garantia da matrícula não
resolve questões como a sociabilidade entre educandos e educadores, a continuidade dos processos de
aprendizagem e o respeito às crianças Sem Terra.
Entre as razões apresentadas para o fechamento das escolas, podemos dizer que inúmeras delas
eram atribuições da própria Secretaria de Educação, mas que não vinham sendo atendidas regularmente:
falta de recursos humanos, a descontinuidade do pagamento dos educadores, os constantes entraves no
envio de materiais de infraestrutura, o descaso com a compra de materiais didático pedagógico, a falta
de merenda escolar, o não acompanhamento destas escolas, assim como a não preocupação do Estado
com a formação pedagógica dos educadores itinerantes. Haja vista que esta escola é pública, estadual,
reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação, no ano de 1996.
Deste modo, primeiro houve um processo de sucateamento das condições estruturais destas
escolas, ocasionado pelo descompromisso da Secretaria de Educação. A mesma que, posteriormente,
questiona a qualidade das Escolas Itinerantes que se desenvolviam em precárias condições.
Outra questão alegada no TAC é de que os educadores que trabalham nas Escolas Itinerantes
são pessoas que vivem nos acampamentos e indicadas pelo próprio Movimento e, por isto, o processo
de ensino desenvolvido não é laico, pois está sob o “controle” do MST. Esta interpretação do MP não
está fundamentada em nenhum instrumento legal, pois os educandos da Escola Itinerante participaram do
processo de avaliação externa realizado pelo sistema de avaliação escolar - SAERS e pela Prova Brasil -
MEC, no ano de 2007 e 2008, na qual os educandos das Itinerantes apresentaram desempenho similiar às
demais escolas do Rio Grande do Sul. O que demonstra que estas Escolas Itinerantes não desconsideram
os princípios universais da educação.
Percebe-se com isto que os órgãos públicos, em alguma medida, desconsideraram os seus
próprios instrumentos legais de avaliação, pois como se tratam de questões de interesses de classe, aplicou-
O enfrentamento aos movimentos sociais já vem de longa data. Sucessivos governos (2003
a 2009) vinham construindo medidas no sentido de perseguir os movimentos sociais com o objetivo de
desmobilizar as famílias acampadas, deslegitimar a luta pela terra e precarizar as condições das Escolas
12 Inúmeras monografias de magistério e pedagogia, seis dissertações de mestrado e uma tese de doutorado foram
pesquisas realizadas sobre Escola Itinerante no período de 1998 – 2010.
13 Gilberto Thums em Audiência Pública sobre a Escola Itinerante organizada por Deputados da Assembléia Legislativa,
MST e diversas entidades apoiadoras da Reforma Agrária, em abril de 2009.
14 Resolução número 2, de 28 de abril de 2008.
20 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Itinerantes.
Como consequência deste contexto, verificamos nos acampamentos que o número de
famílias diminuiu significativamente. Passamos rapidamente para um tempo de pouco diálogo, apatia e
acomodações no conjunto da sociedade e, sobretudo, no conjunto das organizações dos trabalhadores.
As promessas de um tempo novo para a classe trabalhadora não se realizam, ao contrário, direitos são
sistematicamente negados. A Reforma Agrária, como parte das mudanças mais profundas da sociedade,
também é negada aos trabalhadores. Por outro lado, e apesar de todas as dificuldades, esse é um momento
oportuno de rearticular as forças, organizar a classe trabalhadora, definir as tarefas estratégicas e motivar
a todos para continuar a luta.
Não alheio a este contexto, durante o ano de 2003, apesar das precárias condições, a Escola
Itinerante manteve suas atividades educativas. Sem infraestrutura e sem remuneração dos educadores, a
escola enfrentou enormes dificuldades para se manter, superada apenas pela disposição e decisão do MST
de garantir a educação a todas as crianças acampadas. Essa mesma política de descaso e abandono por
parte do Estado foi adotada nos anos seguintes pelos governantes. Já inconformados com tal situação, em
outubro de 2008, os educadores e representantes de pais mobilizaram-se em frente à Secretaria de Educação
reivindicando melhor tratamento às Escolas Itinerantes e reconhecimento aos educadores. Como parte dos
protestos, realizaram um jejum que durou 72 horas, reivindicando que o governo estadual garantisse o
convênio para a Escola Itinerante e reconhecesse a proposta pedagógica. Lamentavelmente, os governos se
negam a reconhecer esta escola como parte da rede pública estadual de ensino em situação de itinerância15,
que tem como objetivo garantir um dos direitos fundamentais do ser humano que é o direito a educação.
A Secretaria de Educação, nos últimos anos, ignorou a caminhada, a vida e o movimento
pedagógico desta escola, construída e afinada com o projeto de educação do campo assegurado nas
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, que é uma conquista dos movimentos sociais. Estas
diretrizes apontam avanços na compreensão das políticas públicas específicas para as populações do campo.
Revelamos que os processos educacionais das Escolas Itinerantes estão abertos para pesquisas,
orientações e supervisões dos órgãos da Secretaria de Educação e outros. Não há nenhum segredo que
não possa ser revelado. A questão é a forma como a Secretaria vem fazendo as supervisões, pois esta
se comporta apenas como órgão fiscalizador e controlador das ações pedagógicas nos acampamentos,
fazendo vistorias nas escolas, interrogando os educadores, emitindo documentos/pareceres, desaprovando
a forma escolar e as práticas educativas itinerantes.
Em tempos anteriores, quando as relações entre Movimento Sem Terra e governo estadual
eram de diálogo, foi construído, conjuntamente, um processo educativo no qual a Escola Itinerante tornara-
se uma política pública, efetivado por meio do Parecer nº 489/2002, que aprovou o Regimento Escolar16 e
ampliou o direito à escolaridade dos acampados.
15 Itinerância significa acompanhar o acampamento nas situações vividas pelas crianças acampadas, sobretudo, naquelas
que exigem a participação de toda a família nos processos de mobilizações e lutas para a garantia dos seus direitos fundamentais,
incluindo o direito à educação.
16 Aprovado em sessão plenária do Conselho Estadual de Educação, dezembro de 2002. Regimentou os Cursos
Experimentais Itinerantes, garantindo a ampliação das séries iniciais para séries finais do ensino fundamental, educação infantil
e EJA fundamental.
[...] A proposta de itinerância vista sob tantos olhares até aqui, pode
ser incluída entre as experiências pedagógicas significativas que se
move em direção a uma escola diferente numa sociedade diferente.
Porém, é bom lembrar que a instituição escolar, historicamente, não
foi, e nem está sendo hoje, pensada para os trabalhadores ou pelos
trabalhadores e muito menos tem sido incluída em um projeto de
transformação social. (CAMINI, 2009. p.174)
22 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
garantia de permanência e aprendizagem na escola pública sem discriminação de qualquer natureza” 17.
Temos claro que se faz necessário manter a escola vinculada ao poder público, pois ela
representa uma conquista como política pública de educação. Contudo, não abrimos mão de sua essência
que é ser pensada, construída e conduzida pelo movimento da luta, da resistência, das ocupações e da
organização do povo Sem Terra. Porém, por ser desta natureza, e por não ignorar as contradições sociais
em seu entorno, esta escola provoca tensionamentos e pressões até ser fechada por aqueles que se negam
a entender a dinâmica desta forma escolar. Como podemos analisar a partir da afirmação de Bahniuk, em
sua pesquisa de mestrado sobre a Escola Itinerante do Paraná:
Pelo contexto mencionado no Rio Grande do Sul, existem ações contrárias a forma escolar
itinerante desenvolvida pelos trabalhadores em situação de acampamento. O Estado burguês não ficou
desatento a esta realidade, desconstituindo aos poucos a autonomia desta escola em movimento, retirando
as conquistas, dificultando seu desenvolvimento e legitimando, autoritariamente, o fechamento das Escolas
Itinerantes.
17 Princípios nº 1, temática 3 – documento elaborado sobre a Construção da Escola Democrática e Popular, 2001.
18 Sindicato dos Professores do RS (CPERS) Sindicato dos Bancários RS, Deputados/as apoiadores, Comissão Pastoral
da Terra(CPT), Associação de Educação Católica (AEC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre outros.
19 Fala na audiência Pública realizada dia 07 de abril de 2009, no Plenarinho da Assembléia Legislativa do Rio Grande
do Sul.
24 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Escola do acampamento provoca as famílias a pensar e a cuidar da escolaridade de seus filhos.
A academia reconhece a Escola Itinerante por meio de diversas pesquisas já realizadas no
período entre 1998 e 2010. Em geral, as pesquisas apontam sinais de uma pedagogia diferente, com
limites e possibilidades. Uma educação comprometida com a classe trabalhadora. Apontam a Escola
Itinerante com germens de uma nova escola. Nosso entendimento é que essas pesquisas contribuem para a
divulgação e o reconhecimento deste projeto de escola nos acampamentos do MST.
Ao tratar sobre o tema do fechamento das Escolas Itinerantes, Jacques Alfonsin20 afirma:
A CAMINHADA HISTÓRICA E
AS LUTAS DA ESCOLA ITINERANTE
A história da Escola Itinerante começa juntamente com a retomada da luta pela terra, em 1982,
no Acampamento da Encruzilhada Natalino, no RS. A preocupação com a educação das crianças criou as
condições para realizar o debate sobre a temática entre as famílias acampadas. A necessidade de envolver as
crianças com práticas educativas possibilitou a discussão e a materialização destes espaços denominados de
“escola do acampamento” com uma “pedagogia diferente”, pois deveria atender as demandas educacionais
das crianças, jovens e adultos que ali viviam. Além disto, o trabalho educativo buscava estar articulado
com o projeto a ser construído pelos trabalhadores, contrapondo-se ao modelo de escola existente. Deste
modo, podemos dizer que a escola nasceu para atender as necessidades da própria comunidade acampada
e ela continuou sendo buscada e reivindicada em outros acampamentos que se sucederam neste estado, no
período de 1982 a 1995.
A existência desta prática educativa desenvolvida nos acampamentos garantiu a escolarização
de muitas crianças e adultos e permitiu que esta experiência fosse reconhecida pelos órgãos públicos,
20 Advogado defensor dos Direitos Humanos da OAB. Faz uma entrevista Online em defesa dos trabalhadores em vista
do fechamento das Escolas Itinerantes pelo Ministério Público Estadual.
21 Sobre a história da Escola Itinerante, ver CAMINI, Isabela. Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola. São
Paulo: Expressão Popular, 2009. Também existem dois cadernos (1998) e (2002) da Coleção Fazendo Escola, elaborados pelo
Setor de Educação do MST que tratam dessa temática.
22 Acampamento Palmeirão, no município de Santo Antônio e o acampamento Julio de Castilhos, no município de Julio
de Castilhos.
26 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
a Escola Itinerante participa ativamente. Seja na confecção de materiais que venham protegê-las dos
ataques e da intoxicação, causada pelo gás lacrimogêneo jogado pelos policiais entre os Sem Terra para
dispersar sua mobilização, seja no estudo dos sintomas provocados por estes produtos, transformando-se
em conteúdos escolares sistematizados na escola.
A escola carrega consigo as marcas da realidade, pois a todo momento é provocada a refletir
sobre sua existência. Tomamos como exemplo o depoimento de um dos educadores desta escola, Luis
Carlos Pilz23
Ações como estas, frequentes na longa trajetória dos acampamentos, deixam marcas
profundas, mas se somam nas reflexões e na análise que fazem os trabalhadores sobre a correlação de
forças existente na luta contra o latifúndio e o capital. A Escola Itinerante está diretamente envolvida
em situações como estas, ela não se distancia da realidade. Tanto é que o fato ocorrido durante a ação
realizada mostra claramente a força que a escola tem, por isso, foi diretamente “atacada”. Para a burguesia,
é inadmissível aceitar que crianças, jovens e adultos estejam em processo de aprendizado, no qual possam
projetar o seu processo de formação, ampliando o entendimento sobre o mundo e a realidade.
No contexto da escola existe a possibilidade concreta de planejar os temas e conteúdos
envolvendo o currículo escolar a ser trabalhado. Os educadores e educandos desenvolvem a capacidade
de serem sujeitos atuantes, responsáveis pelos processos com os quais interagem, construindo novos
conhecimentos por meio da pesquisa, do estudo, das situações reais e buscando elementos para subsídio
na prática.
A comunidade assume a responsabilidade pelo conjunto da escola e referencia os educadores
a trabalhar nela, incentivando a participação reflexiva e a apropriação dos conhecimentos entre os sujeitos.
Como dizem os acampados, “a Escola é do Estado, mas a pedagogia é nossa”. Essa expressão amplia a
visão sobre o papel da comunidade na escola, e torna-a participante dos processos vivenciados, ainda que
de forma tímida.
23 Educador da Escola Itinerante. Atualmente, estudante no curso de Licenciatura em Educação do Campo, convênio
entre UnB e ITERRA.
Em CAMINI, Isabela. Eles queimaram a nossa escola, 2006. (Texto não publicado) há um registro desse fato.
28 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
é imprescindível é a vivência de um dos princípios educativos da proposta do Movimento, que é o do
planejamento coletivo, realizado entre educadores, comunidade e escola, partindo da pesquisa da realidade.
Os conteúdos trazidos do contexto vivido apontam para a construção de um conjunto de ações
que possibilitam a produção de conhecimentos novos. O desafio é buscar permanentemente o fazer coerente
entre teoria e prática, para que os educandos possam compreender a realidade e construir o aprendizado por
meio do estudo e da pesquisa, desenvolvendo a criatividade e as habilidades dentro do processo vivenciado
na escola.
Diante da necessidade de uma elaboração sistematizada que subsidie os educadores, são
referendados os Cadernos da Coleção da Escola Itinerante24 e as demais produções elaboradas sobre
escola no MST, que contribuem nas orientações didáticas e pedagógicas a serem desenvolvidas nas Escolas
Itinerantes.
O processo educativo é constantemente reconstruído pelo coletivo da escola e comunidade,
aproximando-se da vida, ou nas palavras do educador russo:
A Escola Itinerante, por estar em constante itinerância busca caminhar junto com a comunidade.
Isto possibilita que ela não se afaste da vida real, dos problemas e conflitos sociais enfrentados. A realidade
é muito dinâmica e como nos diz Camini (2009, p.201), “é impossível ignorar esta realidade, porque ela
invade a vida dos educandos, não permitindo que se viva um mundo fictício, no qual se inventa problemas
para serem resolvidos”.
Esta escola mostra que é possível construir saberes em lugares e espaços não imaginados antes
pela comunidade e pelas crianças e, a partir destes, se ensina e aprende. Como dizem as próprias crianças:
mesmo numa “escola sem sala e paredes” a gente aprende. A Itinerância nos põe a dar aulas debaixo
das árvores, em pavilhões, na beira do asfalto, no meio da estrada, nos parques de exposições, em frente
aos órgãos públicos federais e estaduais, nas universidades e outros espaços educativos. Desta forma, se
organiza aulas sobre diversos assuntos, tendo por base uma realidade que permite produzir conhecimentos
sobre a vida, sobre o mundo, e também como tornar o cotidiano mais leve, justo, humano. Exemplo disso,
foi o que aconteceu na ocasião da Audiência Pública, em 07 de abril de 2009, na Assembléia Legislativa,
sobre o fechamento das Escolas Itinerantes. As crianças estavam mobilizadas na Praça da Matriz, em frente
à Assembléia, fizeram o estudo do ECA, enfocando o direito de ter escola. Como resultado deste trabalho,
construíram um livro em tamanho gigante com os direitos discutidos por eles e entregaram às autoridades
presentes na audiência. As aulas concretizadas nestas situações, os processos de luta permanente e os
desafios enfrentados, permitem uma visão politizada e significativa para o aprendizado. As aulas, desse
modo, possibilitam momentos educativos jamais vivenciados em outros espaços.
24 MST. Pedagogia que se constrói na Itinerância: Orientações aos educadores. Cadernos da Escola Itinerante – MST.
Ano II, nº 4, Curitiba, PR, maio, 2009.
Esta caminhada sempre contou com o trabalho de muitos educadores comprometidos com a
Reforma Agrária. Esses são desafiados a desenvolver práticas pedagógicas diante das diversas situações
que a realidade apresenta e, com estas, o compromisso de construir a Pedagogia do MST. Conforme o
depoimento de uma das educadoras da Escola Itinerante:
25 Maria Carlota de O. Amado - Educadora da Escola Itinerante nos primeiros anos desta escola. Atualmente atua em uma
escola da rede pública estadual de ensino do RS.
30 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
que acontecem e as decisões tomadas sobre a continuidade da luta possibilitam conduzir o trabalho a
partir das necessidades. São os elementos concretos que dão base para produzir conhecimentos e torná-
los significativos. Ou seja, a formação humana está articulada a um projeto cultural em que as pessoas se
educam dentro de um processo que contrapõe a prática individualista, tendo a práxis como eixo principal
da própria formação humana.
Estes sem terra, formado pela dinâmica da luta pela reforma agrária,
e do MST, pode ser entendido também como um novo sujeito sócio
cultural, ou seja, uma coletividade cujas ações cotidianas, ligadas
a uma luta social concreta, estão produzindo elementos de um tipo
de cultura que não corresponde aos padrões sociais e culturais
hegemônicos na sociedade capitalista [...]. (CALDART, 2000, p.26)
APRENDIZADOS DA ITINERÂNCIA
A Escola Itinerante marca o significado e o lugar da educação e da escola na vida das pessoas,
com processos construídos e vivenciados pelos sujeitos que deste contexto fazem parte, conduzindo
sonhos, fazendo lutas e produzindo conhecimentos.
Nas crianças e nos adultos, a marca da escola se concretiza na imagem das diferentes atividades
e dos muitos espaços em que ela se concretiza. As vivências da luta organizada em movimento, os estudos
proporcionados, ocupam o lugar na construção de significados que referenciam aprendizados e interrogam
a função social da escola.
A necessidade de construir e reconstruir os espaços da escola na itinerância foi mostrando ao
longo da história os caminhos possíveis de construir e relacionar a caminhada da luta pela terra com os
estudos escolares, por meio de exemplos concretos vivenciados constantemente.
Ao organizar os estudos da Escola na Itinerância é necessário considerar o universo de conteúdos
que cada momento apresenta, como a de uma marcha rumo ao latifúndio, por exemplo. Nas “paradas” para
26 Fazenda localizada no município de São Gabriel fronteira sul do estado, com mais de treze mil hectares de terra. A luta
antiga pela desapropriação se concretiza ao final de 2008 com a conquista de parte da área para assentamentos.
27 Este panfleto está registrado no livro de Frei Sergio Gorgen (2004).
28 “Gabrielenses e seus apoiadores dizem não à invasão - Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade tão bem
conservada nesses anos seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da escória humana.
São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria, terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós não
merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito,
venham trazer o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser exterminados. Vai doer, mas para as grandes
doenças, fortes são os remédios. E preciso correr sangue para mostrarmos a nossa bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só
assim daremos exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador
e produtivo. Nossa cidade é de oportunidades para quem quer produzir e não há oportunidade para bêbados, ralé vagabundos e
mendigos de aluguel.
Se tu gabrielense amigo, és proprietário de terra ao lado do acampamento, usa qualquer remédio de banhar o gado na água que
eles usem para beber, rato envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo, possuis uma arma de caça calibre 22
atira de dentro do carro contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo mesmo a 1200 metros de distância”.
Fim aos ratos. Viva o povo gabrielense!.
32 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
geográfico, a quilometragem percorrida nos dias de caminhada, as características da vegetação, os
costumes regionais, as culturas, entre outros. São aprendizados significativos construídos nas aulas e que
possibilitam compreender a realidade vivenciada. Por serem trabalhados de forma criativa, envolvendo um
conjunto de saberes, ajudam a amenizar as influências negativas, como esta causada pelo panfleto.
A comunidade escolar foi também se apropriando deste novo jeito de organizar a luta e a vida
escolar, pois as situações concretas fazem as pessoas se posicionarem. Na marcha é possível dialogar com
a sociedade sobre a vida, a esperança, os aprendizados e as perspectivas que a luta pela terra viabiliza.
A escola é reconhecida pela sua própria forma de funcionar e dialogar com a comunidade,
pois acompanha a itinerância do acampamento e vai construindo referenciais pedagógicos que apontam
perspectivas sobre o papel da escola nos movimentos sociais. As pesquisas apontam a Itinerante como um
novo jeito de fazer educação. Os aprendizados se multiplicam. Desde colocar outro imaginário de escola
a ser construído como a forma de organizá-la e conduzi-la, rompendo com a estrutura escolar das “quatro
paredes” e reconstruindo a cada dia uma escola em movimento, indo além do seu papel historicamente
construído.
DESAFIOS DA ATUALIDADE
“Vivam por mim, já que eu não posso mais viver a alegria de
trabalhar com estas crianças e estes adultos, que com sua luta
e com sua esperança estão conseguindo ser eles mesmos e elas
mesmas.”
Paulo Freire
Os desafios que permeiam a atualidade são muitos. Entre eles, a continuidade da Escola
Itinerante, tendo em vista a conjuntura social e política atual do RS. Considerando esta realidade, o MST
vem desenvolvendo um conjunto de iniciativas, nas quais reafirma a necessidade de continuar a luta pelo
reconhecimento do direito à escolarização para os acampados, reconstruindo a pedagogia e a estrutura
organizativa da escola.
A presença das crianças reafirma a continuidade da luta pela terra, sendo elas parte significativa
deste processo. Elas ingressam no acampamento junto com suas famílias e nessa luta ampliam a sua
participação em todos os espaços, significando-a e construindo novos valores como a solidariedade, o
companheirismo e a cooperação, entre outros.
As reflexões feitas apontam limitações no decorrer do processo escolar vivenciado na Escola
Itinerante. Estes limites também fazem parte da realidade da escola de modo geral, porém para avançar
em nosso projeto de escola, se faz necessário refletir e reconstruí-la constantemente. Neste contexto,
reafirmamos o compromisso de construir uma educação comprometida com a classe trabalhadora e
elencamos alguns elementos que apontam para esta continuidade.
34 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
c) Avançar na formação de educadores no processo escolar
Ampliar a formação política e pedagógica dos educadores que desenvolvem o trabalho nos
acampamentos é uma demanda necessária para qualificar o processo de ensino-aprendizado nas Escolas
Itinerantes. Sabemos que esse é um trabalho complexo, pois depende de um conjunto de questões, as quais
nem sempre estão ao alcance de quem organiza as escolas. Porém, é necessário buscar alternativas viáveis
para concretizar e ampliar a formação dos educadores.
Um processo escolar que contemple a formação integral de seus sujeitos depende principalmente
da capacidade que os educadores desenvolvem em articular a teoria e a prática e em considerar processos
já vivenciados, buscando construir aprendizados novos. A propósito disso, a formação dos educadores
deve ser potencializada em vários momentos e de forma permanente.
Estudar, pesquisar, estar sempre em movimento, é responsabilidade de quem educa nos
acampamentos. Os coletivos de educadores precisam dar exemplo no estudo.
CALDART, Roseli Salete. Escola e mais que Escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra. Petrópolis:
Vozes. 2000.
CAMINI, Isabela. Dez anos de Escola Itinerante nos Acampamentos do MST-RS: qual o balanço?
Boletim da AEC-RS Porto Alegre v. 26 n. 104, p 34-43, 2007.
CAMINI, Isabela. Educadores Itinerantes e sua Formação. In: MEURER, Ane Carine; DAVID, César de.
Espaços-tempos de Itinerância: interlocuções entre universidade e Escola Itinerante do MST.
Santa Maria: Ed. UFSM, 2006.
CAMINI, Isabela. Escola Itinerante dos acampamentos do MST: Um contraponto à Escola Capitalista?
Porto Alegre, 2009. 254 f. Tese. (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Faculdade de Educaçao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
DAVID, César de. Espaços – tempos de Itinerância: interlocuções entre universidade e Escola
Itinerante do MST. Santa Maria: Ed. UFSM, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17º Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
GÖRGEN, Sérgio Antônio. Marcha ao Coração do Latifúndio. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
MELLO, Marco (org) Paulo Freire e a Educação Popular. Porto Alegre IPOA: ATEMPA, 2008. 264 pag.
PISTRAK, M.M Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2000.
36 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 37
38 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Escola Itinerante no Paraná
Alessandro S. Mariano
Jurema de Fátima Knopf
Sandra G. Scheeren1
INTRODUÇÃO
Este texto é a síntese do processo de reflexão coletiva sobre a Escola Itinerante no Paraná que,
em 2009, completou seis anos de reconhecimento legal.
A Escola Itinerante se efetivou como uma política educacional em que participam de sua gestão
o Setor de Educação do MST e a Secretaria de Estado da Educação (SEED), envolvendo, neste período,
aproximadamente 4.500 educandos da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, e garantindo o
direito à educação a cerca de 8.000 famílias acampadas.
Esta escola tem afirmado o compromisso em realizar a formação em direção à emancipação
do ser humano, articulada a um projeto de transformação social. Em sua organização curricular considera
as singularidades dos acampados que por meio da luta pela terra almejam viver e trabalhar no campo.
No registro e análise do percurso de construção da Escola Itinerante nos acampamentos do
Paraná, buscamos refletir os aprendizados e os desafios deste projeto de escola, os quais iremos tratar nesse
texto, organizado em três partes. A primeira apresenta a trajetória histórica da Escola Itinerante. Como se
implementou e se efetivou neste estado. Na segunda, trazemos uma reflexão sobre as marcas e significados
desta escola que aprende e ensina acompanhando a luta dos Sem Terra. Por último, apontamos os desafios
a serem enfrentados para avançarmos no projeto de Escola Itinerante.
1 Membros do Setor de Educação do MST-PR e da Coordenação Pedagógica das Escolas Itinerantes, graduados em
Pedagogia Para Educadores do Campo na Unioeste.
2 Segundo Mariano (2008, p.33) na medida em que o MST pressiona os governos pela legalização da Escola Itinerante,
obriga o Estado a reconhecer, bem como a deliberar, uma política social, passando a fazer parte de suas ações governamentais.
Ou seja, ela é fruto da pressão que os trabalhadores fazem ao governo do estado.
3 Sem Terrinha são as crianças filhas dos Sem Terra que se encontram em luta.
4 Para VIEIRA (1992) na composição do termo política social – “política” não assume no sentido estrito de atividade
ou práxis humana ligada ao exercício de poder, mas relaciona-se à estratégia de governo que se compõem de plano, projetos,
programas e documentos, onde é possível identificar diretrizes relativas às áreas em questão.
42 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
direito explicitado na LDB de 1996.
O Conselho Estadual de Educação do Paraná, após analisar cuidadosamente o Projeto Político-
Pedagógico da Escola Itinerante, aprovou-o, por unanimidade, em 08 de dezembro de 20035, como escola
pública estadual. Com a observação de que a Escola deveria ser acompanhada e avaliada durante seus
dois primeiros anos, e os educadores dos anos iniciais deveriam participar de um processo de formação
continuada promovido pela SEED.
No entanto, somente em março de 2004 se legitimou, de fato, a parceria entre o Setor de
Educação do MST e a Secretaria de Estado da Educação (SEED), com a realização de um convênio que
envolveu a Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP), por meio do qual
se efetiva o remuneração dos educadores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental da referida
escola.
O Setor de Educação do MST, junto com a Coordenação de Educação do Campo (SEED),
indicou o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, localizado no assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito
do Iguaçu, para assumir a função de Escola Base. Esta escola assume a responsabilidade legal das Escolas
Itinerantes, tais como: a documentação escolar, as matrículas, as transferências, a certificação e registro
da vida escolar dos educandos, além do suprimento de merenda e materiais pedagógicos, entre outros. Em
2006, pela expansão territorial das Escolas Itinerantes no Paraná, foi oficializada a segunda Escola Base,
o Colégio Estadual Centrão, localizado no Assentamento Pontal do Tigre, em Querência do Norte, que
passou a responder legalmente pelas Itinerantes da região noroeste e norte do estado.
Estas duas escolas, localizadas em assentamentos da Reforma Agrária, assumem o projeto
educativo do Movimento e afirmam em seu trabalho pedagógico o desafio de ser uma escola do campo,
comprometida com a formação dos trabalhadores rurais Sem Terra. No decorrer desta trajetória, estas
escolas, em conjunto com as Itinerantes, tem tentado questionar a forma escolar convencional e capitalista
ao buscar formas alternativas de escola com uma proposta pedagógica que contemple as diferentes
dimensões do ser humano, dentre essas, a apropriação do conhecimento - que é tarefa fundamental da
escola -, com tempos e espaços educativos que ajudem a desenvolver todas as dimensões.
Em relação à oficialização da Escola Itinerante, vale ressaltar que mesmo antes da sua
aprovação, existiram experiências de escolas nos acampamentos. Em 2003, já haviam escolas com um ano
de funcionamento, porém sem o reconhecimento do poder público e mantidas pelo MST. Estas envolviam
cerca de 70 educadores voluntários que participaram do primeiro curso de formação de educadores da
Escola Itinerante, realizado no acampamento 10 de Maio, no período de 29 de setembro a 03 de outubro
de 2003.
Como uma das estratégias para agilizar a legalização desta proposta de escola, realizamos
a inauguração da Escola Itinerante Chico Mendes, no acampamento José Abílio dos Santos, em Quedas
do Iguaçu, no dia 30 de agosto de 2003. Além desta, nesta ocasião, também haviam outras escolas em
funcionamento, no Acampamento Segunda Conquista que se localiza no município de Espigão Alto do
5 A Escola Itinerante no Paraná foi reconhecida em dezembro de 2003 pelo Conselho Estadual de Educação através
do parecer n° 1012/2003 e autorizado seu funcionamento pela Secretaria de Estado da Educação resolução nº614/2004 de
17/02/2004.
6 Em 2005, esta escola recebeu o nome de Escola Itinerante Zumbi dos Palmares com o deslocamento das famílias
para a ocupação de outra parte da fazenda Complexo Cajati, em Cascavel, passando a estar no acampamento 1ª de Agosto.
A experiência desta escola está sistematizada no Caderno nº1 da Coleção Escola Itinerante, denominado de Escola Itinerante:
Trajetória, Projetos e Experiências, 2008a.
7 Os Colégios Chico Mendes e Olga Benário continuam sob a responsabilidade do Estado do Paraná, porém atendendo
os anos finais e Ensino Médio. Atualmente, existem oito escolas municipais que ofertam os anos iniciais e que estão espalhadas
pelas comunidades do assentamento.
8 Esta reflexão será retomada mais adiante nesse texto.
9 Atualmente, a Coleção compreende os seguintes Cadernos: Escola Itinerante do MST: 1) História, Projetos
e experiências, 2008a, 2) Itinerante: A Escola dos Sem Terra -Trajetórias e Significados, 2008b, 3) Pesquisa Sobre Escola
Itinerante: Refletindo o Movimento da Escola, 2009a; 4) Pedagogia que se constrói na Itinerância: orientação aos Educadores
2009b. Ainda existem mais dois volumes que se encontram em elaboração.
44 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
1-Tabela: Dados Escolas Itinerantes no Paraná
A Escola Itinerante no Paraná tem se firmado como uma escola pública, com a participação da
comunidade acampada em movimento, que caminha junto com Sem Terra na esperança de uma vida digna
com terra, saúde e educação. Em sua trajetória, esta escola foi evidenciando questões as quais deveria
responder para materializar outro formato de escola.
Convém registrar que esse projeto de escola é fruto do acúmulo de experiências escolares
desenvolvidas no decorrer dos 26 anos do MST, construídas nos diferentes processos de lutas, discussões e
interações junto às comunidades Sem Terra. Nesse momento, buscamos sistematizar algumas marcas que
se expressam na Pedagogia do MST e na especificidade das Escolas Itinerantes no Paraná. Essas marcas
são dimensões, nem sempre evidentes, que ganharam força na trajetória dessa escola, e que caracterizam as
particularidades das Itinerantes neste estado. As marcas também revelam as contradições que emergiram
nessa caminhada, e nossa tentativa de superá-las. É sobre estas marcas que refletimos a seguir:
A primeira marca é a escola como ferramenta de luta e resistência que está na sua origem,
46 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Um exemplo dessa preocupação foi expressa em uma das caminhadas da Escola Itinerante
Zumbi dos Palmares. Ainda em 2008, mais de 40 famílias se deslocaram para o município de Jacarezinho,
em uma área de pré-assentamento. Em um primeiro momento, a organização da escola não foi uma das
preocupações iniciais da coordenação do acampamento, porém, na primeira semana de ocupação, mesmo
a prefeitura disponibilizando transporte escolar, as famílias exigiram a organização da Escola Itinerante
neste espaço.
Isso também ocorreu no acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu, quando em outubro
deste mesmo ano, mais de 300 famílias ocuparam o complexo de terras improdutivas pertencentes ao
grupo Atala10 . Novamente, a preocupação inicial não foi a organização da escola, todavia foi fomentada
pelas famílias com crianças em idade escolar.
Tais fatos evidenciam que a experiência vivida pelas famílias de se envolver nos processos
organizativos e pedagógicos da escola tem produzido significados importantes, pois elas, ao assumirem
a escola como sua, dão outro sentido a escola, distinto daquela instituição alheia aos trabalhadores
camponeses. Nesse aspecto Knopf (2008, p.40) aponta:
11 O que não significa uma progressão automática e sim de fato, criar novas possibilidades para que o educando ao passar
pela escola possa se apropriar do conhecimento. E que diferente da seriação não seja ele o culpado por seu fracasso escolar.
48 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
dimensões, tais como o desenvolvimento das capacidades humanas superiores, a relação com a arte, a
vivência coletiva na organização do trabalho, o desenvolvimento de diferentes emoções, entre outros. Uma
das formas de realizar essa formação tem sido por meio dos Tempos Educativos.
Os tempos educativos como tempo leitura, recreio, oficina, vídeo, trabalho, reunião de núcleos,
entre outros são vivenciados em algumas escolas que dão, a estes tempos prioridades diferentes, de acordo
com suas necessidades. Percebemos que, quando estas atividades não estão bem articuladas à totalidade da
organização do trabalho, ao longo do ano perdem a intencionalidade e tornam-se mecânicas, diminuindo
sua potencialidade educativa.
Consideramos que para efetivar essa proposta de escola, a formação dos educadores
itinerantes apresenta-se como um grande desafio, especialmente porque a formação por eles recebida
está relacionada com a escola capitalista, por nós, contestada. No processo formativo, consideramos
as especificidades dos educadores. Os que são acampados com pertença ao Movimento que atuam na
Educação Infantil e nos anos Iniciais do Ensino Fundamental e os que são do quadro próprio do magistério
do Estado e atuam nos anos finais e Ensino Médio.
Os educadores dos anos iniciais são escolhidos pela organicidade do acampamento a partir
de alguns critérios12 estabelecidos junto às famílias acampadas. Estes educadores têm a vivência da luta
do acampamento e podem melhor compreender sua lógica organizativa e, geralmente, por esta condição,
se envolvem mais com o projeto de escola. Fator este importante para conseguir relacionar os conteúdos
escolares e dimensões da vida social e material dos educandos.
Em sua maioria, estes educadores não entram na escola instruídos de metodologias de prática
de ensino. Passam a aprender o exercício da docência e compreender a luta dos Sem Terra por meio da
escola e, ao mesmo tempo, são integrados em cursos formais de educadores como: magistério, pedagogia,
licenciatura, geografia, entre outros.
Por morarem próximos da escola, eles conseguem desenvolver e intencionalizar um processo
de formação permanente. Para isso, também há um programa de formação local, com a realização de
estudos coletivos semanais que propiciam uma formação continuada, com o objetivo de formar educadores
que se identifiquem com a tarefa de educar e que se comprometam organicamente com esta função.
A maioria destes educadores aprende a planejar e ministrar aulas a partir do processo de
vivência no acampamento, estudos e planejamentos coletivos, ou seja, desde a formação local e continuada.
O planejamento coletivo é um ponto forte do trabalho pedagógico das Escolas Itinerantes.
Na Educação Infantil e anos iniciais do Fundamental, o planejamento se dá de forma coletiva, com a
participação de educadores e comunidade na divisão de tarefas. A atuação no trabalho pedagógico é de
responsabilidade do coletivo de educadores e não apenas do educador da turma. Estes coletivos possuem
autonomia na definição da ordem dos temas e conteúdos, metodologias e estratégias de ensino, a partir das
metas de aprendizagem e o plano de estudos de cada ciclo. Sendo assim, o planejamento coletivo é um
elemento central no pensar e prever estratégias na escola.
Nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio atuam os educadores da rede Estadual
12 Ter escolaridade adequada para o exercício do Magistério, dedicação ao estudo, aprovação da indicação dos pais e da
comunidade acampada.
Ao fazer a Escola Itinerante colada à luta pela terra, nestes seis anos de existência, no
Paraná, vários desafios e limites vêm se expressando para avançarmos nessa escola como contraponto a
escola capitalista. Estes desafios, que emergem do processo, precisam ser refletidos para, a partir destes,
construirmos estratégias e formas de superá-los. Nesse texto sistematizamos alguns destes desafios que
pontuamos a seguir:
50 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Para isso, uma questão importante é que a Escola Itinerante precisa ser construída, debatida
constantemente com as comunidades acampadas em cada vez mais espaços e, principalmente, junto às
brigadas orgânicas13 onde elas se inserem, considerando as particularidades de cada acampamento.
13 A Brigada é uma organização territorial de famílias vinculadas ao MST. Uma junção de assentamentos e acampamentos
próximos, reunindo em média 500 famílias, tendo instâncias, organização própria, sendo um espaço ampliado de organização,
no qual acontece as discussões organizativas, formação de base, entre outros.
52 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
3) Continuar a implementação dos conselhos de classe participativos com a intenção de ser um
espaço-tempo onde os sujeitos centrais de toda ação educativa da escola (educandos, pais e educadores)
tenham espaço para discutir e dar suas opiniões. E esta linguagem não é o silêncio, a passividade. É a voz,
o diálogo, os limites de compreensão, as contradições. Efetivar o conselho de classe participativo como
espaço-tempo de realizar a avaliação dialógica, articulada ao compromisso com o estudo e a formação
não para obter notas. Sendo também um espaço de divisão do poder da instituição escolar, avalia-se cada
sujeito e cada instância da escola envolvida no processo educativo.
4) Realizar a avaliação processual e diagnóstica por meio de parecer descritivo, por área e
semestral, no qual serão apresentados os avanços e limites do processo educativo do educando, tendo como
referência maior o processo de apropriação do conhecimento e o desenvolvimento das suas capacidades de
análise, síntese, comparação, planejamento, participação, percepção, raciocínio lógico e outras.
Seguindo esta reflexão, sem a pretensão de finalizar, reconhecemos a importância da existência
da Escola Itinerante no atual contexto da luta dos trabalhadores rurais sem terra. Sabemos que sozinha,
a escola não transforma a sociedade, ela só é possível se fazer outra escola quando se agrega, se conecta
diretamente a um projeto maior.
A escola é um espaço privilegiado para a transmissão de conhecimentos, e contraditoriamente
reproduz a sociedade capitalista, mas abre brechas às contradições, daqueles que a querem a favor dos
trabalhadores e daqueles que a querem a favor do capital. Nesse sentido, cabe à classe trabalhadora disputar
a escola.
Desta forma, o maior desafio desta escola é continuar como política pública nos acampamentos
e itinerante, independente de qual grupo político assumir o governo do Estado do Paraná nos próximos
períodos.
Enfim, que a Escola Itinerante possa se realizar aprendendo e ensinando na luta pela
emancipação da classe trabalhadora.
CAMINI, Isabela. Educadores Itinerantes e sua formação. IN: MEUER, Ane Carine & DAVID, Cesar de.
Espaços e tempos de itinerância: interlocuções entre universidade e Escola Itinerante do MST. Santa
Maria: Ed. UFSM, 2006.
GARCIA, Walter, E. Educação brasileira contemporânea: org. e funcionamento. São Paulo: Mec-Gramhill
do Brasil, 1987.
GREIN, M. Isabel, GEHRKE, Marcos. Escola Itinerante no Desafio da luta pela reforma agrária. IN: MST.
Itinerante a Escola dos Sem Terra: trajetória e significados, nº2, 2008b (Coleção Cadernos da Escola
Itinerante do MST).
MARIANO, Alessandro Santos. Escola Itinerante dos Acampamentos do MST: Uma Ferramenta de Luta
e Emancipação dos Trabalhadores Sem Terra. Francisco Beltrão, Paraná, 2008 (Monografia de
conclusão de curso).
MST. Escola Itinerante do MST: história, projeto e experiências, nº1, 2008a (Coleção Cadernos da Escola
Itinerante do MST)
VIEIRA, Evaldo. Democracia e Política Social. São Paulo: Cortez e Autores Associados,1992 (Coleção
polêmicas do nosso tempo).
KNOPF, Jurema de Fatima, A Escola Itinerante Carlos Marighella no Acampamento Elias Gonçalves
Meura: trajetória e função social. Francisco Beltrão, Paraná, 2008 (Monografia de conclusão de
curso).
54 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 55
56 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Escola Itinerante em Santa Catarina
INTRODUÇÃO
Este texto, que é a primeira publicação sobre as Escolas Itinerantes em Santa Catarina, parte
de discussões e registros elaborados pelo setor de educação, em especial, no estado. Sua elaboração
constituiu-se em um desafio e um importante espaço para reflexão da caminhada de cinco anos (2005-
2009) da Experiência Pedagógica na modalidade de Escola Itinerante nos acampamentos do MST de Santa
Catarina.
Esta reflexão traz presente a construção do projeto de Escola Itinerante em Santa Catarina,
cujos processos pedagógicos buscam levar em conta o acúmulo do MST no que se refere à escola que
queremos. Neste sentido, a Escola Itinerante se assume como Escola do MST, que tem centralidade no
ser humano, na qual as atividades pedagógicas desempenhadas apontam para a formação, reconhecendo
o conjunto das dimensões humanas. O conjunto das ações desenvolvidas na escola precisa contribuir para
que as crianças possam aprender a ler, calcular, interpretar, confrontar, dialogar, debater, duvidar, sentir,
analisar, relacionar, celebrar, saber articular o próprio pensamento, sem descuidar da vinculação a um
projeto de campo e de sociedade.
Nesta perspectiva, não olhamos para a Escola Itinerante apenas como uma estrutura escolar.
A escola do MST é uma Escola do Campo, vinculada ao sistema público e a um movimento de luta social
pela Reforma Agrária no Brasil, com a participação da comunidade e que se vincula à construção de um
projeto de sociedade socialista.
A dimensão educativa das crianças do MST é mais profunda que aquela vivenciada somente
no espaço da escola. O significado do espaço do acampamento, as relações, as brincadeiras, as lutas,
a violência, o despejo, a mística, são componentes que possibilitam aprendizagens para as crianças. A
escola, neste contexto, precisa contribuir para o maior entendimento destes aprendizados e, ao mesmo
tempo, deve ser um espaço para a reflexão e socialização de conhecimentos.
Neste sentido, o Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante propõe:
1 Militante do Setor de Educação do Estado de Santa Catarina e do Coletivo de acompanhamento pedagógico das
Escolas Itinerantes, e graduanda do curso de geografia (UNESP).
2 Militante do Setor de Educação do Estado de Santa Catarina e do Coletivo de acompanhamento pedagógico das
Escolas Itinerantes,e graduado em pedagogia para educadores do campo pela UNIOESTE.
Compreender que a educação escolar deve partir da vivência da criança, do acampamento, das
lutas, das pressões sofridas, é fundamental quando se acredita que a escola não tem a função de ensinar
conteúdos mecânicos, mas formar a consciência de seres humanos capazes de observar, analisar, intervir
e transformar.
É por ter esta compreensão, que o MST de Santa Catarina se preocupou com a educação
escolar dos filhos e filhas dos Sem Terra. Mas não qualquer educação e sim, uma educação que pudesse se
desenvolver no interior dos acampamentos, onde a pedagogia a ser implementada poderia atender a esta
perspectiva. É neste sentido, que o Movimento se articula e elabora um projeto de educação que viesse
ao encontro com suas preocupações de uma educação numa perspectiva libertadora. Para que este projeto
se tornasse real, houve a necessidade de mobilizar o conjunto do MST e empreender lutas para esse fim.
Para esta reflexão, tomamos como base as observações feitas no acompanhamento pedagógico
às Escolas Itinerantes pelo Setor de Educação do MST e estudos acadêmicos sobre o tema.
O presente texto está dividido em quatro partes. A primeira traz presente a luta das famílias
Sem Terra com a participação das crianças pelo reconhecimento legal das escolas dos acampamentos. Em
um segundo momento, tratamos da caracterização e organização desta escola, quando também refletimos
a formação dos educadores e a experiência pedagógica desta escola que caminha com o povo Sem Terra.
Na terceira parte realizamos uma reflexão acerca da relação do Estado e da Secretaria de Educação com a
Itinerante, as dificuldades e os esforços para manter viva esta experiência de educação dos trabalhadores
do campo. Por último, apontamos os desafios que permanecem ao longo destes cinco anos de construção
política e pedagógica das Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST de Santa Catarina.
60 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
e a construção de escolas levava algum tempo e, com isso, as crianças acabavam perdendo o ano letivo.
Para que as crianças Sem Terra não ficassem fora do processo educacional escolar, a
comunidade acampada em conjunto com o setor de educação do MST organizava a escola, mesmo sem o
reconhecimento legal do Estado. Os educadores eram escolhidos pela comunidade acampada, sendo que
se observavam alguns critérios como: estar acampado, ter gosto pelo magistério e pelo estudo e ter o maior
grau de escolaridade.
Assim como descrito anteriormente, neste primeiro momento se buscava legalizar as escolas
dos acampamentos junto aos municípios em que estas se situavam. Onde as administrações eram mais
simpáticas à luta pela terra, as escolas eram legalizadas como extensão de uma escola da rede municipal,
mas em outros municípios, os representantes das secretarias municipais de educação argumentavam que a
lei não permitia. A partir desta situação se percebeu que a solução do problema não era definitiva. Começa
então uma nova etapa de luta pela escola das comunidades itinerantes.
Como no Rio Grande do Sul a aprovação da Escola Itinerante é de 1996, o MST de Santa
Catarina buscou nessa experiência subsídios para a elaboração do projeto de Escolas Itinerantes no estado.
A elaboração do projeto para a criação dessa modalidade de escola em Santa Catarina surge da demanda
de garantir a escolarização das crianças e o reconhecimento das experiências de escolas já desenvolvidas.
O projeto estava amparado na legislação vigente: a Constituição Federal e Estadual; o Estatuto da Criança
e do Adolescente; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; a Resolução nº 01/2002/CNE/CEB
que trata das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e a Lei Complementar
Estadual nº. 170/1998.
Nos acampamentos do MST no estado de Santa Catarina, quando da aprovação do projeto
da Escola Itinerante, havia oito escolas em funcionamento. Algumas destas escolas não possuíam o
reconhecimento legal e outras se encontravam legalizadas pelos municípios como extensão de outras
escolas municipais. Nestas oito escolas em funcionamento contava-se com 11 educadores e 252 educandos
e hoje (2009), estão funcionando com 11 educadores e 144 educandos.
No período em que funcionavam as escolas nos acampamentos sem o reconhecimento legal,
em algumas situações houve uma forte pressão do poder judiciário para o fechamento delas. Um exemplo
de como eram tratadas as escolas de acampamento, antes da aprovação da Escola Itinerante, foi o ocorrido
no acampamento Manoel Aves Ribeiro, localizado no município de Três Barras, onde os pais e o educador
foram intimados e processados pela justiça. O educador por se dispor a desenvolver atividades pedagógicas
para educar as crianças do acampamento e os pais por quererem que seus filhos estudassem. Nas palavras
do próprio educador Cléber: “Na delegacia, quando o delegado me chamou, olhou bem, dos pés à cabeça,
e indagou:- Então, é você o criminoso? - Se dar aula de graça for crime, então sou eu mesmo - respondi.”
(Menezes Mori, 2006 p.12).
Para a conquista do reconhecimento legal das escolas nos acampamentos foi necessário
mobilizar o conjunto do MST e empreender lutas junto ao poder público estadual. As mobilizações
utilizadas foram várias, tais como: a marcha no ano 2003, em que aproximadamente oitenta Sem Terra
atravessaram o estado e um dos pontos de pauta foi a aprovação das Escolas Itinerantes. Além disso, foram
feitas diversas audiências com a Secretaria Estadual de Educação e com o governador do Estado Luiz
A Escola Itinerante é uma escola de acampamento que tem por base legal a Escola de Ensino
Fundamental 30 de Outubro, localizada no assentamento Rio dos Patos, município de Lebom Régis, que
atende o ensino fundamental. Esta escola é a chamada Escola Base, cujo projeto político pedagógico
se aproxima da Pedagogia do Movimento, embora tenha limitações devido a muitos educadores não
possuírem vínculos orgânicos com o assentamento e o MST, se deslocando diariamente da cidade para
trabalhar nessa instituição escolar. O assentamento Rio dos Patos, no qual está localizada a escola 30 de
Outubro, é fruto da luta dos Sem Terra de Santa Catarina. Esta escola também é uma conquista da luta dos
Sem Terra assentados e por isso se tornou a Escola Base.
Consta no projeto de criação da Escola Itinerante que a Escola Base assume as funções de:
a) responsabilizar-se pela relação dos alunos nas turmas da Escola Itinerante com o Sistema Estadual de
Registro e Informação Escolar/SERIE; b) manter organizada a escrituração e o arquivamento dos dados
referentes à vida escolar dos alunos e funcional dos educadores; c) providenciar a documentação para
contratação do corpo docente; d) emitir histórico escolar do aluno, quando do pedido de transferência ou
no final do curso do Ensino Fundamental.
Além das atribuições descritas acima, tem sido acrescidas outras tarefas para a Escola Base,
tais como ajudar na formação dos educadores e no debate acerca do fortalecimento da Escola Itinerante,
a partir da qualificação dos educadores e contribuir com a luta pela continuidade da existência da Escola
Itinerante.
Desde o início da implementação das Escolas Itinerantes do MST em Santa Catarina, há,
no conjunto do Movimento, a decisão de que estas seriam organizadas em todos os acampamentos onde
3 Governador eleito em 2002 e reeleito em 2006, portanto, toda a trajetória da Escola Itinerante em Santa Catarina tem
acontecido neste governo.
62 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
houvesse demanda por escola e assim tem acontecido em todos esses locais.
As aulas acontecem em barracos de lona construídos pelas famílias acampadas ou em áreas
onde há casas ou galpões que são destinados para a organização da escola do acampamento. As condições
para a construção da escola e sua manutenção são pensadas e executadas pela comunidade acampada.
Percebe-se a prioridade que as famílias dão ao espaço da escola, destinando para esta a melhor localização
do acampamento, a melhor lona ou a melhor construção da área ocupada.
O MST no estado de Santa Catarina caracteriza-se por acampamentos menos numerosos, o
que resulta em escolas com um número pequeno de educandos e educandas, fazendo com que boa parte
das escolas sejam formadas por uma única turma. Das oito escolas, somente duas têm mais de trinta
educandos, possibilitando fazer duas turmas, considerando as normas da rede estadual de ensino, que
permite o desdobramento das turmas a partir de trinta alunos.
As avaliações feitas no coletivo de educadores e a prática das escolas apontam para duas
constatações no que se refere à multisseriação: a) existe a possibilidade da troca de conhecimentos e
experiências entre as crianças e o agrupamento por dificuldades, independentes das séries que antes
frequentavam; b) tem-se a dificuldade de um acompanhamento individual das crianças devido à diversidade
de níveis de aprendizado, idade e séries. A partir das avaliações e constatações decorrem ações concretas que
contribuem, principalmente, no acompanhamento individual às crianças que é de trabalhar em contraturno,
agrupando as crianças segundo as dificuldades encontradas, independente de série.
O Setor de Educação construiu uma proposta, no percurso de sua existência, de que o trabalho
pedagógico precisa ser pensado e executado de forma coletiva. Pelo fato de a maioria das escolas ser
formada por uma turma e apenas um educador ser contratado pelo estado, há dificuldade da efetivação desse
princípio. Para a superação desta limitação tem-se buscado organizar nos acampamentos formas variadas
de organização para que o trabalho coletivo se efetive como a constituição de coletivos de educação nos
acampamentos, coletivo de pais e mães e trabalho voluntário de acampados e acampadas. Estes grupos
permitem dar maior qualidade ao planejamento e à execução das atividades, e também permitem uma
avaliação mais consistente de todo o processo ensino-aprendizagem e de organização e gestão da escola.
Tem-se buscado construir em todos os acampamentos um coletivo de educação que recebe
nomes variados: equipe de educação, coletivo de educação, APP (Associação de Pais e Professores),
Setor de Educação. Estes coletivos têm a função de acompanhar as audiências e propor pautas para as
Gerências Regionais, contribuir em tarefas práticas na escola, como reparos na estrutura física e na horta,
participar de reuniões e garantir que as discussões referentes à escola cheguem até os núcleos de base,
participar das avaliações e planejamentos das atividades das escolas, inclusive propondo temas de estudo
e de acompanhamento aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio que estudam
fora do acampamento.
A Escola Itinerante tem uma equipe de coordenação pedagógica formada por três pessoas4,
cujas funções são: manter relação com o Estado, com as Gerências Regionais de educação e com a Escola
4 A coordenação pedagógica é formada por três pessoas. Segundo o projeto de criação da Escola Itinerante, um dos
coordenadores tem por função estabelecer relação com o Estado, com as Gerências Regionais de educação e com a Escola Base
e os outros dois de fazer o acompanhamento pedagógico aos educadores e educadoras.
64 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
tarefas e participam da execução e da avaliação sobre elas. A escola também participa das atividades
comuns do acampamento como mutirões, assembleias, trabalho na horta, celebrações e místicas.
No que se refere ao calendário escolar, as Escolas Itinerantes se organizam de acordo com o
calendário da Escola Base das Itinerantes, no entanto, cada escola tem autonomia para readequá-lo, desde
que garanta às crianças a carga horária de 200 dias letivos e o mínimo de quatro horas de aula diárias. As
aulas que eventualmente deixarem de ser dadas no período de organização da escola são repostas, ou no
contra turno, ou em sábados, sendo esta uma decisão do educador/educadora juntamente com o coletivo
de educação.
A organização curricular exposta no Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante prevê
a organização por ciclos, porém, como o registro é feito em sistema SERIE, este oficialmente não poderá
ser feito por ciclos. Mesmo que a organização escolar oficial do Estado impeça de organizar o processo
educativo por ciclo, se houvesse uma boa formação política pedagógica, seria possível uma maior
aproximação ao trabalho por ciclos. O que acontece na prática das Escolas Itinerantes é uma organização
que extrapola o sistema série, mas ainda não é ciclo. Os educadores organizam os educandos a cada duas
séries, ou seja, trabalham alguns conteúdos conjuntos com a primeira e segunda série e, da mesma forma,
de terceira e quarta série. Há três anos, iniciou-se a organização do Ensino Fundamental de 9 anos, então,
como as turmas são multisseriadas, as atividades são organizadas por idade e/ou tempo de aprendizagem,
conforme a realidade de cada espaço, levando-se em conta as especificidades e necessidades das crianças.
No que se refere a avaliação, até o ano de 2008, o Sistema Estadual de Ensino organizava-se
por meio de notas. Em 2009, adotou-se a avaliação descritiva dos educandos nos três anos iniciais do Ensino
Fundamental. As Escolas Itinerantes, além dos registros de avaliação exigidos pelo estado, organizam
formas complementares e participativas de avaliação utilizando-se de instrumentos como cadernos de
acompanhamento individual dos educandos, avaliações orais ao final de aulas ou atividades, reunião de
pais e pareceres descritivos de cada criança, elaborados em processos participativos e socializados com
os pais e comunidade. Independente da forma de registro adotada, a avaliação inclui aspectos como o
aprendizado das crianças, o ensino, a organização da escola e a participação da comunidade acampada.
O Projeto Político Pedagógico das Escolas Itinerantes está em contínuo processo de construção
desde a sua legalização e tem como base a construção que vem sendo feita ao longo dos anos da Pedagogia
do Movimento. A metodologia de construção envolveu, e envolve, reuniões de um grupo de trabalho,
estudo e construção no coletivo de educadores e estudo nos acampamentos. Nos cursos de formação
de educadores, este projeto é estudado e são anotadas as sugestões, buscando assim a participação e o
conhecimento deste por parte dos educadores que, juntamente com o Setor de Educação e coletivo de
acompanhamento, têm a tarefa de realizar as discussões com as famílias acampadas.
O Setor de Educação do MST em SC tem por princípio que os educadores que trabalham
na Escola Itinerante sejam escolhidos entre as famílias acampadas, a partir da discussão na coordenação
e nos Núcleos de Base. Para o processo de escolha, respeitam-se alguns critérios como: fazer parte da
66 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
desenvolvidas durante o ano, além dos trabalhos de preenchimento do diário de classe e o calendário
escolar.
O segundo momento acontece na metade do ano em que é estudado o Projeto Político
Pedagógico e outros temas relacionados à Pedagogia do Movimento e a Educação do Campo. O terceiro
momento , que acontece em uma das escolas, é desenvolvido em forma de oficina e denominado de Oficina
de Capacitação Pedagógica - OCAP. Nessa OCAP trabalha-se a teoria aliada à prática. Ou seja, um período
de estudo teórico relacionado à Pedagogia do Movimento, à educação libertadora de Paulo Freire e o
planejamento e, no outro período, desenvolve-se a prática em sala de aula com a avaliação dos trabalhos.
Durante os quase cinco anos de desenvolvimento de atividades pedagógicas nas Escolas
Itinerantes, conseguimos ter avanços significativos no que diz respeito à qualidade do ensino. No entanto,
a rotatividade dos educadores ainda é um limite. Este é um desafio que deve ser assumido pela Escola
Itinerante, Setor de Educação e o conjunto do MST. Neste sentido, é preciso avaliar melhor a vontade e
disposição das pessoas indicadas a serem educadores e também as que são selecionadas para participar
dos cursos de formação de nível médio e superior oferecidos pelo MST em parceria com o Pronera e com
universidades.
É preciso potencializar a formação para criar um corpo docente com qualificação profissional,
política e pedagógica. É preciso avançarmos na construção de uma escola capaz de formar os Sem Terrinha
com conhecimentos universais, aliados aos conhecimentos do campo, da luta pela terra e do funcionamento
da sociedade, para poder intervir nela e transformá-la. Isto implica formar educadores que tenham a
capacidade de trabalhar os conhecimentos da realidade próxima como ponto de partida e, ao mesmo
tempo, como ponto de chegada, relacionando-os com os conhecimentos científicos universais produzidos
pela humanidade, associados à ampla formação humana.
No dia a dia percebe-se que parte dos educadores trabalha com o método tradicional, outros
trabalham a partir de temas escolhidos pelo educador. Os que trabalham com o método tradicional não
deixam de trabalhar os assuntos do cotidiano do educando, da organização do MST e do acampamento,
pois a cada aula discutem junto com os educandos algum assunto da realidade vivida pelo educando. Os
educadores que trabalham a partir de temas, em muitos casos não conseguem trabalhar os conteúdos das
disciplinas escolares vinculados ao tema e de maneira não fragmentada. Isto quer dizer que as disciplinas
escolares são trabalhadas de forma isolada, mesmo que todas tenham relação com o tema. Em pesquisa
nas Escolas Itinerantes de Santa Catarina, Puhl (2008, p.76) verificou que “por falta de formação, muitos
educadores dão mais ênfase à vida cotidiana do que aos conteúdos oficiais, pois se sentem mais seguros
para tratar sobre estas questões”. Em relação ao aprendizado das crianças escreve:
Mesmo com todos os limites encontrados em relação aos conteúdos escolares, podemos
observar que as crianças da Escola Itinerante estão em condições de igualdade com as crianças que estudam
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 67
em outras escolas. Porém, na Itinerante se aprende também sobre a vida do acampamento, os valores
humanos que devem ser cultivados, o trabalho no campo, a preservação da natureza, etc. Em nosso ponto
de vista, o que falta é desenvolver melhor o vínculo entre os conteúdos das disciplinas escolares e os temas
relacionados à vida concreta do educando.
Outra questão que merece atenção é o envolvimento da comunidade acampada na condução
dos processos pedagógicos da escola. Porém, esta participação está mais relacionada à construção e
manutenção da escola e na preparação da merenda para os educandos do que ao trabalho pedagógico,
especialmente na seleção de temas e conteúdos a serem abordados. Isto se deve ao fato de que,
historicamente, a educação escolar foi destinada ao educador. Para muitos pais basta que a criança aprenda
a ler e escrever. O envolvimento da comunidade acampada na definição dos meios e fins da educação
escolar é um dos maiores desafios da Escola Itinerante. É fundamental para avançarmos na construção
da Pedagogia do Movimento, pois a escola deve ser orgânica à comunidade e caminhar com ela rumo à
emancipação humana, assim como apontam os acampamentos do MST.
A Escola Itinerante é uma escola pensada e organizada pelas famílias em situação de acampa-
mento e tem por objetivo atender e garantir o direito à escolarização das crianças que acompanham seus
pais na luta pela terra e, por isso, permanecem em situação de itinerância até que conquistem o direito de
poder plantar e produzir.
Por acompanhar as famílias no processo de luta em que elas se encontram as aulas da escola,
quando necessário, acontecem em momentos e lugares diferenciados como barracos ou galpões, marchas,
prédios públicos, quando ocupados, e outros lugares. Os educadores atuam em conjunto com a organização
dos acampamentos e são desafiados permanentemente a construir espaços pedagógicos nas diversas
situações que encontram na itinerância e que os provoca a criatividade e espírito de sacrifício, pois nem
sempre as condições estão dadas para o desenvolvimento do processo pedagógico.
Neste período de legalização das Escolas Itinerantes, tivemos algumas experiências de
itinerância que vêm comprovar a importância desta conquista no que diz respeito à garantia da escola, à
agilidade dos processos e à possibilidade de formação intencional e planejada. Por exemplo, no mês de
abril de 2005, cinquenta famílias do acampamento Pátria Livre, de Abelardo Luz, deslocaram-se para o
pré-assentamento no município de Correia Pinto e a escola, juntamente com o educador, acompanhou as
famílias e as vinte e cinco crianças matriculadas.
Outro exemplo foi quando as famílias do acampamento no município de São Francisco saíram
da área ocupada e se somaram às famílias do Pátria Livre. Todas as crianças passaram a ser atendidas
na escola deste acampamento e uma outra escola também se constituiu em um novo acampamento no
município de Rio Negrinho. Imediatamente discutiu-se o nome do educador, que foi organizando as
crianças e a escola, para dar início às atividades.
No dia 10 de julho de 2005, aconteceu mais um momento de luta pela Reforma Agrária no
município de Iriniópolis, onde as famílias dos acampamentos Raízes do Futuro, em Canoinhas, e Manuel
68 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Alves Ribeiro, em Mafra, se uniram e formaram o acampamento Dolcimar Brunetto. Com a mudança,
educadores, crianças e escola se incorporaram às crianças do outro acampamento e às novas famílias que
ingressavam na luta. E assim, a cada novo acampamento, uma escola ia sendo organizada pelas famílias
acampadas em conjunto com o Setor de Educação.
Por exemplo, a escola do acampamento Dom José Gomes, que entre agosto e setembro de 2008
funcionou no prédio da superintendência do Incra em Chapecó. O órgão havia sido ocupado pelas famílias
desse acampamento como forma de luta pela desapropriação da fazenda Seringa. A existência da Escola
Itinerante possibilitou que as famílias participassem da luta sem paralisar a escolarização das crianças
que, além de manterem-se na escola, também participavam das formações e atividades organizadas na
ocasião. A escola retornou para seu local de origem no dia10 de setembro após publicação do decreto de
desapropriação da área no Diário Oficial.
Outro exemplo de escola que caminha com o povo Sem Terra foi a organizada no ano de 2009,
no acampamento Miguel Fortes da Silva, localizado no município de Santa Terezinha. Esta comunidade se
formou por famílias vindas do acampamento São Roque, do município de Campo Erê, algumas famílias
do acampamento Nova Esperança, do município de Mafra, e as famílias excedentes do recém criado
assentamento 25 de Março do município de Correia Pinto. Este acampamento se constitui a partir da
desapropriação da Fazenda Mato Queimado, no município de Taió. Ao chegarem perto do local da fazenda
desapropriada, as famílias foram surpreendidas pela ação da Polícia Militar - aliada à força paramilitar
do latifúndio -, sendo impedidas de entrar na área que por lei era destinada a elas. Além de impedir a
chegada na terra, a força armada do Estado e do latifúndio obrigou as famílias a descarregarem toda
mudança vinda em caminhões em um posto de ferro velho perto do local, enquanto os caminhões foram
encaminhados de volta ao município de origem. As famílias ficaram das oito da manhã até as três e meia
da tarde sem comunicação, sem água e comida, pois a alimentação estava nos caminhões, e no local não
tinha área para comunicação. Às três e meia da tarde, após entrarem em contato com as demais famílias,
organizou-se o deslocamento de todos para uma área provisória, gentilmente cedida pelo assentamento 25
de Maio, no município de Santa Terezinha. A escola está funcionando nesse local e as famílias aguardam
o seu deslocamento para a fazenda Mato Queimado para tomarem posse da terra e assim constituírem o
assentamento.
A Escola Itinerante surge para atender a escolarização das crianças que vivem no acampamento.
Além de permitir que as famílias participem da luta, como marchas e ocupações de prédios públicos,
a escola participa dessa luta na medida em que acompanha e não ignora o contexto em que se insere.
Nesse sentido, os elementos que surgem no processo de luta dos acampamentos, em algumas situações,
são temas de debate e estudo na escola. Entretanto, observamos que este entranhamento da escola em
sua realidade, nos problemas que a cerca, ainda é momentâneo e eventual, pois não se tornou base e
matéria prima permanente do trabalho escolar. Consideramos ainda que há muito por avançar para que
a Escola Itinerante consiga refletir a luta pela terra, em conexão com os conhecimentos acumulados, e
que poderiam em muito contribuir para um maior entendimento das crianças desta luta. Observamos que
os temas trabalhados pela escola, muitas vezes, ocorre de forma isolada, momentânea e sem estabelecer
relação entre os acontecimentos do local com os determinantes mais gerais desta mesma luta, com seus
70 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Percebe-se o descompromisso do Estado por meio da Secretaria Estadual de Educação para com
as Escolas Itinerantes. Ao olharmos a prática educacional ligada à Educação do Campo em Santa Catarina,
compreende-se que este abandono acontece com o conjunto das escolas que atendem os trabalhadores do
campo. Muitas são fechadas e algumas ainda persistem devido à luta e resistência dos camponeses, mas
continuam carecendo de todo tipo de apoio estatal. Da mesma forma, a Escola Itinerante mantém-se pela
luta e organização do MST, sobrevivendo com o mínimo de amparo do então governo estadual.
Avaliamos que num contexto político mais favorável, a Escola Itinerante foi aprovada como
experiência pedagógica, porém com a mudança de Secretário de Educação e o fortalecimento de setores
mais conservadores no governo do estado, a Escola Itinerante não se viabiliza de forma plena. Percebemos
ao longo destes anos que falta vontade política da parte deste governo em viabilizar as condições mínimas
de funcionamento desta escola. O Estado se esconde atrás da burocracia e da alegação de impedimentos
legais para operacionalizar questões importantes que assegurem o funcionamento e a especificidade
desta escola como o envio de materiais, o calendário escolar, os ciclos de formação, o deslocamento dos
coordenadores e outras questões já mencionadas anteriormente. Evidencia-se assim o caráter de classe
(dominante) a quem o Estado serve e a quem também atende o atual governo estadual. Da parte do MST,
avaliamos, que neste momento de pequenos acampamentos e de tentativa de sufocar a luta do MST
empreendida pela articulação das forças conservadoras no país, não temos conseguido pressionar o Estado
para alterar este quadro que se perpetua desde a criação da Escola Itinerante.
Este quadro evidencia que a aprovação da experiência pedagógica Escolas Itinerantes em
Acampamentos do MST de Santa Catarina não foi acompanhada das condições para a sua implementação.
O Estado ignora que, sob certos aspectos, questões específicas da Escola Itinerante precisam ser
asseguradas. O Estado atua na questão das matrículas realizadas e como todas as crianças da Itinerante
se vinculam à Escola Base, desconsideram que efetivamente elas se encontram em diversos outros locais
(que correspondem a outras Gerências5), que tais escolas se deslocam entre diferentes regiões do Estado
e que tal dinâmica exige condições específicas para funcionar, o que extrapola o modelo único que atua o
sistema estadual de educação.
Em relação aos educadores, estes são contratados como ACTs – Admitidos em Caráter
Temporário - a indicação é de responsabilidade do MST nos acampamentos -, e vinculados à Escola Base.
Recebem salários diferenciados de acordo com a formação e conforme previsto no plano de carreira do
magistério público estadual. Com relação a isso não se enfrenta maiores problemas e os educadores têm
recebido seus salários com regularidade. Este procedimento é diferenciado de outros estados que possuem
a Escola Itinerante, em que está remuneração dos educadores se efetiva por meio de convênios e apresenta
a vantagem de que, em Santa Catarina, o poder público “assume” os educadores itinerantes, contratando-
os. De outro lado, este vínculo direto educador-Estado, por vezes, se torna mais forte do que a relação
educador-acampamento. Esta forma de contratação também tem favorecido certo isolamento do trabalho
do educador, na medida em que um único professor assume a escola e não dois como seria desejável.
O Setor de Educação tem buscado criar uma dinâmica em que dois educadores assumam cada turma,
5 Cabe aqui uma explicação a respeito da Descentralização, prática de governo que prevê autonomia orçamentária e de
planejamento as 30 secretarias regionais. Nestas secretarias funcionam as Gerências Regionais de Educação, mantenedoras das
Escolas Itinerantes dos acampamentos.
Diante das reflexões feitas ao longo do texto, podemos perceber os imensos desafios que
precisam ser superados e que devem ser assumidos conjuntamente pela Escola Itinerante, pelo Setor de
Educação e pelo conjunto do MST com vistas a qualificação dessa Escola. Sintetizamos estes desafios em
alguns eixos:
1- Fortalecer a organização e as instâncias dos acampamentos para potencializar
a participação e a relação acampamento–Escola. Estes devem ser espaços de efetivo estudo,
formação e decisão. As famílias acampadas devem se apropriar do projeto de educação e
escola do MST. Fortalecer os coletivos de educação nos acampamentos e intensificar o
acompanhamento pedagógico aos educadores como forma de avançarmos na construção de
uma educação de qualidade. Este é um dos caminhos para que a escola contribua no processo
de formação humana de maneira ampla e colocá-la no rumo da construção de forma escolar
articulada à luta pela transformação da sociedade.
72 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
acampamento deve assumir a responsabilidade de construir hortas, jardins, espaços amplos
e arejados, aproximando a escola da Pedagogia do MST e tornando orgânica a relação
acampamento–MST e Escola.
Estes são alguns dos desafios que apontamos e que merecem a reflexão nos acampamentos, na
Escola Itinerante, no Setor de Educação e no conjunto do MST, para que possamos avançar na construção de
uma educação diferente, que esteja pautada na formação das várias dimensões do ser humano, articulada à
socialização e à produção dos conhecimentos úteis à emancipação dos trabalhadores. Estes desafios devem
ser vistos como possibilidades de construirmos um processo educacional que ajude na mobilização dos
acampamentos, no fortalecimento das instâncias organizativas, na elevação do nível de consciência das
famílias acampadas e na discussão de um novo projeto de agricultura que tenha suas bases na agroecologia.
A educação, dessa forma, contribuirá na luta pela Reforma Agrária e na construção de um novo projeto de
sociedade em que as pessoas terão livre acesso à terra, ao trabalho, e onde predomina a solidariedade e a
cooperação entre os seres humanos.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
ESCOLA ITINERANTE SANTA CATARINA. Projeto de Criação da Escola Itinerante dos Acampamentos
do Movimento Sem Terra de Santa Catarina. Chapecó, abril, 2003 .
FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987
MORI, Cleber Menezes. O processo de constituição da Escola Itinerante Sepé Tiarajú do acampamento
Pátria Livre, no município de Correia Pinto no estado de Santa Catarina. Monografia (Pedagogia da
Terra), Veranópolis, 2006.
PUHL, Raquel Inês. Escola Itinerante do MST: o Movimento da Escola na Educação do Campo. Dissertação
(Mestrado em Educação), UFSC: Florianópolis, 2008.
74 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 75
76 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Escola Itinerante em Alagoas
É este o cenário em que a Escola Itinerante cumpre importante tarefa no estado de Alagoas, e
não apenas na Reforma Agrária, na medida em que potencializa e instrumentaliza, de maneira pedagógica,
a luta e a organização como forma de garantir o direito à educação ao conjunto da sociedade.
3 Das 26 Unidades da Federação pesquisadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
enquanto o Distrito Federal apresentava o mais elevado IDH (0,806) do Brasil, Alagoas ocupava a segunda pior posição, com
um IDH < 0,677, tendo à sua frente apenas o Estado do Maranhão, com 0,456.
80 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
intensa na tentativa de impedir essa consolidação.
O país, nesta época, se ressentia do autoritarismo e dos resquícios da ditadura militar. Logo,
eram comuns as prisões e torturas dos militantes. As ameaças de grupos de extermínio e dos pistoleiros
eram cotidianas e a luta para consolidar o MST no estado era estratégica para a fixação do Movimento na
Região. Apesar da repressão, em 1987, o Movimento conquista alguns assentamentos: Lameirão, Peba e
Vitória da Conquista.
A conquista dos assentamentos, devido às novas demandas, exigiu mudanças de concepção e
reivindicativas do Movimento. É um novo momento da luta pela terra. À ela, somava-se as demandas das
família assentadas. Uma vez que “mesmo com a conquista da terra, os problemas das famílias com relação
à saúde, educação, infra-estrutura básica, não foram resolvidos, de forma que se fez necessário ocupar
as prefeituras municipais para cobrar estas reivindicações do poder local dos municípios (...)” (SILVA,
2008:p.42).
E estas lutas foram se intensificando:
Até meados da década de 90, as reivindicações vão se dando em nível das prefeituras, muitas
vezes, sem se ter resultados concretos e conquistas, pela própria forma como os gestores conduziam a
gestão pública, bem como pela forte violência com que tratavam quem reivindicava ou os questionava.
É nesse contexto que se inicia a luta por escola. Nos acampamentos, praticamente não existiam
escolas assistidas pelos municípios, e nos assentamentos, quando havia, se encontrava em estado precário.
Assim, os acampados e assentados tinham que estudar nos povoados, fazendas ou usinas vizinhas, que
tivessem escolas, ou irem para as cidades. Porém, na maioria das vezes, não iam às escolas e passavam a
serem contabilizados nos indicadores de analfabetismo ou evasão escolar nos municípios e no estado.
Esta era uma situação que incomodava o conjunto do Movimento, que já compreendia que a
luta pela terra era insuficiente para se avançar e construir os grandes objetivos do MST: a luta pela terra,
pela Reforma Agrária e por mudanças estruturais na sociedade. Em âmbito nacional, no ano de 1998, foi
criado pelo Governo Federal, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), acatando
propostas e reivindicações de movimentos, entidades sociais e universidades brasileiras comprometidos
com as lutas do campo.
Com a preocupação da necessidade de avançar na formação e escolarização dos trabalhadores,
frente aos índices de analfabetismo alarmantes, no ano de 1998, o MST no estado, por meio de uma parceria
com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e o Incra, desenvolve o Projeto de Educação e Capacitação
de Jovens e Adultos nas Áreas da Reforma Agrária em Alagoas (Projeral). O projeto teve como principais
ações a alfabetização de jovens e adultos assentados e a complementação da escolarização, em nível
fundamental, de outros jovens e adultos também trabalhadores rurais que assumiram a função de monitores.
Com o término do Projeral e frente aos problemas enfrentados em sua execução, abre-se
um vácuo até a aprovação do segundo Projeto – o Projeral II, que teria como meta dar continuidade à
escolarização dos trabalhadores jovens e adultos. Em 2002, o Pronera retoma suas atividades em Alagoas
e é marcado pelo aprofundamento dos problemas tidos anteriormente, indo somente até o ano de 2004.
Nesse momento, já existia um grande número de famílias assentadas e se intensificava a luta
por estruturas para os assentamentos, tendo grande força a reivindicação por escolas, inclusive como uma
condição necessária para a permanência de toda a família morando nas comunidades. Nesse processo,
algumas poucas escolas foram construídas em aglomerações de assentamentos e assistidas pelo município.
Porém, sem nenhuma preocupação ou trato com a especificidade da Educação do Campo.
Já havia também, mais elementos na compreensão do Movimento quanto à necessidade e
importância da educação para a Reforma Agrária, não apenas como uma pauta de reivindicação de direitos,
mas com elemento importante para sua própria organicidade, o que possibilita também o fortalecimento
do Setor de Educação.
Nesse momento, a partir dos acúmulos obtidos com as atividades relatadas, dá-se início
a discussão da Escola Itinerante, a partir de experiências que o Movimento tinha em outros estados,
principalmente no Rio Grande do Sul. Afinal, os despejos eram frequentes e as crianças acampadas estavam
fora da escola. Então, a Escola Itinerante entra na agenda política e na pauta de reivindicações do MST em
Alagoas.
As primeiras negociações para o reconhecimento pelo poder público da Escola Itinerante teve
82 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
início no mês de abril de 2002, em uma audiência com o então governador do estado, Ronaldo Lessa. A
audiência encerrou a Marcha Estadual, que saiu do Acampamento Dandara, em Arapiraca, para a capital
do estado, Maceió, percorrendo mais de 130 quilômetros.
O tema sobre a Itinerante ganha destaque em 2004, quando, a partir do mês de julho, um grupo
de educadores, vinculados ao Pronera, foi inscrito no Programa de Formação de Educadores do MEC
(Proformação). Aqui, já se dava o processo de consolidação do Setor de Educação no Movimento Sem
Terra em Alagoas.
Neste mesmo período, foi criado, o Fórum Estadual Permanente da Educação do Campo, em
que as lideranças do MST começaram a pautar novamente a necessidade de se criar a Escola Itinerante
para os acampamentos. Mas é no mês de outubro, segundo Gilberto Barden4, “que o sonho começa a se
concretizar”, quando é realizado o 5º Encontro Estadual dos Sem Terrinha.
No último dia do encontro dos Sem Terrinha, em 10 de outubro de 2004, as crianças marcharam
rumo ao Palácio do Governo Marechal Floriano Peixoto5 (atual República dos Palmares), com uma lista de
reivindicações. Um dos pontos de pauta era a criação da Escola Itinerante para os acampamentos, de forma
que atendesse as especificidades da realidade vivenciada pelas crianças acampadas. Na oportunidade, foi
assumido o compromisso de iniciar a construção de um projeto para atender tal reivindicação, por meio da
Secretaria Estadual de Educação e Esporte – SEEE/AL.
Assim, o Setor de Educação do MST intensifica os estudos e debates para a construção e
apresentação do projeto da Escola Itinerante, com base na história e nas experiências de outros estados. Em
abril de 2005, é instituída a Comissão Intersetorial para implementação do projeto de Criação da Escola
Itinerante na rede pública de ensino do Estado de Alagoas, composta por diversos departamentos da SEEE/
AL, Coordenadorias Regionais de Educação (CRE´s), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –
MST, Comissão Pastoral da Terra (CPT6), Movimento Terra e Liberdade (MTL), Movimento de Libertação
dos Sem Terra (MLST) e o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC).
Foi com a instituição da Comissão Intersetorial que o debate da Escola Itinerante deixou de
ser uma reivindicação apenas do MST, e assumida pelos outros movimentos e pela própria Secretaria de
Educação, que passa a se debruçar sobre a temática, além de dialogar com outros setores, como o Fórum
Estadual de Educação, o Conselho Estadual de Educação e a Universidade Federal de Alagoas, no intuito
de percorrer os caminhos necessários para a efetivação das Escolas Itinerantes nos âmbitos da compreensão
da Proposta Política Pedagógica e na esfera legal do estado.
Antes mesmo de instituída, a Comissão já realizava reuniões para debater o projeto pedagógico
da Escola Itinerante, que começou a criar corpo a cada reunião realizada. Em maio de 2005, nos dias 18 e
19, Isabela Camini7 ajudou no debate sobre o que já havia sido construído no Projeto de Escola Itinerante
de Alagoas. Assim, foi realizado um seminário para iniciar a interlocução, trazendo as experiências das
Escolas Itinerantes do Rio Grande do Sul e Paraná. O evento forneceu subsídios para a reunião com o
84 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Canaã, Capim e demais sítios vizinhos.
Situado em uma área urbana, com pouco mais de 30 hectares de terra, o acampamento servia
como um espaço de formação e concentração de famílias conhecidas no trabalho de base. Foi neste
acampamento que, em 2006, de maneira oficial, foram abertas três turmas da Escola Itinerante do MST.
A Escola funcionava na “Casa Grande”, uma espécie de escritório da empresa, que dispunha de seis salas
com piso vermelho e pouca iluminação, além de dois banheiros. Uma estrutura pouco adequada para o seu
funcionamento diante do abandono que a mesma se encontrava desde a ocupação.
As educadoras da Escola Itinerante Paulo Freire eram: Áurea Cristina, Quitéria Paixão e
Vera Lúcia, que já ensinavam as crianças do acampamento desde 2005, antes mesmo de sua autorização
pelo Conselho Estadual de Educação. As três cursavam o magistério pelo Pronera e, com um calendário
específico, desenvolviam suas aulas conforme o planejamento coletivo e aprendizagens do curso. Com a
mudança de residência de uma educadora, não tendo outra para substituí-la, uma turma foi fechada, e seus
alunos foram transferidos para as outras duas turmas.
Posteriormente, com a saída de algumas famílias do acampamento Dandara, uma das turmas
é transferida para o acampamento Mandacaru, no município de Girau do Ponciano, com a educadora
Quitéria. Permanecendo ali, apenas uma turma, agora assistida pelo educador Alexandre, que lecionava
para 16 crianças, em uma turma multisseriada. O planejamento acontecia sempre junto com a educadora
Quitéria, sob a orientação do coordenador pedagógico do MST, Sandro Roque. , como também das
formações pedagógicas da escola base.
Após algumas dificuldades enfrentadas pelo educador, e com as famílias descontentes com o
trabalho que era desenvolvido pelo mesmo, foi necessária uma nova discussão para o não fechamento da
turma. Com muitas reuniões, avaliações e novos compromissos coletivos da coordenação do Movimento e
das famílias acampadas, uma nova educadora, Maria Claudevânia, recém-formada em magistério, assume
a turma.
A educadora iniciou suas aulas em março de 2008, motivando, comprometendo e
compartilhando permanentemente as dificuldades e necessidades da Escola com as famílias, por meio
de reuniões periódicas. Foram matriculados 18 educandos do 1° ao 5° ano. O planejamento continuava
sendo construído mensalmente, juntamente com a educadora Quitéria. No início,o acompanhamento foi
mais intenso, para conquistar a motivação dos pais e seus educandos, desde a realização de místicas ao
desenvolvimento de projetos que levava a comunidade a participar da escola.
Com mais de sete anos de ocupação, o MST concebeu melhor a finalidade desta área de
pouco mais de 30 hectares, em meio à cidade de Arapiraca, uma vez que já tinha claro que não seria para o
assentamento de famílias. Assim, define pela constituição de uma Escola Agroecológica da Reforma Agrária9
que proporcionasse a escolarização, em especial a fundamental, com a qualificação técnica voltada para a
agricultura camponesa. Desde o pensar tecnologias alternativas a uma nova matriz produtiva, por meio do
ensino, pesquisa e extensão, que possa contribuir no desenvolvimento da produção nos assentamentos da
Reforma Agrária do estado de Alagoas. E também realizar cursos não formais que permitam a abordagem
9 Este é um projeto que esta sendo discutido e construído pelo MST junto ao governo do estado e outras entidades
parceiras.
Com a saída das famílias do acampamento Dandara, em 2007, a Escola Itinerante Paulo
Freire, as acompanha para o acampamento Mandacaru, no município de Girau do Ponciano. A educadora
Quitéria acompanha a turma, mudando-se para o novo acampamento, que é de difícil acesso, situado entre
as montanhas do município. Em tempo de chuva, por exemplo, o local fica isolado.
Quitéria é militante do MST e está envolvida nas atividades do Setor de Educação desde 1998.
Fez o curso de magistério pelo Pronera. Sua turma é multisseriada e teve início com 30 educandos. Suas
aulas são dinâmicas e interativas. A educadora desenvolve a mística, leitura, cultura e formação política
e pedagógica. A turma é organizada por Núcleos de Base (NB) e, semanalmente, as crianças iniciam as
aulas com a mística pensada por cada NB. As crianças, que se consideram Sem Terrinha, aprendem a ler e
a escrever, mas também seus direitos e deveres. Reivindicam seus direitos em cada visita da SEEE.
Atualmente, a turma encontra-se com 18 crianças, as quais desejam continuar na Escola
Itinerante e que, infelizmente, muitas terão que ser transferidas para outra escola a fim de continuarem os
estudos.
A Escola Itinerante no município de Atalaia tem início em abril de 2008. O seu funcionamento,
a princípio, se dá no prédio da Creche Dorcelina Folador10, no assentamento Milton Santos, pois é uma
estrutura que ainda estava sem funcionamento e localizava-se em meio aos dois acampamentos que seriam
10 A creche Dorcelina Folador foi uma conquista do Movimento, que por meio de mobilizações conseguiu a construção
do prédio, inaugurada em 2005. Mas está inativada, pois a prefeitura do município se nega a assumir a responsabilidade de
funcionamento da creche.
86 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
atendidos: Jaelson Melquíades11 e São José. Além das crianças destes acampamentos, a turma recebeu
crianças dos assentamentos próximos, tendo uma turma multisseriada com 25 educandos.
A Secretaria Estadual de Educação exige que os educadores tenham Ensino Médio, com
habilitação no magistério. Foi encontrado, com muitas dificuldades, no acampamento São José, um
educador que se enquadrava nas condições da Secretaria, porém pelo pouco tempo de militância, ele não
tinha conhecimento e domínio da Pedagogia do MST, necessitando de um acompanhamento mais próximo
por parte do Setor de Educação.
Dada a emissão de posse do acampamento Jaelson, e o deslocamento das famílias para os
lotes, a Escola Itinerante passou a funcionar na antiga casa grande do acampamento São José, atendendo
agora apenas as crianças desse acampamento. A casa tem vários cômodos, iluminação precária, banheiros
não equipados e, parte dela, se encontra destelhada. Mesmo assim, foi o lugar escolhido pela comunidade,
por ser grande e protegido da chuva e dos ventos.
Com o atraso na liberação das parcelas do Termo de Cooperação, firmado com o governo do
estado, e frente à necessidade de manter-se, o educador não pode continuar e desistiu de suas atividades.
Seguiu-se a dificuldade de encontrar algum educador militante com a escolaridade exigida pela SEEE/AL.
Para que a escola não fechasse, a coordenação do MST define pela indicação de uma educadora apenas
com o Ensino Médio normal. Apesar dos esforços, a educadora não conseguiu desenvolver os tempos
educativos, além de ter tido muitas dificuldades na relação com a turma.
No entanto, mesmo sem a efetiva firmação do Termo, por mais de oito meses sem renovação, e
as turmas ficando prejudicadas, as aulas não pararam. A maior dificuldade dos educadores e da coordenação
para manter o funcionamento das turmas era a falta de materiais didáticos e outros.
Atualmente, a escola funciona com a educadora Sandra, que se demonstra disposta a
desenvolver práticas dinâmicas de leitura e formação.. Desenvolve atividades com textos do MST e
projetos concomitantes junto ao acampamento, no entanto, sente dificuldades com mística e formação
considerando ser esta a sua primeira experiência em sala de aula.
A Escola Itinerante, aqui, atende apenas a primeira etapa do Ensino Fundamental. Com isso,
as crianças menores, de seis anos, ficam sem estudar e as que já passaram desta fase estudam na Escola
Municipal do Povoado Ouricuri . O acompanhamento realizado pela coordenadora do Movimento acontece
uma vez por semana, contribuindo no planejamento junto com a educadora da turma.
Apesar das dificuldades, as aulas são interativas e desenvolvidas conforme planejamento. A
educadora consegue a participação da comunidade para resolução de problemas e união com a escola.
A ESCOLA BASE
11 Dirigente Estadual da Brigada Carlos Marighella, assassinado em 29 de novembro de 2005, a mando do fazendeiro
Pedro Batista.
MST
O Movimento no estado está bem comprometido com a EI, tanto que, para a escola não
parar de funcionar, tem viabilizado formas dos educadores os educadores e coordenadores se manterem,
já que o novo convênio não foi aprovado. Nas mobilizações, o projeto sempre está em pauta. Apesar
das dificuldades com pessoas para acompanhar exclusivamente as Escolas Itinerantes, o Movimento está
ajudando no acompanhamento, nas reuniões e discussões dentro da SEEE e nos acampamentos.
A Direção Estadual, vendo a necessidade e a importância da escola para o estado, está
organizando a abertura de mais três turmas, para atender cerca de 20 educandos, cada uma. No entanto,
impossibilitado de sustentar as salas, pressiona a SEEE para a aprovação do atual projeto, que está parado
no setor jurídico.
SEEE
LIRA, Fernando José de. Realidade, desafios e possibilidades: pensando em saídas para a crise de Alagoas.
Maceió: Edufal, 1998.
SILVA, J.R.A. da. Da luta pela terra no Brasil: o MST em Alagoas. Curso Teorias Sociais e Produção do
Conhecimento – UFRJ/ENFF. , , Rio de Janeiro – Julho de 2008.
SÁ, Maria Reneude. Conhecimento letrado e escolarização: a visão de camponeses assentados da reforma
agrária em Alagoas, 2002. Dissertação (Mestrado em Educação).
90 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 91
92 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Escola Itinerante no Piauí
Adilson de Apiaim1
INTRODUÇÃO
Este texto busca sistematizar a experiência da Escola Itinerante do estado do Piauí nos acam-
pamentos do Movimento Sem Terra, cuja origem visa forjar um processo educativo popular da luta pela
terra, na conquista da Reforma Agrária e a transformação social. Para isso, conta como referência pedagó-
gica a realidade social das famílias sem-terra.
Desse modo, a primeira parte deste trabalho será apontar um breve histórico da luta pela terra
na região e, na segunda parte, se apresentará o método de construção do Projeto Político Pedagógico da
Escola Itinerante, no período entre os anos de 2003 a 2008. Adiante, será apontado o processo de produção
da proposta da Escola Itinerante como prática social e cultural do povo Sem Terra. Isto é, entendendo a
educação como instrumento para fazer uma ponte de formação no que concerne aos objetivos dos quais
emana a luta. Tendo a escola o compromisso de contribuir no processo de luta da Reforma Agrária e pela
Educação do Campo, construindo a Pedagogia do Movimento do Sem Terra, a Itinerante trabalha práticas
educativas de ensino-aprendizagem ligadas ao social, em que considera as dificuldades, os desafios e
avanços, como marcas da construção do conhecimento.
Na terceira parte do texto, se busca refletir sobre as experiências das Escolas Itinerantes nos
três acampamentos da região sul do estado do Piauí, na 12ª Gerência Regional de Educação. A proposta se
consolida na luta do povo Sem Terra, nos processos efetivos das relações sociais, tendo como referência
pedagógica a construção curricular dos temas geradores extraído da própria realidade cotidiana do
acampamento. Para isso, é analisada a formação dos educadores, bem como o modo de elaboração do
planejamento escolar e a prática educativa em sala de aula. Por fim, na última parte, são expostos alguns
desafios e perspectivas que ao longo do processo foram surgindo diante desta experiência.
1 Militante do Setor de Educação do MST e responsável pelo acompanhamento político das Escolas Itinerantes do estado
do Piauí. É graduando em Licenciatura em Letras pela Universidade Federal do Pará.
2 Coronelismo - Vocábulo cuja origem remonta aos falsos coronéis da extinta guarda nacional brasileira. Passou-se a ser
chamado também de coronel, pelos sertanejos, todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado. A figura do coronel
visualisa-se no fazendeiro, liderança política que se articula com o poder público para, de forma paternalista, arranjar favores,
benefícios para a população rural, numa relação da patronagem e dependência que caracteriza o espaço rural brasileiro (Victor
Nunes Leal. “Coronelismo, enxada e voto”, 1975).
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 95
Dado o contexto de desigualdade social e as condições de baixa qualidade de vida da
maioria da população, o nordeste é também um lugar que, historicamente, os oprimidos constituíram
formas de organização e resistência coletiva, recuperada da experiência de luta popular do passado
histórico: Quilombos, Canudos, Ligas Camponesas e a Guerra do Jenipapo no Piauí. Atualmente, a luta
dos movimentos sociais do campo pela realização da Reforma Agrária no país e, mais especificamente
na região sul do Estado do Piauí, se expressa nas ações dos movimentos sociais do campo mediante a
mobilização dos Quilombolas, Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros.
O MST, em ocupações e acampamentos, vem contribuindo com a conquista de vários
assentamentos pelo interior do país, território em que perdura ainda a falta de acesso às políticas públicas
para os camponeses. Portanto, a história da luta pela terra e a Reforma Agrária no estado do Piauí se
constrói junto a essas organizações do campo.
Dessa maneira, o MST nos últimos 25 anos vem se consolidando como principal movimento de
resistência dos camponeses. Por intermédio das ocupações de terra denuncia a concentração do latifúndio,
a grilagem e a posse de terras públicas ilegais. Participam também dessa luta diversas entidades sociais,
como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR).
No estado do Piauí, a primeira ocupação de terra ocorreu na Região do Semi-Árido, território
geográfico conhecido hoje em dia como Região da Serra da Capivara, no município de São João do Piauí.
Em 1989, 120 famílias derrubaram as primeiras cercas de um latifúndio, a 34 quilômetros da sede do
município, na fazenda Marrecas.
Simultaneamente à luta pela terra, se iniciava o debate pelo direito à educação. Uma escola
que pudesse atender às especificidades do campo e, em especial, que respeitasse a realidade social de seus
sujeitos como ponto de partida no processo de formação e educação do povo acampado.
Todavia, no final de 2003, o debate em torno da educação no estado toma consistência
com o início das discussões no Setor de Educação do MST, que elabora um Projeto Político Pedagógico
de educação voltado ao atendimento dos camponeses em áreas de acampamentos da Reforma Agrária.
Proposta esta que está de acordo com a realidade sócio-cultural desta população e busca transformar a sua
realidade social. Dando início, então, à luta pela Escola Itinerante no estado do Piauí.
96 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Básica das Escolas do Campo, que possibilita entre outras coisas, a educação ao povo Sem Terra em
situação de itinerância.
A Escola Itinerante nasce da necessidade do acesso à escola, especialmente das crianças em
áreas de acampamentos. Na elaboração da proposta pedagógica compreendemos que é possível construir
uma escola vinculada à vida política, social e cultural das famílias em movimento, vinculando-se ao tempo
e ao espaço dos educandos como sujeitos. Ou seja, nas organizações populares toda a população participa
e assume a responsabilidade de construir os princípios, objetivos e valores que orientam a ação pedagógica
no cotidiano da escola. Notadamente, este projeto político-pedagógico não nasce fora da realidade de
seu povo, isto é, inicia-se a partir de um conjunto de elaborações coletivas e nos debates nos quais a
comunidade acampada se insere.
Esse percurso de elaboração da proposta de escola durou cinco anos, entre 2003 e 2008, com
uma intensiva luta pela legalização, tendo a aprovação como experiência educacional reconhecida pelo
Estado somente no dia 04 de agosto de 2008. Neste ano, o Conselho Estadual de Educação do estado do
Piauí aprovou a Escola Itinerante por meio do Processo CEE/PI, n.º 306/20083, que regulariza a oferta de
escolarização aos acampados. Esse momento de construção da Escola Itinerante representou uma longa
história de idas e vindas, avanços e retrocessos, até a apreciação e aprovação pelo Conselho Estadual de
Educação.
Alguns dos pontos principais desta caminhada serão delineados neste trabalho e, cada um deles,
significa a síntese de uma luta que não tem tréguas. Afinal, não basta ter a Escola Itinerante regularizada.
A cada dia ela se cria e recria entre educandos, educadores e comunidade na prática social e, por isso,
deve ser refletida. A Itinerante representa um novo ideário de escola, sociedade, mundo e, junto com a
comunidade, busca alterar o contexto social que se insere.
Desta forma, em 2003, foi apresentada a primeira proposta à Secretaria Estadual de Educação,
juntamente com os responsáveis pela Supervisão de Educação do Campo (SEC) um departamento
recentemente criado, resultado da mobilização do MST e dos demais movimentos sociais do campo. Esta
supervisão tem o papel de acompanhar a educação do campo, em especial nas áreas de Reforma Agrária.
Neste período, haviam cinco acampamentos no Estado: 1º de Maio, no Município de José de
Freitas; Francisca Trindade, Resistência Camponesa e 17 de Abril, em Teresina, e o acampamento tt,
no município de Luzilândia, com aproximadamente quatrocentos educandos em período escolar nas séries
iniciais. Nesses acampamentos, desde a origem do MST e no decorrer dos seus 20 anos de história no
estado, há uma ‘escola de fato’, ainda que não de direito, mas com um trabalho pedagógico realizado pela
própria militância do Movimento.
Em 1989, o ano em que o MST começa a ser implantado no Piauí, as escolas nos acampamentos
eram vinculadas administrativamente às prefeituras municipais. A demanda por escola, entretanto,
nem sempre era atendida pelos gestores municipais e a possibilidade iminente de mudança espacial do
3 Este parecer tem por objeto o Ofício SUPEN nº 51/08 no qual a Superintendente de Ensino da Secretaria Estadual
de Educação e Cultura (Seduc) solicita autorização deste Conselho para a implementação do Projeto Escola Itinerante a ser
assumido institucionalmente pela Escola Paulo Freire, localizada em São João do Piauí, no assentamento Marrecas. Os autos do
processo protocolado sob o nº 306/2008, após diligências promovidas pela relatoria, encontram-se instruídos satisfatoriamente
para os fins a que se destinam.
4 Parecer CEE/PI nº 142/2008. Opina favoravelmente pela autorização da Escola Paulo Freire da rede estadual de ensino,
localizada em São João do Piauí, para funcionar como suporte institucional do Projeto Escola Itinerante nos acampamentos dos
Sem Terra, na região sul do estado. PROCESSO CEE/PI Nº: 306/2008. INTERESSADO: Secretaria Estadual de Educação
e Cultura. ASSUNTO: Autorização de curso em regime experimental. RELATOR: Cons. Diogo José Ayrimoraes Soares.
APROVADO: 04/08/2008. Estado do Piauí, Conselho Estadual de Educação, 2008.
98 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
reconhece e aprova a realização das primeiras experiências educacionais nos acampamentos da regional
sul, no município de São João do Piauí, acompanhada pela 12ª Gerência Regional de Ensino (GRE).
O referido Secretário de Educação do Estado, em audiência com representantes do MST, se
comprometeu com a efetivação da Escola Itinerante, em especial em garantir: a remuneração e capacitação
dos educadores e a liberação de materiais permanentes e didáticos para a demanda apresentada. Fora
previsto que a cada dois meses de trabalho nas escolas, os educadores fariam uma atividade de formação,
com 40 horas de duração, para refletir, estudar e aprofundar a prática pedagógica.
Houve também a proposta de liberação de um coordenador pedagógico para acompanhar
a experiência, mas o governo não autorizou. Assim, a Escola Paulo Freire permaneceu sobrecarregada
com uma coordenadora pedagógica para acompanhar o Ensino Médio no assentamento e também as
três Escolas Itinerantes nos três acampamentos5. Mesmo assim, os educandos dos três acampamentos
foram matriculados na Escola Paulo Freire, no começo de 2008. A demanda realizada cumpre o intuito de
exigir o compromisso do Estado na contratação de 10 educadores para compor o quadro docente, sendo
três educadores do acampamento e sete educadores de assentamentos, e também três trabalhadores para
serviços gerais. Compondo, desta forma, o quadro pessoal de 13 trabalhadores com contrato temporário e
remuneração de 20 horas cada.
Portanto, o projeto da Escola Itinerante é uma construção social e pedagógica que contempla
as pessoas dos acampamentos do MST que lutam pela posse da terra, e tem como objetivo a conquista de
uma educação digna, como garantia de seus direitos constitucionais. A seguir, apresentamos os primeiros
e importantes passos desta experiência em curso no estado do Piauí.
5 Coordenadora Pedagógica da Escola Paulo Freire e das três Escolas Itinerantes dos acampamentos que compõem a 12ª
GRE, Maria Marinalva de Araújo.
AS ESCOLAS ITINERANTES
6 Desta ocupação não temos ainda o levantamento dos dados da fazenda, pois a falta de agilidade do INCRA não
permitiu contabilizar a área depois de quase quatro anos de ocupação.
7 Núcleo de família ou Núcleo de Base é um termo usado pelo MST para organizar o acampamento. Esse grupo varia
de 10 a 15 famílias, e cada um possui um coordenador e uma coordenadora e mais uma secretaria. Todas as discussões e
encaminhamentos referentes à luta e à organização do acampamento passa por esses grupos de famílias, ou seja, o Núcleo de
Base é a célula organizativa do Movimento Sem Terra.
8 Material de barro utilizado na fabricação do tijolo, mas com um viés artesanal que tem a mesma função do tijolo
mássico na construção de casas de material.
100 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
ressaltou o educador João Batista Gonçalves, ao afirmar que “só coletivamente seremos capazes de resistir
a todas essas dificuldades”.
Nesse sentido, para a consolidação deste ambiente educativo, uma dispensa para a cozinha,
as paredes, o telhado, e o piso foram reformados, as portas foram colocadas o reboco feito e as madeiras
substituídas. A reforma foi realizada e deu-se início às aulas. Com o tempo, a comunidade do acampamento
construiu uma escola em todas as áreas de ocupações. Além dessa estrutura, as comunidades escolares
precisavam de carteiras, quadro de giz, gás para o funcionamento das aulas de EJA no turno da noite e
fogões para fazer a merenda escolar.
Devido à carência desses materiais, formou-se uma comissão para negociar e participar de
audiências com secretários de educação dos municípios, com o objetivo de solicitar materiais permanentes.
Outra dificuldade enfrentada foi a falta de material didático. Os acervos que as escolas possuíam eram
doações do Banco do Brasil, do Projeto de Escolarização e de outras entidades. O pouco que se conseguiu
da Seduc foi distribuído pela Escola-Base Paulo Freire.
A distribuição deste material foi realizada pelos caminhões de “pau de arara”, utilizado na
feira dos pequenos agricultores, que acontece toda segunda-feira no município de São João do Piauí.
Estrategicamente, a direção da Escola-Base Paulo Freire, no assentamento Marrecas, fez uso deste
transporte, que retorna com os produtores às suas comunidades, para levar o material didático até as
Escolas Itinerantes. Atingido o mínimo necessário para começar as aulas, as comunidades com mais tempo
disponível começaram a construir a escola com uma estrutura mais sólida. Foram criados núcleos para
discutir a organicidade e funcionamento da escola nas três áreas de acampamento, onde cada membro da
comunidade assume uma responsabilidade na consolidação do referido espaço formativo.
Adiante, após a aprovação do projeto das Escolas Itinerantes em 2008, a dificuldade inicial se
ateve à matrícula das crianças nas Escolas Itinerantes. Como a Secretaria de Educação não havia lançado
no sistema a matrícula dos educandos, os pais que tinham seus filhos matriculados nas escolas do município
ficaram receosos de perder o ano letivo e inicialmente resistiram em transferir seus filhos para as escolas
do estado recém instituídas. Por conseguinte, as famílias do acampamento temiam perder o benefício do
Programa Bolsa Família, já que um dos pré-requisitos para receber tal contribuição é manter as crianças
na escola, e não havia como comprovar que as crianças estavam matriculadas e também sua frequência
escolar.
Diante deste limite, foi necessário um bom diálogo com todas as famílias acampadas para
reverter este problema e garantir a matrícula dos educandos no sistema estadual de educação. Assim,
foram feitas as transferências, o que não acarretou nenhum prejuízo à população pelo contrário, a Escola
Itinerante se constituiu uma conquista de toda comunidade acampada.
O nome Itinerante agora tem significado próprio para o povo. É uma obra construída
coletivamente, o que simboliza grande avanço entre os processos formais de escolarização e as relações
sociais de convivência. O que mais encanta são os aprendizados que vêm dos próprios sujeitos da organização,
ou seja, o próprio Movimento constrói conhecimento e a escola. Essa proposição vem da necessidade de
obstruir a concentração da propriedade, da riqueza e do conhecimento, na busca de empregos, trabalho,
moradia e acesso à educação.
102 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
contínua e coletiva, voltada para realidade cotidiana da escola e comunidade. Nesse primeiro momento,
dois desafios tornaram-se fundamentais. Primeiro, construir um processo de capacitação inicial com o
objetivo de formar os educadores para atuar nas áreas de Educação Infantil, Ensino Fundamental (séries
iniciais) e Educação de Jovens e Adultos; segundo, estudar e elaborar o Projeto Político Pedagógico das
Escolas Itinerantes em cada acampamento.
Entre 24 e 27 de abril de 2008, realizou-se o I Encontro de Capacitação e Formação
de Educadores das Escolas Itinerantes, no município de São João do Piauí, com a presença de vários
segmentos envolvidos na experiência . O trabalho de formação foi realizado na perspectiva que a educação
precisa emancipar o sujeito, formar educandos e educadores críticos e reflexivos, com uma visão dialética
da realidade, tendo em vista que a educação reproduz ideologia. A capacitação se ateve ao compromisso
de formar educadores com visão crítica, não tecnicista e mecânica. Formar pessoas realmente ativas na
pedagogia social 9, para que cada educador assuma uma prática coerente e que aspire concepções coesas
com o ideário de classe que pertence. Ou seja, o Movimento compreende que não basta conquistar a escola,
é preciso também, junto às instituições competentes, formar seus educadores 10.
Os educadores são filhos de famílias assentadas da Reforma Agrária, que assumem o
compromisso com a Pedagogia do Movimento, além de se inserirem no acampamento e conquistar a
educação como espaço de transformação social. Assim está sendo a construção da Escola Itinerante
no estado. O educador assume uma tarefa fundamental na formação do conjunto da organização do
acampamento e da escola:
9 Corpo docente da Escola-Base Paulo Freire; Supervisão de Educação do Campo da Seduc; dirigentes do Setor de
Educação do MST; o responsável pela coordenação pedagógica da Escola Itinerante; 12 educadores da Escola Itinerante;
Coordenação do Centro de Formação da Escola Agrotécnica Francisca Trindade.
Ver Pistrak, Fundamentos da Escola do Trabalho. Ed. Expressão Popular. São Paulo, 4ª ed. 2005.
10 Ver Antônio Gramsci. Cadernos do Cárcere. Volume 2. Os intelectuais; O principio educativo; Jornalismo. 1891-1937.
A educação no Movimento Sem Terra diz respeito à dimensão cultural presente no cotidiano
da vida social de seus sujeitos. Procura valorizar as múltiplas relações humanas que a comunidade
acampada ou assentada se insere. Tendo a realidade como base concreta de estudo, entendendo que o
próprio Movimento, na maneira pela qual se organiza, já demonstra na experiência histórica seu processo
de educação. Para consolidar a educação, foi preciso partir da execução de um planejamento escolar que
responda as necessidades em que se encontra: que plano de aula é possível construir na prática pedagógica?
Que conteúdos são socialmente úteis à vida desses educandos? Que currículo possibilita à ação próxima
a realidade?
Se o currículo é movimento, realidade, construção e transformação do conteúdo em ação, logo,
há uma proposta clara de educação no campo nas Escolas Itinerantes. Dessa maneira, o currículo tem a
função de qualificar o ser humano na produção da existência na terra, construindo conhecimentos necessários
para intervir com qualidade e dignidade. A elaboração e ação do plano de aula, e o planejamento, devem
respeitar a dinamicidade que é construída na coletividade. Isto é, os educadores se reúnem semanalmente
ou mensalmente para discutir, debater e identificar os avanços, limites e desafios e, por fim, traçar as
11 Ver estudos dos materiais de formação nos escritos de CALDART; FREIRE; GRAMSCI; MAKARENKO; PISTRAK.
104 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
diretrizes para as próximas práticas em sala de aula.
Dentre os desafios do Movimento na escolarização em acampamentos estão a mobilização da
comunidade em torno da luta pela Reforma Agrária, reiterar a mística em torno da educação da sua base,
organizar as famílias para o trabalho coletivo e cooperado, e pressionar o Estado para que viabilize as
condições materiais para o funcionamento da escola e a formação permanente dos educadores.
Na Escola Itinerante no Piauí, o currículo tem função de construir o conhecimento com
os educandos a partir da realidade. Ao término da pesquisa de campo na, e com a comunidade pelos
educadores, se realizam momentos de socialização com análise e debate dos dados levantados. A partir da
sistematização dos dados coletados na pesquisa, é extraída uma questão problema e, portanto, se elabora
o eixo temático, por meio do trabalho interdisciplinar, para propor os conteúdos que serão abordados na
comunidade e na escola. Esse processo é significativo para as reflexões sobre o currículo e na elaboração
dos planos de aula . Segundo uma das educadoras:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Desde sua origem, a Itinerante foi pensada e projetada no MST pelo conjunto da comunidade
acampada. Não podemos ser ingênuos de imaginar que nesta experiência não existem limites e desafios.
Afinal, as pessoas se educam e se humanizam exercitando escolhas sobre o processo na vida em que estão
inseridos. E o confronto com a realidade aponta para os limites da escola e do acampamento, tendo a
necessidade de se refletir e avançar no processo de luta pela Reforma Agrária.
O primeiro desafio das Escolas Itinerantes do estado do Piauí é intensificar a relação de
106 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
proximidade entre a escola e a comunidade. Para isso, a escola deve continuar sendo pensada e planejada
pelo conjunto das famílias acampadas, no intuito de responder a seguinte questão: como a escola pode
ajudar a avançar nas relações sociais e na vida da comunidade? Desse modo, os acampados podem refletir
sobre as condições materiais da vossa realidade e elaborar estratégias de ações coletivas que busquem um
aprendizado contínuo que conteste e altere a vida material do acampamento.
O desafio seguinte consiste em criar o coletivo de educadores para que o processo de ensino-
aprendizagem, a organização da escola, a elaboração dos planos de aula e dos conteúdos, a mística e a
difusão dos princípios e valores éticos da organização, esteja integrada à participação da comunidade.
A formação permanente dos educadores é o terceiro desafio para as Escolas Itinerantes. O MST
deve buscar alternativas para avançar na qualificação dos educadores para que eles possam, em princípio,
contribuir para o avanço da escolaridade no acampamento e, por conseguinte, ajudar na organização
política do acampamento e na organicidade do Movimento.
O quarto desafio proposto é trabalhar a interdisciplinaridade. Isso consiste em avançar em
uma formação não seriada, mas que contemple as áreas do conhecimento sem fragmentar os conteúdos,
alheios às condições materiais dos acampados.
O último desafio pretende fortalecer as Escolas Itinerantes como experiência pedagógica
do MST. Para isso, a comunidade acampada tem que se manter mobilizada, reforçando os vínculos da
solidariedade e do trabalho coletivo como instrumentos de luta pela Reforma Agrária. Afinal, a Escola
Itinerante surge da luta pela terra, nela se consolida e se forja novos aprendizados. E assim, a Escola
Itinerante se institui como unidade de resistência e símbolo da luta dos Sem Terra no acampamento.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. 2ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002, 6v.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.
PISTRAK, M.M.M. Fundamentos da Escola do Trabalho. Ed. Expressão Popular. São Paulo, 4ª ed. 2005.
108 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 109
110 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
PARTE II
INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é refletir sobre o papel da Escola Itinerante do MST, considerando-se o
acúmulo existente nestes 20 anos do Setor de Educação, tendo como pano de fundo a luta do Movimento
e as possibilidades da escola.
O termo papel/função da escola não será utilizado aqui com uma conotação meramente
funcionalista, terá o sentido de afirmar que a instituição escolar, e portanto também a Escola Itinerante,
tem uma especificidade, um papel a desempenhar, um sentido social, considerando-se sua condição de
escola em um movimento social que luta por transformação. O papel ou o sentido social da escola não tem
sido consensual entre os filósofos e historiadores da educação e nem tem sido iguais os papéis atribuídos à
escola na atualidade. São diferenças e antagonismos que decorrem de distintas formas de entendimento do
mundo e especialmente da luta de classes, cujo antagonismo de interesses gera oposições no papel atribuído
à escola. Este texto, portanto, busca identificar um sentido (direção) à Escola Itinerante, considerando-se a
atualidade da luta de classes, da qual o MST é uma parte importante. Para tanto, este texto se divide em três
momentos. No primeiro, indicamos alguns elementos em torno da constituição histórica da escola, em vista
de melhor conhecermos este espaço do qual muito se fala, mas pouco se aprofunda; no segundo momento,
trouxemos algumas reflexões sobre a proposta de escola formulada no MST. Por fim, na terceira parte,
refletimos algumas potencialidades e dificuldades da Escola Itinerante no processo de sua constituição,
enquanto uma experiência importante para a classe trabalhadora.
Os primórdios da escola que conhecemos hoje remontam longe na história. Seus primeiros
sinais podem ser encontrados no Egito Antigo, em torno do século XVII a.C., segundo Manacorda (2000).
Entretanto, este “embrião” de escola, bem como as características que ela foi assumindo ao longo do
desenvolvimento histórico, eram diferentes da escola que conhecemos hoje. Mesmo a forma de denominá-
la variava em diferentes épocas e regiões. Entretanto, o que há em comum nas diferentes sociedades,
2 Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de
trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana
de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil, concreto, produz valores de uso
(MARX, 1999, p. 68).
112 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Retomando aos primórdios do capitalismo, ao dizermos acima que a escola tornou-se uma
necessidade deste modo de produção, não significa dizer que ela foi desejada e saudada por toda a classe
burguesa. Ao contrário, ela foi combatida por muitos deles e vista como perigosa, isto é, que poderia
instruir demasiadamente os trabalhadores ao ponto em que estes se revoltassem e não aceitassem mais sua
condição de miséria e submissão. Frente a esta polêmica, Adam Smith, famoso teórico liberal e economista
clássico inglês, sugeriu que o conhecimento deveria estar na escola, porém “em doses homeopáticas”. Ou
seja, não se deveria ensinar todo o conhecimento existente, mas apenas aquele estritamente necessário
para a produção e consumo nos limites do capital. Portanto, a escola não oferece apenas uma formação
cognitiva, mas também comportamental, ética e política. Aponta-se que a escola também se estruturou para
adaptar as crianças ao trabalho fabril e à sociabilidade capitalista, tanto adestrando o corpo – imobilizado
e contido nos longos períodos na escola para mais facilmente adaptar-se à fabrica – quanto promovendo
comportamentos e valores como a obediência, a ordem e disciplina próprias desta forma social. Então,
a escola forma para a sociabilidade burguesa, não apenas no conteúdo que transmite, mas também na
forma como se estrutura3. No MST discutimos bastante o conteúdo político da escola, repassado não
apenas pelas matérias, mas pelo autoritarismo, centralização, homogeneização, etc. Entretanto, precisamos
compreender melhor esta questão, pois nossas experiências de escola demonstram como é difícil romper
com o formato e o conteúdo da escola capitalista.
Frente às divergências na classe dominante apontadas acima, em cada país se travou uma
batalha específica para que a escola se instituísse para todos. No contexto europeu, os sistemas nacionais
de ensino remontam aos anos de 1800. No Brasil, somente a partir de 1930, com a industrialização, é
que iniciamos a constituição de um sistema nacional de educação. Estes sistemas passam por constantes
reformas em sua organização geral e em seus métodos pedagógicos. Estas alterações decorrem das citadas
mudanças nos processos produtivos e na luta de classes. Recentemente, no Brasil, vimos os empresários,
representados na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), exigindo “maior qualidade” na
educação, atualizando a escola aos novos tempos. O que eles exigem é que a escola se ligue mais às novas
necessidades do mercado de trabalho, que tem sofrido grandes mudanças.
Como dissemos, a escola é o local onde a população vai adquirir esta formação básica,
necessária para o trabalho e a sociabilidade burguesa. Entretanto, não significa que a escola realiza toda a
formação para o trabalho. Esta ocorre também na empresa, na fábrica, nos locais de trabalho, em cursos
profissionalizantes e de aperfeiçoamento específicos, e é indispensável para cada situação concreta.
Outra questão importante é que a formação “mínima” necessária para o mercado de trabalho capitalista
varia muito de acordo com as funções, como os chamados trabalhadores qualificados, semi-qualificados,
especialistas, etc. Assim, o tempo que os trabalhadores destes respectivos setores passam na escola e a
qualidade da formação recebida pode ser muito diferente. Entretanto, com a crescente complexificação do
processo produtivo, este “patamar mínimo” da formação tende a se elevar. Se acompanharmos o que se
passa no mercado de trabalho capitalista, vemos que o ensino fundamental tem sido insuficiente, diferente
do que foi outrora. Agora, o mínimo é o nível médio (este tende a se tornar obrigatório) e até mesmo cursos
3 Sobre isso ver: Freitas, L. C. Crítica da Organização do Trabalho Pedagógico e da Didática, 7ª ed. Campinas: Papirus,
2005.
114 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
da igualdade formal em igualdade real está associada à transformação dos conteúdos formais, fixos e
abstratos [por exemplo, da escola tradicional], em conteúdos reais, dinâmicos e concretos” (p. 74). Ou
seja, se os conhecimentos elaborados são relevantes e de igual importância, que eles não sejam ministrados
de maneira fragmentada, descolados da realidade concreta em que vivemos. Na proposta de educação do
MST, o conhecimento elaborado é de fundamental importância para entender a realidade que nos cerca e o
mundo em que vivemos, e eles são requisitados pelos processos de luta, de trabalho e de cultura. O ensino
deve “partir da prática e levar ao conhecimento científico da realidade” (MST, 1992), é preciso despertar
para a importância da história e da ciência de que muito precisam os trabalhadores.
Não há dúvida, entretanto, que uma escola articulada aos interesses dos trabalhadores não
deverá somente rever a forma de trabalho com o conhecimento escolar, afinal, a escola não ensina apenas
estes, mas também os conteúdos políticos, sociais, valorativos e éticos. Estes conteúdos também estão
presentes na escola que serve ao capitalismo no sentido de formar para esta perspectiva. Isso está embutido
de forma implícita ou explícita, sendo elitista e excludente, promovendo a competitividade, desenvolvendo
o autoritarismo e a submissão, a resignação e o medo, etc. Enfim, a escola forma para os papéis sociais
que diferentes setores e classes sociais desempenham. A escola que interessa para os trabalhadores deve
eliminar este conteúdo que forma uns para dominar e outros para serem dominados, e promover a igualdade
social, o respeito, a solidariedade e a cooperação, entre toda a humanidade. Para isso, precisa rever toda
sua forma de organização e formar para saber comandar e ser comandado, para a participação efetiva, para
a organização coletiva e à auto-organização (Pistrak, 2000). Enfim, deve educar para novos valores éticos
e padrões de comportamento condizentes com a sociedade que se pretende construir. Estas questões são
complexas e exigem nossa atenção permanente, estudo e experimentação prática. No MST, já temos um
bom acúmulo neste sentido e é preciso que avancemos na construção de uma nova forma escolar.
A ESCOLA NO MST
116 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
da riqueza. Isso não é fácil, nem cabe unicamente ao MST e nem à escola, mas estes não são isentos de
uma contribuição nesta direção. Entendemos que a escola auxilia neste processo quando problematiza e
conhece em profundidade os processos produtivos nos seus diversos aspectos, quando busca a superação
da divisão entre trabalho manual e intelectual e evita a inferiorização do trabalho do campo. Também
se pode questionar até que ponto o trabalho do campo é essencialmente diferente do da cidade, ao que a
literatura crítica indica, crescentemente aproximativos, preservando, entretanto, algumas diferenças. Em
nosso ponto de vista, a escola não pode ater-se estritamente à formação para o trabalho no campo. De outro
lado, se ela for às bases desta forma de trabalho, verá que ela guarda muitas relações com o trabalho urbano
e industrial. A formação para o trabalho é um tema muito complexo que precisa ser aprofundado em nossos
estudos, pois, se entendemos que a forma como produzimos nossa existência é que nos educa, torna-se
fundamental que a humanidade crie novas bases produtivas para nos educarmos de um jeito inteiramente
novo. A escola pode ajudar nisso.
Vemos então a importância do conhecimento científico, o segundo pilar da escola do MST. A
ciência ou o conteúdo na escola não são vistos como fins em si mesmos, que devam entrar desconectados
da realidade, fragmentados e “puros”. Eles são instrumentos imprescindíveis na compreensão e
transformação da realidade. Ou seja, o ensino deve “partir da prática e levar ao conhecimento científico da
realidade”. Não estamos de forma nenhuma ignorando ou desprezando os conteúdos, a teoria, a ciência.
Muito pelo contrário, estamos colocando os conteúdos no seu verdadeiro lugar como instrumentos para
a construção do conhecimento da realidade e não como fins em si mesmos” (MST, 2005, p. 61). Vemos
então que a ciência é indispensável para o estudo da realidade e para a atuação nela. A ação só poderá ser
revolucionária se capta corretamente a realidade. A ciência, o conhecimento por si mesmo, não muda o
mundo, é preciso ação, mas esta, isenta de conhecimento profundo e amplo, é menos eficaz. Por exemplo,
quando organizamos uma ocupação ou uma atividade no acampamento, elas dão melhores resultados
quando nós consideramos bem a situação, não é verdade? O conhecimento elaborado e científico na escola
do Movimento não pode colocar-se desvinculado da formação para o trabalho e a transformação social que
busca o MST. Não se trata, entretanto, de uma ligação imediatista e superficial destes vínculos, porque a
complexidade do trabalho e da luta por transformação social exige conhecimentos amplos e elaborados, e
cuja relação muitas vezes não é tão direta e explícita.
Por fim, o amor à luta ou a formação de militantes. Este pilar deixa muito claro que a intenção
do MST é buscar a transformação social. É educar para a ação revolucionária e para as diversas dimensões
que ela exige. Vimos que os dois itens acima, a formação para o trabalho e o conhecimento científico, já
apontam nesta direção. Os três pilares estão, então, profundamente interligados. Poderíamos dizer que
um bom militante no MST é aquele que conhece os desafios do trabalho no campo, busca compreender
a realidade de modo profundo e possui valores e ações coerentes com o projeto do Movimento. Educar
para a transformação social significa que a formação para o trabalho não é o trabalho no capitalismo, mas
a busca por superá-lo; conhecer cientificamente a realidade coloca-se como auxiliar para poder mudá-la.
Então, é educar também para a ação, mas não qualquer ação, mas para uma planejada, coletiva, coerente e
fundamentada. Esta dimensão, a da formação de militantes, chama atenção para a formação de novos valores
como a cooperação, a solidariedade, o altruísmo, a autonomia. Atenta que as pessoas são uma totalidade
A ESCOLA ITINERANTE
A Escola Itinerante é entendida como um espaço que traz em si a carga histórica da instituição
escolar, de seus problemas e potencialidades. Também traz em si o acúmulo do Setor de Educação do
MST, compondo sua proposta de escola. A Escola Itinerante, em sua essência, não é diferente da escola
de assentamento ou das demais escolas do MST. Seus objetivos e princípios são os mesmos, que todavia,
se aplicam de um modo determinado a depender da situação concreta. Então, a Escola Itinerante expressa
embates de formas escolares distintas, antagônicas. Expressa, a seu modo, a luta social. Como toda escola,
ela encontra-se num tempo e num lugar específicos. Poderíamos dizer que a Escola Itinerante, como as
demais escolas de acampamento, acontece num lugar especial. O acampamento é sem dúvida um espaço
onde se encontram pessoas em luta pela vida, por terra, por trabalho e moradia. Um lugar que expressa
118 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
a incapacidade do capital em garantir a vida digna para todos. Por isso, o acampamento é o lugar que
expressa a força e a fraqueza do capital. Força, já que mesmo com tantas contradições explosivas, mortes,
miséria, desumanização, ele ainda se mantém. E fraqueza, porque na medida em que não garante que
muitas mulheres e homens vivam sob sua forma típica, força-os a buscar outras formas de se organizar em
sociedade. Acredito que a força e a beleza de um acampamento – dentre suas enormes dificuldades – está
em revelar a busca dos Sem Terra por uma nova forma de vida social.
Claro que esta consciência não necessariamente é a de todo sem-terra que vai para um
acampamento ou passa por ele. Mas, queira ou não, ele está “metido” nisso e nós queremos que sua
consciência seja ampliada até ele perceber as muitas implicações daquilo em que ele se envolve. A Escola
Itinerante está neste lugar!
O acampamento é, então, um espaço onde a luta de classes, a luta pela sobrevivência, a
possibilidade de construir algo novo, está mais forte, mais evidente. É um lugar propício à contestação,
à desestruturação daquilo que é arcaico. As relações de poder autoritárias se enfraquecem, favorecendo
emergirem relações sob novos parâmetros. Entendemos que este é o pano de fundo daquilo que o professor
Luis Carlos de Freitas tem indicado: a Escola Itinerante é um lugar propício à emergência, ao ensaio de
uma nova forma de escola. Segundo ele, no acampamento, por tudo que falamos, a escola (lembremos que
ela é uma instituição do Estado burguês) está mais livre das amarras do Estado, da burocracia e deste peso
que traz a instituição escolar4.
Penso que os educadores itinerantes reconhecerão isto, pois tem sido muito comum eles se
referirem que “quando o acampamento vai bem a escola está bem”. Dizem ainda que quando o acampamento
está bem organizado, a coordenação e as equipes funcionando, com unidade e perspectiva, a escola
funciona melhor, o acampamento se envolve e contribui mais com a escola, e a proposta de educação do
Movimento acontece5. Já quando as coisas não vão tão bem no acampamento, na escola também tendem
a decair; os educadores, mães e pais “se acomodam”, cria-se uma rotina e uma apatia pouco produtivas.
Por estes depoimentos, podemos refletir o quanto a organização coletiva e a clareza na luta são educativas,
motivam o que está ao redor, e são forças capazes de dar um horizonte à escola, fazê-la se aproximar da
escola que queremos. Vemos assim que a escola não está isolada, e nem deve estar (nem pode estar). Mas
esta tendência da escola acompanhar a dinâmica do acampamento não pode nos autorizar a desanimar
quando o acampamento vai mal e a relaxar com os trabalhos na escola. É nesta hora que temos que agir
com profissionalismo e militância.
Os estudos de Bahniuk (2008) e Camini (2009) comprovam a indicação de Freitas, mostrando
diversos avanços que a Escola Itinerante apresenta rumo à Escola Socialista. Poderíamos dizer que a
Itinerante é um embrião da Escola Socialista, mas que, para se desenvolver, precisa ser cuidada e superar
muitas dificuldades e limitações que as autoras evidenciaram em suas pesquisas. Isso indica que há pontos
fracos na Itinerante que precisam ser observados. É sobre estas potencialidades e estas dificuldades que
queremos refletir:
1) Dizer que a Escola Itinerante (EI) está num lugar “especial”, que favorece experimentar
4 Síntese pessoal da fala do professor durante encontros e atividades do MST onde ele tem participado.
5 Fala recorrente entre os educadores no processo de sistematização da Escola Itinerante no Paraná.
120 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
condições que temos.
4) Nas questões relativas ao ensino das disciplinas na escola, o que refletimos acima já indica
o caminho. Há uma dupla questão a se considerar: a) o conhecimento escolar precisa ser significativo, é
preciso estabelecer relações com a realidade do estudante6. Veja que dissemos relações. Quanto menor a
criança, esta relação precisa ser mais concreta e, com o passar dos anos, pode-se avançar na abstração,
sem que a todo o momento se refira a uma circunstância ou objeto pontual. Entretanto, mesmo os níveis
mais elevados de abstração, sempre possuem relações com o mundo concreto. Em Marx, partimos do
concreto (caótico) ao abstrato (reflexão, fragmentação), depois novamente ao concreto, que ao fim do
processo aparece como uma totalidade rica. Para Marx (1996), o conhecimento deslocado da prática
não tem sentido, é a prática que, em última instância, diz se um conhecimento é verdadeiro – isso não
quer dizer prática imediata e nem relativismo. Os complexos de que fala Pistrak (2000), ou os temas
geradores de Paulo Freire (1983), são bons exemplos de como o conhecimento pode estar na escola. Ele
não aparece isolado, “morto”, fragmentado, mas vem em função de uma situação-problema, de um tema
atual, candente. A escola organiza seu trabalho para entender o mundo em suas múltiplas relações e em
profundidade. Então, o conhecimento surge como uma necessidade da vida humana, que tem relações
múltiplas e complexas. Por isso, o novo patamar alcançado no entendimento do tema/complexo deve
voltar à realidade para ajudar a transformá-la. b) Pelo que foi dito, parece ficar claro que o conhecimento
elaborado é de grande importância para a classe trabalhadora, e que a mudança na forma de abordá-lo não
o nega, não o retira da escola, mas o coloca de um novo jeito, valorizando-o. As experiências demonstram
que esta questão precisa ser aprofundada, avançando no método de trabalho que não negue o conhecimento
acumulado e o coloque em função das questões do tempo histórico atual.
Neste caderno, estão expostos cinco textos dos estados que possuem Escola Itinerante. Vemos
que são experiências bastante diferentes sob vários aspectos: no tempo de existência (no RS há doze anos,
no PI há um ano), no tamanho das escolas, na quantidade de educandos, no jeito de acompanhar as escolas
e fazer a formação dos educadores, na relação com o Estado, na organização das turmas, etc. Nos próprios
textos, pode-se ver a avaliação feita, os pontos positivos e negativos, como prosseguir, em que avançar.
Estas diferenças indicam tanto a riqueza e a diversidade que a EI comporta, quanto a dificuldade em se
estabelecer diretrizes políticas e pedagógicas comuns, bem como fragilidades próprias à sua conformação
em cada estado. Entretanto, apesar das diferenças, é possível falarmos da EI do MST, ou seja, é possível
identificar um projeto comum, afinidades, unidade na proposta e na ação e dificuldades compartilhadas.
Vejamos algumas delas:
6 A experiência escolar coordenada por Pistrak avança ainda mais desta perspectiva. Para ele, como aponta Freitas
(2009), a escola não se estrutura a partir do conhecimento elaborado para então se estabelecer relações com a realidade, mas o
inverso. Parte-se da realidade atual, do mundo em sua totalidade que para ser entendido demanda o conhecimento elaborado,
culto. A proposta educacional do MST compartilha desta perspectiva, como apontamos anteriormente.
122 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
em que se pretende construir outra sociedade, homens e escolas, eles sentem-se motivados,
fortes e orgulhosos. Não seria por acaso que estas são as características mais frequentes nos
educadores itinerantes. Veja neste caderno o texto específico sobre a formação de educadores.
d) Deste acúmulo de mais de doze anos de EI, evidencia-se que esta escola
encontra-se num lugar instável, física e politicamente. Vemos ainda que, em muitas ocasiões,
tal instabilidade pode ser positiva para a escola, no sentido de que a auxilia a sair da “mesmice”,
de um trabalho educacional cristalizado e inconveniente para um trabalho voltado para a classe
trabalhadora. Forçando a escola a abrir-se e conectar-se à realidade concreta que a circunda,
promovendo a aproximação e a participação do acampamento na escola. Mas nestes anos
todos, aprendemos que a escola precisa aprender a lidar com esta instabilidade, preparar-se
para ela (já que continuará acontecendo). Neste sentido, parece que precisamos distinguir entre
o que podemos abrir mão e o que não, o que pode ser dinâmico e espontâneo e o que precisa
ser planejado e estruturado. Isso não significa dizer que a escola não sentirá as mudanças
que acontecem em seu entorno ou ignorará tudo que acontece, permanecendo fechada em
si mesma, como é a velha escola que tanto criticamos. Quer dizer apenas que não podemos
mais recomeçar sempre, é preciso continuidades no processo pedagógico. Neste sentido é que
a relação escola e acampamento/MST é educativa nas duas direções, pois os acampamentos
e o MST são por natureza dinâmicos, em movimento; a escola é de estrutura mais lenta e
processos mais longos. A síntese que o MST tem feito é de que um tem aprendido e precisa
aprender com o outro, guardadas as particularidades. É conflituoso e educativo quando estes
tempos distintos se encontram, mas a escola prescinde de tempos e processos longos, sem
os quais não se aprende certas coisas; o Movimento, por sua vez, demanda movimento, luta,
garra e, seguidamente também, tem pressa.
Por fim, reafirmamos que este texto não pretendeu dar conta das diversas indicações acerca
da EI que têm sido evidenciadas nas produções existentes. Maior aprofundamento se encontra em autores/
educadores que já se debruçaram com mais afinco nesta experiência de escola. Assim como na Coleção
Cadernos da Escola Itinerante pode-se acompanhar esta trajetória e experiência com maior detalhamento.
Pretendemos sim, trazer um veio de análise de questões consideradas pertinentes e no calor dos debates
realizados ao longo da produção da referida Coleção. Esperamos que elas possam ser frutíferas.
124 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 125
126 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES ITINERANTES
Isabela Camini1
Jurema de Fátima Knopf2
INTRODUÇÃO
A formação humana3 dos sujeitos Sem Terra, no sentido mais amplo, sempre ocupou espaço
importante na trajetória que constituiu o MST. No que diz respeito aos educadores, que atuam no Setor de
Educação ou nas escolas, a sua formação recebeu atenção especial, pois, desde o início, havia a intenção
de formar seus próprios professores para atuarem nas escolas de acampamentos e assentamentos. Para
os educadores que se dedicam à educação e têm a responsabilidade de ensinar, educar e formar as novas
gerações que frequentam as escolas de ensino fundamental e ensino médio nas áreas de Reforma Agrária,
os processos de formação humana, pedagógica, social e política, têm se dado de forma mais intensa e
permanente - por meio de cursos formais e/ou não formais.
Olhando para a trajetória histórica de formação de educadores neste Movimento, constatamos
que, em 1990, tiveram início as duas primeiras turmas de Magistério do MST, no Departamento de
Educação Rural (DER), em Braga, RS. E, em 1997, já na turma seis, o Curso foi transferido para a Escola
Josué de Castro em Veranópolis/RS, mais tarde denominado de Instittuto de Educação Josué de Castro
(IEJC). Esta iniciativa, que se prolonga até os dias atuais, nos permitiu formar centenas de educadores que
atuam em escolas do campo, em vários estados onde o MST está organizado, possibilitando-os também
a continuarem seus estudos. No que diz respeito aos cursos formais, atualmente, o MST tem Cursos de
Magistério, Pedagogia da Terra, Licenciaturas e algumas especializações, funcionando em vários estados
do país e realizados em parceria com Universidades Federais e Estaduais.
Outra iniciativa importante, que vem acompanhando as ações do Setor de Educação do
MST, é sua preocupação com a formação de educadores por meio de seminários e encontros estaduais e
nacionais, além dos significativos processos formativos que acontecem nas escolas. Em nosso entender, a
realidade que cerca a escola, vinculada à luta pela Reforma Agrária, vai reeducando, ensinando e formando
os educadores militantes. O contexto social onde se encontram as Escolas Itinerantes, por exemplo, as
diferentes situações de enfrentamento na luta de classes e a dinâmica do Movimento Social, forjam
processos formativos, humanos e pedagógicos, tanto dos educadores quanto dos educandos. Eles são um
128 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
construirmos um processo conjunto de formação de educadores que atuam em Escolas Itinerantes nos
estados onde já a legalizaram. Também, o fato de reunir pela primeira vez os educadores dedicados à
ensinar e educar na itinerância é muito significativo para o MST, pois são estes jovens, ainda muito
jovens, que constrõem experiências pedagógicas importantes, em condições estruturais muitas vezes
desfavoráveis, mas ricas em materialidade. Por isso mesmo não devem guardá-las só para si, ou deixá-
las cair no esquecimento. O desafio é socializá-las, sistematizá-las, escrevê-las. Tarefa, diríamos, para
grandes homens e mulheres! Em um texto sobre os educadores e sua formaçao, Isabela Camini sintetiza de
forma precisa os diferentes sentimentos que demarcam esta vivência: “Todos foram chamados a uma luta
maior num Movimento maior. Hoje, são educadores em situações, talvez, nunca imaginadas. Nem por nós,
nem por eles mesmos, tampouco por suas famílias” (CAMINI, 2006, p. 34). Continua no texto afirmando
o que dizem esses educadores, ”Somos hoje educadores, em escolas fincadas no chão do acampamento,
um sonho, uma mística, uma identidade nos resgatou, nos confiou um ofício, nos chamou para sermos
sujeitos” (p. 34) .
Por fim, o encontro também contribuiu para avançamos na compreensão da construção
e elaboração do Projeto Político e Pedagógico dessas Escolas, articulado ao projeto de Educação do
Movimento. O estudo sobre a Infância Sem Terra, e de como vai se construindo essa identidade no
processo de luta pela terra, nos deu a certeza de que as nossas crianças precisam ter espaços próprios de
auto-organização, vez e voz, poder dizer a sua palavra na escola e comunidade. A infância é uma das fases
mais bonitas e importantes no processo de formação da personalidade, por isso precisa ser respeitada,
valorizada. Se considerarmos que estas crianças e adolescentes têm sua primeira experiência no Movimento
frequentando a Escola Itinerante, seguramente a nossa responsabilidade é maior.
130 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
sujeitos que a criaram e que se mantém presente na luta.
Este Seminário, realizado em Faxinal do Céu, Paraná, entre os dias 05 e 09 de maio de 2008,
trouxe como lema os “12 anos de Escola Itinerante no MST”. Teve aparticipação de 400 educadores de 13
estados da federação, havendo representantes de AL, BA, DF, GO, MA, MS, PA, PE, PI, PR, RS, SC e SP,
e outras autoridades convidadas.
Diferente dos encontros anteriores, houve neste seminário um salto de qualidade no que diz
respeito a participação de educadores itinerantes e de representantes de várias entidades. Isto se deve ao
momento histórico em que se encontra a EI, sendo reconhecida e valorizada pelas instâncias públicas como
uma escola que atua em diferentes espaços e tempos, ou seja, uma escola que não se fixa em lugar nenhum,
dada sua função social de acompanhar aqueles que estão na luta pela Reforma Agrária.
Num clima de verdadeiro encontro e reencontro de pessoas que comungam do mesmo projeto
social, o seminário teve como objetivos socializar e refletir sobre as práticas pedagógicas e os estudos
realizados sobre as Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST no período de 1996 a 2008; fortalecer
os vínculos desta Escola com o Movimento; compreender a atual conjuntura de luta pela Reforma Agrária;
fortalecer o vínculo e a pertença dos educadores itinerantes ao projeto de educação do MST e comemorar
os 12 anos de existência desta Escola.
Também foi espaço de fortalecer a importância do registro das práticas vividas no Movimento
e da produção literária para as crianças Sem Terra. Na oportunidade, houve o lançamento do primeiro
caderno da Coleção de Cadernos da Escola Itinerante do MST, com o título: Escola Itinerante do MST:
História, Projeto e Experiências (2008), e o livro Semente de letra (2009), da Expressão Popular. Momentos
de estudo, reflexão, debate e comemorações perpassaram todos os dias do encontro e contribuíram para
indicar as possíveis projeções referentes à organização da Escola Itinerante, colada à luta pela terra e à
emancipação da classe trabalhadora.
Dentre os estudos realizados no decorrer do seminário, destaca-se a preocupação com o
institucional, tendo em vista que a Escola Itinerante, mesmo estando num espaço de disputa, vem adquirindo
um maior reconhecimento legal. Todavia, quando se torna uma escola de assentamento, distancia-se da
Pedagogia do Movimento, o que expressa uma contradição. Portanto, precisamos garantir sim o seu
reconhecimento pelo Estado, no entanto, ainda é preciso aprender a mexer com a “coisa pública” sem
perder a autonomia que nos afirma enquanto movimento social de luta pela terra e pela Reforma Agrária.
Foi um momento forte, também por enfatizar o contexto de luta de cada estado onde há
Itinerantes legalizadas, e a forma como as ações de enfrentamento do MST mexem com a Itinerante, por
estar diretamente vinculada aos acampamentos, espaços encharcados de práticas sociais que perpassam o
cotidiano da escola. Mesmo diante de uma conjuntura complexa, os educadores demonstraram a alegria
de juntos poderem afirmar mais uma vez a escola como parte da trajetória do Movimento, sendo eles, em
especial, sujeitos dessa conquista.
Desta forma, ajudou-nos a refletir sobre importância de darmos passos para frente, com
segurança, negando a forma escolar capitalista à medida que vamos construindo outra e nova escola,
na perspectiva da educação socialista. Precisamos ter coragem de interrogar o sistema de avaliação
classificatório e excludente, o planejamento de cima para baixo, o poder excessivo do professor em da
sala de aula, a relação estabelecida entre educador e educando e a matriz formadora conteudista que
desconsidera as diversas dimensões do ser humano, a realidade e as contradições que cercam a escola.
Enfim, estas são questões que demandam mais estudos e continuidade na reflexão desde a prática concreta
das itinerantes.
Estimulou-nos ainda, a avançarmos na compreensão de duas categorias fundamentais da
educação socialista: a atualidade – relação da escola com a prática social –, e a auto-organização dos
educandos. Desafios que, embora já estejam sendo enfrentados pela Escola Itinerante, são questões que
devem nos acompanhar sempre, pois são princípios que embasam a Pedagogia do Movimento e perpassam
todo o seu projeto educativo.
No que diz respeito à Auto-organização, entendemos que a escola é um espaço fértil para
estimular as crianças para uma nova vida, ou seja, abrir espaços para que elas aprendam a conviver de
forma coletiva, sem que haja opressão de umas sobre as outras. Neste exercício cotidiano, elas entenderão
a importância de, às vezes dirigir processos e, às vezes serem dirigidas.
Quando nos referimos à atualidade, entendemos que, na Rússia, a atualidade visava a
necessidade de se construir o socialismo. E para nós, trabalhadores Sem Terra, qual a nossa atualidade?
Quais as práticas, as contradições sociais, próximas e mais distantes, que não podemos deixar passar longe
da escola?
Na escola capitalista, afastar-se da vida implica em não questionar a realidade vivida. Na
escola socialista, trazer a vida para a escola implica em questionar a vida para atuar sobre ela. A atualidade
na escola implica em uma análise crítica da realidade social para atuar sobre ela.
Algo novo, trazido para este seminário, foi o debate em torno das pesquisas - dissertações
e tese - construídas sobre Escola Itinerante do MST, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ao
longo dos 12 anos. Abordagens feitas sob vários aspectos desta forma escolar são pesquisas que levam
132 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
reflexões importantes sobre Escola Itinerante para o interior da academia, apresentando-a como um germe
de uma escola contra-hegemônica, conforme podemos verificar no Caderno nº 3, - Pesquisas sobre a
Escola Itinerante: refletindo o movimento da escola, 2009.
Pela leitura e pelo debate em torno das pesquisas apresentadas, entendemos que o Movimento
Sem Terra e as universidades têm dado passos importantes na compreensão da necessidade de haver pesquisas
e pesquisadores intimamente ligados com as práticas sociais pesquisadas. Juntos, podem contribuir com a
análise, a reflexão, e, sobretudo, com a disseminação destas experiências. Além de abrirem caminhos para
novas investigações e pesquisas que venham contribuir na construção de uma nova escola e de um projeto
educativo articulado a transformação social.
Como exemplo do Manifesto dos Educadores, construído e aprovado pelos participantes do II
Seminário em 2006, nesse encontro, foi construída uma Carta pelos Educadores Itinerantes. Ela foi lida e
aprovada em plenária pelos próprios educadores, e consta em anexo neste material.
134 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
REFERÊNCIAS
CAMARGOS, Márcia. Semente de letra. São Paulo, Expressão Popular, 2007.
CAMINI, Isabela. (Org.) Escola Itinerante do MST: História, Projeto e Experiências. Cadernos da Escola
Itinerante – MST. Ano VIII, nº. 1, Curitiba, PR, Abril/ 2008.
CAMINI, Isabela. Dez anos de Escola Itinerante nos Acampamentos do MST/RS: Qual o Balanço?
Boletim da AEC-RS. Ano XXVII, nº. 104. pp. 34-43. Porto Alegre, 2007.
CAMINI, Isabela. Educadores Itinerantes e sua formação. In: MEURER, Ane Carine; DAVID, César de.
Espaços-tempos de Itinerância: interlocuções entre Universidade e Escola Itinerante do MST: Santa
Maria: Editora da UFSM, 2006. ISBN 85-7391-076.
DALMAGRO, Sandra. CAMINI, Isabela (Orgs). Pesquisas sobre a Escola Itinerante: refletindo o
movimento da escola. Cadernos da Escola Itinerante – MST, Ano II, nº 3, Curitiba, PR, maio, 2009.
MEURER, Ane Carine; DAVID, de César (Orgs). Interlocução Entre Universidade e Escola Itinerante do
MST. Santa Maria: Ed. UFSM, 2006.
As escolas itinerantes se caracterizam pelo seu forte vínculo com a luta pela Reforma Agrária.
A escola nos acampamentos é uma ferramenta de luta, fator mobilizador das famílias para participar da
ocupação, para permanecer nos acampamentos e no campo pedagógico, ela é sementeira da escola que
estamos construindo. De certa maneira, a escola itinerante é uma antecipação da escola do assentamento,
nos seus aspectos organizativos, políticos e pedagógicos.
A Escola Itinerante é uma escola pública estadual e está onde está o povo em luta - no
acampamento, nas marchas, embaixo das árvores, na beira do rio, nas beiras das estradas, nas ocupações,
nas lutas, nos Congressos, nos Encontros, enfim, nas várias situações em que o MST se encontra, aí está a
Escola Itinerante.
Organiza o processo educativo de diversas formas – por etapas, por ciclos, ciclo básico e
por classes multisseriadas. Organiza os tempos educativos de acordo com as circunstâncias da luta do
acampamento. Seus educadores e educadoras são do acampamento e formados pelo MST.
As organizações que respondem no cotidiano pela escola itinerante são os acampamentos, o
MST, os educadores, a Escola Base e o Estado, cada um exercendo papéis distintos e complementares.
Uma vez consolidado este processo da organização da escola e do reconhecimento pelo
Estado, uma nova realidade se expressa: a escola não é apenas elemento de luta, pois o direito à escola
está assegurado. Aí, ganham importância outros elementos, como: que escola para dar conta dos intensos
desafios colocados pela situação de acampamento, luta e resistência para uma criança, um/a jovem e um/a
adulto/a? Que formação de educadores dará conta destes desafios?
Tais desafios têm provocado, nos acampamentos onde se organiza a Escola Itinerante, outro
olhar sobre a escola e sua dimensão política, organizativa, pedagógica ao mesmo tempo em que impõem
uma nova qualidade ao debate sobre a educação nas áreas de Reforma Agrária e maior valorização da
escola para a população acampada e mesmo para o conjunto do MST nestes Estados. Tanto é verdade que
constatamos que os avanços da escola estão diretamente ligados ao avanço da organização do acampamento.
Onde o acampamento está bem organizado, esta organização se reflete na escola.
Ao par disso, se impõe a necessidade de observar os mecanismos de certificação e validação
do tempo escolar, por meio do Regimento Interno, controle de freqüência, matrícula, registro da avaliação,
etc. Talvez esta nova realidade indique que a cultura do direito à escola esteja a tal ponto instituído a ponto
de vivermos um contexto em que a própria base exige a organização da escola já nos primeiros dias de
acampamento. Isto revela, por conseguinte, uma grande valorização da certificação escolar para o nosso
povo, como condição de auto-estima e dignidade.
Há que se registrar que nenhuma escola foi concedida gratuitamente pelo Estado, mas
conquistadas pelos Sem Terra por fortes pressões e mobilizações. Ao mesmo tempo, na relação com o
poder público - no que se refere ao reconhecimento das nossas iniciativas, mantivemos um nível de diálogo
que se estabelece entre demandantes e proponentes como sujeitos de direitos, por um lado, e detentores dos
140 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
instrumentos necessários à sua efetivação, por outro.
Uma relação necessária à realização dos nossos objetivos, quais sejam em primeiro lugar
assegurar a efetivação do direito à escola, depois a elevação do nível de escolaridade. Para tanto, precisamos
do reconhecimento do poder público por meio da contratação de educadores, a instalação da infra-estrutura
necessária ao bom desenvolvimento do trabalho pedagógico, os recursos para merenda escolar, biblioteca
e aquisição de materiais didático-pedagógicos.
Temos articulado todas as formas de luta e pressão sobre o Estado, envolvendo as crianças
e a juventude como protagonistas da luta pela educação, que junto com as famílias acampadas, ampliam
o debate sobre a nossa luta no intuito de conquistar apoios na comunidade local, nos parlamentos, nas
igrejas, enfim, nos diversos espaços onde a sociedade se organiza. Embora o direito à educação esteja
legitimado pela trajetória da sociedade, nós sabemos que em se tratando de educação dos camponeses e
camponesas em luta há que se mobilizar permanentemente.
Já compreendemos também que para qualificar esta relação, é necessário conhecer a
Legislação Brasileira (Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB e
Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas do Campo), assim como as brechas ali presentes
que nos permitem avançar. Conhecer o funcionamento do sistema educacional assim como as atribuições
e competências de cada nível e esfera de governo. Necessário também conhecer a organização, estrutura
e funcionamento da escola – os processos administrativos que cuidam da vida escolar dos educandos,
organizar bem a documentação dos educandos e lutar pelo direito à documentação para aqueles que não a
possuem.
Neste particular, na condição de escola pública, uma exigência se manifesta: reafirmar a
importância da nossa autonomia pedagógica, por meio da Pedagogia do MST – os protagonistas são os
Sem Terra e têm o direito de pensar, propor e executar o seu projeto político-pedagógico, assegurado pela
LDB. E ter este direito respeitado pelo Estado.
Neste sentido, concluímos pela importância de manifestar ao conjunto do MST, o que segue:
1. A Escola Itinerante, pela sua trajetória e pelos avanços conquistados nestes 10 anos, é uma
prática recomendada para todos os acampamentos do País, mas não será implementada de forma mecânica.
Cada Estado pode organizá-la de acordo com suas necessidades e compreensão da concepção de educação
nas escolas itinerantes.
142 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
6. Assegurar a concepção sistemática de registro nos diversos momentos pedagógicos, na
teoria e na prática, em todos os momentos de formação dos educadores do MST, como forma de efetivar a
prática nesse processo de construção da Escola Itinerante.
7. Nossa ousadia em romper com o desenho do latifúndio na terra deve se expressar da mesma
forma na ousadia em romper com o tradicional desenho da escola proposta pelo capitalismo. Para tanto,
devemos organizar a escola – currículo, tempos educativos e ações culturais coerentes com a perspectiva
da formação humana.
10. Divulgação sobre as nossas práticas e o nosso jeito de educar – por meio de palestras,
vídeos, cartilhas, livros, e pelas diversas formas de expressão artística; concursos nacionais ou estaduais
para divulgar o trabalho realizado com as crianças acampadas na Escola Itinerante.
Companheiros e Companheiras,
Reunimos entre os dias 05 a 09 de Maio de 2008, em Faxinal do Céu - Paraná, 400 educadores
de 13 estados da federação: AL, BA, DF, GO, MA, MS, PA, PE, PI, PR, RS, SC e SP, no III Seminário
Nacional das Escolas Itinerantes dos acampamentos das áreas de reforma agrária. Este Seminário é
continuidade dos dois anteriores, procurando dar seqüência ao debate/estudo sobre a Escola Itinerante.
Neste sentido, reafirmamos o Manifesto dos Educadores e Educadoras da Escola Itinerante do MST,
assumido no II Seminário, realizado em Curitiba, em agosto de 2006.
Dentre os participantes se encontram os educadores das escolas itinerantes; educadores das
Redes Estaduais de Educação; integrantes do Coletivo Nacional de Educação, Frente de Massa e da Direção
Nacional do MST; representantes das Secretarias de Estado da Educação; as Escolas Bases das Itinerantes;
a Coordenação de Educação do Campo do MEC; pesquisadores e assessores, entre outros convidados.
O Seminário foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Secretaria
de Educação do Estado do Paraná, com o apoio do Governo do Estado do Paraná e da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Teve como objetivos a socialização e reflexão das práticas pedagógicas e dos estudos
realizados sobre as Escolas Itinerantes dos acampamentos do MST, fortalecer os vínculos desta Escola
com o Movimento, compreender a atual conjuntura de luta pela Reforma Agrária e comemorar os 12 anos
da Escola Itinerante.
CONTEXTO
A Escola Itinerante vem se consolidando como a escola dos acampamentos do MST, associada
à luta pela Reforma Agrária, buscando ampliar a capacidade crítica e organizativa dos seus sujeitos,
construindo novas relações sociais.
Atualmente, dentre os 24 estados da federação em que o MST está organizado, a Escola
Itinerante é reconhecida pelo poder público em seis deles: Alagoas, Goiás, Paraná, Piauí, Rio Grande do
Sul e Santa Catarina.
Contamos hoje com aproximadamente 37 escolas itinerantes, envolvendo 3600 educandos com
348 educadores, em cerca de 37 acampamentos das áreas de Reforma Agrária. Dados ainda insignificantes
diante do grande número de acampamentos de sem terras existentes no Brasil.
O III Seminário Nacional acontece em um momento em que se amplia o número de estados
que possuem Escolas Itinerantes legalizadas, o que exige ampliar o diálogo entre estes estados a fim
de qualificar a proposta pedagógica da mesma. Ademais, a Escola Itinerante precisa fortalecer os seus
144 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
vínculos com os desafios maiores do MST, uma vez que encontra-se em um espaço privilegiado que
favorece a construção de uma escola que atenda os interesses da classe trabalhadora.
O balanço realizado neste seminário apontou para os avanços que obtivemos e desafios que
persistem. Ressaltamos que vêm crescendo no MST a importância desta escola, dado seu papel social na
formação das novas gerações, além de sua capacidade pedagógica em formar política e organizativamente
os trabalhadores rurais sem terra.
Todavia, sabemos que a forma de organização das Escolas Itinerantes é diferenciada de um
estado para outro, entretanto coloca-se o desafio de, considerando a dinâmica de organização do Movimento
em cada estado, avançar na construção da Escola Itinerante do MST, resguardando os princípios da
educação e a Pedagogia do Movimento.
Entendemos que os acampamentos são territórios potenciais para a materialização de uma
nova forma escolar, que aponte para a superação da escola capitalista. A auto-organização dos educandos,
a organização coletiva dos educadores, a gestão democrática, os processos avaliativos, os temas geradores,
os ciclos de formação, os conteúdos socialmente úteis e a relação da escola com a prática social são indícios
da escola que queremos, porém precisam ser compreendidos com profundidade a fim de avançarmos na
construção da escola socialista.
Um limite destacado nas Escolas Itinerantes diz respeito à tendência de institucionalização
das práticas pedagógicas. Isto ocorre no momento em que a escola deixa de atuar para a emancipação da
classe trabalhadora, assumindo a lógica do Estado. É necessária, porém, muita atenção para evitarmos cair
nesta armadilha.
Identificamos ainda, que no decorrer do tempo, tende-se à acomodação: diminuindo os vínculos
orgânicos entre escola e acampamento, provocando a desmotivação dos educadores e a descontinuidade do
processo pedagógico, pois percebe-se que a prática pedagógica das Escolas Itinerantes é fortalecida pela
dinâmica da luta presente no acampamento.
Outro ponto crítico encontrado diz respeito à descontinuidade existente entre a escola do
acampamento e do assentamento. Nessa transição há uma tendência para perder a riqueza do trabalho
pedagógico desenvolvido nas Itinerantes, com maior adesão acrítica ao sistema escolar vigente.
Compreendemos que isso se deve, em parte, às dificuldades encontradas na produção e organização dos
assentamentos.
Por sua própria lógica a Escola Itinerante tem como característica a rotatividade dos
educadores. Entretanto, a falta de um coletivo permanente de educadores itinerantes dificulta o processo
de consolidação da proposta pedagógica desta escola. Isto acentua a necessidade de formação, que permita
compreender as questões maiores da Pedagogia e da educação no MST, considerando-se a particularidade
dos acampamentos.
PROPOSIÇÕES
146 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí
Coleção Cadernos da Escola Itinerante 147
148 A Escola Itinerante nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí