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AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O INGLÊS

Renato Ortiz

A globalização declina-se preferencialmente ciedades passadas. Independentemente das hipó-


em inglês. Digo, preferencialmente, pois a presen- teses disponíveis, e não confirmadas, sobre a ori-
ça de outros idiomas é constitutiva de nossa con- gem da linguagem – monogenese ou poligenese
temporaneidade, mesmo assim, uma única língua, –, a verdade é que, uma vez em atividade, elas
entre tantas, detém uma posição privilegiada. Há evoluíram em comunidades separadas, espalhan-
razões objetivas para que as coisas tenham se pas- do-se por diversas regiões do planeta (existem
sado dessa maneira, e elas nada têm a ver com os atualmente algo em torno de 6.500 línguas faladas
fundamentos fonéticos ou gramaticais, seria tolice no mundo). Levando-se em consideração essa di-
pensar a existência dos idiomas de forma substan- versidade e o fato da impossibilidade de existir
cialista (embora muitos o tenham feito). Os lin- uma língua universal – para isso seria necessário
güistas ensinam-nos que toda linguagem é capaz que todas as experiências humanas convergissem
de exprimir em conceitos a experiência humana, para uma única fonte de sentido – seria insensato
assim nenhuma delas é superior às outras. Sabe- balizar nossa discussão na premissa de um mundo
mos ainda que somente os humanos possuem unívoco. O processo de globalização não é sinô-
uma linguagem coerentemente articulada num sis- nimo de homogeneização, tampouco de america-
tema complexo de signos e que a diversificação nização, trata-se de uma condição na qual as hie-
das línguas é algo que ocorreu muito cedo nas so- rarquias e as linhas de força certamente existem,
são desiguais, mas não implicam necessariamente
Artigo recebido em agosto/2003 a eliminação das diversidades. Nesse sentido, o
Aprovado em novembro/2003 desaparecimento das línguas nacionais, idealizado

RBCS Vol. 19 nº. 54 fevereiro/2004


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por alguns, como equivalente à irmandade univer- culturais. Trata-se da afirmação de uma hegemo-
sal (assim pensava Kautsky e muitos intelectuais nia travestida em verdade lingüística. Esta é uma
da II Internacional), e por outros, como um pesa- discussão antiga. Desde a formação do Estado-na-
delo, é um falso problema. Não obstante, esta nota ção, no qual o monopólio da língua foi um dos
introdutória de cautela pouco esclarece sobre a te- traços definitivos no processo de integração nacio-
mática em pauta, pois não é a unicidade das lín- nal, a exigência de uma referência generalizada a
guas que se encontra em causa, mas o fato de elas todos tem o intuito de se contrapor às outras falas
participarem de uma situação de globalização existentes. Bourdieu recorda que a Revolução
marcada por relações de poder. Francesa tinha como meta a imposição de uma
O leitor diligente, paciente, percebe que boa língua legítima contra os idiomas e os dialetos re-
parte de toda uma literatura relacionada à disper- gionais: “o conflito entre o francês da intelligent-
são do inglês no mundo é relativamente recente. sia revolucionária e os idiomas é um conflito so-
Ela se desenvolveu particularmente no final dos bre o poder simbólico, cujo objetivo é a formação
anos de 1970 e durante a década de 1980, quan- das estruturas mentais. Não se trata apenas de se
do foi publicada uma série de livros sobre sua di- comunicar, mas de reconhecer um novo discurso
fusão em escala internacional.1 Seus autores que- de autoridade” (Bourdieu, 1982, p. 31). Essas ten-
riam documentar empiricamente a presença da sões não se situam apenas no passado, recorren-
língua inglesa em vários países e esferas de ativi- temente se atualizam diante da proliferação de
dade – da ciência à publicidade – e também com- idiomas conflitantes no seio de uma área geográ-
preender as razões que a levaram a ocupar tal lu- fica comum. É o que ocorre nos Estados Unidos,
gar de preponderância. Dois elementos chamam a onde o movimento English Only, árduo defensor
atenção nesse tipo de estudo. O primeiro, relativo do monolingüismo, tem como pretensão desqua-
ao standard. Acostumados à existência de refe- lificar e limitar a demanda dos imigrantes por uma
rências consagradas, os padrões britânico e norte- educação bilíngüe (Willey e Lukes, 1996). No caso
americano, a difusão do inglês levantava um pro- do inglês como língua internacional, a disputa em
blema, qual seja, como entender as variações torno da autoridade não se confina às fronteiras
idiomáticas existentes em países de língua oficial de uma nação, ela envolve países com histórias e
inglesa que não se encaixavam no modelo. Seria culturas diferenciadas, entretanto os termos da dis-
mais apropriado utilizar a expressão, “inglês ou in- cussão são semelhantes, afinal o padrão postulado
gles(es)”, singular ou plural?2 Kachru, um lingüista não tem nenhuma realidade empírica, é simples-
indiano, considera que a nativização do inglês te- mente um construto imaginado por aqueles que
ria como resultado a criação de um modelo autô- detém uma posição de poder, conferindo-lhes
nomo, original, distinto do legado britânico, mas uma certa capacidade, qual seja, a de “corrigir” os
igualmente válido. Outros extrapolam sua meto- outros. Invoca-se sua existência como justificativa
dologia de investigação, aplicando-a a diferentes de controle e de salvaguarda do idioma originário.
regiões da Ásia, o que significa equiparar a legiti- A polêmica em torno da existência ou não de um
midade das variedades regionalmente desenvolvi- padrão ocorre sobretudo quando há um campo de
das às matrizes exportadoras, Inglaterra e Estados disputa no qual estão envolvidos os falantes. Por
Unidos (Kachru, 1982; Parakram, 1995). Entre os isso, ainda hoje, em momentos de tensão (situa-
países de língua inglesa há portanto uma disputa ção de globalização), ela ressurge com força, e
sobre a existência ou não de um único padrão (ou muitas vezes com os sinais trocados. Por exemplo,
no máximo dois) capaz de ordenar a hierarquia a controvérsia desencadeada em torno da Lei Tou-
das falas. O debate sobre o standard, predomi- lon, que regulamentou oficialmente a utilização
nante entre os professores de língua estrangeira dos termos estrangeiros pela língua francesa.
(eles buscam o “melhor” para suas atividades pe- Aqui, a noção de padrão é recuperada como um
dagógicas, reiterando sempre a excelência norte- estágio anterior de “pureza” que estaria sendo
americana e britânica), fundamenta-se num equí- ameaçado e corrompido pelo uso excessivo do in-
voco, cujo ocultamento tem dividendos políticos e glês (Durand, 1996).
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Um segundo aspecto diz respeito à dimensão O uso do inglês decorreria assim das vanta-
anglo-cêntrica desses estudos e, muitas vezes, ao gens que proporciona aos que dele se utilizam.
manto ideológico no qual estão envolvidos. Eles Seu estatuto é portanto de neutralidade, funcio-
vêm marcados por um profundo otimismo e um nando sobretudo como meio de comunicação
indisfarçável sentimento de superioridade, como mais abrangente. Lingüistas com diferentes incli-
se a expansão de uma língua fosse realmente si- nações teóricas, neste ponto, convergem para um
nônimo de civilização e progresso. Diante do qua- mesmo diagnóstico. É o caso de Kachru, ferrenho
dro inegável das evidências empíricas, repete-se opositor à idéia da existência de um padrão britâ-
com orgulho – no other language has undergone nico ou norte-americano. Quando se trata de en-
similar expansion since Greek and Roman times. tender sua presença na Índia, em contraposição a
Faltam a essas análises um mínimo de espírito crí- outros idiomas existentes, ele nos diz: “O inglês
tico induzindo-nos a pensar que a magnitude de tem uma clara vantagem lingüística: no contexto
uma língua deve-se unicamente às estratégias di- das línguas nativas, dialetos e estilos que muitas
glóssicas dos falantes. O argumento principal, sub- vezes se revestem de uma conotação indesejável,
jacente a essa corrente teórica, pode ser resumido ele adquiriu uma neutralidade lingüística
da seguinte maneira: uma segunda língua é apren- [...]”(apud Pennycook, 1998, pp. 9-10). O que é
dida unicamente quando o falante estima que evidentemente ilusório, pois o seu uso na Índia é
pode obter vantagens em utilizar outro idioma, marcado por contradições políticas e controvér-
cujo raio de atuação é mais amplo. Cito uma des- sias ideológicas (Sonntag, 2000). Importa, porém,
sas pesquisas elaboradas na época. Os autores, ressaltar que o argumento anterior, o da neutrali-
após enumerarem um conjunto de fatores que dade funcional, é reiterado. Nessa perspectiva, a
eventualmente poderiam influir na difusão do in- expansão do inglês não seria simplesmente algo a
glês – atitude política, religião, urbanização, de- ser comprovado, mas um benefício para todos.
senvolvimento econômico, diversidade lingüística, Os lingüistas parecem raciocinar como os antro-
presença militar – concluem: pólogos culturalistas dos anos de 1940, os quais
supunham que o processo de aculturação deriva-
Dizer que o inglês está se difundindo no mundo va exclusivamente do contato entre duas culturas
em função de uma combinação de variáveis é uma
diferentes, independentemente do contexto no
afirmação sumária, fundada nas inúmeras intera-
qual a interação se dava. Assim, as explicações re-
ções e motivações humanas. São os indivíduos, e
não os países, que aprendem inglês como segunda lativas ao sincretismo religioso, ao messianismo
língua. E eles o fazem, não por causa de abstra- africano, nada tinham a ver com a situação colo-
ções, como a diversidade lingüística ou a balança nial dos atores envolvidos, fatos dessa natureza
de pagamento, mas porque o conhecimento do in- eram vistos como externos, alheios ao que estava
glês os ajuda a comunicar num determinado con- acontecendo.3 Por isso, entre os antropólogos cul-
texto, no qual, por razões econômicas, educacio- turalistas, assim como entre os lingüistas, colonia-
nais ou emocionais, eles desejam se comunicar
lismo e imperialismo são temas tabus, afinal, em
com os outros e a oportunidade de aprender inglês
encontra-se disponível. As estatísticas aqui utiliza- última instância, eles teriam uma relação de exte-
das revelam algumas simetrias e regularidades, mas rioridade ao que se buscava entender.
não podemos esquecer que o comportamento hu- Mas as reflexões sobre o inglês se tornam
mano as antecedem. Portanto, o estudo da difusão mais problemáticas quando a elas se agregam os
das línguas deve proceder, não tanto da manipula- escritos de caráter propriamente ideológico. Lem-
ção e da análise de dados abstratos e sumários, mas bro, entre outros, o livro de Jeremy Tunstall, The
da observação direta do comportamento humano.
media are American. Com uma farta documenta-
[…] Os dados de um contexto específico devem
por isso ser considerados dados secundários, na
ção factual – relativa à televisão, ao cinema, à pu-
verdade muito distantes da arena cotidiana na qual blicidade e à imprensa –, ele buscava entender o
as línguas são aprendidas e abandonadas (Fis- predomínio norte-americano no mundo. Suas
hman, Cooper e Rosenbaum, 1977, p. 106). considerações são exemplares:
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O inglês é provavelmente a língua mais influen- da fala. É justamente esta dimensão, vista antes
ciada e afinada ao uso dos meios de comunicação como exterioridade – a organização política, eco-
[...]. A mídia em inglês está relativamente isenta da nômica e militar dos interesses, considerada irre-
separação entre as formas alta e vulgar – compa-
levante ou secundária para o entendimento analí-
rada ao alemão […]. Também no inglês há uma
tico –, que se torna decisiva para a explicação.
pequena defasagem entre as formas escrita e fala-
da […]. Como língua, o inglês evoluiu com e atra- David Crystall, há muito interessado pela disper-
vés dos meios de comunicação, particularmente a são do inglês no mundo, escrevendo um pouco
imprensa […]. O inglês contém a maior variedade mais tarde, e de uma certa forma revendo seu
de frases incisivas e de palavras simples, que po- ponto de vista anterior, pode então dizer:
dem ser escolhidas para o uso dos meios de co-
municação, comparado, por exemplo, ao francês; Uma língua não se torna global por causa de suas
a versão em língua inglesa é normalmente mais propriedades estruturais, pelo tamanho de seu vo-
abreviada do que qualquer outra língua. O inglês cabulário, por ser veículo de uma grande literatu-
tem também a gramática mais simples do que ra do passado, ou ter sido associada a uma gran-
qualquer outro idioma concorrente, como o russo. de cultura ou religião […]. Uma língua torna-se
A língua inglesa é a que melhor se adapta a his- internacional por uma razão maior: o poder polí-
tórias em quadrinho, manchetes de jornais, frases tico de seu povo – especialmente seu poderio mi-
de efeito, subtítulos de fotos, canções pop, grace- litar […]. Mas o domínio internacional de uma lín-
jos de disc-jockey, flash e músicas para comerciais gua não decorre apenas da força militar. O poder
(Tunstall, 1977, pp. 127-128). militar de uma nação pode impor uma língua, mas
é necessário um poderio econômico para mantê-
Já não se trata apenas de neutralidade comu- la e expandi-la […]. O crescimento dos negócios
e de uma indústria competitiva trouxe uma explo-
nicativa ou vantagens diglóssicas, o inglês, em sua
são internacional do marketing e do business […].
“essência”, seria intrinsecamente superior aos ou- A tecnologia, na forma do cinema e dos discos,
tros idiomas. Língua da racionalidade e da moder- canalizou as novas formas de entretenimento de
nidade, ele seria a razão primeira, e não a expres- massa, o que teve um impacto mundial. O impul-
são, da supremacia norte-americana (muito dessa so no progresso da ciência e da tecnologia criou
ideologia ainda se manifesta no senso comum em um ambiente internacional de pesquisa, conferin-
tempos de globalização). A forte reação a esta do ao conhecimento acadêmico um grau elevado
de desenvolvimento. Qualquer língua, no centro
abordagem aparentemente ingênua, mas no fun-
dessa explosão de atividades internacionais, re-
do altamente interessada de análise, deve ser le- pentinamente, teria sido alçada a um status global
vada em conta, e a meu ver ela teve implicações (Crystal, 1997).
importantes, positivas, na compreensão da pro-
blemática atual. Nesse sentido, o livro de Robert A leitura dessa literatura permite-nos ainda
Phillipson, Linguist imperialism (1992), possui o formular uma pergunta. Em que medida ela se
mérito de introduzir no debate novos parâmetros, destaca, ou não, do debate sobre a globalização.
particularmente o papel que o colonialismo e o Há alguma discrepância conceitual entre as afir-
imperialismo tiveram na configuração do mundo mações “o inglês como língua internacional” e “o
atual. O legado colonial, associado à expansão do inglês como língua global”, ou seriam elas fruto
capitalismo, não se resumiria assim a questões de de imprecisões terminológicas sem maiores con-
ordem meramente econômica, suas implicações seqüências. Acredito que diferenças substantivas
se estenderiam a um domínio até então excluído, existem, e é importante sublinhá-las. Há primeiro
pelos lingüistas, de sua esfera de influência. O uma expressiva desconexão entre os estudos ela-
texto de Phillipson abre a possibilidade para que borados e os textos sobre a globalização, embora
outros escrevam sobre o inglês “como ideologia”, boa parte deles sejam contemporâneos.4 Porém,
fazendo com que as razões de sua expansão dei- não se pode esquecer que durante os anos de
xem de ser encontradas em suas propriedades in- 1980 e início dos de 1990 a reflexão sobre a glo-
ternas ou na mera interação entre os participantes balização ficou confinada a alguns domínios es-
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pecíficos – publicidade e administração de em- mos (escolas, instituições, missões religiosas etc.),
presas (refiro-me à literatura sobre marketing glo- se difunde no mundo. No lugar de contato, quan-
bal). As ciências sociais dedicava-lhe pouca ou do encontra outros idiomas, produz-se a diglosia
nenhuma atenção, sendo que o campo das idéias ou as assimilações. Isso significa, do ponto de vis-
se encontrava polarizado entre modernos e pós- ta do falante, que se trata de uma língua distinta
modernos, Habermas versus Lyotard. Mesmo o li- da sua. A crítica feita pela visão anti-imperialista
vro de Phillipson, publicado em 1992, não escapa assenta-se nas mesmas premissas (Ortiz, 2002). A
a esta observação, uma vez que se fundamenta na noção de imperialismo pressupõe a existência de
tradicional definição de imperialismo (Hobson, um centro, a nação. Ela é o núcleo de um domí-
Lenin), abrindo-se para algumas incorporações nio que abarca o planeta, repartindo-o segundo o
dos teóricos da dependência – a globalização en- apetite inescrupuloso de poucos países industria-
contra-se excluída dessa discussão. Por outro lizados. O imperialismo tem, pois, uma identida-
lado, chama a atenção nos trabalhos elaborados de, ele é inglês, norte-americano, alemão, francês,
pelos lingüistas a presença constante de dois ter- japonês. Cada foco de difusão procura propagar e
mos: difusão e dispersão – sintomaticamente um impor, junto às nações periféricas, suas idéias,
dos textos-chave sobre o assunto intitula-se The seus modos de vida. O que é externo à realidade
spread of english. Creio que neste ponto a com- nacional dos países periféricos pode ser então
paração com os antropólogos pode ser recupera- pensado como uma alienação, algo alheio, sepa-
da, mas, agora, em relação ao difusionismo.5 rado de sua “autenticidade” (recordo que o con-
Kroeber dizia que a ceito de alienação foi decisivo no pensamento ter-
ceiro-mundista, tanto na América Latina, como na
[…] difusão é o processo pelo qual os elementos África – é o caso de Franz Fanon).
ou os sistemas de cultura se espalham. Evidente- Entretanto, o fenômeno de globalização é
mente ela está ligada à tradição, uma vez que a distinto do de internacionalização. Nele as nações
cultura material passa de um grupo para outro. deixam de ser unidades autônomas, independen-
Porém, como é usualmente entendida, a tradição
tes, que se interagem entre si, para se constituí-
se refere à transmissão de conteúdos culturais, de
uma geração para a outra (dentro do mesmo gru-
rem em territórios atravessados pelo fluxo da mo-
po de população); a difusão se faz de uma popu- dernidade-mundo. Nesse contexto, faz pouco
lação para outra. A tradição opera essencialmen- sentido falar em centralidade difusora, ou numa
te em termos de tempo, a difusão, em termos de nítida oposição entre externo e interno, estrangei-
espaço (Kroeber, 1963, p. 139). ro e autóctone. Dizer que o inglês é uma língua
internacional significa considerá-lo na sua integri-
A definição pressupõe portanto a existência dade própria, circulando entre as nações. Uma
de um centro irradiador e de um espaço comum outra coisa é nomeá-lo como língua global, isto é,
partilhado por culturas distintas. Por isso o difu- um idioma que atravessa os distintos lugares do
sionismo se interessa tanto pela comparação en- planeta. É significativo como os estudos sobre sua
tre áreas de civilização e pela migração de traços difusão o considerem um elemento “adicional”,
culturais de uma determinada área para outra isto é, algo que se acrescenta a um suporte já
(aculturação e sincretismo). O argumento postula existente.6 Daí a insistência no ensino de uma se-
ainda uma clara distinção entre interno e externo, gunda língua. Por exemplo, quando um autor
os elementos pertencentes a um “sistema-de-par- como Claude Truchot (1990) analisa a penetração
tida”, fonte da irradiação, e os que se situam no do inglês entre os cientistas franceses nos anos de
“ponto-de-chegada”. A difusão expressaria o mo- 1980, ele trata classicamente o tema em termos de
mento de contato entre duas culturas, duas civili- diglosia. Haveria o contato de dois códigos distin-
zações. Os lingüistas raciocinam de maneira aná- tos, um alto, outro baixo (evidentemente o baixo
loga. O inglês é uma língua com uma história e corresponde ao francês), no qual o falante utiliza,
centralidade própria que, por diferentes mecanis- como estratégia comunicativa, um deles à dispo-
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sição. A predominância do inglês se faz como mas? Creio que a contribuição de Abram de
idioma das trocas científicas, ou seja, atua como Swaan (2001a) é relevante, uma vez que abre a
língua internacional com maior capacidade de possibilidade de se compreender a problemática
amplitude. Portanto, da perspectiva do cientista em questão na sua estreita correlação com o mo-
que o utiliza, ele é uma língua “estrangeira”. Nada vimento de globalização.7
a criticar quanto a esse tipo de exposição, mas Os indivíduos não têm sempre a possibilida-
cabe sublinhar que ela resolve parcialmente o de de escolher suas línguas, essa atribuição se faz
problema. Com o advento da globalização inte- no contexto topográfico em que vivem. Mas qual
ressa saber se o inglês tem, apenas este atributo, seria a cartografia do mundo globalizado? Swaan
ou deve ser compreendido de outra maneira, pois abandona a idéia bidimensional de planos – a lo-
sua posição é inteiramente redefinida. Diria que calização dos idiomas no espaço de cada país ou
no contexto da globalização o inglês deixa de ser de cada cultura – ao propor um desenho tridi-
estrangeiro, algo que se impõe de fora, para cons- mensional sugerido pelo modelo da astronomia.
tituir-se num idioma interno, autóctone à condi- O mapa lingüístico pode então ser pensado como
ção da modernidade-mundo. Este é, a meu ver, o uma galáxia, constituída por sóis, planetas, satéli-
sentido da afirmação de David Crystal na abertu- tes, articulados a um mesmo sistema gravitacio-
ra de seu livro English is the global langage nal. É possível, assim, distinguir constelações in-
(1997). Isso muda radicalmente as coisas. ternas a este universo, o mundo. O bilingüismo
Os lingüistas utilizam com freqüência a me- dos indivíduos (mas não necessariamente da tota-
táfora da ecologia, enfocando os idiomas como lidade dos seres do planeta) teria a função de or-
sistemas ecológicos. Uma primeira acepção do ganizar a comunicação entre as diferentes peças
termo aproxima-se à idéia de natureza ameaçada; que o compõem. A maioria das línguas, 98%, es-
neste caso, tem-se a intenção de desenvolver al- tariam situadas na parte inferior desse universo,
guns mecanismos de proteção das espécies, asse- são os idiomas da memória, ágrafos, mas que
gurando a condição de existência de determinas contemplariam um número reduzido de falantes,
falas em situações adversas – por exemplo, o de- 10% dos habitantes da Terra. Línguas periféricas
clínio do número de falantes conduziria à sua ex- agrupar-se-iam em redor de uma língua central,
tinção. Esse interesse pela biodiversidade levou podendo ser comparadas a luas gravitando em
inclusive alguns autores a propor o desenvolvi- torno de um planeta. As línguas centrais, algo
mento de uma política lingüística-ecológica, vol- como uma centena – entre elas, quechua, bamba-
tada para o multilingüismo, a manutenção das ra, tcheco, romeno etc. – em sua maioria, mas não
culturas e o respeito aos direitos humanos (Phil- exclusivamente, são idiomas nacionais, utilizados
lipson e Skutnabb-Kangas, 1996). Sei que essa na imprensa, rádio, televisão, tribunais e burocra-
perspectiva de trabalho é importante, e que a afir- cia estatal. Acima delas estariam as línguas super-
mação da igualdade dos direitos é fundamental centrais, cujo raio de ação é mais amplo, não se
na luta pelo ideal de uma “sociedade civil mun- restringindo mais às fronteiras de um único país.
dial” justa e equânime. No entanto, interessa-me Seriam os sóis em torno dos quais evoluiriam os
na metáfora ecológica, no âmbito deste artigo, o planetas (línguas centrais) e os satélites (periféri-
fato de ela nos remeter à espacialidade das coisas. cas). Pertenceriam a esse grupo doze idiomas:
A ecologia, como meio ambiente, determina um árabe, chinês, inglês, francês, alemão, hindi, por-
entorno, uma territorialidade específica. Ora, sa- tuguês, japonês, malaio, russo, espanhol, swalili.8
bermos que o processo de globalização implica Cada um deles constituiria uma constelação, ca-
uma radical transformação da noção de espaço, bendo ao inglês o papel hiper-central, isto é, o
no qual categorias como difusão ou imperialismo nódulo nuclear dessa galáxia lingüística. O mode-
se tornam inoperantes (cf. Ortiz, 1996). Como lo apresentado ilustra como as trocas lingüísticas
pensar então a configuração ecológica das línguas se fazem no interior de um mesmo conjunto. Nesse
em relação a seus ambientes e aos outros idio- sentido, o inglês, como expressão de mundialida-
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de, transforma-se em parte estruturante de algo cabo etc. A lealdade lingüística é um caso extremo
que o transcende. Sua origem, norte-americana da lealdade do consumidor, pois o indivíduo não
ou britânica, torna-se secundária. Já não são mais pode trocar facilmente de idioma. O argumento é
as raízes de sua territorialidade anterior que con- interessante, mas dele é preciso retirar as conse-
tam, mas sua existência como idioma desterrito- qüências devidas. Dirá o autor:
rializado, apropriado, ressemantizado, nos diver-
sos contextos de sua utilização. Fenômeno […] todas as vezes que as pessoas optam em uti-
generalizado na esfera da cultura, na qual muitas lizar um determinado padrão, subscrevem à uma
rede particular de serviços, ou aprendem uma lín-
das tradições nacionais e locais são redefinidas
gua específica; ao fazer isso, elas incrementam a
em termos de mundialização. É o caso do Pato
utilidade desse padrão, rede ou língua para todos
Donald, das estrelas de Hollywood e do Western os consumidores, associados ou falantes que já a
que perdem em americanidade, o mesmo aconte- utilizavam (Swaan, 2001a, p. 28).
ce com Doreamon, Pokemon e a alta costura de
Yamamoto em relação ao Japão, ou, ainda, a mú- Isso significa que a prática do inglês, seja
sica pop em relação à Inglaterra. Da mesma manei- como meio de comunicação, afirmação de prestí-
ra que eles passam a ser expressões de um imagi- gio, seja como expressão literária, implica o forta-
nário coletivo mundial, a língua inglesa, ao se lecimento do padrão da língua inglesa no merca-
reterritorializar no espaço da modernidade-mun- do de bens lingüísticos. Sua autoridade é
do, adquire um outro significado. Ao tornar-se reforçada quando as pessoas o empregam em
mundial (diz-se global em inglês), ela se libera de suas tarefas cotidianas – do pós-colonialista que
seu enraizamento anterior, instituindo um artefato publica seu livro crítico em inglês, ao empresário
a ser legitimamente “deformado”, “deturpado”, brasileiro em suas viagens internacionais. Um
pelos falantes de uma mesma galáxia. exemplo expressivo dessa legitimidade ocorre no
Swaan considera ainda que toda linguagem é campo da música pop, em que é fartamente utili-
um “bem hiper-coletivo”. Ela existe objetivamente zado a despeito de ser ou não compreendido pe-
disponível para os indivíduos (que para usá-las los jovens consumidores. Na verdade, a difusão
devem passar por um aprendizado) assim como em escala planetária de tal gênero musical inde-
os rios e os lagos fazem parte de nosso meio am- pende da dificuldade de sua decodificação. Mas o
biente. Objetividade que lhe permite compará-la que significa uma língua que não é entendida?
aos bens econômicos. As línguas podem então ser Bourdieu em sua crítica ao estruturalismo lingüís-
pensadas como padrões e redes de comunicação. tico dizia que “escutar é crer” (1983). As forças
Os padrões são convenções, protocolos para se simbólicas determinam os que falam e os que es-
operar uma máquina, procedimentos para coorde- cutam, sendo que o princípio de autoridade é re-
nar determinadas ações; as redes são sistemas de forçado no momento em que a comunicação se
conexões, como a rede elétrica com seus cabos ou completa. Paradoxalmente, encontramo-nos
a rede telefônica com seus sinais, capazes de arti- numa situação em que as pessoas apreciam o que
cular um ponto do espaço à uma totalidade inter- não entendem. Elas escutam porque crêem. A le-
conectada. Existem no mercado diferentes pa- gitimidade da língua é tal que ela prescinde do
drões técnicos para diversos tipos de redes em entendimento dos que a desconhecem.
competição – PAL e Secam na televisão (daí a im-
portância da escolha do padrão digital para o sis- ***
tema televisivo de um país); ou ainda, os progra-
mas oferecidos pela Microsoft, que rodam apenas O inglês é a língua da ciência. As razões
em alguns computadores. Para o indivíduo impor- para isso, além das apresentadas anteriormente,
ta saber qual o tipo de benefício que irá obter, po- têm a ver com as profundas transformações que
dendo, em várias ocasiões, trocar a assinatura do ocorreram no pós-Guerra. A ciência e a tecnolo-
jornal, optar por um outro pacote de televisão à gia, que até então evoluíam em esferas relativa-
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mente separadas de conhecimento, se integram olharmos para as mudanças nos currículos das es-
num único sistema. Os historiadores ensinam-nos colas secundárias em relação ao ensino das lín-
que a Revolução Industrial foi fruto muito mais guas estrangeiras. Yun-Kyung Cha, utilizando uma
das invenções pragmáticas de alguns indivíduos, série de dados estatísticos, referentes a todos os
do que o resultado de um conhecimento científi- países do mundo, apresenta alguns elementos in-
co amplo e sistemático. O panorama no final do teressantes para a reflexão (os dados devem ser
século XIX transforma-se com a segunda revolu- tomados com precaução, particularmente no caso
ção industrial. A indústria elétrica é conseqüência de análises abrangentes como essa, mas creio que
direta das investigações científicas, assim como as eles sejam eloqüentes) (Cha, 1991, p. 29). Em
invenções do telégrafo, do dínamo, do motor elé- meados do século XIX (1850-1870) os idiomas
trico e do rádio. Mas não se pode ainda observar francês e alemão, em conjunto, eram ensinados
o inverso, ou seja, uma clara e persistente influên- em 91% das escolas secundárias existentes (45,5%,
cia das pesquisas tecnológicas no funcionamento respectivamente) e o inglês, em 8,3% delas. Entre
do universo científico. Essa tendência impõe-se 1900-1944 esses números foram alterados (inglês,
ao longo do século XX, e a expressão “tecnociên- 39,6%; francês, 47,9% e alemão, 16,3%), mostran-
cia” revela bem sua nova dimensão. As tecnolo- do um razoável equilíbrio entre os idiomas. Entre
gias pressupõem um investimento contínuo de 1972-1986 alterou-se definitivamente esse quadro:
capital, a formação de quadros especializados e a inglês (72%), francês (17,6%) e alemão (0,8%).
constituição de laboratórios de pesquisa. No iní- Considerando que a escola secundária é um fator
cio, isso se concentra nos Estados Unidos, pois importante no aprendizado de uma língua estran-
quando termina a Segunda Guerra Mundial, trata- geira, condição decisiva no mundo das ciências,
se do único país industrializado onde a infra-es- pode-se inferir a que ponto chegou a transforma-
trutura educacional e tecnológica permanece in- ção do padrão de ensino. Uma outra maneira de
tacta. Com a expansão do ensino superior e o abordar a questão é observar o crescimento expo-
desenvolvimento dos institutos de pesquisa, assis- nencial dos artigos publicados em inglês em algu-
te-se a um florescimento científico sem preceden- mas áreas científicas (Tsunoda, 1983). Em mate-
tes, aliado a uma política tecnológica na qual as mática, o Bulletin signalétique mostra que, entre
criações científicas estão vinculadas às descober- 1940 e 1980, o número de textos em inglês pas-
tas e ao aperfeiçoamento das técnicas. A história sou de 49,5% para 71%, enquanto o francês caiu
do computador é um bom exemplo do imbrica- de 31,2% para 6,1%, e o alemão de 13,2% para
mento das dimensões econômica, militar e cientí- 1,6%. O Berichte Uber die Gesamte Biologie indica
fica num mesmo projeto. Como processador de que as publicações em inglês passaram, entre
dados e informações, irá impulsionar todo um 1926 e 1980, de 26,7% para 55,9%, enquanto em
campo de atividades, desde as experiências de la- francês diminuíram de 16,4% para 1%, e em ale-
boratório até a administração das empresas (cujo mão de 50% para 42,1%. Nas revistas de origem
raio de ação é, muitas vezes, transnacional). Ciência, norte-americana a desproporção é mais acentua-
tecnologia e administração – esferas diferenciadas da: Physics Abstracts mostra que entre 1950 e 1980
de práticas e saberes – aproximam-se assim como os textos em inglês aumentaram de 70,3% para
unidades que se alimentam e se reproduzem a 88,6%, sendo as publicações em outras línguas
partir da manipulação, do controle e do processa- quase insignificantes. Alguns lingüistas, entre eles
mento da informação. Creio que não seria exagero Richard Baldauf, elaboraram séries históricas que
dizer que os elementos-chave do que entendemos nos permitem ter uma visão mais nítida das dife-
por sociedade de informação foram inicialmente rentes áreas de conhecimento.9 Entre 1965 e 1988,
preparado em inglês (conceitos, modelos, fórmulas os artigos publicados em inglês na área de biolo-
e procedimentos). gia passam de 50% para 75%; em engenharia, de
Não é difícil seguir o advento e o itinerário 82% para 86%; em medicina, de 51% para 75%; e
desta supremacia. Uma maneira de entendê-la é em matemática, de 54% para 82%. Tendência que
AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O INGLÊS 13

se acentua com o passar dos anos em todas as es- “locais” e “universais”. As primeiras são escritas
pecialidades. Mas não são apenas os artigos que em idioma nacional e têm como veículo as revis-
confirmam esse movimento, as citações, ou me- tas existentes no país; as outras concentram os
lhor, as obras de referências o reforçam integral- cientistas de “elite”, cuja ambição é conseguir
mente. Um estudo realizado sobre as revistas de uma maior visibilidade na cena mundial; interes-
geologia mais significativas da área ilustra bem sa-lhes publicar nas revistas internacionais já con-
esse aspecto (Reguant e Casadellà, 1994). Em pe- sagradas. Nesse caso, tanto a elaboração de arti-
riódicos como American Association of Petroleum gos, como de papers tendem a reter o inglês
Geologist Bulletin (Estados Unidos) e Journal of como língua franca (Russell, 1998). Uma outra es-
the Geological Society (Reino Unido) as referências tratégia é editar revistas inteiramente em inglês ou
a trabalhos escritos em inglês são praticamente publicar, nas revistas nacionais, um número signi-
exclusivas (95,5% e 91,6% respectivamente). Pre- ficativo de textos nesse idioma. Isso acontece em
dominam, ainda, nas publicações de outros paí- diversas publicações especializadas: Anales de la
ses: Geologische Rundschau, 64,4%; Estudios Geo- Asociación Química Argentina (53% dos textos
logicos, 40,3%; Rivista Italiana di Paleontologia e em inglês), Biocell (Argentina, 100%); Brazilian
Stratigrafia, 48,3%; Engineering Geology (Países Journal of Genetics (100%), Computation and Ap-
Baixos), 90,2%. Fecha-se assim um circuito: os ar- plied Mathematics (Brasil, 100%), Arquivos de
tigos passam a ser escritos e citados preferencial- Neuro-Psiquiatria (35%); Archives of Medical Re-
mente em inglês. search (Mexico, 100%); Revista de Biologia Tropi-
Não se deve imaginar das estatísticas apre- cal (Costa Rica, 41%).10
sentadas que toda a produção científica, ou mes- A expressão “língua franca” é recorrente. En-
mo a sua maioria, se faça em inglês. Embora não contra-se geralmente associado ao latim, idioma
existam dados disponíveis em escala mundial, que outrora foi considerado a língua do saber.
pode-se argumentar, e com boa parte de razão, Essa imagem pode ser verdadeira, mas encobre
que a literatura científica em língua não inglesa aspectos não confessados. Há primeiro uma in-
tenha aumentado. Basta ver a proliferação de re- congruência, ou seja, a aplicação de um conceito
vistas nos mais diferentes países e a participação estranho às categorias de uma determinada épo-
dos cientistas em reuniões e congressos especiali- ca. Na Idade Média, por exemplo, scientia equi-
zados. No entanto, como sublinha Baldauf, sua valia a “ um saber certo”, e aplicava-se apenas à
representação na literatura recenseada nas princi- teologia, à lógica, à física e à matemática (Blair,
pais bases de dados declinou. As bases de dados, 1996); a astronomia e a ótica, por sua vez, eram
apesar de serem consideradas por muitos como chamadas de ciências médias, pois emprestavam
representativas da produção científica, na verdade seus princípios a outras disciplinas; navegação,
formam uma projeção distorcida do que realmen- contabilidade, cirurgia, farmácia e construção de
te acontece. Grande parte do que é produzido é edifícios eram especialidades práticas, ou melhor,
simplesmente ignorado pelo fato de não estar for- artes. O latim era a língua da scientia, enquanto os
malizado e formatado em informação imediata- outros saberes, dos médios às artes, exprimiam-se
mente disponível, ou seja, compreensível para um em vernáculo. Em segundo lugar, na hierarquia
conjunto amplo de pessoas. Existe ainda uma se- prevalente, servir-se da língua vulgar equivalia à
leção entre as publicações, daí a disputa surda, desclassificação ou rebaixamento, isto é, o latim
entre os cientistas, a respeito da fidelidade ou não não era apenas uma língua franca, mas um meio
do Science citation index. Entretanto, importa en- prestigioso de comunicação. A rigor, deveríamos
tender que um corpus literário, funcionando dizer, nenhuma língua “é” franca, ela apenas de-
como padrão de referência, é legitimado mundial- sempenha, em determinados domínios, a “função
mente somente quando disponível em inglês. Daí de ser” franca. Nesse sentido o inglês, no univer-
a estratégia de vários grupos, particularmente no so das ciências da natureza, atua como um idio-
“Terceiro Mundo”, de dividir suas atividades em ma predominantemente “franco”, seu papel con-
14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 54

centra-se na informação transmitida, minimizando exemplo, podemos enunciar as sentenças “para


outras dimensões da vida em sociedade (prestí- mim é preferível sair por último” e “eu prefiro sair
gio, estética, sentimentos etc.). Mas se isso é pos- por último”; há aí uma variação da forma mas não
sível, e este é o elemento valorizado pelos cien- da informação transmitida. O caso é distinto no
tistas – utiliza-se nos congressos uma língua discurso científico, no qual ocorre uma forte res-
esvaziada de outras conotações com o intuito de trição na co-ocorrência das palavras. Em bioquími-
maximizar a comunicação instrumental –, o que ca pode-se dizer “os polypeptides foram lavados
dizer das ciências sociais? em ácido hidroclorídrico”, mas “ácido hidroclorí-
Retomo de Barthes uma observação que faz drico foi lavado em polypeptides”, embora grama-
ao comparar literatura e ciência. Ele diz: ticalmente correto, seria uma afirmação implausí-
vel. Ao analisar a co-ocorrência das palavras no
[…] Para a ciência, a linguagem é apenas um ins- discurso científico, torna-se então possível definir
trumento, aprisionado à matéria científica (opera-
campos de sublínguas separados do idioma utili-
ções, hipóteses, resultados) que se diz, a antece-
de e existe fora dela, e que se tem o interesse de
zado. Afirmam os autores:
torná-la o mais transparente e neutra possível: há,
de um lado, num primeiro plano, o conteúdo da Examinando-se a estrutura das sublínguas da bio-
mensagem científica, que é tudo; de outro, num química em francês e em inglês – isto é, os sub-
segundo plano, a forma verbal, que exprime esse grupos de nomes, verbos e outros elementos de
conteúdo e que é nada […]. Para a literatura […] sentenças deles compostos – verifica-se que elas
a linguagem é o seu ser, seu mundo: toda a lite- são idênticas. Ao marcar os diversos subgrupos de
ratura está contida no ato de escrever […]. A ciên- palavras da sublíngua em inglês com letras – por
cia tem certamente necessidade da linguagem, exemplo, P para polypeptides e outras moléculas
mas ela não está, como a literatura, na linguagem que possam ser tratadas por lavagem, W para cer-
(Barthes, 1984b, pp. 14-15). tas operações de laboratório, e S para certas solu-
ções –, poderíamos representar tipos de sentenças
É preciso ter em mente que a qualidade de por seqüências dessas palavras-símbolos. Tal sen-
tença seria, “PWS”. É possível demonstrar que a
ser instrumental não deve ser vista como algo ne-
mesma classe de símbolos e seqüências de sen-
gativo, no sentido frankfurtiano de razão instru-
tenças de símbolos são suficientes para caracteri-
mental, ou, falando em literatura, de um empo- zar as classes de palavras e os tipos de sentenças
brecimento da linguagem (embora Barthes às da sublíngua da bioquímica em francês. Isso sig-
vezes tenha essa intenção). Trata-se de uma op- nifica que artigos em qualquer língua, num deter-
ção deliberada em utilizar a linguagem como uma minado campo da bioquímica, poderia ser repre-
ferramenta, cujo resultado é altamente compensa- sentado por seqüências do mesmo tipo de
dor – o discurso científico. Resulta disso o amplo fórmula (Harris e Mattick, 1988, p. 76).
consenso (embora sem unanimidade) existente
entre os cientistas em relação ao uso do inglês, Dentro da perspectiva da lógica e da lingüís-
qual seja, o fato de ele ser instrumental e eficien- tica, eles estão procurando uma possível gramática
te.11 Mas qual seria a razão dessa instrumentalida- da ciência, o que certamente é complexo. Importa,
de? Richard Harris e Paul Mattick, trabalhando porém, para nossa discussão, que o raciocínio
com as propriedades da linguagem e sua relação apresentado para justificar a existência de sublín-
com a informação, têm um argumento interessan- guas nas ciências revela muito de sua natureza dis-
te. Consideram que cada domínio científico utili- cursiva. Ao fixar as sentenças em posições deter-
za a linguagem de maneira limitada, por isso é minadas pode-se representar a informação,
mais fácil traduzir textos científicos do que literá- liberada dos aspectos não informacionais da lin-
rios. Isso significa que a informação provida na guagem. Esse processo de redução, que Barthes
mensagem é dada não apenas pelo significado in- considera “transparente” e “neutro”, somente é
dividual das palavras, mas também pela relação possível quando a informação é o interesse cen-
entre elas, sua co-ocorrência e combinação. Por tral na transmissão. O discurso deve se desnudar
AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O INGLÊS 15

ao máximo de suas características externas para Diversos obstáculos podem ser sublinhados.
exprimi-la da melhor maneira possível. O problema da tradução, por exemplo.12 A passa-
As ciências sociais estão demasiadamente gem de um idioma para outro, longe de ser ime-
amarradas aos contextos, daí a dificuldade de uni- diata, como se ambos pertencessem a uma mesma
versalização de seus discursos. A crítica de Jean sublíngua, é necessária (o pensamento e as obras
Claude Passeron (1995) ao idealismo científico do devem circular, este é um imperativo para todo
tipo popperiano é sugestiva e ajuda o encaminha- conhecimento), mas custosa. É preciso sempre um
mento do debate. O autor lembra que a pesquisa esforço adicional de interpretação, pois nenhuma
sociológica procede por veredas teóricas que tradução é literal. Termos, conceitos e abstrações
sempre recomeçam porque nunca estão definiti- devem buscar equivalentes quando passam de um
vamente separadas da “literalidade” dos enuncia- código para outro. A língua reforça o vínculo dis-
dos que lhe conferem sentido. Não é possível, cursivo ao solo onde as ciências sociais são elabo-
portanto, partir de uma teoria geral, uma série radas. Mas não se trata apenas de tradução direta,
abstrata de conceitos, e ser capaz de deduzir o existem diferentes tradições, e muitas vezes vertê-
que se encontraria na realidade. Por isso o méto- las de uma língua para outra não significa simples-
do comparativo – a capacidade de estabelecer re- mente encontrar o vocábulo adequado, mas con-
lações – é fundamental; o cientista social não pos- siderar toda uma constelação expressiva. Quando
sui um laboratório para fazer experiência, a se diz, por exemplo, “questão nacional” ou “cues-
tion nacional”, a oração dificilmente poderia ser re-
própria noção de experiência, tal como se dá nas
duzida a “nationalism”. “Questão nacional” implica
ciências naturais, lhe escapa. O caminho da abs-
um pano de fundo no qual se desenrola todo um
tração requer, então, um esforço comparativo ou
debate intelectual na América Latina, discussão que
relacional constante. Ademais, o objeto das ciên-
se faz do final do século XIX ao final do XX, en-
cias sociais está em permanente mutação, ele é
volvendo pensadores, artistas e políticos. Refere-se
também histórico. Nesse sentido, a prática socio-
à problemática da identidade nacional, da constru-
lógica é sempre uma estenografia, ou uma taqui-
ção da nação e da modernidade; nela está incluí-
grafia, como prefere nomeá-la Octávio Ianni
da a crítica à importação de idéias, o complexo de
(1997). Essa imagem é sugestiva. Taquigrafia e es-
inferioridade dos países colonizados, assim como
tenografia são linguagens abreviadas; da riqueza
os dilemas da modernidade periférica. “Naciona-
da língua, retêm apenas alguns traços. As nota-
lismo” é uma das facetas de uma problemática
ções taquigráficas contêm um grau de abstração bem mais ampla. “Questão nacional” diz respeito
que não está contido na amplitude da língua; por ainda a toda uma tradição bibliográfica, de Vas-
serem mais simples, ganham em universalização. concelos no México à Gilberto Freyre no Brasil, do
Porém, essa universalização nunca é inteira, desenvolvimentismo da Cepal à teoria da depen-
emancipada, pois as notações se encontram apri- dência. Mesmo a equivalência do termo em fran-
sionadas à “literalidade dos enunciados”. O pen- cês – “question nationale” –,é dúbia, pois trata-se
samento sociológico é sempre uma tradução, algo de constelações de significados distintos. Na ver-
intermediário entre o ideal de universalidade (que dade, na própria literatura escrita em Portugal (o
é necessário) e o enraizamento dos fenômenos termo remete à descolonização da África), ou na
sociais. Ora, contexto e língua conjugam-se mu- Espanha (ao debate sobre o iberismo), o sentido é
tuamente. O discurso das ciências da natureza se inteiramente diverso. “Questão nacional” é uma
justifica porque consegue reduzir a linguagem, expressão taquigráfica vinculada à história dos
depurá-la de sua malha sociocultural, algo impen- países latino-americanos, periféricos, em busca de
sável quando se deseja compreender a sociedade. suas identidades.
Nesse caso, o inglês não pode funcionar como Barthes dizia que a linguagem era para a li-
língua franca, não por uma questão de princípio, teratura o seu ser, e que ela consistia e se concen-
ou de orgulho nacional, mas devido à própria na- trava no ato de escrever. Certamente não podería-
tureza do saber construído. mos dizer que a linguagem é o “ser” das ciências
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 54

sociais; existem técnicas de pesquisa, metodolo- levante ou insuficiente, mas somente pude elabo-
gias, teorias, enfim, obrigações que a distanciam rá-la porque a língua portuguesa possui dois ter-
da literatura. Mas a escrita é um elemento comum mos distintos, que podiam ser investidos de con-
às duas tradições. Os cientistas sociais têm razão teúdos diferenciados. Caso escrevesse em inglês
quando insistem na importância das regras meto- seria obrigado a me contentar com globalization,
dológicas no entendimento da sociedade, mas às global culture, global language.
vezes se esquecem de acrescentar o fato de elas O contraste entre ciências sociais e naturais
se realizarem no texto. A escrita é o suporte e a pode ser ainda melhor trabalhado. Diversos estu-
concretização do recorte conceitual. As mesmas dos mostram que nessas últimas as revistas são
informações, os mesmos dados, podem ser costu- consideradas documentos “primários”, veículo
rados de maneira distinta por autores diversos. das “informações de primeira mão”.13 A revista é
Não há objeto fora do texto, seu conteúdo, para o meio por excelência da ciência em andamento;
existir, deve ser formalizado. Uma grande parte situa-se na fronteira, na brecha que se instala en-
da exposição argumentativa é uma questão de tre o que se sabe e o que está para ser conheci-
composição. As informações primárias são previa- do. Os pesquisadores e as equipes de laboratório
mente apreciadas, filtradas, antes de figurarem na a privilegiam em contraposição ao livro, conside-
página em branco ou na tela do computador. A rado um manual informativo, suporte secundário
composição é crucial para o trabalho intelectual. na elaboração de novas teorias e descobertas. As
Nesse sentido, a construção do objeto sociológico publicações tendem, assim, a valorizar os resulta-
se faz por meio da língua, portanto a utilização de dos recentes, que trazem dividendos para o con-
um determinado idioma não é algo fortuito, mera junto da área, daí a insistência de muitas das re-
sutileza de estilo, mas uma questão decisiva na vistas, sobretudo as mais bem qualificadas na
formulação final. Retiro um exemplo de minha classificação mundial, em exigir artigos cujos re-
própria pesquisa, quando propus, faz algum tem- sultados não foram ainda publicados. A premên-
po, uma distinção conceitual entre “mundializa- cia do tempo é tal, que vários grupos de cientis-
ção” e “globalização”. Quando falamos de econo- tas, principalmente os físicos, lançam mão de uma
mia e de tecnologia nos referimos a processos outra estratégia: a pré-tiragem. O pesquisador, ou
que se reproduzem igualmente em todo o mun- o grupo de pesquisadores, uma vez terminado um
do. Há apenas uma economia global, o capitalis- artigo, o submete à aprovação da alguma revista e,
mo, e um único sistema técnico (computadores, simultaneamente, o edita em sua instituição, distri-
Internet, satélites etc.). Global remete-nos, assim, buindo-o por correio eletrônico. Informação e
à idéia de unicidade. Seria entretanto inadequado tempo são portanto elementos fundamentais que
sustentar essa mesma idéia quando se entra da es- favorecem o uso do inglês. É necessário se expri-
fera da cultura. Não há uma cultura global, mas mir de forma mais abrangente, numa duração a
um processo de mundialização da cultura, o qual mais curta possível. Em contrapartida, para as
se exprime em dois níveis: a) articulada às trans- ciências sociais o livro é o suporte privilegiado;
formações econômicas e tecnológicas da globali- mesmo os artigos são longos, ao contrário dos
zação, a modernidade-mundo é sua base material; textos curtos (às vezes curtíssimos) das ciências
b) espaço de diferentes concepções de mundo, naturais. Não se trata meramente de uma questão
no qual formas diversas e conflituosas de enten- de prestígio (ele existe nas “humanas” e nas “exa-
dimento convivem. Por isso prefiro dizer que o tas”), mas aqui a idéia de informação possui uma
inglês é uma língua mundial e não global, pois outra relevância. Ela é parte integrante de um
preservo, na afirmação, a diferença entre a diver- conjunto teórico e explicativo, sendo que, muitas
sidade da esfera cultural diante da unicidade dos vezes, esse arcabouço interpretativo é mais im-
domínios econômico e tecnológico. Sua mundia- portante do que os dados veiculados (o que não
lidade se dá no interior de um universo transglós- significa dizer que a informação seja irrelevante).
sico habitado por outros idiomas. O leitor pode As ciências sociais são mais interpretativas do que
aceitar ou não minha proposição, considerá-la re- informativas, requerem tempo de amadurecimen-
AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O INGLÊS 17

to e análise. Não há portanto a premência de se xa renda são representados com apenas 0,7% de
publicar imediatamente os resultados de pesqui- suas revistas, os de renda média com 2,3% e os
sa, e se porventura eles forem difundidos em ou- de alta renda com 97%. Com exceção dos Estados
tra língua, é necessário esperar pelo tempo da tra- Unidos, há uma diminuição significativa do nú-
dução. O ritmo desse processo marca inclusive o mero de revistas dos outros países: Brasil (passa
tipo de material utilizado e valorizado pelo cien- de 81 na base Unesco para 3 no SSCI); França (de
tista social. Nas ciências da natureza, a corrida 295 para 23); Alemanha (de 217 para 51); México
para expandir a fronteira do conhecimento faz (de 47 para 2). A presença do inglês na base
com que as descobertas muito rapidamente tor- Unesco, somado apenas Estados Unidos e Grã-
nem obsoletas as certezas do passado. A informa- Bretanha, representa 32% da amostra total; na
ção recente, atual, tem assim um valor insubstituí- SSCI, esse número sobe para 79% (Narvaez-Ber-
vel. Nas ciências sociais a vigência dos materiais thelemot e Russel, 2001). O problema é que as
utilizados nas pesquisas recuam às vezes séculos bases de dados não armazenam apenas informa-
quando se trata, por exemplo, da leitura dos clás- ções, tornando-se também artefatos de prestígio.
sicos. Alguns estudos sobre a prática dos cientis- Algumas têm mais legitimidade do que outras.
tas sociais a respeito da utilização dos dados bi- Este é o ponto central. O inglês, em sua presença
bliográficos mostram que em todos os lugares quantitativa, se insinua pouco a pouco como uma
tanto o material consultado, como as citações co- hegemonia qualitativa. Isso fica claro quando se
brem períodos bastante longos, ou seja, nessa es- analisa a diferença entre a freqüência dos textos
fera do conhecimento textos e informações enve- publicados em inglês e as citações às obras elabo-
lhecem vagarosamente.14 radas em inglês. A partir da fonte do SSCI, entre
Não obstante, apesar dessas diferenças mar- 1990 e 1992, Glänzel (1996) discriminou as publi-
cantes, a presença e a supremacia do inglês são cações segundo os países de origem, distinguin-
patentes. Um estudo sobre a relação entre os idio- do, ainda, os artigos nacionais e os internacionais
mas e as áreas disciplinares, realizado entre 1981 (colaboração de pelo menos dois pesquisadores
e 1985, com a base de dados International Biblio- de países diferentes). O resultado é expressivo. A
graphy of the Social Sciences, compilada pelo In- França, sub-representada na amostragem inicial,
ternational Committee for Social Science Informa- comparece com 2,9% de artigos nacionais e 9,4%
tion and Documentation, apresenta os seguintes internacionais, mas sua cota de citação atinge
resultados: em antropologia – inglês, 55,5%; fran- apenas 0,8%. Há, pois, uma drástica diminuição
cês, 14,4%; espanhol, 7,7%; russo, 7,2%; alemão, em relação ao total de artigos publicados. Os Es-
6,3% –; em ciência política – inglês, 50,1%; fran- tados Unidos, com 56,9% de textos em revistas
cês, 16,5%; alemão, 7,9%; russo, 7%; espanhol, nacionais e 6% em internacionais (um número in-
6,3% –; em sociologia – inglês, 49,7%; francês, ferior ao da França), vêem sua representação for-
17,6%; alemão, 7,5%; russo, 6,1%; espanhol, 5% –; temente valorizada, pois sua cota em citações
e em economia – inglês, 55%; francês, 13%; ale- sobe para 76%. Por outro lado, Grã Bretanha,
mão, 7,5%; russo, 6,1%; espanhol 5% (Kishida e Austrália e Canadá, países de língua majoritária
Matsui, 1997). Certamente o predomínio de um inglesa, mantêm um equilíbrio entre o conjunto
idioma depende muito da maneira como são con- de textos publicados e as referências. Esses mes-
feccionadas as bases de dados. Outro trabalho, de mos resultados são confirmados quando se anali-
1991, comparando duas delas, uma da Unesco sa algumas revistas norte-americanas e britânicas:
(World List of Social Science Periodicals), outra o American Sociological Review (98,6%), Sociology
Social Sciences Citation Index (SSCI), traz infor- (98,8%), The Sociological Review (99,3%), British
mações sugestivas. Na base de dados da Unesco, Journal of Sociology (99,5%) e Theory Culture and
64% de revistas compiladas pertencem ao grupo Society (89,6%) (cf. Yitzhaki, 1998).
de países com alta renda, 22% com renda média Se o inglês não funciona como língua franca
(inclui a maioria dos países latino-americanos) e nas ciências sociais, qual seriam o significado e a
14% com baixa renda. No SSCI, os países de bai- implicação de sua presença dominante? Minha im-
18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 54

pressão é de que, por sua abrangência, esse idio- se tornado, atualmente, “mais universais” do que
ma adquire a capacidade de “pautar” o debate em no passado. O estatuto da explicação sociológica,
escala global. Em jornalismo, “pautar” significa se- como o qualificava Passeron, permanece inaltera-
lecionar, entre tantos, alguns problemas existen- do. Também os economistas insistem em dizer
tes, tornando-os relevantes e visíveis. Esse tipo de que o capitalismo global contribui para a univer-
procedimento favorece a existência de um con- salização dos espíritos; já a literatura que se ocu-
junto hegemônico de representações mundializa- pa de maketing e business não hesita em afirmar
das, que passam a ser aceitas como válidas, natu- que os indivíduos consomem produtos globais
ralizando procedimentos metodológicos e porque eles atendem a seus desejos universais.
diversas problemáticas. Por exemplo, os “estudos Essa aproximação indevida entre global e univer-
culturais”, ou o “multiculturalismo”, deixam de ser sal deriva da utilização recorrente da metáfora es-
pensados em relação ao contexto em que foram pacial. Ou seja, tudo se resumiria a uma expansão
gestados, e no qual fazem sentido, para se impo- dos limites espaciais. No entanto, “universal” é
rem como “universais”. Bourdieu e Wacquant no uma categoria filosófica, e “global”, uma categoria
texto “On the cunning of imperialist reason” (1999) sociológica. A primeira significa transcendência,
vão contra essa perspectiva.15 Apesar de o argu- trata-se de uma relação abstrata que não se reali-
mento central do artigo ser, a meu ver, equivoca- za necessariamente de maneira imediata – é isso
do, já que os autores retomam sem uma visão crí- que permite aos iluministas falarem em “gênero
tica a noção de imperialismo, e têm uma humano”. Quando nomeamos mercado global,
compreensão estreita do processo de globalização sociologia global, economia global, identificamos
(para eles, sinônimo de americanização), o que coisas e processos que se desenvolvem no plano
está em discussão é justamente a questão da “fal- da história real dos homens. Assim, ao aproximar
sa universalização”. Ou seja, como certas idéias e conceitos tão distintos, sugere-se que o universal
visões de mundo se difundem e se legitimam en- se realiza no global, o que é evidentemente falso.
tre as diferentes sociedades sem que haja uma O idioma inglês participa dessa ilusão coletiva, e
prévia reflexão crítica a seu respeito. Isso só é novamente o contraponto com as ciências da na-
possível porque no debate sobre a globalização tureza é elucidativo. A possibilidade de ele se
há uma tendência em pensá-la como equivalente transformar numa língua franca decorre também
à universalização. O que torna essa equivalência do fato de as ciências naturais serem paradigmáti-
crível é a idéia de territorialidade. Ao expandir cas, no sentido dado por Khun. Elas pressupõem
suas fronteiras, ao desterritorializar-se, o universal um único sistema de referência em relação ao qual
e o global participariam de um mesmo movimen- as práticas científicas se organizam. Características
to, transcendendo as diferenças locais. Assim, como estas – comunalidade e abrangência – per-
quando alguns sociólogos discutem a relação uni- mitem associá-las à idéia de universalidade; suas
versalismo versus particularismo, penso em Ro- leis, descobertas e explicações são igualmente vá-
bert Robertson, o termo global surge como um lidas. Contudo, as ciências sociais não são para-
atributo intrínseco ao universalismo, restando ao digmáticas nesse sentido. No limite, se pensarmos
particularismo uma expressão reduzida, territo- em termos do contexto, deveríamos dizer que o
rialmente localizada. ideal seria o conhecimento de todas as línguas
Não resta dúvida de que as ciências sociais nas quais as ciências sociais se exprimem, para se
vêm se transformando com o processo de globa- obter, não uma universalização do espírito, mas
lização. As mudanças nas relações sociais reque- uma biblioteca de idiomas a serviço de uma
rem um novo olhar e a definição de novas cate- maior riqueza do pensamento. Embora isso seja
gorias de pensamento. Certamente, ao tomar o irrealizável, é importante tê-lo em mente, pois o
mundo como tema de reflexão, o estudioso liber- cosmopolitismo das idéias somente pode existir
ta-se do espaço circunscrito pela territorialidade quando levamos em consideração a diversidade
das regiões ou do Estado-nação. Mas seria incor- dos contextos e os “sotaques” das tradições socio-
reto imaginar que as análises sociológicas teriam lógicas. Entretanto, o que se observa é um movi-
AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O INGLÊS 19

mento na direção contrária a qualquer tipo de di- entre os idiomas, marcando a desigualdade exis-
versidade das interpretações. O mercado mundial tente entre eles, mas um elemento sutil de segre-
das traduções nos dá uma boa imagem desse fato. gação intelectual se instaura. A homologia postu-
Nos Estados Unidos e no Reino Unido menos de lada entre local-global/particular-universal fecha o
5% das obras publicadas são traduções (incluindo círculo, rebaixando as outras interpretações à po-
obras literárias); na França e na Alemanha esse sição subalterna de localismo. Convenientemente
número gira em torno de 12%, sendo que na Es- se esquece que o cosmopolitismo não é um atri-
panha e na Itália chega a 20% (cf. Heilbron, buto necessário da globalidade e que o particula-
1999). Isso significa que quanto mais central é um rismo do pensamento se enuncia tanto em dialeto
idioma no mercado mundial de bens lingüísticos, como em linguagem global, pois na condição da
menor é a proporção de textos nele traduzidos. O modernidade-mundo é plausível, e corriqueiro,
corolário desse axioma é que as traduções entre ser globalmente provinciano.
línguas periféricas se tornam cada vez mais raras,
pois devem passar necessariamente pelo vernácu-
lo mundial. Na verdade, quando assistimos à ex- NOTAS
pansão das bases de dados, à constituição de ban-
cos de informações, à publicação de livros e 1 Fishman, Cooper e Conrad (1977), Bailey e Görlach
artigos, o aumento das citações de obras escritas (1982), Cooper (1982) e Greenbaum (1985).
em inglês, e com advento das revistas on-line, 2 Cito, entre outros, McArthur (1987).
tudo isso, conjugado prioritariamente em inglês,
3 Remeto o leitor ao texto clássico de Ballandier
tem-se a falsa impressão de que tal abrangência é
(1951), quando o autor, ao criticar a perspectiva cul-
sinônimo de universalidade. Publicar e ser citado
turalista, cunha o conceito de “situação colonial”.
em inglês não seria, pois, o resultado da expan-
são de um circuito, de sua amplificação territorial, 4 Existem exceções que confirmam a regra, por
mas a condição primeira do pensamento (daí os exemplo, o artigo de Swaan (1991).
autores anglo-americanos se ajustarem tão bem 5 Retomo a argumentação desenvolvida em meu livro
ao monolingüismo, afinal, fora dele, pouca rele- Mundialização e cultura (1994).
vância científica existiria). Escrever em outra lín-
gua deixa também de significar, estar circunscrito 6 Como sugere o título do artigo de Fishman (1982),
a uma determinada forma de expressão, essa con- “English as an additional language”.
dição é percebida como uma limitação. Isso fica 7 Uma perspectiva próxima à sua foi trabalhada por
claro quando se extrapola certos julgamentos da Calvet (1999).
área das ciências da natureza para as ciências so-
8 Há uma controvérsia em relação ao número dessas
ciais. A estratégia de grupos de elite das áreas de
línguas. Calvet contesta ao japonês e ao alemão a
física, química e biologia de países de língua não
posição atribuída por Swaan; para ele, seriam idio-
inglesa de escrever e publicar em inglês implica a
mas com um número grande de falantes, mas con-
idéia de que existe um desnível hierárquico entre
centrados num mesmo espaço geográfico.
o local e o universal. Daí a tendência em se afir-
mar que as revistas editadas em língua nacional 9 Ver os dados em Baldauf Jr. (2001).
estão voltadas para aspectos locais, cuja impor- 10 Ver dados em Gómes, Sancho, Moreno e Fernández
tância para o desenvolvimento do saber científico (1999).
seria menor. Pode-se discutir a validade dessa hie-
rarquia, mas ela se assenta na existência de para- 11 Ver, entre outros, Alberch (1996).
digmas aceitos pela comunidade científica inter- 12 Swaan (2001b) chama a atenção para esse aspecto.
nacional. No caso das ciências sociais isso não
13 Ver, entre outros, Josette de la Veja (2000).
ocorre, mas mesmo assim o paralelismo é implici-
tamente aceito. Global english torna-se universal 14 Ver, entre outros, Stone (1982) e Romanos de Tira-
english. Temos, assim, não apenas uma hierarquia tel (2000).
20 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 54

15 Para uma crítica interessante ao ponto de vista dos BOURDIEU, P. & WACQUANT, L. (1999), “On the
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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O SOCIAL SCIENCES AND THE LES SCIENCES SOCIALES ET


INGLÊS ENGLISH LANGUAGE L’ANGLAIS

Renato Ortiz Renato Ortiz Renato Ortiz

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Mundialização; Modernidade; Globalization; Modernity; Mondialisation; Modernité;
Cultura; Identidade Nacional Culture; National identity. Culture; Identité Nationale

O presente artigo é uma reflexão The article analises the predominan- Cet article est une réflexion à propos
sobre o predomínio da língua inglesa cy of the English language in the de la prédominance de l’anglais dans
no contexto da globalização, anali- globalization context, particularly le contexte de la globalisation.
sando particularmente as implicações the implications related to the social L’auteur analyse, en particulier, les
desse fenômeno para as ciências sciences. It first makes a critical implications de ce phénomène sur
sociais. Na primeira parte faz-se uma analysis of the literature elaborated les sciences sociales. Dans une pre-
análise crítica da literatura elaborada by linguists concerning the expan- mière partie, il propose une analyse
pelos lingüistas em relação à expan- sion of the language in the contem- critique de la littérature élaborée par
são da língua inglesa no mundo con- porary world, focusing on the evolu- les linguistes par rapport à l’expan-
temporâneo, focalizando-se particu- tion of English from an international sion de la langue anglaise dans le
larmente a passagem do inglês como to a global language. It then discusses monde contemporain, s’attachant
língua internacional para o inglês the supremacy of English both in spécifiquement au passage de
como língua mundial. Na segunda, natural and social sciences. The cen- l’anglais, langue internationale, à
discute-se a supremacia do inglês nas tral argument is that such scientific l’anglais, langue mondiale. Dans la
ciências da natureza e nas ciências practices are distinct, i.e., having seconde partie, l’auteur discute la
sociais. O argumento central é que English as lingua franca for natural suprématie de l’anglais dans les sci-
essas duas práticas científicas são dis- sciences will make it impossible to ences de la nature et les sciences
tintas, isto é, se o inglês pode fun- have it doing so in the human sci- sociales. L’argument central est que
cionar como língua franca nas ciên- ences ambit. Assuming that the cons- ces deux pratiques scientifiques sont
cias da natureza, isso é impossível no truction of the social object is distinctes, c’est-à-dire, si l’anglais
âmbito das ciências humanas. Nesse achieved through the language, peut fonctionner comme langue
sentido, como a construção do obje- being it also referred to a specific franche dans les sciences de la
to social se faz por meio da língua, historic-geographic context, the nature, cela est impossible dans le
como ele encontra-se ainda referido a making of the social sciences must cadre des sciences humaines.
um contexto histórico-geográfico keep several languages in the Comme la construction de l’objet
específico, a produção em ciências process. The imposed prevalence of social se fait par la langue – car il se
sociais deve manter uma pluralidade a language happens due to a power trouve toujours lié à un contexte his-
de idiomas na sua confecção. Porém, hierarchy in the linguistic métier, torique et géographique spécifique -
se o predomínio de uma língua se within which there has been an erro- la production dans les sciences
impõe, isso se dá em função de uma neous nearing between the ideas of sociales doit maintenir, dans son
hierarquização de poder no mercado universal and global. élaboration, une pluralité de langues.
de bens lingüísticos, no interior do Néanmoins, si la prédominance
qual elabora-se uma falsa aproxi- d’une langue s’impose, cela a lieu en
mação entre a idéia de universal e de fonction de la hiérarchisation du
global. pouvoir du marché de biens linguis-
tiques à l’intérieur duquel se crée un
faux rapprochement entre l’idée de
l’universel et celle du global.

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